Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 248/2020-T
Data da decisão: 2021-01-06  IVA  
Valor do pedido: € 60.235,22
Tema: IVA – Inversão do sujeito passivo; Reverse charge; Formalidades legais; IRC; Princípio da especialização dos exercícios.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-08-2020, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A, NIPC..., com sede na Rua ..., nº..., R/C, Dtº, ...-... ... (doravante abreviadamente designada por "Requerente”) veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a anulação:

 – das liquidações de IVA relativas ao ano de 2015:

•             n.º 2019 ... (20153T), no montante de 2.198,80€;

•             n.º 2019 ... (20156T), no montante de 22.806,57€;

•             n.º 2019 ... (20159T), no montante de 21.332,27€;

•             n.º 2019 ... (201512T), no montante de 4.963,89€

– dos respetivos actos de liquidação dos juros compensatórios:

•             n.º 2019 ... (3T), no montante de 402,41€;

•             n.º 2019 ... (6T), no montante de 3.938,97€;

•             n.º 2019 ... (9T), no montante de 3.471,60€;

•             n.º 2019 ... (12T), no montante de 758,31€;

 

– da correção da matéria coletável em sede de IRC (não aceitação dos gastos do exercício no montante de 41.642,06€ e correção dos prejuízos fiscais desse exercício) e posterior liquidação de IRC nº 2019... e Compensação nº 2019..., referente ao ano de 2015, no montante global de 90,35€.¨

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-05-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.

Em 07-07-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 06-08-2020 (tendo em conta a suspensão de prazos determinada pelo artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março).

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Em 27-11-2020, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

Junto o processo administrativo, a Requerente pronunciou-se.

                               O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

A.           A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2018... foi desencadeado procedimento externo de inspecção à Requerente, com indicação de que tinha âmbito Parcial abrangendo apenas o IRC, sendo a Requerente notificada em 02-09-2019 (documento n.º 1 junto pela Administração Tributária com a resposta, cujo teor se dá como reproduzido);

B.            Em 04-10-2019, a Requerente foi notificada, na pessoa da sua Administradora B..., NIF..., da alteração da Ordem de Serviço referida, com indicação no Campo 5 nestes termos: “Altera-se a Ordem de Serviço que lhe foi notificada em 2019-09-02, com os seguintes fundamentos: Alargamento do âmbito da OI a IVA, dado que a análise a efetuar visa o controlo da situação tributária do sujeito passivo em sede deste imposto” (documento n.º 1 junto pela Administração Tributária com a resposta, cujo teor se dá como reproduzido);

C.            Na inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

II.3.2 – Atividade exercida e enquadramento fiscal

1 - A sociedade iniciou a atividade em 14-06-2012 e está coletada nas atividades abaixo indicadas.   

 

2 - Enquadramento em IVA e IRC:

 

(...)

III  -  Descrição  dos  Factos  e  Fundamentos  das  Correções  Meramente Aritméticas

  III.1.1 - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO - IVA

 

III.1.1 - IVA não liquidado e IVA deduzido indevidamente - Autoliquidação

 

Nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea j) do CIVA, são sujeitos passivos do IVA as  pessoas  coletivas  que  disponham  de  sede,  estabelecimento  estável  ou  domicílio  em território  nacional  e  que  pratiquem  operações  que  confiram  direito  à  dedução  total  ou parcial  do  imposto,  quando  sejam  adquirentes de serviços de construção  civil,  incluindo a  remodelação,  reparação,  manutenção,  conservação  e  demolição  de  bens  imóveis, em  regime  de  empreitada  ou  subempreitada.

Isto significa que, naquelas situações, há a inversão do Sujeito Passivo, cabendo ao adquirente a liquidação e entrega do Imposto  que  se  mostre  devido,  sem  prejuízo  do direito  à  dedução,  nos  termos  gerais  do  CIVA,  designadamente  do  previsto  nos  seus artigos  19º  a  25º.

Nos termos do nº 13 do artº 36º do CIVA, nas situações previstas na alínea j) do nº 1 do artigo 2º, as faturas emitidas pelo  transmitente  dos  bens  ou  prestador  dos  serviços devem  conter  a  expressão  "IVA  -  autoliquidação”.  (Redação do D.L.  nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de  Janeiro  de  2013)

No exercício de 2015 a sociedade A... adquiriu  serviços  de  Construção  Civil, sendo  titular  das  faturas  que  constam  nas  págs.  11 a 20 do Anexo,  identificadas  no Quadro  5,  cujo  registo  contabilístico  foi  efetuado  na  rúbrica  45.3  -  Ativos  Fixos Tangíveis  em  Curso  -  Obras  Quinta  ... (pág.  21 do Anexo).

Aquelas faturas contêm a expressão “IVA - autoliquidação”, pelo que se  aplica  a referida  regra  de  inversão  do  Sujeito  Passivo.

 

Relativamente às faturas identificadas nas linhas 1,  2  e  3  do  Quadro  5, 

o Sujeito Passivo não aplicou a referida regra  de  inversão,  pelo  que  se  encontra  por  liquidar  o IVA  no  montante  total  de  24.789,56€,  constituindo  infração  ao  art.º  2º,  nº  14  al.  j)  do CIVA.

Relativamente às faturas identificadas nas linhas 4 a 7 do Quadro 5, o  Sujeito  Passivo aplicou  a  regra  de  inversão,  tendo  liquidado  o  correspondente  IVA  no  montante  de 3.705,39€  e  procedeu  também  à  dedução  desse  IVA,  conforme  se  verifica  através  do Quadro  2.

Relativamente à dedução do IVA referente à Autoliquidação, refere-se o seguinte:

No exercício de 2015 o sujeito passivo efetuou aquisições de bens e serviços no total de 294 .901,98€, registadas na rúbrica de Fornecimentos e Serviços Externos, conta 62, e na rúbrica  Ativos  Fixos  Tangíveis  em  Curso-Obras  Quinta ...,  conta  45.3, assim  discriminado:

62 - Fornecimentos e Serviços  Externos  79.081,29

45.3 - Ativos Fixos Tangíveis  em  Curso  -  Obras  Quinta  ... 215.820,69

294.901,98

Conforme consta no capítulo III.2.1, parte das despesas registadas na rúbrica

Fornecimentos e Serviços Externos, conta 62, também respeitam à obra denominada Quinta..., sita em ... .

Quanto ao IVA suportado nestas aquisições, apenas foi deduzido o montante de 3.705,39€ (ver Quadro 2), relativo às faturas identificadas nas linhas 4 a 7 do Quadro 5, relativamente às quais o  sujeito  passivo  aplicou  a  regra  da  inversão,  conforme  atrás  se referiu.

Relativamente ao IVA suportado nas restantes aquisições, não foi deduzido.

Conforme se descreve no capítulo II.3.2, a sociedade está coletada para o exercício de quatro atividades e em  sede  de  IVA  é  um  sujeito  passivo  misto  com  afetação  real  de todos  os  bens,  sem  aplicação  de  IVA  nas  operações  imobiliárias.

Com vista ao correto enquadramento das operações, foram solicitados esclarecimentos, à contabilista  C... e  à  Administradora  B... .

-  À contabilista foi solicitado em 11-10-2019, via mail, que justificasse a não dedução do IVA (pág.  23 do Anexo);

- À administradora, foi solicitado que indicasse qual o fim a que se destinava a obra denominada Quinta ..., (pág.  25 do Anexo).

A contabilista não deu resposta ao solicitado.

- A administradora referiu que tem como destino a exploração de um empreendimento turístico, Hotel ... (págs.  27 e 28 do Anexo), tendo remetido os seguintes documentos:

-  Requerimento  apresentado  em  20-12-2017  na  Câmara  Municipal  de  ... para obtenção  de  licença  para  execução,  no  período  de  24  meses,  das  obras  a  realizar  no Hotel  Rural  “...”  (pág.  29 do Anexo);

-  Pedido de parecer apresentado em 19-12-2017 no Turismo de Portugal, relativo ao empreendimento turístico, ...  -  Hotel Rural (pág.  31 do Anexo);

-  Proposta de aprovação do referido empreendimento, emitida pelo Turismo de Portugal em 14-03-2018 (págs.  33 a 38 do Anexo).

Através dos documentos apresentados, não é possível concluir  que  as  obras  realizadas no  ano  de  2015,  digam  respeito  às  obras  do  Hotel  Rural  denominado  “Quinta  ...”,  uma  vez  que  o  requerimento  para  obtenção  de  licença  para  execução  das obras,  foi  apresentado  à  Câmara  Municipal  em  20-12-2017  e  refere  uma  duração  de  24 meses  (posteriores  a  esta  data).

Face ao exposto, tratando-se de um  sujeito  passivo  misto  com  afetação  real  de  todos os  bens  e  não  tendo  sido  deduzido  o  IVA  suportado  na  aquisição  de  bens  (sem justificação  da  contabilista)  pode  concluir-se  que  à  aquisição  de  bens  e  serviços efetuada  no  exercício  de  2015,  está  afeta  a  uma  atividade  isenta  sem  direito  à dedução.

O artº 20º nº 1 a) do CIVA, estabelece que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou  serviços  adquiridos,  importados  ou  utilizados  pelo  sujeito passivo  para  a  realização  de  transmissões  de  bens  e  prestações  de  serviços  sujeitas  a imposto  e  dele  não  isentas.

Com os fundamentos atrás  descritos:

-  Encontra-se por liquidar o IVA no montante de 24.789,56€, por força do artº 2º, nº 1 al.  i)  do  CIVA,  discriminado  no  Quadro  5,  o  qual  não  é  dedutível,  por  força  do  art.  20º nº 1 a) do CIVA.

-  Foi deduzido indevidamente IVA no montante de 3.705,39€, por força do artº  20º  nº  1 a)  do  CIVA,  discriminado  no  Quadro  5.

 

III.1.2 – IVA não liquidado - Aquisição Intracomunitária

A sociedade A... adquiriu  uma  viatura,  ligeira  de  passageiros  da  marca ...,  à  sociedade  D... AG, com o NIF ..., sujeito passivo registado para efeitos de IVA na Alemanha.

Na fatura de aquisição da viatura, nº 004/2015 datada de 01-04-2015, foi debitado o IVA à taxa de 19%, sendo o total da fatura de 118.000,00€ (99.159,66 + 18.840,34) (pág. 39  do  Anexo).

Segundo esclarecimentos da Administradora, a aquisição de veículos na Alemanha está sujeita a  IVA  mesmo  que  se  trate  de  uma  transmissão  intracomunitária  (pág.  28  do Anexo).

Nos termos do nº 2 do art.º 6º do  RITI,  esta  viatura  foi  adquirida  em  estado  de  usada, dado  que  a  sua  transmissão  foi  efetuada  mais  de  seis  meses  após  a  data  da  primeira utilização  e  tinha  percorrido  mais  de  6000  Km,  dados  obtidos  através  da  Declaração Aduaneira  de  Veículo  Nº  2015/...  que consta nas págs.  41 a 44 do Anexo, indicando que percorreu 6867 Km, sendo a data de primeira matrícula, 06-10-2014.

A contabilidade reflete esta aquisição em Ativos Fixos Tangíveis, conta 43.4.2.2 - Equipamento de Transporte - Aquisições Intracomunitárias com IVA não dedutível, pelo montante de 118.420,66€, sendo 118.000,00€ o valor que consta  na  fatura  &  420,66€  o valor  do  Imposto  sobre  Veículos  (ISV).

O sujeito passivo alemão declarou esta transmissão intracomunitária pelo montante de 99.159,00€, mas a sociedade A...   não declarou na Declaração Periódica do IVA esta aquisição intracomunitária, conforme consta no Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias (VIES) (pág.  45 do Anexo), verificando-se assim uma divergência no VIES.

A declaração por parte do vendedor alemão de uma transmissão intracomunitária, significa que o adquirente efetuou, em território nacional, uma aquisição intracomunitária tendo fornecido o respetivo número de identificação fiscal para o efeito.

Nos termos da alínea a) do art.º 1º do Regime do IVA nas Transmissões Intracomunitárias (RITI), estão sujeitas a Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) as aquisições intracomunitárias de bens efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, quando o vendedor for um sujeito passivo, registado para efeitos do IVA noutro Estado membro.

A liquidação do IVA por parte do fornecedor, não dispensa o sujeito passivo adquirente, da obrigação de liquidar o respetivo imposto em território nacional referente à aquisição intracomunitária efetuada.

Deste modo, a aquisição intracomunitária em causa está sujeita a IVA no território nacional, nos termos da alínea a) do artigo 1º e  artº  3º,  ambos  do  RITI.

A sociedade A... não  procedeu  à  liquidação  do  IVA  correspondente  a  esta aquisição  intracomunitária,  pelo  que  se  encontra  em  falta  a  liquidação  de  imposto  no montante  de  22.806,57€,  determinado  no  Quadro  6.

 

Por se tratar de imposto relativo à aquisição de viaturas de turismo, por força do artº 24º  nº  4  al.  a)  do CIVA, exclui-se do direito à dedução.

 

Resumo das correções em sede de IVA

 

Resume-se no Quadro 7 o IVA não liquidado e o IVA deduzido indevidamente por período, sendo no total de 51.301,52€.

 

IIl.2 - IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS - IRC

 

III.2.1 - Gastos não dedutíveis para efeitos fiscais

No exercício de 2015 foram efetuadas aquisições de bens e serviços imputáveis à obra denominada Quinta ... sita em ..., conforme  se  refere  no  capítulo III.1.1.

Essas aquisições foram registadas quer em rúbricas de Gastos, conta 62 - Fornecimentos e Serviços Externos, quer na rúbrica de Investimentos - Ativos  Fixos Tangíveis  em  Curso  -  Obras  Quinta   ...,  conta  45.3.

As aquisições suportadas pelos documentos identificados no Quadro 8 que constam nas págs.  47 a 78 do Anexo, no total de 41.642,06€, imputáveis a essa obra, foram reconhecidas como  Gastos  do  Exercício,  nas  rúbricas  indicadas  naquele  Quadro  (págs. 79  a  83  do  Anexo).

 

Tratando-se  de  aquisições  imputáveis  à  mesma  obra  deveriam  ser  registadas  na mesma  rúbrica,  Ativos  Fixos  Tangíveis  em  Curso  -  Obras  Quinta   ...,  conta 45.3.,  sendo  apenas,  reconhecidas  como  gastos  no(s)  exercício(s)  em  que  se verifiquem  os  correspondentes  rendimentos  em  cumprimento  do  princípio  contabilístico da  especialização  dos  exercícios  vertido  no  nº  1  do  artº  18º  do  CIRC  que  estabelece que  os  rendimentos  e  os  gastos  são  imputáveis  ao  período  de  tributação  em  que  sejam obtidos  ou  suportados.

Assim as despesas no montante de 41.642,06€, não são dedutíveis para efeitos fiscais no exercício e 2015, mas apenas no(s) exercício(s) em que se verificarem os correspondentes rendimentos.

D.           Na sequência da inspecção, a Administração Tributária emitiu as seguintes liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios, relativas aos anos de 2015:

–liquidações de IVA:

•             n.º 2019 ... (20153T), no montante de 2.198,80€;

•             n.º 2019 ... (20156T), no montante de 22.806,57€;

•             n.º 2019 ... (20159T), no montante de 21.332,27€;

•             n.º 2019 ... (2101512T), no montante de 4.963,89€

– liquidação dos juros compensatórios:

•             n.º 2019 ... (3T), no montante de 402,41€;

•             n.º 2019 ... (6T), no montante de 3.938,97€;

•             2019 ... (9T), no montante de 3.471,60€;

•             2019 ... (12T), no montante de 758,31€;

 

E.            Em sede de IRC, na sequência da inspecção a Administração Tributária  efectuou correção da matéria coletável, por não aceitação dos gastos do exercício no montante de 41.642,06€ e correção dos prejuízos fiscais do exercício de 2015 e emitiu a posterior liquidação de IRC n.º 2019 ... e Compensação nº 2019..., referente ao ano de 2015, no montante global de 90,35€;

F.            Os actos de liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios foram notificados à Requerente por via electrónica (ViaCTT), sendo as notificações disponibilizadas em 27-12-2019 e 28-12-2019 e tendo um representante da Requerente acedido às notificações em 03-01-2020 (documentos n.ºs 23 e 24 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

G.           A Requerente pagou as quantias liquidadas (documentos juntos em 27-11-2020);

H.           A Quinta ... é integrada por prédios urbanos e rústicos;

I.             Foi adquirida em 2013, sem intenção de desenvolver actividade turística, mas para os proprietários usufruírem (declarações de E...);

J.             Desde 2014, a Requerente iniciou um projecto de reformulação profunda da denominada “Quinta ...” por forma a explorá-la turisticamente, designadamente com casamentos, baptizados e outros eventos e alojamento de hóspedes (declarações de E...);

K.            Em 2014, o projecto da Requerente era de criar um espaço integrado – Turismo no espaço rural – com 5 camas, possibilidade de realização de casamentos e baptizados e criação de um espaço comum que permitisse servir pequenos almoços e pequenas refeições de apoio à piscina;

L.            Nos anos de 2014 e 2015, foram realizadas obras na Quinta ..., designadamente modificação da piscina e espaço envolvente com realização de terraplanagens e criação de jardim onde seriam montadas tendas para eventos, reformulação das cavalariças existentes e transformação das mesmas em 5 suites, e construção de uma capela a fim de permitir a realização de cerimónias religiosas, construção de um apoio para permitir servir pequenos-almoços e pequenas refeições durante o dia em apoio à piscina (documentos n.ºs 25 a 28 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, declarações de E... e depoimentos das testemunhas F... e G...);

M.          No final de 2015, a Administração entendeu reformular o projecto, adquirindo novos terrenos, por ter concluído que eram excessivo o investimento realizado só para a referida utilização, designadamente por o número de quartos ser muito reduzido para assegurar a rentabilidade do projecto (declarações de E...);

N.           Nos anos referidos, a oferta turística no Distrito de Lisboa, inclusivamente em ..., disparou, com muitos projectos turísticos, mesmo em espaço rural, com melhores ofertas em qualidade e dimensão (declarações de E... e depoimento da testemunha F...);

O.           Com essa reformulação pretendiam criar 15 quartos de alojamento (declarações de E...);

P.            Para tornar o projecto concorrencial a Requerente entendeu reformular o projecto com novas valências o que deu origem ao projecto de “Hotel Rural ...”, com a classificação de 4 estrelas, em que foram realizadas obras em 2015, designadamente:

- Piscina, cuja zona foi ampliada;

- Espaço de apoio à piscina, com bar, jacúzis, deck e camas, que já tinha sido feito para o projecto inicial;

- Edifício multiusos, com sala com capacidade para 300 pessoas, com cozinha, biblioteca, sala de jogos, piscina interior adaptado para prestação de serviços de refeições, bar, casas de banho, grelhadores e também utilizável para montagem de uma tenda

- Capela;

– melhoramentos na parte exterior da quinta (declarações de E... e depoimentos das testemunhas F... e G...);

Q.           Para esse efeito submeteram o projecto ao Instituto de Turismo Portugal e à Câmara Municipal de ... e pediram pareceres por causa da proximidade da base área da OTA (declarações de E...);

R.            As obras anteriores, realizadas em 2014 e 2015, foram na totalidade incorporadas no novo projecto (declarações de E...);

S.            Houve uma ligação entre as obras iniciais e as posteriores, designadamente a nível de materiais utilizados (depoimento da testemunha F...);

T.            Quando foram realizadas as obras em 2015, a intenção do declarante E... era adquirir outros terrenos e ampliar a quinta e fazer mais umas suites (depoimento da testemunha F...);

U.           Quando foram realizadas as obras em 2015 a intenção da Requerente já era criar um hotel rural com alguma dimensão, a partir das 4 ou 5 suites iniciais e criação de uma zona de apoio a essas suites (depoimento da testemunha F...);

V.           O Instituto de Turismo Portugal e Câmara Municipal de ... aprovaram o projecto do “Hotel Rural...”, com a classificação de 4 estrelas (declarações de E... e depoimento da testemunha F...);

W.          Este novo projecto que teve parecer prévio positivo do Turismo de Portugal, em 2018;

X.            As obras realizadas pela Requerente em 2015 tinham por objectivo a exploração turística da Quinta ... (declarações de E... e depoimento da testemunha F...);

Y.            Os gastos suportados pela Requerente no ano de 2015 cuja dedutibilidade para determinação do lucro tributável não foi aceite pela Administração Tributária que a pela Administração Tributária reportam-se a conservação e reparação, designadamente da piscina ao ar livre, tratamento da relva e na capela onde ocorreu um incêndio, bem como água e electricidade do imóvel que constitui a Quinta ... (declarações de E... e depoimento da testemunha H...);

Z.            Relativamente às obras realizadas em 2015 foram emitidas as seguintes facturas:

 

AA.        A Requerente reconheceu os gastos a que refere a liquidação de IRC como reportando-se ao exercício desde 2015, por se tratar de obras já concluídas de reparação e manutenção e entender que não tinha outra forma de as reconhecer, por não se tratar de activo imobilizado e não serem susceptíveis de prolongar a vida útil dos bens, tendo a ver com a sua utilização  (depoimento da testemunha I...);

BB.         A Requerente não deduziu IVA quanto às despesas referidas pela Administração Tributária em que isso sucedeu, por não ter ainda iniciado a actividade a que se destinavam e ter entendido não dever deduzir por razões de segurança e não por a actividade a que se a que se destinavam as despesas ser isenta (depoimento da testemunha I...);

CC.         A Requerente assumiu o IVA suportado com essas despesas como um gasto (depoimento da testemunha I...);

DD.        A Quinta ... tem custos de manutenção independentemente da actividade como reparações, tratamento de piscina e de relva, que implicam custos de água e electricidade e despesas com material eléctrico (declarações de E... e depoimento da testemunha H...);

EE.          Em 04-05-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

                2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

                Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

                A decisão da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente e, nos pontos indicados, na prova por declarações de parte e testemunhas.

                Tanto o declarante E..., beneficiário da actividade Requerente, como as testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que relataram.

                A testemunha I... era contabilista certificado da Requerente no ano de 2015.

                A testemunha F... efectuou obras para a Requerente no ano de 2015.

                A testemunha G... foi o arquitecto que projectou algumas das obras realizadas.

                A testemunha H... é colaborador do grupo de empresas em que se insere a Requerente.

 

                3. Matéria de direito

 

                A Administração Tributária efectuou uma inspecção à Requerente em que efectuou correcções em sede de IVA e IRC.

                A Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, suscitou a questão da ilegalidade da extensão do objecto da inspecção a IVA, invocando que não lhe teria sido notificado o despacho respectivo, mas, na sequência da junção do processo administrativo, veio reconhecer, em requerimento apresentado em 05-01-2021, que a sua  administradora única foi notificada desse despacho, corrigindo o alegado em contrário no pedido de pronúncia arbitral.

                Por isso, considera-se abandonada a imputação de vício procedimental pela alegada falta de notificação do despacho de alargamento do objecto da inspecção.

              

                3.1. Vícios de violação de lei imputados às liquidações de IVA

 

                A Requerente é um sujeito passivo misto de IVA, pois na sua actividade incluem-se actividades imobiliárias isentas.

                No ano de 2015, a Requerente efectuou aquisições de bens e serviços no valor total de  294.901,98, mas apenas deduziu IVA no montante de € 3.705,39, relativamente a quadro facturas em que efectuou autoliquidação, aplicando a regra da inversão do sujeito passivo, prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, em que se estabelece que são sujeitos passivos do IVA «as pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada».

                As correcções efectuadas pela Administração Tributária foram motivadas pelo facto de que a Requerente não ter liquidado IVA em situações em que deveria ter efectuado autoliquidação, tendo omitido a aplicação desta regra, e, nas situações em que fez autoliquidação, ter deduzido o IVA que autoliquidou.

 

                3.1.1. Caducidade do direito de liquidação

 

                O artigo 45.º, n.º 1, da LGT estabelece que «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro», iniciando-.se a contagem do prazo, quanto ao IVA, no do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.

                A Requerente defende que as liquidações de IVA, relativas ao ano de 2015, foram notificadas fora deste prazo. 

                As liquidações de IVA reportam-se ao ano de 2015 e os actos de liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios foram notificados à Requerente por via electrónica (ViaCTT), sendo as notificações disponibilizadas em 27-12-2019 e 28-12-2019 e tendo um representante da Requerente acedeu às notificações em 03-01-2020.

                De harmonia com o n.º 10 do artigo 39.º do CPPT, na redacção da Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, alterou n.º 10, «as notificações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico consideram-se efetuadas no décimo quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas, sendo que a contagem só se inicia no primeiro dia útil seguinte, no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar».

                Assim, a contagem do prazo de 15 dias inicia-se em 30-12-2019 (primeiro dia útil subsequente), pelo que as notificações das liquidações de IVA consideram-se efectuadas em 13-01-2020.

                No entanto, estando-se perante uma inspecção externa, o prazo de caducidade do direito de liquidação suspendeu-se durante a inspecção tributária, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT, pois a inspecção que teve duração inferior a seis meses.

                Na verdade, embora a inspecção se tivesse iniciado em 02-09-2019, com a notificação à administradora única da Requerente, apenas quanto a IRC, houve alargamento da inspecção a IVA, na sequência de despacho notificado à mesma administradora da Requerente em 04-10-2019 (documento junto com a resposta da Administração Tributária).

                Por isso, o prazo de caducidade do direito de liquidação suspendeu-se, quanto ao IVA, entre 04-10-2019 e 18-12-2019, data em que foi notificado o Relatório da Inspecção Tributária (artigo 62.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira).

                Por isso, ao prazo de caducidade que terminaria em 31-12-2019, acrescem os 75 dias em que perdurou a inspecção quanto ao IVA.

                Sendo assim, é manifesto que em Janeiro de 2020, quando foi efectuada a notificação das liquidações de IVA, ainda não estava esgotado o prazo de caducidade do direito de liquidação.

                Improcede, assim, este vício que a Requerente imputa as liquidações de IVA.

      

                3.1.2. Omissão de liquidação de IVA

 

                A Requerente reconhece expressamente que omitiu o dever de autoliquidação de IVA relativamente a três facturas indicadas nos n.ºs 1, 2 e 3 do Quadro n.º 5, no valor total de € 107.780,70, em que deveria ter sido autoliquidado IVA no valor de € 24.789,56 (artigo 63.º das alegações).

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                No entanto, a Requerente entende, em suma, que

– tendo direito a deduzir o IVA que deveria autoliquidar «estamos perante uma situação fiscal neutra, em que o sujeito passivo liquida o imposto e deduz o imposto simultaneamente, nada existindo a entregar aos cofres do Estado»;

– «a Administração Tributária está sujeita à obrigação do cumprimento do princípio da justiça e da razoabilidade na sua relação com os contribuintes, devendo tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa (cfr. artigo 266º, nº2, da C.R.P., 2º, alínea c), da L.G.T., e artigo 8º do CPA)»;

– «seria manifestamente inconstitucional o disposto nos artigos 2º, nº1, alínea j) e 19º, nº1, alínea c) e 20º, nº1, alínea a), por violação do disposto no artigo 266º, nº2, 13º e 104º da C.R.P., se interpretados no sentido em que, nos casos em que o sujeito passivo possa liquidar e deduzir simultaneamente o imposto, nada sendo devido aos cofres do Estado, a falta de cumprimento da obrigação administrativa declarativa de liquidação/dedução, na respetiva declaração periódica de IVA, daria lugar à liquidação do imposto sem que o mesmo fosse deduzido, passando o Estado a auferir de uma receita de imposto, só porque o sujeito passivo não cumpriu uma obrigação declarativa e quando a situação de facto, real, subjacente à liquidação/dedução do imposto é exatamente a mesma».

 

                Esta questão da possibilidade de Administração Tributária se abster de efectuar liquidação adicional de IVA, nos casos de omissão de autoliquidação por inversão do sujeito passivo (reverse charge) quando existe direito à dedução, foi já apreciada exaustivamente no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-11-2010, proferido no processo n.º 0436/10, em que, além do mais, se refere o seguinte:

 

Porém, o direito à dedução que nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, deve, em regra, ser exercido na respectiva declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas ou documentos equivalentes (art. 22°, nºs. 1 e 2 do CIVA).

No caso presente, a impugnante não procedeu à liquidação nem à dedução do imposto, sendo certo que só pode deduzir-se o que antes se liquidou (cfr., a propósito, embora relativamente a liquidação de juros compensatórios, o ac. do STA de 21/2/01, proferido no proc. nº 024641, in Ap. DR, de 27/6/2003, 559 a 563).

E a AT procedeu à liquidação adicional aqui em causa, por ter entendido que ocorreu falta de liquidação do imposto incidente sobre a prestação de serviços efectuada pela B… à recorrente, prestação de serviços essa sujeita a IVA à taxa de 16%, nos termos do nº 6 do art. 6° do CIVA, embora houvesse também direito a dedução desse mesmo IVA, nos termos da al. c) do nº 1 do art. 19º deste Código.

Ora, ao contrário do que sustenta a impugnante e mesmo considerando que estamos perante a dita operação de “reverse charge”, a omissão, na declaração, do imposto relativo a tais operações impõe que seja efectuada a respectiva liquidação adicional, independentemente do invocado direito à dedução do mesmo.

Com efeito, não pode, por um lado, esquecer-se o carácter formalista do IVA, que pode levar a que este seja devido, mesmo no caso de inexistirem as próprias transacções - facturas falsas - (cfr art. 19 nº 3 do CIVA), ou no caso de não serem cumpridas determinadas formalidades legais nem pode, por outro lado, esquecer-se que o direito à dedução pode não ser exercido pelo contribuinte, não podendo, contudo, sê-lo pela AT (havendo lugar à dedução do imposto, esse direito só pode ser exercido pelo contribuinte, sujeito passivo da relação jurídica de imposto e não pela AT, pois que esta, podendo efectuar liquidações oficiosas quando se verifiquem os respectivos requisitos legais, não pode exercer direitos que lhe não cabem, o que sucederia se procedesse à dedução oficioso do imposto), sendo certo que tal direito está igualmente sujeito a determinadas formalidades, mesmo temporais, que têm que ser acatadas pelo contribuinte.

Formalidades que, no caso, não foram cumpridas.

E não colhe a argumentação no sentido de que, contrariamente ao que sucede com as demais operações tributáveis em sede de IVA, nas operações de “reverse charge” não há qualquer apropriação, por parte deste sujeito passivo, de imposto repercutido a terceiros, nem sequer qualquer movimento financeiro, tratando-se, antes, de uma mera operação contabilística interna que não determina o nascimento de qualquer relação creditícia, visto coincidirem na mesma entidade os deveres de liquidação e os direitos de dedução do imposto.

É que, também neste caso não deixa de ser obrigatória, por parte do sujeito passivo (aqui, o próprio adquirente dos serviços) a liquidação do IVA respectivo e, assim sendo, só com a inclusão, na declaração periódica, do respectivo montante é possível aferir se há imposto a pagar, sendo que a faculdade que o contribuinte tem de deduzir o imposto que suportou nas aquisições se configura como um direito financeiro e não físico, o que significa que o seu exercício por parte do sujeito passivo é feito com referência a um período e não a um bem determinado.

Daí que não possa dizer-se, como pretende a recorrida/impugnante, que quer inscrevesse, ou não, na respectiva declaração periódica, os valores do IVA liquidado e do IVA deduzido respeitantes a tal operação tributável, sempre a operação se saldaria por inexistência de qualquer dívida de imposto.

No caso, como supra se disse, a impugnante não procedeu à liquidação nem à dedução do imposto e também não entregou declaração de substituição, nos termos do art. 71º do CIVA (vejam-se, a este propósito, ou seja, relativamente a casos em que o sujeito passivo não efectuou a liquidação por entender que tinha direito à dedução, o ac. deste STA, de 2/6/2010, no proc. 256/10, onde se considerou a anulação da liquidação, apenas por terem sido apresentadas declarações de substituição, mesmo posteriormente às liquidações efectuadas pela AT, bem como, entre outros, o ac. de 21/2/2001, no proc. 24641, no sentido de que são devidos juros, por ocorrer atraso na liquidação, quando a AT opera liquidações adicionais de IVA por falta de atempada declaração de substituição ou quando esta é entregue posteriormente).

Ora, no nº 15 deste art. 71º prevê-se a aceitação, pela AT, da liquidação e dedução subsequentes, desde que seja entregue a declaração de substituição.

Trata-se, ali, de rectificações de imposto que, além de estarem condicionadas a requisitos específicos que se não forem cumpridos implicam a nulidade de tais rectificações, também implicam a consequente penalização “que ao caso couber”; isto é: são aceites a liquidação e a dedução, mas com penalidades. Do que resulta que, a não ser entregue a declaração de substituição, a liquidação e a dedução não são aceites, não se vendo, contrariamente ao sustentado pelo MP, que a tal obste que a rectificação seja obrigatória caso o imposto seja a favor da Administração Fiscal (imposto liquidado a menos) e facultativa se o imposto for a favor do sujeito passivo (Imposto liquidado a mais) ou, ainda, que da natureza interpretativa da norma (cfr. o nº 5 do art. 32º da Lei 87-B/98, de 31/12) se deva concluir que a consequência da não entrega da declaração de substituição ali referida não seria a elaboração a liquidação adicional a que a AT procedeu nos termos dos arts. 76º a 89º do CIVA, mas apenas a aplicação da pena prevista no art. 96°, al. c) do CIVA (na redacção em vigor à data - a introduzida pelo art. 1º do DL 195/89, de 12/6, no qual se dispunha que «são equiparadas à falta de entrega de imposto punidas nos termos do artigo anterior, a «omissão de qualquer montante de imposto a favor do Estado nas declarações periódicas, ainda que destas resulte crédito de imposto») ou, caso tivesse havido (que não houve) rectificações das deduções e da dívida de imposto efectuadas sem observância dos requisitos previstos no dito art. 71º, então a sanção seria a prevista na al. d) do art. 96º do CIVA.

Aliás, ainda que se aceite o carácter interpretativo do nº 15 deste art. 71º do CIVA, sempre há que considerar que a sua disposição é favorável ao contribuinte pois que, sem tal normação, haveria lugar à liquidação, sem direito a dedução por esta não ter sido solicitada atempadamente.

Pelo exposto, não pode manter-se a decisão recorrida, procedendo, portanto, as Conclusões do recurso.

5. Na Conclusão 14ª das suas contra-alegações, a recorrida pede a ampliação do objecto do recurso, nos termos do disposto no artigo 684°-A, nº 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2° do CPPT, requerendo a apreciação do fundamento por si invocado na impugnação judicial, no qual decaiu, relativo à inconstitucionalidade do nº 5 do artigo 32° da Lei 87-B/98, de 31/12 que prevê a aplicação retroactiva do citado nº 15 do art. 71º do CIVA (actual artigo 78°, nº 14), uma vez que o Tribunal a quo considerou ser esta uma norma de natureza meramente interpretativa, invalidade que, a verificar-se, deve conduzir à anulação da liquidação adicional sub judice por se encontrar inquinada de ilegalidade.

Com efeito nas alegações pré-sentenciais (cfr. fls. 45 e 46 dos autos) a impugnante alegara que a conclusão de que é ilegal a exigência de qualquer imposto com referência à aqui questionada operação também não ficou prejudicada pela redacção conferida ao nº 15 do art. 71° do CIVA pela Lei nº 87-B/98, de 31/12, dado que as consequências que aí se referem não respeitam à liquidação adicional de imposto (como o que expressamente se prevê no nº 16 do mesmo preceito para os casos de direito à dedução parcial), mas sim, à sanção contra-ordenacional correspondente, não ao atraso na entrega da declaração, mas à omissão em si do valor liquidado na declaração periódica.

E mais alegara que, caso assim não se entendesse, isto é, se se entendesse que o citado art. 71°, nº 15, do CIVA consagra, afinal, a possibilidade de liquidação adicional de imposto em todos os casos de falta de inscrição dos valores autoliquidados pelos adquirentes dos bens e serviços, então tal preceito configura uma norma inovadora no contexto do CIVA, sendo nessa medida inconstitucional o art. 32°, nº 5 da Lei nº 87-B/98, de 31/12, que prevê a sua aplicação retroactiva.

Ora, a este respeito, diremos que não se descortina a invocada inconstitucionalidade, pois, como acima se disse, mesmo que se aceite o carácter interpretativo do nº 15 deste art. 71º do CIVA, sempre há que considerar que a sua disposição é favorável ao contribuinte pois que, sem tal normação, haveria apenas lugar à liquidação adicional, sem direito a dedução por esta não ter sido solicitada.

 

                Assim, em suma, no âmbito do IVA prevêem-se várias formalidades legais cuja previsão se justifica pela necessidade de controle da legalidade da autoliquidação do imposto e do exercício do direito à dedução, de cujo cumprimento os sujeitos passivos não podem dispensar-se por seu puro arbítrio, mesmo nos casos em que do seu não cumprimento não resulte prejuízo para a arrecadação de impostos.

                Num Estado de Direito, baseado no primado da lei (artigo 3.º da CRP), os sujeitos passivos não podem sobrepor às formalidades legislativamente previstas os seus próprios critérios pessoais sobre quais as formalidades que devem ser observadas para assegurar a  prossecução do interesse público, mesmo que esses critérios sejam bem intencionados e correspondam ao que os sujeitos passivos entendem pessoalmente que devia ser a lei, se fosse a eles próprios e não ao legislador que a lei atribui poder legislativo.

                Assim, nesses casos em que há formalidades previstas na lei, como sucede no caso em apreço, em que a lei exige os sujeitos passivos procedam a autoliquidação e, depois, exerçam o direito à dedução, não podem aqueles, em vez de as aplicarem, suprimi-las, criando para si próprios um regime alternativo de autoliquidação e exercício do direito à dedução implícitos, que se reconduziria a eliminar completamente os comandos legislativos.

                Da mesma forma, não pode a Administração Tributária, que está constitucionalmente obrigada ao cumprimento da lei, deixar de a aplicar o regime nesta previsto para aplicar um regime alternativo criado pelos sujeitos passivos.           

                Por outro lado, as considerações de justiça e da razoabilidade invocadas pela Requerente, com fundamento no artigo 266.º, n.º 2, da CRP, 2.º, alínea c), da Lei Geral Tributária, e artigo 8º do Código do Procedimento Administrativo, poderão colocar-se, com pertinência, em situações em que o não cumprimento de formalidades conduza a injustificada imposição de uma tributação indevida, mas isso na sucede na situação em apreço, pois a lei prevê expressamente o meio adequado para afastar essa imposição indevida, que é  o previsto no n.º 14 do artigo 78.º do CIVA em que se estabelece o seguinte:

14 - Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços e os correspondentes montantes não tenham sido incluídos na declaração periódica, originando a respectiva liquidação e dedução ou o tenham sido fora do prazo legalmente estabelecido, a liquidação e a dedução são aceites sem quaisquer consequências desde que o sujeito passivo entregue a declaração de substituição, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber.

 

                Como se vê, está assegurada legislativamente a possibilidade de a Requerente neutralizar a tributação, mas por essa via de apresentação declaração de substituição e não através de uma acção arbitral em que o Tribunal Arbitral está obrigado a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2 do RJAT).

                Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção.

 

                3.1.3. Recusa do direito à dedução de IVA autoliquidado

 

                Estão em causa as seguintes facturas:

                 

                A Administração Tributária reconheceu que, nas situações de autoliquidação por aplicação desta regra da inversão do Sujeito Passivo, há direito à dedução, nos termos gerais: «naquelas situações, há a inversão do Sujeito Passivo, cabendo ao adquirente a liquidação e entrega do Imposto que se mostre devido, sem prejuízo do direito a dedução, nos termos gerais do CIVA, designadamente do previsto nos seus artigos 19º a 25º» (página 9 do Relatório da Inspecção Tributária). Aliás, o direito à dedução nestes casos, está expressamente assegurado no n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, que estabelece que «nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação».

                Mas, neste caso, relativamente às facturas em que a Requerente autoliquidou IVA, a Administração Tributária entendeu que a Requerente não tinha direito à dedução por as facturas se reportarem a uma actividade isenta, como se vê pelo seguinte excerto da página 11 do Relatório da Inspecção Tributária:

Através dos documentos apresentados, não é possível concluir que as obras realizadas no ano de 2015, digam respeito às obras do Hotel Rural denominado “...", uma vez que o requerimento para obtenção de licença para execução das obras, foi apresentado à Camara Municipal em 20-12-2017 e refere uma duração de 24 meses (posteriores a esta data).

Face ao exposto, tratando-se de um sujeito passivo misto com afetação real de todos os bens e não tendo sido deduzido o IVA suportado na aquisição de bens (sem justificação da contabilista) pode concluir-se que a aquisição de bens e serviços efetuada no exercício de 2015, está afeta a uma atividade isenta sem direito a dedução.

O artº 20º nº 1 a) do ClVA, estabelece que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a  imposto e dele não isentas.

 

                Não é identificada explicitamente pela Administração Tributária qual a isenção a que se refere, entrevendo-se que, como a Requerente é um sujeito passivo misto que desenvolve actividade imobiliária (ponto II.3.2. do Relatório da Inspecção Tributária) e não deu qualquer explicação para a não dedução de IVA quanto à maior parte das despesas suportadas em 2015 (no valor de € 294.901,98), a Administração Tributária terá presumido que as que autoliquidou com posterior dedução (no valor de € 16.110,43 com IVA de € 3.705,39), também se englobariam na actividade isenta.

                Para além de esta fundamentação ser deficiente, designadamente quanto à invocada isenção, que não é identificada, a prova produzida aponta manifestamente no sentido de as facturas se reportarem à construção do hotel decidida em 2014/2015 e cuja aprovação veio a ser pedida em 2017.

                Esta actividade de construção do hotel não é uma actividade isenta, pelo que tem de se concluir que esta correcção enferma de vicio de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação.

          

                3.2. Correcção em matéria de IRC

 

                A Requerente imputou ao exercício de 2015 as despesas suportadas neste ano com obras e reparações efectuadas na Quinta ..., no montante de € 41.642,06.

                A Administração Tributária não questionou que se trate de gastos dedutíveis, tendo recusado a sua dedutibilidade para determinação do lucro tributável de 2015, por entender que «tratando-se de aquisições imputáveis à mesma obra deveriam ser registadas na mesma rúbrica, Ativos Fixos Tangíveis em Curso - Obras Quinta ..., conta 45.3, sendo apenas, reconhecidas como gastos no(s) exercício(s) em que se verifiquem os correspondentes rendimentos em cumprimento do princípio contabilístico da especialização dos exercícios vertido no nº 1 do artº 18º do CIRC que estabelece que os rendimentos e os gastos são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados. Assim as despesas no montante de 41.642,06€, não são dedutíveis para efeitos fiscais no exercício e 2015, mas apenas no(s) exercício(s) em que se verificarem os correspondentes rendimentos».

                A Requerente defende que os gastos deviam ser imputados ao exercício de 2015 porque, em suma:

– são gastos de conservação e reparação, bem como com água ou eletricidade do imóvel Quinta ..., não são gastos que estejam de forma imediata, direta ou causal relacionados com a exploração turística da Quinta ...;

–  estes custos em concreto, que os mesmos ocorreriam com ou sem projeto de exploração turístico;

– o imóvel tem de se manter, não se pode deteriorar, e é preciso fazer manutenção, eletricidade e água;

– uma fatura de manutenção de piscina ou de jardim em 2015, a AT não iria aceitar que tal custo fosse levado a custo em 2020;

– nenhum destes gastos poderia ser levado a imobilizado em curso ou ativos tangíveis em curso;

– trata-se de um custo do exercício, suportado no exercício, relacionado com um gasto do exercício e não de qualquer rédito superveniente, pelo que teria, sempre, de ser levado a custo no exercício.

 

                O artigo 17.º, n.º1, do CIRC estabelece que regra de que «o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».

À face desta regra, pode dizer-se que «a contabilidade fornece uma base conceptual para o recorte operacional do lucro tributável, mas, dados os objectivos e princípio que enquadram a fiscalidade, não pode haver uma identificação entre este e o resultado contabilístico pois a contabilidade tem também objectivos e princípios que lhe são próprios e que devem ser salvaguardados. Em alguns países opta-se até por uma completa separação entre essas duas grandezas, mas a tradição em que nos inserimos é a da dependência parcial do lucro tributável em relação ao resultado contabilístico». (   )

O artigo 18.º, n.º 1, do CIRC estabelece o tradicionalmente denominado «princípio da especialização dos exercícios», invocado pela Administração Tributária, com a denominação de em princípio da «periodização do lucro tributável» e sintoniza-se com o princípio contabilístico do acréscimo ou periodização económica.

«O princípio do acréscimo ou da especialização dos exercícios (períodos) conduz a que os efeitos das transações e de outros acontecimentos sejam reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionam. O desempenho e a situação de uma entidade medem-se de acordo com um regime de competência económica, em que o resultado contabilístico corresponde à diferença entre todos os proveitos e gastos gerados ou incorridos no período».  (   )

Existindo regras explícitas no artigo 18.º do CIRC sobre as especialidades que esse princípio assume no âmbito do CIRC, elas são se aplicar prioritariamente, com decorre do referido n.º 1 do artigo 17.º.

No n.ºs 1 e 2 do artigo 18.º do CIRC estabelece-se o seguinte:

 

Artigo 18.º

 

Periodização do lucro tributável

 

1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

 

2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

(…)

 

Como se vê pelo n.º 1 deste artigo 18.º, para apuramento do resultado líquido de cada um dos períodos, devem concorrer todos os rendimentos e gastos gerados em cada um desses períodos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, o que se reconduz ao regime do acréscimo.

O reconhecimento dos proveitos/rendimentos, na base do acréscimo, deve ser efetuado no período a que dizem respeito os efeitos das transações, e não no período em que ocorram as receitas ou no período em que ocorram os recebimentos.

E o reconhecimento dos gastos deve, em regra, ser feito no período a que as despesas se reportam, independentemente de o seu pagamento se fazer nesse período e de os rendimentos com que esses gastos estão conexionados sejam obtidos nesse mesmo período.

Para efeitos fiscais, está esclarecido pelo n.º 2 do artigo 18.º que as componentes ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

Assim, os gastos com despesas de conservação, reparação e manutenção realizadas em 2015 só podiam deixar de ser imputadas a esse exercício se na data de encerramento das contas daquele ano fossem imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas, o que é manifesto que não sucedia.

Por isso, há erro da Administração Tributária na interpretação do princípio da especialização dos exercícios, que constitui vício de violação de lei, que justifica a anulação da liquidação de IRC.

       

                3.3. Vício de forma por falta de fundamentação

 

                A Requerente defende que há uma contradição no Relatório da Inspecção Tributária porque a Administração Tributária

– «não aceitou o direito à dedução do IVA porquanto considerou que a aquisição de bens e serviços do exercício de 2015 não se encontravam relacionadas com atividade que conferisse direito a dedução»;

– «não aceitou que os custos (em que não houve dedução de IVA por parte da requerente) não fossem considerados custos do exercício, porquanto estariam afetos a um futuro rendimento retirado pela requerente da Quinta ...».

 

                Esta alegada contradição assenta na correcção relativa à na aceitação da dedução do IVA no valor de € 3.705,39 e à não aceitação dos gastos em IRC.

                Como resulta do atrás exposto, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto a estas duas questões, com fundamento em vícios de violação de lei, pelo que fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento deste vício.

                A correcção relativa à falta de autoliquidação de IVA por inversão dos sujeitos passivos não assenta nestas fundamentações a que a Requerente imputa contradição, pelo que o hipotético vício de falta de fundamentação que a alegada contradição possa implicar não pode ter eficácia invalidante daquela correcção.

                O mesmo sucede com a correcção efectuada por falta de liquidação de IVA relativamente a aquisição intracomunitária de um veículo, que nada tem a ver com aquelas fundamentações.

                Por isso, improcede o vício de falta de fundamentação quanto às correcções por falta de autoliquidação e, quanto às restantes, não se toma dele conhecimento por inutilidade.

            

                3.4. Liquidações de juros compensatórios

 

                Apenas foram liquidados juros compensatórios quanto às liquidações de IVA.

                O valor de € 3.705,39 relativo a IVA deduzido indevidamente foi imputado à liquidação de IVA relativa ao período 2015-12T, como se vê pelo Quadro 7 do Relatório da Inspecção Tributária:

               

                A liquidação de juros compensatórios relativa a este período enferma do mesmo vício que afecta a respectiva liquidação, pelo que se justifica a sua anulação na parte correspondente.

                Relativamente ao período 2015-12-T foram efectuadas correcções em IVA no montante de € 4.963,88, pelo que a liquidação respectiva apenas é anulada quanto ao valor de € 3.705,39 (que corresponde a 74,65%).

                Como foram liquidados juros compensatórios no valor de € 758,31 em relação à liquidação relativa a este período, a liquidação de juros compensatórios é anulada na percentagem de 74,65%, que corresponde que € 566,08.

 

                3.5. IVA não  liquidado  -  Aquisição  Intracomunitária

 

                Relativamente a esta correcção não se vê qualquer vício de violação de lei imputado no pedido de pronúncia arbitral.

                De qualquer modo, também quanto a esta correcção, que resulta de incumprimento do dever de autoliquidação, vale o que se referiu no ponto 3.1., pelo que o pedido de pronúncia arbitral tem de ser julgado improcedente.

                Por outro lado, a entender-se que a Requerente também imputa a esta correcção vício de falta de fundamentação, o pedido de pronúncia arbitral também improcede, pois, como se disse no ponto 3.3. esta correcção nada tem a ver com as fundamentações das correcções que a Requerente considera estarem em contradição. 

 

                3.5. Conclusão

 

                Pelo exposto, conclui-se que :

– improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto à primeira questão relativa a falta de autoliquidação de IVA por inversão do sujeito passivo de IVA nas aquisições a que se reportam as seguintes facturas:

 

– procede o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão da não aceitação do exercício do direito a dedução de prestações de serviços relativamente ao IVA suportado com as seguintes facturas:

 ;

– procede o pedido de pronúncia arbitral quanto à correcção de IRC e respectiva liquidação;

– Improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto à correcção relativa à aquisição Intracomunitária de um veículo referida no ponto III.1.2. do Relatório da Inspecção Tributária.

                                    

                4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

                Em 27-10-2020, a Requerente pagou as quantias liquidadas e pede que lhe seja paga a quantia de € 61.285,71, com juros indemnizatórios.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

                Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

                O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

                Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

                Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

                Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

                 Na sequência da anulação da liquidação de IRC, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de € 90,35.

                Em face da anulação parcial, na percentagem de 74,65% das liquidações de IVA e juros compensatórios relativas ao período 2015-12T a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia indevidamente suportada, no montante de € 4.271,47 (€ 3.705,39 +€ 566,08) (como se refere no ponto 3.4.).

                Assim, no total, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de € 4.361,82.

                No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

No caso em apreço, conclui-se que há erro nas liquidações que são anuladas imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa.

Os juros indemnizatórios devem ser contados desde 27-10-2020, data em que a Requerente efectuou o pagamento das quantias liquidadas, até ao integral reembolso do montante de € 4.361,82, pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular a correcção de € 41.642,06 efectuada em IRC bem como a correção dos prejuízos fiscais do exercício de 2015 e a liquidação de IRC nº 2019... e Compensação nº 2019..., no montante global de € 90,35;

c)            Anular quanto ao valor de € 3.705,39 a liquidação de IVA n.º 2019...e quanto ao valor de € 566,08 a liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., ambas relativas ao período de 2015-12T;

d)           Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às restantes liquidações e às partes restantes das liquidações de IVA relativas ao período 2015-12T;

e)           Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso de quantia, quanto ao valor de € 4.361,82 e condenar a Administração Tributária a efectuar seu pagamento à Requerente;

f)            Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Administração Tributária a pagá-los à Requerente, com base na quantia de € 4.361,82 e calculados nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão;

g)            Absolver a Administração Tributária quanto aos restantes pedidos.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 60.235,22.

 

7. Custas

 

O pedido de pronúncia arbitral procede quanto ao valor de € 4.271,47 no que concerne a liquidações de IVA.

Quanto a IRC está em causa uma correcção no valor de € 41.642,06, que corresponde aproximadamente ao valor de IRC de 8.744,83, à taxa de 21%, vigente em 2015 (artigo 87.º do CIRC).

Considera-se, assim, que a Requerente obtém procedência quanto ao valor de € 13.016,30 (€ 4.271,47 + € 8.744,83).

Como o valor da causa é de € 60.235,22, para pedido de pronúncia arbitral procede quanto à percentagem de 21,61%.

Assim, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 78,39% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 21,61%.

 

Lisboa, 06-01-2021

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(A. Sérgio de Matos)

(Nuno Cunha Rodrigues)