Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 248/2018-T
Data da decisão: 2020-06-05  IVA  
Valor do pedido: € 1.804.864,24
Tema: IVA - Regra de não sujeição; Entidades públicas; Prestações associativas. Organismo sem finalidade lucrativa – Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão)

* Substitui a decisão arbitral de 12 de março de 2019
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DECISÃO ARBITAL

 

1. A A… apresentou impugnação perante o Tribunal Central Administrativo Sul da decisão arbitral 12 de Março de 2019, ao abrigo do disposto nos artigos 27.º e 28.º do RJAT, invocando a omissão de pronúncia quanto à violação do princípio da operação única que havia sido alegado, a título subsidiário, no pedido arbitral e quanto ao alegado em torno da boa-fé, complexidade da situação, interpretação plausível e inexistência de intuito evasivo, e ainda a nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão e a nulidade por não especificação  dos fundamentos de facto e de direito.

 

O TCA Sul, por acórdão de 20 de Fevereiro de 2020, deu como verificada a nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão da violação do princípio da operação única e a nulidade por não especificação dos fundamentos de facto na parte em que não referência aos factos não provados, julgando improcedente a impugnação quanto aos restantes fundamentos.

 

Em cumprimento do julgado, cabe proceder à reforma da decisão arbitral, suprindo a omissão de pronúncia, o que se faz nos seguintes termos.

 

Violação do princípio da operação única

 

                2. A Requerente, nos artigos 311.º a 329.º da petição inicial alega, em resumo, que o serviço de transferência e inscrição de agentes desportivos e recintos é prestado por duas entidades (A… e B…) em total cooperação, cabendo à A… a organização dos processos e a obtenção das informações relevantes e à B… a homologação da decisão.

 

                Estando a actividade da B… isenta de imposto e a da A… sujeita e não isenta e não sendo possível cindir as prestações em causa, tem de se aplicar o regime de IVA à prestação principal realizada pela B…, que pratica o ato administrativo de homologação, sendo o trabalho da A… operacional, interno e de preparação dos dossiers e meramente acessório.

 

                Esse entendimento foi já seguido pelo TJUE, em situação similar,  nos Processos C-497/09 e C-499/09, em que se entendeu que a venda de pipocas, aos olhos de um cliente de cinema médio, apenas completa a sessão de cinema, pelo que não está em causa um serviço autónomo de restauração.

 

Passando a analisar a questão, importa começar por dizer que a decisão arbitral não tomou posição sobre a incidência subjectiva de IVA em relação à B…, tendo apenas efectuado, preliminarmente, o enquadramento jurídico que permitiu concluir que as federações desportivas são, na sua génese, associações privadas (livremente constituídas por agentes desportivos, clubes e agrupamento de clubes) e só mediante o pedido de atribuição de estatuto de utilidade pública desportiva adquirem a competência para o exercício de poderes públicos de regulação e disciplina da actividade desportiva.

 

Não se ignora, por outro lado, como se deixou exposto na decisão arbitral, que o legislador europeu utilizou um conceito estrito de organismo de direito público para efeitos de sujeição a IVA, que a jurisprudência do TJUE veio também a corroborar, ao declarar que “uma actividade exercida por um particular não está isenta de IVA pelo simples facto de essa actividade consistir na prática de actos que consubstanciam prerrogativas da autoridade pública (acórdão Comissão vs. Portugal, Processo n.º C-462/05, de 17 de julho de 2008).

 

Ainda que se parta da ideia de que existe um diferente regime de IVA para a B… e A… - o que poderá justificar-se no ponto em que a B… dispõe essencialmente de poderes regulamentares e disciplinares que não se enquadram numa actividade económica típica -, não parece que ser de entender que a transferência e inscrição de agentes desportivos e recintos corresponda a uma operação única que se encontre sujeita a um mesmo regime de IVA.

 

Como tem sido afirmado pelo TJUE, para efeitos de IVA, cada operação deve, em princípio, ser considerada distinta e independente. As situações em que operações distintas podem reconduzir-se a uma única operação podem resultar de uma relação de subordinação entre os diversos elementos constitutivos, que permita considerar que algum ou alguns desses elementos devam ser tidos como a prestação principal e outros como mera prestação acessória  que apenas se destina completar  ou beneficiar a fruição da prestação principal, ou de uma relação de interdependência quando as diversas prestações estão de tal modo interligadas que objectivamente surgem perante o consumidor como uma só operação económica (quanto a estes aspectos, SÉRGIO VASQUES, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 2015, págs. 217-218).

 

                O acórdão do TJUE no caso CinemaxX (acórdão de 10 de Março de 2011, Processo n.º C-497/2009) - citado pela Requerente - é elucidativo quanto à exigência dessas condições. Num caso em que estava em causa a preparação e distribuição de pipocas em salas de cinema, que eram realizadas de modo continuado e não em função dos pedidos dos clientes, o Tribunal de Justiça entendeu que essa actividade não é independente da sua venda, não podendo ser caracterizada como um serviço de restauração ou um serviço de mesa, mas como uma venda que para o cliente médio completa a sessão de cinema (considerando 72). Nessa como nas outras situações analisadas no mesmo acórdão, em que estava em causa a venda em veículos ou estabelecimentos de restauração de salsichas, batatas fritas e outros alimentos prontos a ser imediatamente consumidos (Processos n.º C-497/09 e C-501/09), o Tribunal entendeu que o elemento preponderante das operações em causa, tomadas na sua globalidade, é constituído pela entrega de pratos ou de alimentos prontos para consumo imediato, uma vez que a sua preparação, sumária e estandardizada, está intrinsecamente ligada a eles e que a disponibilização de instalações rudimentares que permitem a um número limitado de clientes o consumo no local tem um carácter puramente acessório e menor (considerando 74).

 

Nenhuma destas situações é transponível para o caso vertente.

 

                Como resulta do disposto no artigo 22.º da Lei de Bases, e se reafirma no artigo 27.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, a A… constitui um órgão autónomo da federação para o desporto profissional e que dispõe de personalidade jurídica e autonomia administrativa. Por outro lado, as ligas profissionais exercem, por delegação das respectivas federações, as competências relativas às competições de natureza profissional, nomeadamente no tocante à organização e regulamentação das competições de natureza profissional, exercício de funções de controlo e supervisão relativamente aos seus associados e definição dos pressupostos desportivos, financeiros e de organização de acesso às competições profissionais. O relacionamento entre a federação desportiva e a respectiva liga profissional é regulado por contrato a celebrar entre essas entidades, nos termos da lei (artigos 22.º, n.º 2, e 23.º, n.º 1, da Lei de Bases).

 

O contrato celebrado entre a B… e a A… prevê a atribuição a esta entidade, entre outras, de competências no âmbito dos processos de inscrição e transferência de jogadores de clubes que integram as competições de carácter profissional (cláusula 6.ª). Atribuições específicas no âmbito do ingresso nos recintos desportivos e da inscrição dos … contratos pelas sociedades desportivas estão igualmente previstas nos Estatutos da A… (artigo 8.º, n.º1, alíneas c) e g)).

 

A simples circunstância de a A… participar no exercício da função pública de regulação do desporto, por delegação de poderes, significa que pratica actos próprios que não são imputáveis à B… mas a essa mesma entidade enquanto órgão diferenciado.

 

Em todo este contexto, as prestações decorrentes da inscrição e transferência de jogadores ou outros agentes desportivos, bem como as que provêm de vistorias para efeito do licenciamento de espaços desportivos, correspondendo a actos específicos de natureza autorizativa directamente praticados pela A…, não podem ser tidos como meras prestações acessórias, desprovidas de autonomia e que se tornem imputáveis para efeitos de tratamento fiscal à B….

 

Certo é que a B… procede à homologação dos processos de transferência e inscrição de jogadores (cláusula 6.ª do contrato), mas esse é um mero acto formal de confirmação que não desqualifica a actividade preparatória e deliberativa da A… nem eleva a intervenção da B… a elemento principal da actividade.

 

O pedido arbitral mostra-se ser assim improcedente quanto a este fundamento.

 

3. O acórdão do TCA Sul considerou ainda verificada a omissão de pronúncia por não especificação dos fundamentos de facto em virtude da falta de referência na decisão arbitral aos factos não provados.

 

Não havendo factos relevantes para a decisão da causa que se não tenham como provados, o tribunal supre essa omissão mediante o aditamento à matéria de facto do seguinte:

 

Factos não provados:

 

            “Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa”.

                4. Por todo o exposto, mantém-se a decisão de improcedência do pedido arbitral quanto aos actos tributários de liquidação de IVA e de procedência do pedido arbitral na parte referente aos juros compensatórios.

 

Notifique.

 

Lisboa, 5 de Junho de 2020

  O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Rui Duarte Morais

 

O Árbitro vogal

Sérgio Vasques

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

A A..., associação sem fins lucrativos, NIF..., com sede na rua ..., n.º..., ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação  de IVA relativamente aos anos de 2014, 2015 e 2016, no montante de € 496.846,42, 531.345,32 e 505.161,60, respectivamente, bem como de liquidação de juros compensatórios, requerendo ainda a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma associação sem fins lucrativos que gere, organiza e coordena o futebol profissional em Portugal por delegação de poderes da B... .

 

Nessa condição, aufere rendimentos de natureza associativa em que se incluem quotas dos associados e taxas por inscrição de jogadores e outros agentes desportivos, por emissão de certidões e cartões de identificação e por vistorias a estádios, para além de outros que resultam de actividades de natureza comercial.

 

Nesse sentido, a Requerente considera-se ser um sujeito passivo misto em sede de IVA na medida em que obtém rendimentos que se encontram cobertos pela regra negativa de incidência do artigo 2.º, n.º 2, do Código do IVA e do artigo 13.º da Directiva IVA e estão excluídos de IVA e outros que provêm da sua actividade comercial e estão sujeitos e não isentos de imposto.

 

No primeiro caso, encontram-se as actividades que provêm do exercício de poderes de autoridade como são aquelas que envolvem a prática de actos de autorização para a prática do desporto ou de licenciamento de espaços para a prática desportiva, que estão relacionadas com a sua componente associativa.

 

De facto, a Requerente está integrada na B..., que deve ser caracterizada como uma associação pública, e exerce, por delegação de competências, funções inerentes à organização e regulamentação do futebol profissional, devendo ser considerada, nesse âmbito, como um organismo de direito público que intervém no uso de prerrogativas de autoridade.

 

Acresce que as prestações associativas em causa não correspondem a uma actividade económica nem são vendas ou prestações de serviços para efeitos de IVA e não se enquadram no âmbito de incidência objectiva do IVA nos termos do artigo 4.º do Código do IVA e do artigo 9.º da Directiva IVA.

 

Na sequência de acções inspectivas desencadeadas pela Autoridade Tributária foi decidido determinar a liquidação adicional de imposto relativamente aos anos de 2014, 2015 e 2016 por se ter entendido que as operações contabilizadas como rendimentos associativos consubstanciam prestações de serviços sujeitas e não isentas de IVA.

 

Essas liquidações são ilegais na medida em que efectuam uma errada interpretação da lei, desconsiderando que a A... intervém como organismo público no exercício de poderes de autoridade, e mesmo que se entendesse que as prestações associativas em causa estão sujeitas a IVA, elas encontrar-se-iam isentas de imposto nos termos do artigo 9.º, n.ºs 19 e 21, do Código do IVA porquanto se trata de prestações de serviços efectuadas no interesse dos seus associados por um organismo sem finalidade lucrativa.

 

Os actos de liquidação são ainda ilegais por violação dos princípios da boa fé, da justiça, da proporcionalidade e neutralidade do IVA atendendo a que a Requerente sempre liquidou o IVA como sujeito passivo misto, efectuando uma interpretação plausível e congruente da lei fiscal, sem qualquer intuito evasivo, e a Administração apenas suscitou a questão da liquidação indevida de imposto, abrindo um procedimento inspectivo, quando o contribuinte solicitou o reembolso do imposto.

 

   Esses mesmos princípios, que têm apoio nos artigos 55.º da LGT e 13.º e 18.º da CRP, justificam que não sejam devidos juros compensatórios, visto que estes apenas são exigíveis quando a omissão ou atraso no pagamento envolver um juízo de censura ou culpa em relação ao contribuinte.

 

Por outro lado, se a Administração entende que a Requerente se encontra sujeita a IVA mesmo em relação à componente associativa também haveria lugar à dedução do imposto, pelo que a correcção aritmética apenas poderia respeitar à diferença de valores que pudessem estar em causa.  

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que a Requerente é uma pessoa colectiva de direito privado, constituída sob a forma de associação, cuja actividade se concretiza na organização, regulamentação e supervisão do funcionamento das competições profissionais de futebol, bem como, na sua exploração comercial, obtendo rendimentos directamente derivados da actividade associativa, como é o caso das quotas fixas estabelecidas nos Estatutos, e rendimentos de natureza comercial resultantes da exploração comercial das referidas competições.

 

O n.º 2 do artigo 2º do Código do IVA apenas exceptua da qualidade de sujeito passivo do imposto, o Estado e demais pessoas colectivas de direito público quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, sendo que o TJUE tem afirmado reiteradamente que as normas que preveem a isenção de IVA devem ser objecto de interpretação literal, isto por constituírem excepções ao princípio geral de tributação da generalidade dos consumos de bens e serviços.

 

No caso concreto, a Requerente exerce, por delegação da B..., as competências a esta atribuídas relativamente às competições de natureza profissional. No entanto, esta delegação não se insere no instituto de delegação de poderes pois a Requerente é uma entidade privada dotada de personalidade jurídica própria e distinta da B..., não podendo aproveitar-se do regime de delimitação negativa de incidência subjectiva consignada no nº 2 do artigo 2º do Código do IVA.

 

Por assim ser, as operações por esta praticadas consubstanciam prestações de serviço efectuadas a título oneroso, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, existindo um nexo directo entre os serviços prestados pela Requerente e o seu contravalor, porquanto os beneficiários da actividade são as sociedades desportivas e os diversos agentes desportivos, nomeadamente, atletas e treinadores, as empresas de comunicação social, de desporto e têm como objectivo comum o da maximização do seu lucro.

 

Sendo de concluir que a actividade da Requerente tem subjacente o interesse económico quer próprio quer dos seus associados e parceiros.

 

 Por outro lado, a Requerente não poderá ser considerada um organismo sem finalidade lucrativa dado que não cumpre os requisitos enunciados no artigo 10.º, alínea a) que consagra, para efeitos de isenção, que apenas são considerados como organismos sem finalidade lucrativa os que “em caso algum, distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham, por si ou interposta pessoa, algum interesse direto ou indireto nos resultados da exploração”.

 

2. No seguimento do processo houve à reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT também destinada à produção de prova testemunhal indicada pela Requerente.

As partes apresentaram alegações escritas, por prazo sucessivo, em que analisaram a matéria de facto e reiteraram as suas anteriores posições.

 3.O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, tendo estes designado o  árbitro presidente.

O tribunal arbitral coletivo ficou, nesses termos, constituídos pelos ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportunamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.ºs 4 e 5, do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 9 de agosto de 2018.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades, tendo sido invocada a exceção do caso julgado.

Cabe apreciar e decidir.

 

II -Fundamentação

 

 

Matéria de facto

 

3. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.

 

1.            A A... é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, que se rege pelos Estatutos, regulamentos e demais legislação aplicável;

2.            Por delegação da B... exerce competências relativas às competições profissionais, nomeadamente de organização e regulamentação, de controlo e supervisão, de definição dos pressupostos desportivos, financeiros e organizativos de acesso às competições e de fiscalização;

3.            Os associados têm a obrigação estatutária de contribuírem para as despesas de funcionamento da A..., pagando as quotas e outros encargos fixados na lei;

4.            Constituem receitas da A... o produto das joias de admissão e das quotizações dos associados, o produto de multas, indemnizações e precentagens de sobre estas, custas, emolumentos, preparos e cauções e as receitas que lhe couberem nos jogos em que intervenham as sociedades desportivas;

5.            Podem existir quotas de valor fixo, de valor variável destinada a financiar o orçamento geral da A... ou o Fundo de Equilíbrio Financeiro, e quotas suplementares, estas exigidas por efeito da inscrição das equipas B no campeonato nacional da ...;

6.            Constituem ainda receitas da A... as taxas devidas pela inscrição e transferência de jogadores e demais agentes desportivos (treinadores, preparadores, médicos, massagistas) e passagem de cópias e emissão de cartões de licenciamento;

7.            A A... organiza o processo administrativo de inscrição e transferência de jogadores e demais agentes desportivos e cobra a respectiva taxa, competindo à B... a homologação dos actos de inscrição ou transferência;

8.            A inscrição destina-se a verificar se o desportista tem condições para a prática federada por um determinado clube e se reúne as condições disciplinares, laborais, físicas ou administrativas para a prática do desporto, permitindo que o desportista federado fique sujeito aos regulamentos desportivos da A..., especialmente no que se refere ao controlo antidoping, às sanções desportivas e à proibição de livre transferência dos jogadores;

9.            A B... define o valor anual da taxa de inscrição e a proporção de repartição dessas receitas entre a A... e a B... .

10.          Nos termos do contrato celebrado entre a B... e a A..., que define o relacionamento entre essas entidades, cabe à A... entregar à B... as importâncias devidas pela inscrição e transferência de jogadores nos termos do comunicado oficial n.º 1 da B...;

11.          Nos termos do comunicado oficial referido no n.º antecedente, são receitas da A... 50% das importâncias devidas pela inscrição e transferência, nacional e internacional, de jogadores para competições profissionais; 

12.          A A... aufere ainda taxas por licenciamento de estádios destinados à prática desportiva, verificando o cumprimento de critérios de segurança, iluminação, logística e condições de transmissão televisiva;

13.          O excedente da actividade de natureza associativa da A... é alocado ao cumprimento dos fins e atribuições estatutárias;

14.          A A... aufere ainda rendimentos resultantes da exploração comercial das competições profissionais (1ª e 2ª divisão e taça ...) e angaria receitas de publicidade;

15.          Essas receitas destinam-se a suportar as despesas incorridas com a organização das competições;

16.          O saldo positivo dos rendimentos da exploração comercial, depois de efectuadas deduções que se destinam ao orçamento da A..., ao Fundo de Equilíbrio Financeiro e ao Fundo de Infraestruturas da II ..., é devolvido aos clubes associados que decidem sobre o destino a dar a essas importâncias;

17.          Relativamente aos anos de 2014, 2015 e 2016, o sujeito passivo contabilizou como não sujeitos ou isentos de IVA os rendimentos referentes à actividade associativa, aí se incluindo os resultantes de quotizações, multas, inscrições e transferências, vistorias, certidões e fotocópias, segundo o quadro de fls. 12 dos Relatórios de Inspecção Tributária relativos aos anos de 2014 e 2015, e de fls. 11 do Relatório de Inspecção Tributária relativo ao ano de 2016, e que aqui se dão como reproduzidos;

18.          Em relação aos mesmos anos, o sujeito passivo contabilizou como sujeitos a IVA os rendimentos referentes à actividade comercial, aqui se incluindo os financiamentos obtidos através de patrocínios;

19.          Na sequência de acções inspectivas referentes aos anos de 2014, 2015 e 2016, credenciadas pelas Ordens de Serviço n.º OI2017..., OI2017... e OI2017..., foram efectuadas correcções aritméticas em sede de IVA no montante de € 496.846,42, €531.345,32 e 505.161,60, respectivamnete;

20.          A Administração Tributária, nos Relatórios de Inspecção Tributária, considerou que os rendimentos relacionados com a actividade associativa consubstanciam prestações de serviço a título oneroso que não se encontram abrangidas pela excepção ao âmbito de incidência subjectiva do imposto que consta do artigo 2.º, n.º 2, do Código do IVA;

21.          E igualmente considerou que a A... não é um organismo sem finalidade lucrativa, não se encontrando abrangida pela isenção a que se refere o artigo 9.º, n.º 19, do Código do IVA;

22.          No exercício do direito à audição sobre os projectos de relatório de inspecção tributária, a Requerente invocou o direito à dedução do IVA por incorporação na liquidação adicional de imposto;

23.          Os relatórios de inspecção tributária fazem expressa menção ao direito de dedução que se pretendia fazer valer em caso de liquidação adicional de IVA e analisam a questão dizendo que “no tocante ao direito de dedução do IVA suportado este pode não ser exercido, ficando tal opção ao critério do contribuinte”.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta e na prova testemunhal produzida.

 

                Matéria de direito

 

5. Para efeitos da sujeição ao imposto sobre o valor acrescentado, a Requerente tem vindo a distinguir entre os rendimentos associativos que resultam das funções que exerce, por delegação da B..., na organização e gestão das competições de natureza profissional, e os rendimentos provenientes da sua actividade comercial, especialmente os que se encontram relacionados com a publicidade e patrocínios.

 

Os rendimentos provenientes da exploração comercial das competições profissionais de futebol têm sido imputados como rendimentos sujeitos e não isentos de IVA.

 

Relativamente aos rendimentos associativos, incluindo os que provêm de quotas pagas pelos clubes associados e por inscrição ou transferência de jogadores ou outros agentes desportivos, a Requerente entende que se encontram abrangidos pela regra de exclusão que consta do artigo 2.º, n.º 2, do Código do IVA e do artigo 13.º da Directiva IVA, na medida em que se reportam a actividades que ela desenvolve na qualidade de organismo de direito público e no exercício de poderes de autoridade.

 

Para além de que se trata de prestações associativas que não correspondem a uma actividade económica nem podem caracterizar-se como vendas ou prestações de serviços a título oneroso e que por isso se não enquadram no âmbito de incidência objectiva do IVA, de acordo com o disposto no artigo 4.º do Código do IVA e do artigo 9.º da Directiva IVA.

 

E ainda que se entendesse que as prestações associativas em causa estão sujeitas a IVA, elas encontrar-se-iam isentas de imposto nos termos do artigo 9.º, n.ºs 19 e 21, do Código do IVA porquanto se trata de prestações de serviços efectuadas no interesse dos seus associados por um organismo sem finalidade lucrativa.

 

Por outro lado, caso os referidos rendimentos se encontrassem sujeitos a IVA, por se considerarem verificados os requisitos de incidência subjectiva e objectiva, então haveria direito à dedução do imposto incorrido na aquisição de bens ou serviços que se destinassem à realização das operações  tributadas, pelo que a correcção aritmética a efectuar pela não liquidação do imposto apenas poderia corresponder ao que excedesse o valor do reembolso do IVA que fosse devido.

 

As questões que vêm assim colocadas respeitam a quatro diferentes enquadramentos jurídicos: âmbito de incidência subjectiva por efeito da delimitação negativa efectuada pelos artigos 2.º, n.º 2, do Código do IVA e 13.º da Directiva IVA relativamente a entidades públicas; âmbito de incidência objectiva em vista a determinar se as prestações associativas se integram no conceito de prestação de serviços para efeitos de IVA; caracterização do sujeito passivo como organismo sem finalidade lucrativa e conexão das prestações associativas com o interesse colectivo dos associados para efeito de isenção; direito de deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis o imposto em que tenha incorrido na aquisição de bens ou serviços que se destinem à realização dessas operações.

 

São, pois, estas as questões que cabe dilucidar, salvo se o conhecimento de alguma ou algumas delas fique prejudicado pela solução encontrada quanto a outra que deva ser apreciada precedentemente.

 

Incidência subjectiva: regra da não sujeição de entidades públicas

 

                6. A Directiva 2016/112/CE, do Conselho, no seu artigo 13º, veio consignar que “os Estados, as regiões e autarquias locais e os outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às actividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas actividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações”. Esta norma veio a ser transposta para o direito interno pelo artigo 2º, n.º 2, do Código do IVA, que dispõe: “o Estado e demais pessoas colectivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência”.

 

                Importa começar por registar que o conceito de organismo de direito público, para efeito da incidência subjectiva do IVA, não é inteiramente coincidente com o adoptado no contexto da contratação pública, para efeito da definição do âmbito subjectivo de aplicação do procedimento pré-contratual. Enquanto que a Directiva IVA se  reporta genericamente ao Estado, regiões e autarquias locais e os outros organismos de direito público, a Directiva 2014/24/CE, relativa aos contratos públicos, distingue entre entidades estatais, regionais ou locais e organismos de direito público, definindo estes últimos como pessoas colectivas que, independentemente da sua natureza pública ou privada, preencham certos pressupostos que permitam associar essas entidades à prossecução de actividades materialmente administrativas  (cfr. artigos 2.º, n.º 1, § 4, da Directiva e 2.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Contratos Públicos).

 

Diríamos assim que se utilizou um critério de orgânico de delimitação da Administração Pública por contraposição a um critério funcional, com uma vocação expansiva, no âmbito de aplicação do regime de contratação pública (quanto ao conceito de organismo de direito público em matéria de contratação pública, PEDRO FERNÁNDEZ SANCHEZ, Organização Administrativa: Novos Atores, Novos Modelos, AFDL, Lisboa, vol. I, 2018, pág. 265).

 

                Por outro lado, esta distinta caracterização do que se entende por organismo de direito público é congruente com os obectivos de cada uma das directivas comunitárias. Enquanto que a Diretiva relativa à contratação pública pretendeu assegurar a abertura dos contratos públicos à concorrência comunitária, com garantias de transparência e não discriminação, de forma a evitar que os Estados membros pudessem eximir-se ao regime de contratação pública mediante a instrumentalização de entidades privadas para o exercício de funções administrativas, a Directiva IVA parte do princípio oposto de que, em regra, a generalidade das pessoas singulares ou colectivas que desenvolvam uma actividade com conteúdo económico estão sujeitas a IVA (artigo 9º) de tal modo que a exclusão apenas ocorre em relação a entidades que integram a Administração Pública stricto sensu e, mesmo assim, desde que a sua não sujeição a imposto não origine distorções de concorrência.

 

Não está por isso excluído, mesmo em relação a entidades públicas em sentido próprio que exerçam poderes de autoridade, que se encontrem sujeitas a IVA quando a sua actividade possa, ainda assim, pôr em causa o princípio da concorrência.

 

Compreende-se, em todo este contexto, que o legislador comunitário tenha utilizado um conceito lato de organismo de direito público para efeitos de submissão ao regime de contratação pública e, simultaneamente, um conceito estrito de organismo de direito público para efeitos de sujeição a IVA.

 

Isso mesmo foi reconhecido no acórdão do TJUE Saudaçor, Processo n.º C-174/14, onde expressamente se consigna que o conceito de «outros organismos de direito público», no sentido do artigo 13.º, n.º 1, da Diretiva IVA, não deve ser interpretado por referência à definição do conceito de «organismo de direito público» enunciado no artigo 1.º, n.º 9, da Diretiva 2004/18/CE, entretanto, substituída pela Directiva 2014/24/CE (cfr. considerandos 44 e segs.).

 

A jurisprudência do TJUE, na aproximação a casos concretos, parece também corroborar o entendimento que aponta para uma acepção estrita de organismo de direito público no que se refere à aplicação da Directiva IVA.

 

Por um lado, o acórdão Comissão vs. Portugal, Processo n.º C-462/05, de 17 de julho de 2008, referindo-se à Lusoponte, enquanto concessionário de infraestruturas rodoviárias, veio declarar que “uma actividade exercida por um particular não está isenta de IVA pelo simples facto de essa actividade consistir na prática de actos que consubstanciam prerrogativas da autoridade pública (considerando 38), fazendo notar que o exercício de prerrogativas de autoridade quando é confiada a um terceiro independente ou é exercida por entidades não integradas na organização da Administração Pública, não pode ser considerada abrangida pela regra da não sujeição (considerando 39). Vindo a concluir que a regra da não sujeição ao IVA abrange unicamente os organismos públicos, ou seja, os que constituem entidades organicamente integradas na Administração, pelo que a colocação à disposição de um sujeito privado de uma infra estrutura rodoviária mediante o pagamento de uma portagem constitui uma prestação de serviços efectuada a título oneroso na acepção do artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Directiva (considerando 34).

Por outro lado, o TJUE tem vindo a sublinhar que a norma do artigo 13.º, analisada à luz dos objectivos da Directiva, põe em evidência a necessidade do preenchimento cumulativo de duas condições para que a regra da não sujeição seja aplicada, a saber: o exercício de actividades por um organismo público e o exercício de actividades efectuadas na qualidade de autoridade pública (acórdão Comissão vs. Portugal, Processo n.º C-462/05, considerando 35).

 

A esse propósito, o acórdão Comune Carpaneto Piacentino, Processo n.º 231/87, de 17 de outubro de 1989, veio assinalar que o único critério que permite distinguir as actividades realizadas por organismos públicos na qualidade de sujeitos de direito público ou de sujeitos de direito privado é o regime jurídico aplicável com base no direito nacional (considerando 15).

 

Daí que se entenda que os organismos de direito público agem na qualidade de autoridades públicas quando exercem competências no âmbito do regime jurídico que lhes é específico e, ao contrário, não actuam nessa condição se intervêm  como os operadores económicos privados (considerando 16).

 

7. A partir destas considerações de ordem geral cabe efectuar uma aproximação ao caso vertente.

 

As federações desportivas em que se disputem competições desportivas de natureza profissional integram uma liga profissional, sob a forma de associação sem fins lucrativos, com personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira. As ligas profissionais exercem, por delegação das respectivas federações, as competências relativas às competições de natureza profissional, nomeadamente para organizar e regulamentar as competições profissionais, exercer, relativamente aos seus associados, as funções de controlo e supervisão e definir os pressupostos desportivos, financeiros e de organização de acesso às competições profissionais (artigo 22.º, n.ºs 1 e 2, da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, aprovada pela Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro).

 

As ligas profissionais são integradas, obrigatoriamente, pelos clubes e sociedades desportivas que disputem as competições profissionais, e o relacionamento entre a B... e a respectiva A... é regulado por contrato a celebrar entre essas entidades (artigos 22.º, n.º 3, e 23.º, n.º 1, da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto).

 

O diploma que, no desenvolvimento da Lei de Bases, estabelece o regime jurídico das federações desportivas (Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro), atribui a essas entidades o estatuto de utilidade pública desportiva, estatuto esse que lhes confere a competência para o exercício, em exclusivo, por modalidade ou conjunto de modalidades, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública (artigo 10.º). Os poderes das federações desportivas exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina da respectiva modalidade têm natureza pública (artigo 11.º) e os litígios emergentes dos actos e omissões dos órgãos das federações desportivas, no âmbito do exercício dos poderes públicos, estão sujeitos às normas do contencioso administrativo (artigo 12.º).

 

O mesmo diploma reafirma o estatuto das ligas profissionais, designadamente, no tocante ao exercício, por delegação da B..., das competências relativas às competições de natureza profissional (artigo 27.º).

 

8. Ainda que, por vezes, pudesse ter-se suscitado a dúvida quanto à natureza das federações desportivas, foi sempre entendimento dominante que essas entidades, mesmo que fossem tidas como pessoas coletivas de direito privado, na medida em que dispusessem do estatuto de utilidade pública, beneficiavam de prerrogativas de autoridade no exercício de uma missão de serviço público, de tal modo que os atos unilaterais que praticassem nessa qualidade, fossem individuais ou normativos, assumiam a natureza de atos administrativos, sendo contenciosamente impugnáveis junto da jurisdição administrativa (Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 14/1985, BMJ n.º 359, pág. 189; acórdão do STA (Pleno) de 30 de abril de 1997, Cadernos de Justiça Administrativa (CJA) n.º 4, pág. 3; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra, 1997, pág. 303).

 

A questão veio entretanto a ser solucionada pela primeira Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n.º 1/90, de 13 de janeiro), que considerou as federações desportivas como pessoas coletivas de direito privado a que poderiam ser atribuídos, mediante o estatuto de utilidade pública desportiva, poderes de regulação e disciplina desportiva (artigos 21º e 22º) e cujas decisões e deliberações definitivas eram impugnáveis nos termos gerais de direito, salvo no que se refere a questões estritamente desportivas que tivessem por fundamento a violação de normas de natureza técnica ou de caráter disciplinar, que não eram impugnáveis nem suscetíveis de recurso fora das instâncias internas (artigo 25º).

 

Esses princípios basilares foram mantidos com a Lei de Bases do Desporto (Lei n.º 30/2004, de 21 de julho), que veio a introduzir uma inovação apenas no conceito de questões estritamente desportivas, identificando exemplificativamente como tal as «questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respetivas provas», e excluindo do seu âmbito de aplicação «as decisões e deliberações disciplinares relativas a infrações à ética desportiva, no âmbito da dopagem, da violência e da corrupção» (artigos 46º e 47º).

 

A Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, aprovada pela Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro, atualmente em vigor, efetuou uma nova clarificação, agora quanto à identificação da jurisdição competente para o conhecimento dos litígios emergentes de relações jurídicas desportivas, passando a dispor no seu artigo 18º que “os litígios emergentes dos atos e omissões dos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício dos poderes públicos, estão sujeitos às normas do contencioso administrativo”.

 

Deste preceito decorre a sujeição à jurisdição administrativa dos atos praticados pelas federações desportivas no exercício dos seus poderes de regulação e disciplina da atividade desportiva e essa é, por outro lado, uma consequência lógica da natureza pública dos poderes que lhe são confiados pelo Estado ao abrigo da concessão do estatuto de utilidade pública desportiva (neste sentido, cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 230/2013).

 

Essa mesma conclusão se extrai do Regime Jurídico das Federações Desportivas definido pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro.

 

As federações desportivas são pessoas coletivas constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativos que, englobando clubes ou sociedades desportivas, associações de âmbito territorial, ligas profissionais, praticantes, técnicos, juízes e árbitros e outras entidades, se proponham promover, regulamentar e dirigir a nível nacional a prática de uma modalidade desportiva ou um conjunto de modalidades (artigo 2º).

Apresentando-se como uma associação livremente constituída por particulares, não pode deixar de ser tida como uma pessoa coletiva privada a que se aplica subsidiariamente o regime jurídico das associações de direito privado (artigo 4º).

 

É a concessão do estatuto de utilidade pública que confere a uma federação desportiva a competência para o exercício, em exclusivo, dos poderes regulamentares e disciplinares relativos à respetiva modalidade desportiva, sendo esses poderes caracterizados como sendo de natureza pública (artigos 10º e 11º).

 

Por outro lado, o Regime Jurídico das Federações Desportivas consigna, tal como prevê o já transcrito artigo 18º da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, que os litígios emergentes dos atos e omissões dos órgãos das federações desportivas, no âmbito do exercício de poderes públicos, estão sujeitos às normas do contencioso administrativo (artigo 12º).

 

9. À luz de todo este enquadramento jurídico importa reconhecer que as federações desportivas são, na sua génese, associações privadas (livremente constituídas por agentes desportivos, clubes e agrupamento de clubes) e só mediante o pedido de atribuição de estatuto de utilidade pública desportiva adquirem a competência para o exercício de poderes públicos de regulação e disciplina da actividade desportiva. Esses poderes públicos correspondem a poderes delegados pelo Estado, isto é, a poderes que se enquadravam originariamente nas atribuições do Estado em matéria desportiva.

 

A delegação de poderes públicos numa entidade privada apenas significa que esta, por um processo de transferência de responsabilidades, passa a ser uma instância de execução de uma função pública, e no exercício da qual se impõe a vinculação ao direito administrativo e a procedimentos de fiscalização pública. Não estamos perante a execução de uma tarefa que tenha passado para o setor privado, mas que se mantém como tarefa pública e que continua a ser da responsabilidade última do Estado.

 

A concessão ou delegação de poderes públicos corresponde assim a uma forma de prossecução de atividades de interesse público, de que o Estado é o titular originário, e relativamente às quais assume uma posição institucional de garante (sobre estes aspetos, PEDRO GONÇALVES, Entidades Privadas com Poderes Públicos, Coimbra, 2005, págs. 391-392).

 

Em relação às competições profissionais, a lei permite a delegação de competências nas ligas profissionais o que corresponde a uma forma de subdelegação de competências. Ou seja, o Estado delega funções públicas nas federações mas o exercício de algumas dessas funções podem ser delegadas na A... .

 

Como resulta do disposto no artigo 22.º da Lei de Bases, e se reafirma no artigo 27.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, a A... constitui um órgão autónomo da B... para o desporto profissional e que dispõe de personalidade jurídica e autonomia administrativa. Tal significa que os actos que praticam no exercício delegado de poderes não são imputáveis à B... mas à própria A... enquanto órgão diferenciado. Havendo de concluir-se que as ligas profissionais participam no exercício da função pública de regulação do desporto exercendo, nesse âmbito, poderes públicos de autoridade (neste sentido, PEDRO GONÇALVES, ob. cit., pág. 867).

 

Nesse contexto, não pode deixar de reconhecer-se que a intervenção da A... nos procedimentos de inscrição e transferências de jogadores e de vistorias de espaços desportivos, com efeitos constitutivos, ainda que sujeitos a homologação da B..., representam o exercício de poderes de autoridade. Isso porque, por efeito do regime jurídico específico que lhe é aplicável, a A... intervém, não como sujeito de direito privado, mas no exercício de poderes subdelegados de regulação das competições profissionais que pertenciam originariamente ao Estado.

 

                O ponto é que a A..., como se deixou entrever, é uma associação de direito privado, constituída para a defesa dos “interesses comuns dos seus associados”, à qual compete não só o exercício de funções regulatórias mas também “negociar, gerir e supervisionar, no interesse e por conta dos seus associados, a exploração das competições profissionais” e “gerir as receitas” delas provenientes (artigos 1º, 7.º, alínea b), e 8º, n.º 1, alíneas q) e r), dos Estatutos). Para a prossecução dos interesses comuns, cabe à A..., designadamente, “constituir sociedades comerciais com vista à exploração comercial da sua actividade e conexas com a mesma” ou “definir as regras e as orientações gerais com vista à promoção, valorização e rentabilidade das competições profissionais” (artigo 8º, nº 2, alíneas e) e f), dos Estatutos).

 

Enquanto mera entidade privada, a A... não preenche o primeiro dos requisitos de que depende a aplicação da regra da não sujeição a IVA, na medida em que não pode ser tida como autoridade pública para os efeitos previstos nos artigos 13º da Directiva IVA e 2.º, n.º 2, do Código do IVA, e, como se deixou exposto, segundo o próprio entendimento do Tribunal de Justiça, a referida regra de exclusão do IVA implica que cumulativamente se encontrem verificadas as condições de exercício de prerrogativas de autoridade e que essa actividade se processe na qualidade de autoridade pública.

 

A Requerente encontra-se, por conseguinte, abrangida pela regra geral de incidência subjectiva do imposto mesmo no que se refere a operações que se realizem no exercício nos poderes de autoridade. 

 

10. Faça-se notar, por fim, que esta solução não é posta em causa pelo citado acórdão Saudaçor em que se discutia se poderia encontrar-se abrangida pela regra da não sujeição ao imposto uma sociedade que prestava numa Região Autónoma serviços de planeamento e gestão do serviço regional de saúde. Nessa decisão o Tribunal de Justiça reafirmou que uma pessoa que pratica atos na qualidade de autoridade pública, de modo independente, não estando integrada na organização da Administração Pública, não pode ser qualificada de organismo de direito público para efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Directiva, acrescentando que a  qualidade de «organismo de direito público» não pode resultar apenas do facto de a atividade em causa consistir na prática de atos de autoridade pública (considerandos 56 e 57). O Tribunal entendeu, no entanto, no caso concreto, e sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que não seria de excluir que essa entidade se encontrasse integrada na  Administração Pública da Região Autónoma por efeito da limitação da sua autonomia em função dos seguintes factores: a Região detém a totalidade do capital da sociedade; a sociedade cumpre a sua missão de acordo com as orientações definidas pela Região; e existe uma ligação orgânica entre a sociedade e a Região por ter sido criada por um ato legislativo aprovado pelo legislador regional (considerandos 63, 64 e 67).

 

Nenhum destes elementos indiciários da possível diluição da autonomia privada se aplica no caso vertente.

 

A A... é expressamente definida nos seus Estatutos como uma associação de direito privado, sendo constituída pelas sociedades desportivas que disputem competições de natureza profissional. É aos associados que compete o dever de contribuírem para o financiamento das despesas da A... mediante o pagamento de quotas e outros encargos (artigos 27.º, n.º 2, do Regime Jurídico das Federações Desportivas e 1.º, 11.º, 14.º, n.º 1, alínea f), dos Estatutos).

 

  Tem os seus próprios órgãos deliberativos, executivos e de controlo fiscal e disciplinar. Tem receitas próprias que abrangem não apenas as quotizações dos associados, o produto de multas, indemnizações, custas, emolumentos e receitas provenientes dos jogos realizados pelos associados, mas também os resultados da exploração comercial (artigos 18.º e segs., 63.º e 69.º dos Estatutos).

 

Organiza anualmente o orçamento respeitante a todos os seus serviços e actividades e que é submetido à aprovação da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal (artigo 66.º dos Estatutos).

 

Como é patente, o Estado não exerce em relação à A... quaisquer poderes de direcção ou superintendência, não financia nem participa nas respectivas receitas ou no seu património social, e não interfere na sua constituição ou funcionamento, visto que a A... é constituída livremente pelos seus associados de acordo com o regime jurídico aplicável às associações de direito privado.

 

O Estado exerce apenas poderes de fiscalização relativamente ao exercício dos poderes públicos pela B..., mediante a realização de inquéritos, inspecções e sindicâncias, podendo suspender ou cancelar o estatuto de utilidade pública que confere a essa entidade a competência para o exercício de poderes regulamentares ou disciplinares (artigos 20.º e 21.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto). E, nesse sentido, exerce um mero poder de tutela traduzido na verificação do cumprimento das leis e regulamentos por parte dos órgãos próprios da B... .

 

E, por outro lado, embora a A... se encontre legalmente habilitada a exercer, por delegação da B..., as competências relativas às competições de natureza profissional, essa delegação nem sequer opera por intervenção do Estado, sendo antes conferida por contrato a celebrar entre as partes (artigo 23.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto).

 

Como é de concluir, a A... não pode ser considerada como um organismo de direito público na acepção de uma entidade que se encontra integrada na organização da Administração Pública, mesmo segundo os critérios definidos no referido acórdão Saudaçor.

              

Incidência objectiva: receitas associativas

 

11. O artigo 9º da Directiva IVA define actividade económica como “qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas”. As categorias objectivas de transmissão de bens e de prestações de serviços estão, por sua vez, fixadas nos artigos 14º e 24º da Directiva, que têm correspondência nos artigos 3º e 4º do Código do IVA. Segundo o n.º 1 do artigo 4.º do Código, “são consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens”. Em consonância com este princípio, o artigo 1.º, sob a epígrafe “Incidência objectiva”, sujeita a imposto sobre o valor acrescentado transmissões de bens e prestação de serviços, importações de bens e operações intracomunitárias.

 

No caso vertente, discute-se se as receitas auferidas pela A... referentes à actividade associativa podem ser tidas como provenientes de prestação de serviços a título oneroso para efeitos de sujeição a IVA.

 

As receitas em causa, como resulta da matéria de facto assente e do próprio regime estatutário da A..., provêm de quotas pagas pelos associados, que poderão ser de valor fixo ou variável ou de natureza suplementar, de taxas devidas pela inscrição e transferência de jogadores e demais agentes desportivos e do licenciamento de estádios destinados à prática desportiva ou de outras actividades acessórias como sejam as referentes à passagem de cópias e emissão de cartões de licenciamento.

 

As quotas fixas ou variáveis constituem uma obrigação estatutária dos associados e destinam-se a contribuir para o pagamento das despesas de funcionamento da A... (artigos 14.º, n.º 1, alínea f), e 69.º, n.º 2, dos Estatutos), enquanto que as quotas suplementares incidem sobre os associados que beneficiam de serviços que não sejam assegurados de modo contínuo e uniforme e são especialmente aplicáveis no caso de associados que inscrevam equipas B no campeonato nacional da ... (artigo 69.º, n.º 4, dos Estatutos). Por sua vez, as taxas devidas pela inscrição e transferência de jogadores e demais agentes desportivos ou pelo licenciamento de estádios destinados à prática desportiva correspondem à contrapartida pela intervenção da A... no correspondente procedimento administrativo, sendo as receitas repartidas entre a A... e a B... .

 

Afigura-se que estes dois tipos de receitas, para efeitos de tributação em IVA, carecem de ser analisados diferenciadamente.

 

Um ponto fulcral nessa caracterização consiste na exigência de um nexo directo entre a prestação do serviço e o seu contravalor por forma a poder considerar-se que existe uma verdadeira transação entre as partes que como tal se encontra sujeita a imposto. Por outro lado, torna-se necessário identificar o destinatário concreto das prestações tributáveis de modo a poder entender-se que a prestação de serviços confere a um terceiro uma determinada vantagem (cfr. SÉRGIO VASQUES, O imposto sobre o valor acrescentado, Coimbra, 2015, págs. 136-142).

 

Este aspecto foi sublinhado no Acórdão Tolsma, Processo C-16/93, de 3 de março de 1994, do TJUE em que se concluiu que uma prestação de serviços só é efectuada a título oneroso para efeito de sujeição a IVA “se existir entre prestador e beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário”.

 

Partindo desse mesmo pressuposto, no acórdão Apple & Pear, Processo n.º C-102/86, de 8 de março de 1988, num caso em que estava em causa um organismo de direito público investido numa missão de desenvolvimento no sector da produção de frutos e  de actividades de publicidade e promoção dos produtos, o Tribunal de Justiça considerou que a cobrança aos produtores de uma contribuição de natureza obrigatória para financiamento dessas actividades não constituem prestações de serviços para efeitos da Directiva.

 A esse propósito, o Tribunal consignou o seguinte:

A este respeito, resulta da decisão de reenvio que as funções do Council dizem respeito aos interesses comuns dos produtores. Na medida em que o mesmo é um prestador de serviços, as vantagens que decorrem destes serviços aproveitam ao conjunto do sector em causa. Se os produtores individuais de maçãs e de peras beneficiam de vantagens, retiram-nas indirectamente das que cabem de modo geral ao conjunto do sector (considerando 14).

Além disso, não existe qualquer relação entre as vantagens que os produtores individuais retiram dos serviços prestados pelo Council e o montante das contribuições obrigatórias que estão obrigados a pagar nos termos da Order de 1980. As contribuições exigíveis enquanto obrigações não contratuais mas legais, são sempre exigíveis ao produtor individual a título de crédito devido ao Council, independentemente da questão de saber se um serviço específico do Council lhe confere ou não uma vantagem (considerando 15).

O Tribunal concluiu assim que não existe nexo directo entre o serviço prestado o contravalor recebido na medida em que as funções do organismo se reportam a interesses comuns dos produtores e os produtores a título individual só beneficiam indirectamente das vantagens que advêm de um modo geral para o conjunto do sector.

 

A questão da conexão das quotizações com o serviço prestado esteve também em evidência no acórdão Kennemer Golf, Processo n.º C/174/00, de 21 de março de 2002, relativamente a uma associação que tinha como objecto social a prática e a promoção do desporto e, em especial, do jogo do golfe e cujos membros pagam uma quotização anual para utilização das instalações desportivas, discutindo-se aí se as quotizações anuais dos membros de uma associação desportiva podem constituir a contrapartida pelos serviços que esta presta, mesmo quando não utilizam ou não utilizam regularmente as instalações.

 

 A este propósito, reafirmando o princípio de que a matéria colectável de uma prestação de serviços é constituída por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado e que uma prestação de serviços só é tributável se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida (considerando 39), o Tribunal fixou o entendimento de que a Directiva deve ser interpretada no sentido de que as quotizações anuais dos membros de uma associação desportiva são susceptíveis de constituir a contrapartida pelos serviços que esta presta, mesmo quando os membros que não utilizam ou não utilizam regularmente as instalações da associação são, ainda assim, obrigados a pagar a sua quotização. Nesse sentido, acentuou-se a ideia de que as prestações da associação são constituídas pela disponibilização aos membros, com carácter permanente, das instalações desportivas e das vantagens a elas inerentes, e não pelas prestações pontuais que estejam associadas a cada utilização pessoal do campo de golfe (considerandos 40 e 42).

 

12. Revertendo ao caso concreto, parece não subsistir dúvidas que as prestações decorrentes da inscrição e transferência de jogadores ou outros agentes desportivos, bem como as que provêm de vistorias para efeito do licenciamento de espaços desportivos, correspondendo a actos específicos de natureza autorizativa de que beneficiam directamente as sociedades desportivas envolvidas, e pelos quais há lugar ao pagamento de taxas que são fixadas anualmente pela B..., corresponde a uma prestação de serviços a título oneroso que pressupõe a existência de um nexo directo entre o serviço prestado e  contravalor recebido.

 

É irrelevante que a prestação pecuniária devida por qualquer desses actos autorizativos, possa caracterizar-se como uma taxa, no pressuposto de que corresponde a uma contrapartida exigida por um serviço público, independentemente de estar aí em causa um verdadeiro e próprio acto administrativo ou um mero acto instrumental ou operação material administrativa. A caracterização como taxa poderá justificar-se por estarem em causa actos praticados no exercício de poderes de autoridade, mas, como vimos, essa circunstância não é por si só determinante para afastar a tributação em IVA, visto que a regra da exclusão impõe não apenas que as operações sejam realizadas no exercício de poderes de autoridade mas também o prestador do serviço se encontre integrado na Administração Pública.  

 

De resto, quer o artigo 13º da Directiva IVA quer o artigo 2º, n.º 2, do Código do IVA desvalorizam, para efeitos da exclusão de incidência do IVA, a qualificação jurídica das prestações pecuniárias que sejam devidas pela prestação de serviços, colocando o enfoque, não no qualificativo da prestação pecuniária (que até pode tratar-se de uma taxa), mas na natureza pública do prestador do serviço e no exercício de prerrogativas de autoridade.

 

13. A questão referente às quotizações suscita outro tipo de dificuldades.

 

As quotas destinam-se, em geral, a contribuir para o pagamento das despesas de funcionamento da A... . O montante da quota de valor fixo poderá será diverso consoante se trate de associados da ... ou da ..., podendo ainda ser estabelecidos diferentes escalões quanto aos clubes e sociedades desportivas participantes na ... . As quotas variáveis destinam-se especificamente a financiar o orçamento geral da A... ou um Fundo de Equilíbrio Financeiro instituído para cobrir perdas da actividade de organização e funcionamento das competições profissionais de futebol. Por sua vez, o valor da quota variável é fixada em concreto tendo em consideração a dimensão do associado, o seu volume de negócios, os resultados desportivos por si obtidos e outros critérios idóneos a demonstrar a sua capacidade para contribuir para o funcionamento da A... . Mesmo as quotas suplementares têm em vista comparticipar as despesas de funcionamento da A..., visando cobrir o acréscimo de actividade organizativa quando sociedades desportivas participantes na ... pretendam inscrever equipas B no campeonato da ... (artigo 69.º dos Estatutos da A...).

 

Acresce que, nos termos estatutários, os rendimentos associativos que excedam o montante global das despesas de funcionamento ficam consignados à realização dos fins e atribuições estatutários, enquanto que o saldo positivo dos rendimentos da exploração comercial são imputados às sociedades desportivas (artigos 8.º, n.º 4 e 6, e 13.º, n.º 1, alínea d), dos Estatutos).

Parece claro que as quotizações, independentemente da sua natureza, se encontram afectas à prossecução das atribuições estatutárias da A..., especialmente no que se refere à organização e gestão das competições de futebol profissional. E importa notar que as associações desportivas associadas suportam quotas de diferente de montante, mesmo quando se trata de quotas de valor fixo, caso em que se distingue entre os participantes na ... e na ... e se estabelecem diferentes escalões entre os participantes da ... . E as quotas variáveis são igualmente definidas em função de diversos factores que possam revelar uma maior ou menor capacidade para contribuir para o funcionamento da A... .

Os Estatutos dão também realce, como finalidade própria, à promoção da “defesa dos interesses comuns dos seus associados” (artigo 7.º, alínea b), dos Estatutos), dispondo a A... para esse efeito das atribuições especialmente definidas no n.º 2 desse preceito.

Face a tudo o que antes se expôs, a hipótese do caso aproxima-se mais da solução versada no acórdão Kennemer Golf do que daquela que resulta do acórdão Apple & Pear.

De facto, o que está em causa, mediante o pagamento de quotas, é o financiamento de despesas de organização e regulamentação das competições de futebol de que os associados beneficiam enquanto participantes nessas competições. Certo é que não é possível estabelecer uma relação directa entre as quotas pagas por qualquer associado e um determinado jogo de futebol em que o clube tenha participado ou um acto de gestão ou de controlo disciplinar que a A... tenha praticado. E não pode deixar de reconhecer-se que a actividade geral da A... envolve uma variedade de prestações associativas que não se repercutem necessariamente, a título individual, em cada um dos associados.

 

Não pode, noentanto afirmar-se que os associados apenas beneficiam indirectamente das vantagens decorrentes dos serviços específicos que são prestados pela A... . E é antes possível estabelecer um nexo directo entre as quotizações anuais e participação dos associados nas competições profissionais de futebol e toda a actividade regulatória que essa participação implica e que incumbe à A... realizar. E não deixa de ser significativo, nesse sentido, que as quotas sejam de diferente montante, calculado de acordo com a capacidade contributiva de cada associado, o que bem releva que o pagamento está essencialmente relacionado, não com as prestações especificas pontualmente dirigidas a cada um dos associados, mas com a actividade geral de organização e regulamentação das competições profissionais.

 

Não há motivo, por isso, para deixar de tributar essas quotizações.

 

Isenção do artigo 9.º, n.ºs 19 e 21, do Código do IVA

 

14. O artigo 132º da Directiva IVA, relativo às isenções em benefício de certas actividades de interesse económico geral, dispõe na alínea l) do seu n.º 1, que os estados-membros isentam “as prestações de serviços, e bem assim as entregas de bens com elas estreitamente relacionadas, efectuadas aos respectivos membros no interesse colectivo por organismos sem fins lucrativos que prossigam objectivos de natureza política, sindical, religiosa, patriótica, filosófica, filantrópica ou cívica, mediante quotização fixada nos estatutos, desde que tal isenção não seja susceptível de provocar distorções de concorrência”.

 

Por seu turno, o subsequente artigo 133º prevê que os estados-membros, no que se refere a “organismos que não sejam de direito público”, possam fazer depender a concessão da isenção da observância de diversas condições, e, de entre elas, a que consta da alínea a) que assim dispõe: “Os organismos em causa não devem ter como objectivo a obtenção sistemática de lucro, não devendo os eventuais lucros ser em caso algum distribuídos, mas sim afectados à manutenção ou à melhoria das prestações fornecidas”.

 

Essa isenção surge concretizada no direito interno no artigo 9º, n.º 19, do Código do IVA, onde se prevê que estão isentas de imposto “as prestações de serviços e as transmissões de bens com elas conexas efectuadas no interesse colectivo dos seus associados por organismos sem finalidade lucrativa, desde que esses organismos prossigam objectivos de natureza política, sindical, religiosa, humanitária, filantrópica, recreativa, desportiva, cultural, cívica ou de representação de interesses económicos e a única contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos”. O conceito de “organismo sem finalidade lucrativa”, para efeitos de isenção, é fixado no artigo 10º do Código do IVA, determinando-se que só são considerados como tais os que simultaneamente preencham as condições aí mencionadas, a primeira das quais consta da alínea a) nos seguintes termos: “em caso algum distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham, por si ou interposta pessoa, algum interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração”.

 

Por outro lado, esta questão foi também examinada pelo referido acórdão Kennemer Golf,  que veio a considerar que  “a qualificação de um organismo como «sem fins lucrativos» deve ser efectuada tendo em consideração esse organismo e não as prestações que efectua nos termos do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea m), da Sexta Directiva”, daí decorrrendo que “para determinar se tal organismo preenche as condições impostas por esta disposição, se deve atender ao conjunto das suas actividades, incluindo as que oferece em complemento dos serviços nela referidos” (considerando 21). Assim concluindo que a Directiva deve ser interpretada “no sentido de que a qualificação de um organismo como «sem fins lucrativos» deve ser efectuada tendo em consideração o conjunto das suas actividades” (considerando 22). O acórdão não exclui, por outro lado, que organismo possa ser qualificado como «sem fins lucrativos» ainda que procure sistematicamente gerar excedentes que depois afecta à execução das suas prestações” (considerando 35).

 

No caso vertente, tem-se como assente que a A... obtém receitas resultantes de quotizações e taxas devidas por prestações associativas, cujo excedente fica consignado ao cumprimento dos fins e atribuições estatutárias, mas aufere também rendimentos resultantes da exploração comercial das competições profissionais, como sejam os que provêm de patrocínios e publicidade, sendo que o saldo positivo dessa actividade é devolvido aos clubes associados que decidem sobre o destino a dar a essas importâncias.

 

Atendendo a que a A... aufere, nestes termos, rendimentos que resultam da   exploração comercial das competições profissionais e que, gerando excedentes, são atribuídos aos associados, não pode ser qualificada como “organismo sem finalidade lucrativa” para efeitos da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 19, do Código do IVA e segundo o entendimento da jurisprudência do TJUE.

 

15. Não tem também aplicação ao caso a isenção prevista no n.º 21 do artigo 9.º do Código do IVA.

 

Em correspondência com o artigo 132º, n.º 1, alínea f), da Directiva IVA, o artigo 9º do Código do IVA prevê, no seu n.º 21, que estejam isentas do imposto “as prestações de serviços fornecidas aos seus membros por grupos autónomos de pessoas que exerçam uma actividade isenta, desde que tais serviços sejam directamente necessários ao exercício da actividade e os grupos se limitem a exigir dos seus membros o reembolso exacto da parte que lhes incumbe nas despesas comuns, desde que, porém, esta isenção não seja susceptível de provocar distorções de concorrência”.

 

A aplicação desta isenção depende, além do mais, de os membros que constituem o agrupamento autónomo levarem a cabo uma actividade ela própria isenta de imposto, de onde resulta que a aplicação da isenção dependeria, não do regime das prestações levadas a cabo pela A..., mas do regime das prestações que sejam realizadas autonomamente pelas sociedades desportivas enquanto seus associados.

 

A liquidação adicional de imposto que constitui objecto do presente processo arbitral reporta-se, todavia, às prestações de serviços realizadas pela A..., pelo que apenas haveria de considerar-se a isenção que pudesse abranger essa actividade, não estando em causa, no caso, qualquer outra actividade que possa ser imputada aos clubes associados.

 

Direito à dedução do imposto

 

16. A Requerente sustenta ainda que, a admitir-se que as prestações de serviços realizadas pela A... estão sujeitas e não isentas de imposto, haveria que incorporar na liquidação adicional de IVA a dedução do imposto, de modo a que a correcção aritmética correspondesse à diferença do imposto a pagar e do imposto a deduzir, tendo indicado no artigo 371 do pedido arbitral os montantes do imposto a deduzir por referência aos anos de 2014, 2015 e 2016.

 

Alega ainda que invocou o direito à dedução no exercício de audição sobre os projectos dos Relatórios de Inspecção Tributária, a que a Autoridade Tributária não fez qualquer referência na decisão final, pelo que ocorreu a violação do disposto no artigo 60.º, n.º 7, da Lei Geral Tributária, que obriga a que na fundamentação se abordem os elementos novos suscitados pelo contribuinte.

 

O referido artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe “Princípio da participação”, prevê, no n.º 1, alíneas a) e e), o direito de audição dos contribuintes antes da liquidação e da conclusão do relatório de inspecção tributária, e no n.º 7 prescreve que “Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.

 

Todavia, não é possível afirmar, no caso, que a Administração tenha  ignorado a alegação do sujeito passivo, já que na parte A do ponto VIII dos relatórios - em que se sintetizam os argumentos do contribuinte invocados no exercício do direito de audição -  é feita uma expressa menção ao direito à dedução que se pretenderia exercer na hipótese de haver lugar a liquidação do imposto (fls. 24-25). E na apreciação das considerações aduzidas em sede de audição, na parte B desse ponto VIII, é dito a esse propósito o seguinte: “No tocante ao direito de dedução do IVA suportado este pode não ser exercido, ficando tal opção ao critério do contribuinte” (fls. 33).

 

A Administração formulou, portanto, uma resposta quanto à questão suscitada pelo sujeito passivo, fazendo supor que o direito à dedução depende da iniciativa do particular através do procedimento tributário próprio, o que permite inferir que não é no momento da liquidação do imposto que é possível efectuar oficiosamente a dedução do imposto pago pela aquisição de bens ou serviços a outros sujeitos passivos.

 

E esse ponto de vista tem razão de ser.

 

O direito à dedução do imposto, disciplinado nos artigos 167.º a 192.º da Directiva IVA e, no direito interno, nos artigos 19.º a 25.º do Código do IVA, consiste essencialmente no direito de um sujeito passivo deduzir ao imposto incidente sobre uma certa operação tributável o imposto em que tenha incorrido na aquisição de bens ou serviços que se destinem à realização dessa operação.

 

No caso de pagamento de imposto apurado pelo sujeito passivo, como prevê o artigo 27.º do Código do IVA, o direito à dedução é exercido na declaração periódica a que se refere o artigo 41.º

 

Como determina o subsequente artigo 28.º, quando se proceda à liquidação do imposto por iniciativa dos serviços, o sujeito passivo é notificado para efectuar o respectivo pagamento nos locais de cobrança legalmente autorizados, no prazo referido na notificação (n.º 1). A norma não faz referência aos termos em que pode ser exercido o direito à dedução quando haja lugar à liquidação oficiosa de imposto, mas atendendo a que o direito à dedução constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA, que, em princípio, não pode ser limitado, haverá de entender-se que o sujeito passivo terá sempre direito a deduzir o imposto que tenha onerado as operações a montante.

 

 No caso vertente, estamos perante actos de liquidação oficiosa de IVA a que se torna aplicável o disposto no artigo 28.º e que resultam de a Administração Tributária ter considerado que os rendimentos associativos da Requerente consubstanciam prestações de serviços sujeitas e não isentas de IVA. Nessa circunstância, o exercício do direito à dedução apenas pode ser efectuado em momento ulterior à própria liquidação do imposto. E em qualquer caso, não resulta da lei que, em caso de liquidação de imposto por iniciativa dos serviços, deva haver lugar também à dedução oficiosa do imposto incidente sobre as operações tributáveis realizadas perante outros sujeitos passivos.

 

Os vícios invocados não correspondem, por conseguinte, a qualquer ilegalidade que possa imputada aos actos que constituem objecto do processo e não tem qualquer reflexo na decisão da causa.

 

Violação dos princípios da boa fé, da justiça e da proporcionalidade e neutralidade do IVA

 

17. A Requerente considera ainda que os actos impugnados violam os princípios da boa fé, da justiça e da proporcionalidade e neutralidade do IVA aduzindo com único argumento que sempre liquidou o IVA como sujeito passivo misto, interpretando de forma plausível e congruente a lei fiscal, sem qualquer intuito evasivo, e que a Administração apenas suscitou a questão da liquidação indevida de imposto, abrindo um procedimento inspectivo, quando o contribuinte solicitou o reembolso do imposto.

 

Invocam-se aqui alguns dos princípios gerais da actividade administrativa enunciados no Código de Procedimento Administrativo, pelos quais a Administração Pública, na prossecução do interesse público, apenas pode afetar os direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar (artigo 7.º), deve rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa (artigo 8.º), e relacionar-se com os particulares segundo as regras da boa fé (artigo 10.º).

 

No caso, os procedimentos inspectivos foram desencadeados na sequência de pedidos de reembolso de IVA por se ter constatado que a Requerente não liquidou IVA sobre algumas das operações ativas realizadas.

 

O procedimento inspectivo pode ter em vista a confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos ou indagação de factos tributários não declarados, podendo traduzir-se num procedimento de comprovação e verificação do cumprimento das obrigações tributárias (artigos 2.º e 12.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira).

 

Por outro lado, o impulso do procedimento poderá ser de iniciativa oficiosa, de acordo com critérios de oportunidade que cabe à Administração Tributária definir.

 

Não se vê, por conseguinte, em que termos é que a abertura de um procedimento inspectivo na sequência de um pedido de reembolso de imposto e para verificar a legalidade da situação tributária do contribuinte pode ferir os falados princípios da actividade administrativa.

 

Dificilmente se pode compreender, também, em que medida é que o acto tributário de liquidação adicional de imposto destinado a assegurar o pagamento de imposto não liquidado pode afectar o princípio da neutralidade, quando este princípio, em matéria de IVA, constitui a tradução do princípio da igualdade de tratamento e tem em vista assegurar que os bens tributáveis suportem a mesma carga fiscal independentemente da extensão do circuito de produção e distribuição.

 

O pedido é também improcedente quanto a este ponto.

 

Juros compensatórios

 

18.  A Requerente impugna igualmente a liquidação de juros compensatórios em relação a qualquer dos actos tributários de liquidação de IRC.

 

Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

 

Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa actuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência.

 

Ora, no caso, as acções inspectivas incidentes sobre os anos de 2014, 2015 e 2016 foi determinada pelo pedido de reembolso efectuado na declaração periódica relativa a janeiro de 2017, quando nesses períodos de tributação o sujeito passivo sempre auto-liquidou o IVA sem incluir os rendimentos provenientes da sua componente associativa, constando-se assim que a liquidação adicional apenas foi desencadeada pela própria iniciativa do contribuinte.

 

Acresce que a questão jurídica subjacente à exigência do pagamento do imposto, na situação do caso, se reveste de especial complexidade, podendo entender-se que a interpretação feita pelo sujeito passivo, quando está em causa a autoliquidação do imposto, apresenta algum grau de plausibilidade. Além de que não se encontra demonstrado um intuito evasivo.

 

A improcedência do pedido de pronúncia arbitral quanto a essa liquidação adicional não é determinante, por consequência, do reconhecimento do direito a juros compensatórios.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

a)            julgar improcedente o pedido arbitral quanto aos actos tributários de liquidação de IVA;

b)           julgar procedente o pedido arbitral na parte referente aos juros compensatórios e anular, consequentemente, os correspondentes actos de liquidação.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 1.804.864,24, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Notifique.

 

Lisboa, 12 de março de 2019

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Rui Duarte Morais

 

O Árbitro vogal

Sérgio Vasques