Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 235/2021-T
Data da decisão: 2021-12-30  IRS  
Valor do pedido: € 166.430,96
Tema: IRS – Mais valias imobiliárias – Notificação por registo simples – Vício de forma: preterição do direito de audição.
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Sumário:

I - Estando perante uma situação em que se pressupõe o efetivo conhecimento do ato tributário para iniciar o prazo de impugnação, o registo simples não representa um índice seguro da sua receção em termos de se poder aplicar a presunção do art. 39º, nº 1, do CPPT e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no recetáculo, quando existe risco de extravio.

II – A prevalecer a tese da interpretação das normas dos nºs 1 e 3 do art. 38º em conjugação com o nº 1 do art. 39º do CPPT, que admita que os atos suscetíveis de alterar a situação tributária dos contribuintes, como sejam a liquidação de tributos que não resultem de declarações dos contribuintes (nomeadamente liquidações oficiosas), ou a convocação para participarem em atos ou diligências, lhes sejam considerados notificados mediante simples carta registada, i.e., que a carta registada com aviso de receção pode ser substituída pelo registo simples, nos termos e para os efeitos daqueles preceitos, levar-nos-ia a concluir que tal interpretação afetaria a garantia da proteção jurisdicional eficaz do destinatário, em violação das exigências decorrentes do nº 3 do art. 268º da CRP e do princípio constitucional da proibição da defesa, ínsito no art. 20º em conjugação com o nº 4 do art. 268º da CRP.

 

Os Árbitros Alexandra Coelho Martins, Nina Aguiar e Guilherme W. d’Oliveira Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

1.            A Requerente A..., contribuinte fiscal n.º..., residente na ..., Rua ..., ..., ...-... Colares, vem apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral, com os seguintes fundamentos:

a.            O ato tributário em crise é, originariamente, a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, n.º 2018..., relativa ao ano de 2015, levada a cabo em 12/05/2018.

b.            A Requerente tem naturalidade e nacionalidade belga e é casada, no regime da separação de bens, conforme assento de casamento que se junta como Doc. n.º 3.

c.            No dia 28 de Novembro de 2007, a Requerente adquiriu um prédio rústico denominado “...”, composto de cultura arvense, com a área total de dois mil cento e setenta e três vírgula setenta e cinco metros quadrados, sito em ..., ..., freguesia de ..., concelho de Sintra, descrito da Segunda Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º ..., inscrito na matriz predial rústica da aludida freguesia sob os artigos ... e ..., ambos da Secção S.

d.            Neste terreno, a Requerente promoveu obras de edificação de um prédio urbano destinado à habitação, composto de cave, rés do chão, primeiro andar e logradouro.

e.            Uma vez completado e vistoriado o prédio urbano edificado, a Requerente apresentou a competente Declaração Modelo 1 do IMI, à qual foi atribuído o n.º ..., da qual resultou um valor patrimonial de €203.700,00 (duzentos e três mil e setecentos euros), conforme consta da caderneta predial que se junta como Doc. n.º 5.

f.             O prédio urbano em causa é, portanto, a moradia sita na Rua ..., ..., em ..., ..., freguesia de ... e concelho de Sintra, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .

g.            A Requerente e seu marido vieram a residir no prédio em apreço.

h.            Porém, em Maio de 2013, a Requerente e o seu marido tomaram conhecimento de que a filha de ambos, B..., sofreu recaída de patologia da qual já havia sofrido no ano de 2011, a saber, cancro da mama.

i.             Por este motivo, a Requerente e o marido tomaram a decisão repentina, mas mais do que legítima, de ir para o Reino Unido, para estarem junto da filha, de forma a poderem acompanhar a mesma de perto e ajudar nos cuidados de que a mesma necessitava.

j.             De facto, a filha da Requerente vinha sendo objeto de vários e penosos tratamentos médicos, nomeadamente no período compreendido entre 2011 e 2016, face à doença da qual padecia – pode conferir-se, a este propósito, relatório médico emitido pelo Centro ..., que se junta como Doc. n.º 6.

k.            Foi neste terrível e sofrido enquadramento que, no dia 24 de junho de 2015 e através do Processo Casa Pronta n.º .../2015, a Requerente promoveu a venda do prédio urbano supra identificado, pelo valor de €820.000,00 (oitocentos e vinte mil euros), conforme escritura de venda que se junta como Doc. n.º 7.

l.             Em janeiro de 2016, a filha da Requerente sofreu inclusive intervenção cirúrgica a um sinal aparentemente benigno, mas que se veio a apurar ser carcinoma, tendo a filha da Requerente sido submetida, depois disso, a uma miríade de novos e adicionais tratamentos, designadamente radioterapia em quadrante no peito.

m.          Procedimentos que a Requerente, como Mãe, não podia deixar de acompanhar de perto, estando presente em e após todas as intervenções e atos médicos.

n.            A tudo isto acresce a necessidade de prestação de apoio diário aos netos da Requerente, filhos de B..., que na data em questão tinham 11 e 6 anos de idade.

o.            Com efeito, os mesmos ficaram a cargo da Requerente durante todo o tempo em que a filha esteve impedida de o fazer.

p.            Toda esta conjuntura levou a que a saúde da própria Requerente se deteriorasse.

q.            Com efeito, a Requerente sofreu, ao longo do ano de 2016, sucessivos e cada vez mais frequentes ataques de ansiedade, ataques de pânico, intercalados com tonturas, fadiga, aumento abrupto do batimento cardíaco e dores no peito, conforme relatórios médicos que se juntam como Docs. n.º 8 a 10.

r.             Foi neste seguimento que a Requerente foi submetida a exames médicos, inclusive uma eletrocardiograma de 24 horas que confirmou os aumentos cardíacos súbitos ao longo do dia, conforme se comprova pelos relatórios médicos já juntos.

s.            À Requerente foi receitada medicação, porém a mesma sofreu reações adversas, pelo que se revelou intolerante a tal linha de tratamento.

t.             No seguimento do exposto, veio a Requerente a ser diagnosticada com doença cardíaca – concretamente Taquicardia Supraventricular - com necessidade de um procedimento invasivo, denominado ablação por cateter.

u.            Que se traduz na inserção de cateteres em veias ou artérias, administrando calor ou frio, de maneira a destruir tecidos que desencadeiam ou promovem arritmias ou elevação do ritmo cardíaco de forma anómala.

v.            Tal procedimento foi realizado em Portugal, a 12 de setembro de 2016 no Hospital ..., conforme se comprova pela declaração e troca de correspondência que se juntam como Docs. n.º 11 e 12.

w.           Uma vez recuperada deste procedimento, a Requerente de imediato regressou ao Reino Unido para continuar a prestar auxílio à sua filha e netos.

x.            Totalmente empenhada e embrenhada nos seus problemas de saúde, bem como nos cuidados que se encontrava a prestar à filha e netos, e encontrando-se maioritariamente fora de Portugal, precisamente para esse efeito, não dispunha a Requerente de condições nem meios para relevar pela importância de comunicar à AT a venda do prédio urbano no ano civil seguinte ao da transmissão.

y.            O que não pode deixar de se compreender como motivo atendível, com o qual qualquer ser humano se compadece.

z.            Com efeito, estamos perante circunstâncias tais que tornam irrazoável exigir à Requerente que tivesse adotado comportamento diferente.

aa.          Face a tais circunstâncias, reconhece a Requerente que não promoveu a declaração da mais-valia decorrente venda do imóvel supra identificado.

bb.         Aceitando a Requerente que tal falta não pode deixar de ter consequências – nomeadamente a obrigação de pagamento de juros compensatórios e de coimas aplicáveis.

cc.          Além do pagamento do justo imposto que venha a ser corretamente calculado pela AT.

dd.         Não obstante o exposto, não rececionou a Requerente qualquer informação ou notificação relativamente a um procedimento de análise e gestão de divergência, respeitante ao ano de 2015.

ee.         Portanto, a Requerente desconhece, em absoluto, o conteúdo do expediente a que se refere a AT, nos pontos 44 a 46 do seu projeto de decisão – o qual se junta como Doc. n.º 13 e dá aqui por reproduzido para todos os legais efeitos – , designadamente se o mesmo continha informação de que, na falta de apresentação voluntária da declaração em falta, seria elaborada declaração oficiosa.

ff.           Certo é que a AT confessa, para não mais retirar, que tal expediente não foi enviado mediante correio registado com aviso de receção – cfr. ponto 46 do já junto projeto de decisão.

gg.          E o que é facto é que a Requerente só veio a tomar conhecimento de que a AT havia promovido liquidação oficiosa de IRS, relativamente ao período compreendido entre 01/01/2015 e 31/12/2015, através da liquidação em crise nos presentes autos, que tem o n.º 2018... .

hh.         Conforme comprovado mediante consulta ao sistema de acompanhamento de entregas dos CTT, a Requerente recebeu este expediente no dia 22 de maio de 2018 – cfr. Doc. n.º 14 que se junta e cujo conteúdo dá por reproduzido.

ii.            Nesta data, a liquidação era já um facto consumado, sendo que à Requerente:

a) Não chegou qualquer conhecimento sobre a existência de procedimento de divergências, nem da possibilidade de ser apresentada uma declaração oficiosa;

b) Nem tão-pouco foi conferida possibilidade de exercer direito de audição prévia acerca dos termos da declaração oficiosa, ou da liquidação que lhe sucedeu.

jj.            O montante apurado pela AT, como imposto alegadamente devido, foi inicialmente de €211.721,15 (duzentos e onze mil setecentos e vinte e um euros e quinze cêntimos),

kk.          Tomando como valor de aquisição o montante de €56.120,00 (cinquenta e seis mil cento e vinte euros).

ll.            E como valor de realização o montante de €820.000,00 (oitocentos e vinte mil euros).

mm.      Portanto, a AT considerou, como valor de aquisição do prédio urbano alienado em 2015, o valor patrimonial do prédio rústico que foi adquirido pela Requerente em 2007.

nn.         No seguimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, foi reconhecido pela AT, conforme consta do projeto de decisão já junto como Doc. n.º 13, bem como ficou plasmado na decisão que se junta como Doc. n.º 15 e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, que o apuramento da mais-valia tributável deve efetuar-se com recurso ao valor patrimonial do prédio urbano autoconstruído, conforme consta na primeira parte do n.º 3 do artigo 46.º do Código do IRS.

oo.         Significa isto que foi reconhecida a existência de um erro dos serviços, que torna necessária a anulação da liquidação sub judice. No entanto,

pp.         Recusa a AT tomar em consideração o demais peticionado no pedido de revisão oficiosa da Requerente, a saber:

a.            A Requerente incorreu nos seguintes gastos com a construção do aludido prédio urbano:

a) Aquisição do terreno - €180.000,00 (cento e oitenta mil euros), conforme Doc. n.º 4 já junto;

b) Com as obras de construção do prédio urbano, que foram realizadas pela empresa C..., Lda. (NIPC ...), a Requerente despendeu o valor total de €143.149,53 (cento e quarenta e três mil cento e quarenta e nove euros e cinquenta e três

c) Com as obras de construção realizadas pela empresa D..., Lda. (NIPC...), a Requerente despendeu o valor de €156.803,92 (cento e cinquenta e seis mil, oitocentos e três euros e noventa e dois cêntimos

d) Com o fornecimento de materiais a serem incorporados na construção, a Requerente despendeu o valor de €12.221,66 (doze mil duzentos e vinte e um euros e sessenta e seis cêntimos), detalhado do seguinte modo:

qq.         Portanto, os custos da construção do prédio urbano totalizaram €492.175,11 (quatrocentos e noventa e dois mil cento e setenta e cinco euros e onze cêntimos).

rr.           A Requerente incorreu, igualmente, em encargos com a venda do imóvel, mormente o valor da comissão da mediadora imobiliária, que totalizou €39.589,60 (trinta e nove mil quinhentos e oitenta e nove euros e sessenta cêntimos), conforme faturas que se juntam como Docs. n.º 38 e 39.

ss.          Todos estes documentos foram facultados à AT com o pedido de revisão oficiosa, a fim de munir a Requerida com todos os elementos probatórios necessários para aferir da verdadeira capacidade contributiva da Requerente.

tt.           A AT recusa tomar em linha de conta os legítimos encargos incorridos pela Requerente com a construção do prédio urbano alienado em 2015.

uu.         Não obstante a AT não coloca em causa os elementos fornecidos pela Requerente, aceitando que os mesmos correspondem a custos de construção do imóvel urbano alienado em 2015, e ao custo da comissão imobiliária incorrida com a venda desse mesmo bem.

vv.          Quanto ao referido no ponto 18 da fundamentação do projeto de decisão – cfr. Doc. n.º 13 já junto – sempre se dirá que o valor das faturas indicadas podem e devem ser confirmados mediante consulta das bases de dados da AT – já que cada uma das empresas se encontrava obrigada a comunicar cada um dos documentos contabilísticos em causa.

ww.       Portanto, o único e verdadeiro motivo, pelo qual a AT recusa dar provimento ao pedido primeiro apresentado pela Requerente, é o de pretender penalizar a Requerente pela sua suposta negligência.

xx.          Isto, mesmo sabendo a AT que a Requerente será penalizada pela falta de atempada declaração da venda do imóvel, em sede de juros compensatórios – já incluídos aliás na liquidação sub judice, conforme pode verificar-se no Doc. n.º 1 já junto,

yy.          E que a AT podia – desconhecendo a Requerente se efetivamente o fez – penalizar a Requerente mediante a instauração de procedimentos contraordenacionais por falta de entrega de declaração e/ou por falta de pagamento do imposto liquidado, podendo estes culminar na aplicação das coimas legalmente previstas para estas omissões.

zz.          Acresce que, conforme já alegado e provado perante a AT, a Requerente agiu de acordo com os deveres pessoais e familiares que lhe eram exigíveis social, moral e legalmente.

aaa.       Inexistindo na sua esfera jurídica um comportamento que lhe possa ser juridicamente censurado.

bbb.      Tanto assim é que, logo que ficou ultrapassada a necessidade de acompanhamento da sua filha, a Requerente voluntariamente encetou contacto com o Serviço de Finanças de Sintra ..., a fim de perceber o sentido e alcance da notificação que havia recebido em Maio de 2018,

ccc.        E proceder ao cumprimento das suas obrigações fiscais, uma vez que esteve impossibilitada de o fazer em data anterior.

ddd.      A Requerente mantém, aliás, o propósito de proceder ao pagamento do imposto devido, em sede de tributação de mais-valias, bem como dos juros compensatórios e demais encargos que sejam aplicáveis,

eee.      Contanto que seja devidamente considerada a real situação contributiva da Requerente.

fff.         Perante o enquadramento de facto ora exposto, e pelos motivos de Direito seguidamente expendidos, não pode a Requerente conformar-se com tal entendimento da AT

ggg.       Com efeito, a soma das faturas emitidas pelas empresas que prestaram serviços e construção e/ou materiais estruturais de construção perfaz o valor de €312.175,11 (trezentos e doze mil cento e setenta e cinco euros e onze cêntimos) – cfr. Docs. n.º 16 a 37 já juntos com a presente peça processual.

hhh.      O valor do terreno, conforme consta da escritura de compra já junta como Doc. n.º 4, foi de €180.000,00 (cento e oitenta mil euros).

iii.           Portanto, a soma dos custos de construção comprovados, com o valor do terreno, perfaz um total de €531.764,71 (quinhentos e trinta e um mil setecentos e sessenta e quatro euros e setenta e um cêntimos),

jjj.          O que é exponencial e manifestamente superior ao valor de €203.700,00 (duzentos e três mil e setecentos euros) que resultou da avaliação do prédio urbano autoconstruído pela Requerente.

kkk.       E sempre assim seria, mesmo que considerássemos, em vez do preço de compra efetivamente pago, o valor patrimonial do terreno rústico ao tempo da compra (utilizado na declaração oficiosa sub judice), que era de €56.120,00 (cinquenta e seis mil cento e vinte euros),

lll.           Pois os custos de construção comprovados documentalmente superam, por si só, o valor patrimonial que ficou a constar da caderneta predial do prédio urbano, já junta como Doc. n.º 5. Os elementos de prova fornecidos com a reclamação graciosa tornaram possível – e mesmo exigível – a consideração dos custos de construção na liquidação do imposto devido, sob pena de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de Direito, nomeadamente a errada interpretação e aplicação do n.º 3 do artigo 46.º do CIRS.

mmm.  A mesma linha de argumentação vale para a comissão suportada pela Requerente, pelos serviços de mediação prestados pela empresa responsável pela promoção da venda do prédio urbano.

nnn.      Na sua decisão, concluiu a AT que os custos de construção e a despesa com a imobiliária não são passíveis de ser considerados em sede de revisão oficiosa, em virtude de ter havido negligência da Requerente.

ooo.      A conclusão da AT padece de vários problemas – o primeiro dos quais falta de fundamentação. Senão, vejamos:

ppp.      No pedido de revisão oficiosa, a Requerente alegou e provou que quer a venda do imóvel, quer a falta de entrega da declaração da venda no ano seguinte, foram motivadas pela necessidade de cuidados primários por parte da filha da Requerente.

qqq.      A AT limitou-se – levianamente – a ignorar a matéria de facto carreada para o procedimento a este propósito, cortando a direito na sua decisão, como vem sendo seu apanágio.

rrr.         Com esta incompreensível omissão, incorreu a AT em violação do dever de fundamentação das suas decisões, plasmado designadamente no artigo 77.º da Lei Geral Tributária,

sss.        Dever este que tem dignidade fundamental, previsto que se encontra no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa – exigindo-se aqui não só um arrazoado das decisões, mas mais concretamente uma fundamentação expressa e acessível.

ttt.         Nestes termos, deve a presente impugnação ser considerada procedente, por provada.

 

b.            A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese o seguinte:

a.            É falso o alegado em 42, 55, 59, 61, 131 e 143 da PI, e bem assim o alegado em 56, no pretendido entendimento da Requerente.

b.            Nos precisos termos dos nºs 2 e 3 do art. 574º do CPC vai impugnada toda a matéria plasmada na PI que sustenta a pretensão do A, que se mostrar em oposição com a defesa no seu conjunto.

c.            A declaração, de que resultou a liquidação contra a qual a A se insurgiu, por via do pedido de revisão oficiosa, foi elaborada oficiosamente porque a A não apresentou a declaração de rendimentos Mod. 3 referente ao ano fiscal de 2015 a que estava obrigada.

d.            Razão pela qual a declaração oficiosa é efetuada em função dos elementos constantes nas bases de dados da AT, designadamente, as declarações entregues por outras entidades, como seja a declaração Mod. 11, bem como consulta ao detalhe de histórico do imóvel na matriz predial, conhecimento de sisa.

e.            Como decorre dos documentos 1 a 7 que se anexam, a Requerente foi notificada previamente à elaboração da declaração oficiosa que veio a dar lugar à liquidação controvertida, por carta registada, através do ofício n.º GIC-..., de 12.03.2017, remetido sob o registo dos CTT n.º RY...PT (documento/anexo 6), que se encontra na situação “recebido”

f.             Notificação que não veio devolvida.

g.            Pese embora notificada para a devida entrega da declaração, a A nada fez.

h.            Pelo que foi recolhida a predita declaração ofíciosa e emitida a consequente liquidação.

i.             Notificada da liquidação a Requerente dela não reagiu, por via de reclamação graciosa ou e impugnação judicial.

j.             Vindo posteriormente a reagir da liquidação por via do pedido de revisão oficiosa, previsto no art. 78º da LGT.

k.            Invoca não ter apresentado a declaração modelo 3 de IRS, nem reagido em tempo contra a liquidação, e apenas posteriormente pedindo a revisão oficiosa por “comportamento desculpável e que, enquanto tal, é insuscetível de um juízo de censura”.

l.             Pese embora as circunstâncias pessoais da A, que aqui não se escamoteiam, a AT mostra-se vinculada ao princípio da legalidade, estando-lhe vedado qualquer acto que não encontre acérrimo legal.

m.          Este procedimento de revisão oficiosa obedece a requisitos e fundamentos próprios (plasmados nos diversos números do artigo 78º da LGT), na sua globalidade, mais restritivos que os requisitos e fundamentos previstos para a reclamação graciosa (artigos 68º e seguintes do CPPT).

n.            No pedido de revisão apresentado, a Requerente invoca a parte final do nº 1 do art. 78º da LGT (erro imputável aos serviços).

o.            Pelo que, o pedido foi apreciado, primeiramente, relativamente a esse fundamento.

p.            Porque tal fundamento - erro imputável aos serviços – pode ser invocado, no pedido, por iniciativa do sujeito passivo, a AT procedeu à apreciação do mesmo.

q.            Tendo concluído pela existência de erro imputável aos serviços na quantificação do rendimento. Porquanto,

r.             A Requerente adquiriu, em 28.11.2007 um terreno rústico. Terreno que passou a urbano – terreno para construção, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário (VPT) de 56.120,00 €.

s.            No mesmo terreno foi construída uma moradia, inscrita na matriz em 2014 e à qual foi atribuído o VPT de 203.700,00 € (prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º... da freguesia de ..., concelho de Sintra).

t.             Ora consultada a declaração oficiosa, verificou-se que foi inscrito como valor de aquisição no campo 4001 do quadro 4 do anexo G o montante de 56.120,00 €.

u.            Ou seja, sem ter em conta todos os elementos de que os serviços dispunham.

v.            Pelo que, verificado tal erro imputável aos serviços, procedeu-se à alteração do valor de aquisição no campo 4001 do quadro 4 do anexo G para 203.700,00 € (VPT da moradia à data da inscrição na matriz).

w.           Tendo sido elaborada nova declaração oficiosa, que deu origem à liquidação nº 2021... .

x.            Quanto à pretendida aplicação do disposto no nº 3 do artigo 46º do Código do IRS, que prescreve que o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele,

y.            A mesma não encontra acérrimo na parte final do n.º 1 do art. 78º da LGT – erro imputável aos serviços.

z.            É que, na elaboração da declaração oficiosa, a AT, como confessa a Requerente na PI, desconheciam qual o montante despendido pela requerente na construção do imóvel.

aa.          Nem tal informação se mostra disponível nas bases de dados da Autoridade Tributária.

bb.         Não pode, pois, considerar-se que, quanto à não aplicação do disposto no nº 3 do artigo 46º do Código do IRS tenha existido erro imputável aos serviços.

cc.          Outro tanto se aplica à comissão imobiliária, a considerar como despesas e encargos a inscrever no campo 4001 do quadro 4 do anexo G.

dd.         Para além do pedido de revisão a deduzir no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do art.º 78º, n.º 1, da LGT, o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do ato, dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efetuar, previstos no art.º 78º da LGT.

ee.         Porém, nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efetuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas o erro imputável aos serviços (cfr. parte final do n.º 1, do art.º 78º), a injustiça grave ou notória (cfr. n.º 4, do art.º 78º) ou a duplicação de coleta (cfr. n.º 6, do art.º 78º, da LGT).

ff.           No caso, não tendo apresentado a declaração modelo 3 voluntariamente no prazo legal, nem o tendo feito após interpelação para o efeito, outra alternativa não restava à Administração Fiscal senão proceder à elaboração da declaração oficiosa e consequente liquidação, com os elementos conhecidos.

gg.          Atuação administrativa essa que sempre se impunha, à face da vinculação ao princípio da legalidade.

hh.         Outro tanto se dizendo quanto à não reação à liquidação nos prazos de reclamação e impugnação.

ii.            Em sede de revisão oficiosa da liquidação, pretende agora a Requerente uma nova oportunidade para tentar comprovar aquilo que não cuidou de comprovar em sede e locais próprios.

jj.            Pretendendo reabrir, em sede de pedido de revisão oficiosa da liquidação, aquilo que foi fechado por falta de atuação conforme e em prazo.

kk.          Tal atuação da A não poderá, contudo, deixar de consubstanciar comportamento negligente apto ao afastar do “erro imputável aos serviços” que fundamenta a possibilidade de revisão do ato tributário, nos termos da parte final do n.º 1 do art.º 78º da LGT.

ll.            O “erro imputável aos serviços” não se poderá ter por verificado quando o erro no apuramento do imposto decorre de comportamento negligente imputável ao contribuinte, que não à Administração Fiscal.

mm.      Quanto aos n.ºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, nos termos do n.º 4, portanto, já fora do âmbito do erro imputável aos serviços, existe a possibilidade de revisão excecional do ato tributário nos três anos posteriores ao mesmo, com fundamento em injustiça grave ou notória.

nn.         Não se trata, pois, de previsão apta a suprir a negligência dos contribuintes, quando não apresentem declaração de rendimentos nem reclamam da liquidação e/ou impugnam dentro dos prazos legais.

oo.         Injustiça grave e notória não se confunde com negligência.

pp.         Nos termos do n.º 5 do art. 78º da LGT, “apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional”.

qq.         O legislador utilizou na formulação da norma citada, conceitos indeterminados como “injustiça grave ou notória”.

rr.           In casu, para além de terem que estar preenchidos tais conceitos, o que não se concede, era necessário, que tal situação não fosse imputável à conduta negligente da A.

ss.          De facto, o nº 5 do artigo 78º da Lei Geral Tributária qualifica injustiça notória como aquela que se apresenta ostensiva e inequívoca, e, grave aquela que resulta de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou, que consubstancia um elevado prejuízo para a Fazenda Nacional, o que não se enquadra no circunstancialismo dos presentes autos, em que a liquidação resultou de a A não ter entregue a declaração de rendimentos e de, posteriormente não ter lançado mão dos meios graciosos e contenciosos que estavam ao seu dispor no prazo devido.

tt.           Só há tributação exagerada ou desproporcionada quando a administração fiscal dispuser da possibilidade legal de fixar a matéria tributável ou, explanando de outra forma, não há tributação exagerada ou desproporcionada quando a matéria tributável resulte diretamente da lei ou da própria declaração do contribuinte, sem que a administração fiscal a possa graduar de acordo com critérios de discricionariedade técnica.

uu.         No caso presente a matéria tributável resultou diretamente da lei, pois, face à não entrega de declaração por parte da aqui requerente foi efetuada declaração oficiosa de acordo com os elementos disponíveis nos serviços, da qual resultou a liquidação controvertida, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 76º do Código do IRS.

vv.          Acresce que, conforme referido expressamente no n.º 4 do artigo 78º da LGT, a autorização, excecional, da revisão da matéria tributável está condicionada à ausência de comportamento negligente do contribuinte.

ww.       Ora, conforme já referido supra, a declaração foi elaborada oficiosamente porque a requerente não apresentou declaração de rendimentos Mod. 3 referente ao ano fiscal de 2015 a que estava obrigada, face ao disposto no artigo 57º do Código do IRS.

xx.          Pelo que, ao dirigente máximo do serviço estava vedada outra decisão.

yy.          Os invocados princípios da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real, da igualdade e da proporcionalidade não se mostram beliscados porquanto a AT agiu de acordo com o princípio da legalidade, o que fez em face da ausência da A no cumprimento das suas obrigações fiscais.

zz.          Dizer ainda que a Requerente se deveria abster de invocar o princípio da igualdade, bem sabedora que é de que as circunstâncias pessoas que alega, infelizmente, assolam outros contribuintes, sem que os mesmos deixem de cumprir as suas obrigações fiscais.

aaa.       Sem conceder, quanto à alegada falta de fundamentação, no domínio fiscal, o artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), na esteira do comando constitucional previsto no artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), dispõe que «A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração e concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».

bbb.      O n.º 2 do artigo 77.º da LGT acrescenta que a fundamentação pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

ccc.        A densidade da fundamentação varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias concretas.

ddd.      E, não tendo que obedecer a cânones específicos, impõe-se, no entanto, que a motivação se mostre apta a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinaram o ato, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra o carácter lesivo deste.

eee.      No caso em apreço, a Requerente revela na PI conhecer a fundamentação da decisão, a qual enuncia pormenorizadamente e ataca especificadamente.

fff.         Sucede, porém, que com ela não concordam.

ggg.       O ato impugnado circunstância, com exatidão, as razões de facto e de direito que o sustentam.

hhh.      Pelo que o ato se mostra fundamentado.

iii.           Resulta do teor da PI que a Requerente apreendeu todo o processo cognoscitivo-valorativo que levou à decisão, tanto assim que a impugnam de facto e de direito.

jjj.          A AT deu conhecimento à A dos motivos que estão na génese e das razões que sustentam o conteúdo dos atos, ou seja, deu a conhecer as razões que determinaram a AT a atuar como atuou, de molde a permitir aos sujeitos passivos optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do acto ou a sua impugnação.

kkk.       O que sucede, porém é que a A não se conforma com os fundamentos do indeferimento, o que releva outrossim para a alegada ilegalidade das liquidações e nessa sede será sindicada.

lll.           Em suma, a faculdade consentida pelo artigo 37.º do CPPT é o modo único de sanação da deficiência da notificação, com diferimento do início do prazo para uso dos meios graciosos ou contenciosos de impugnação, não constituindo condição para o acesso a esses meios.

mmm.  A falta de uso daquela faculdade terá como consequência, em primeiro lugar, a impossibilidade de se invocar o vício de forma por falta de fundamentação como causa de pedir, in casu, do pedido arbitral; com a consequente contestação judicial, contra o ato cuja fundamentação não tenha sido comunicada ao contribuinte.

nnn.      A falta de comunicação dos fundamentos de um ato apenas determina a anulabilidade desse ato de comunicação, visto que não contende com a validade, mas apenas com a sua eficácia.

ooo.      Assim, e por maioria de razão, nunca poderia determinar a anulação dos atos tributários de liquidação (no sentido de todo o exposto, veja-se o acórdão do TCA Sul, de 14-02-2006, proferido no processo n.º 00872/05).

ppp.      Ademais, quanto ao alegado ao 42º e 43º, sempre se dirá que à administração não cabe qualquer consideração sobre as circunstâncias, pessoais e familiares dos contribuintes. 88º Pelo que, improcede a pretensão da Requerente.

qqq.      Assim como improcede a alegada preterição de formalidades legais.

rrr.         Como decorre dos documentos 1 a 7, a A foi notificada previamente à elaboração da declaração oficiosa que veio a dar lugar à liquidação controvertida, por carta registada, através do ofício n.º GIC-..., de 12.03.2017, remetido sob o registo dos CTT n.º RY...PT (documento/anexo 6), que se encontra na situação “recebido”.

sss.        Notificação que não veio devolvida.

ttt.         A AT é alheia ao alegado não recebimento.

uuu.      A AT cumpriu com o dever legal previsto na alínea b) do nº 2 do artº 60º da LGT, o que fez nos termos do nº 3 do art. 38º do CPPT.

vvv.       Sem conceder, à A, em exclusivo, é imputável o alegado (designadamente em 38, 40, 42 e 129) desconhecimento.

www.   A notificação foi remetida nos termos legais, e recebida.

xxx.       O alegado em 56 não se pode ter por uma afirmação séria, como bem sabe a A, e reconhece em 58, ambos da PI.

yyy.       Sendo que, e como vai provado, a Requerente absteve-se de apresentar a declaração de rendimentos onde poderia, e deveria ter declarado como custo e aquisição os aludidos custos de construção e de mediação imobiliária.

zzz.        Como resulta do teor do documento 6, a notificação em apreço não se mostra abrangida pelo nº 1 do art. 38º do CPPT, mas sim pela primeira parte do nº 3 da mesma norma.

aaaa.     A Requerente foi notificada para entregar a declaração de rendimentos ou para fazer prova de que não se mostrava obrigada à sua apresentação

bbbb.    A Requerente não foi notificada de nenhum ato ou decisão que alterasse a sua situação tributária, nem convocada para assistir ou participar em qualquer ato ou diligência, situação em que se aplicaria o referido nº 1 do art. 38º do CPPT.

cccc.      É manifesto que, tendo a AT emitido liquidação oficiosa com base em valores objetivos previstos na lei, e tendo, como se prova notificado a Requerente para apresentação da declaração em falta, sem que a Requerente o tenha feito, mostrava-se dispensada a audição.

dddd.    Verificando-se, pois, o cumprimento da alínea b) do nº 2 do art. 60º da LGT 107º Posto que não assiste razão à em nenhum dos argumentos que esgrime

 

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 21-04-2021, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 22-04-2021. Em 09-06-2021, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 09-06-2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 29-06-2021, tendo sido proferido despacho arbitral em 29-06-2021 em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 09-08-2021.

 

Em 04-10-2021 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

«Compulsados os autos afigura-se que não existindo prova testemunhal a produzir, nem tendo sido suscitada matéria de exceção, é dispensável a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).

Subsequentemente, o Tribunal notificará para alegações. Notifiquem-se as Partes para se pronunciarem, querendo, sobre a tramitação, no prazo de 5 (cinco) dias.»

 

Em 26-10-2021 foi proferido o seguinte despacho:

«Dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por se afigurar desnecessária, notifiquem-se as Partes para, querendo, apresentarem alegações, facultativas e sucessivas, fixando-se o prazo de 10 dias.

A prolação da decisão arbitral ocorrerá até à data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, advertindo-se a Requerente de que deve previamente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.»

Não foram apresentadas alegações.

 

III. DECISÃO

A.           MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

a.            No dia 28 de Novembro de 2007, a Requerente adquiriu um prédio rústico denominado “...”, composto de cultura arvense, com a área total de dois mil cento e setenta e três vírgula setenta e cinco metros quadrados, sito em ..., ..., freguesia de ..., concelho de Sintra, descrito da ... Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º..., inscrito na matriz predial rústica da aludida freguesia sob os artigos ... e ..., ambos da Secção S, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário (VPT) de 56.120,00 €.

b.            Neste terreno, a Requerente promoveu obras de edificação de um prédio urbano destinado à habitação, composto de cave, rés do chão, primeiro andar e logradouro.

c.            Uma vez completado e vistoriado o prédio urbano edificado, a Requerente apresentou a competente Declaração Modelo 1 do IMI, à qual foi atribuído o n.º..., da qual resultou um valor patrimonial de €203.700,00 (duzentos e três mil e setecentos euros), conforme consta da caderneta predial que se junta como Doc. n.º 5.

d.            No dia 24 de junho de 2015 e através do Processo Casa Pronta n.º .../2015, a Requerente promoveu a venda do prédio urbano supra identificado, pelo valor de €820.000,00 (oitocentos e vinte mil euros), conforme escritura de venda que se junta como Doc. n.º 7.

e.            A Requerente não apresentou a declaração de rendimentos modelo 3 referente ao ano fiscal de 2015, não declarando a mais-valia decorrente venda do imóvel supra identificado – provado por acordo.

f.             A Requerida remeteu à Requerente, em 15 de março de 2017, por correio registado simples, uma notificação para regularização da omissão de entrega da declaração de rendimentos modelo 3 referente ao ano fiscal de 2015, indicando que caso a Requerente não procedesse à apresentação dessa declaração, no prazo de 30 dias, seria emitida uma liquidação nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do Código do IRS, conforme anexo 6 junto pela Requerida com a Resposta (ofício n.º GIC-..., de 12.03.2017, remetido sob o registo dos CTT n.º RY...PT).

g.            Subsequentemente emitiu uma declaração oficiosa, tendo sido inscrito como valor de aquisição do imóvel no campo 4001 do quadro 4 do anexo G o montante de 56.120,00 €.

h.            Ou seja, sem ter em conta todos os elementos de que os serviços dispunham.

i.             Ora, o montante apurado pela AT, como imposto alegadamente devido, foi inicialmente de €211.721,15 (duzentos e onze mil setecentos e vinte e um euros e quinze cêntimos),

j.             Tomando como valor de aquisição o montante de €56.120,00 (cinquenta e seis mil cento e vinte euros).

k.            E como valor de realização o montante de €820.000,00 (oitocentos e vinte mil euros).

l.             Portanto, a AT considerou, como valor de aquisição do prédio urbano alienado em 2015, o valor patrimonial do prédio rústico que foi adquirido pela Requerente em 2007.

m.          Este valor a pagar de €211.721,15 consta da liquidação emitida à Requerente sob o n.º 2018..., de 12 de maio de 2018, remetida por registo postal simples, conforme documento junto aos autos.

n.            No seguimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, foi reconhecido pela AT, conforme consta do projeto de decisão já junto como Doc. n.º 13, bem como ficou plasmado na decisão que se junta como Doc. n.º 15 e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, que o apuramento da mais-valia tributável deve efetuar-se com recurso ao valor patrimonial do prédio urbano autoconstruído, conforme consta na primeira parte do n.º 3 do artigo 46.º do Código do IRS.

o.            Pelo que se procedeu à alteração do valor de aquisição no campo 4001 do quadro 4 do anexo G para 203.700,00 € (VPT da moradia à data da inscrição na matriz).

p.            Tendo sido elaborada nova declaração oficiosa, que deu origem à liquidação nº 2021..., de 22 de janeiro de 2021, no valor a pagar de € 166.430,96, também remetida à Requerente por correio registado simples.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

 

B. DO DIREITO

 

Estão em causa nos presentes autos dois argumentos invocados pela Requerente:

a)            Vício de forma, por:

i)             não ter sido devidamente notificada, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.º 2, alínea b) da LGT, previamente à liquidação oficiosa n.º 2018 ... que a AT efetuou ao abrigo do artigo 76.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, com consequente preterição do direito de audição;

ii)            falta de fundamentação;

b)           Vício de violação de lei, por falta de cumprimento do artigo 46.º, n.º 3, 51.º, n.º 1, alínea b), ambos do CIRS e 77.º da LGT, quanto à inadmissibilidade dos encargos na obtenção das mais-valias decorrentes da venda do imóvel.

 

B.            1. Quanto ao vício de forma

 

No presente processo arbitral está em causa saber se a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, n.º 2018..., relativa ao ano de 2015, levada a cabo em 12/05/2018 padece, ou não, de vício de forma por preterição de formalidades essenciais, em virtude da postergação do direito de audição, uma vez que a Requerente alega que não terá recebido, apesar de a carta que veio a dar lugar à liquidação controvertida, de notificação para regularização da falta de entrega da declaração de IRS (do período de 2015) ter sido enviada como registada (simples), através do ofício n.º GIC-..., de 12.03.2017, remetido sob o registo dos CTT n.º RY...PT (documento/anexo 6), que se encontra na situação “recebido”.

 

Ora, o artigo 60.º da Lei Geral Tributária, que consagra o princípio da participação, tem a seguinte redação:

«Princípio da participação

1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

2 - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.

4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.

6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.

7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.»

 

Também o artigo 45.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) prevê o direito de participação do contribuinte na formação da decisão, nos seguintes termos:

“Contraditório

1 - O procedimento tributário segue o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão.

2 - O contribuinte é ouvido oralmente ou por escrito, conforme o objectivo do procedimento.

3 - No caso de audiência oral, as declarações do contribuinte serão reduzidas a termo”.

32.          Os referidos preceitos estão em sintonia com o disposto no artigo 12.º Código do Procedimento Administrativo (CPA), que prevê o seguinte:

“Princípio da participação

Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objeto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes digam respeito, designadamente através da respetiva audiência nos termos do presente Código”.

 

O artigo 121.º do CPA prevê expressamente o direito de audiência prévia, nos seguintes termos:

«Direito de audiência prévia

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 124.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.

2 - No exercício do direito de audiência, os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.

3 - A realização da audiência suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos”.

 

O artigo 122.º do CPA contém as regras referentes à notificação para a audiência, determinando, no seu n.º 2, que “[a] notificação fornece o projeto de decisão e demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo pode ser consultado”.

 

Todos estes preceitos legais concretizam a garantia constitucional da participação dos interessados na formação das decisões ou deliberações administrativas, prevista no artigo 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, cuja redação é a seguinte:

“5. O processamento da atividade administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.»

 

A questão aqui em causa  é a de estabelecer se a notificação efetuada pela AT de uma liquidação de IRS, efetuada da forma a que se normalmente apelida de “registo simples”, preenche ou não os requisitos previstos o n.º 3 do artigo 38.º do CPPT.

 

Para a Requerida é ponto assente que as cartas foram entregues pela AT aos CTT e entregues por estes no seu destino, o domicílio fiscal da Requerente. O procedimento de registo simples resulta da necessidade de tratar notificações em número muito considerável, de uma forma mais expedita e económica estabelecido entre os CTT e a AT em que se pretendeu conciliar a operacionalidade dos serviços e as exigências legais de forma o que foi conseguido de uma forma que respeita completamente o imperativo legal, no seu entender.

 

Assim, e tal como aludido no Acórdão deste STA proferido a 29 de Maio de 2013 no âmbito do Processo n.º 0472/13, “a notificação tem por objetivo dar conhecimento pessoal aos interessados dos atos administrativos suscetíveis de afetar a sua esfera jurídica, como exigência da garantia constitucional consagrada no nº 3 do art. 268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos atos que lhes respeitam.

Neste sentido, diz o nº 1 do art. 36º do CPPT que “os atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesse legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.

E embora a CRP relegue para a liberdade constitutiva do legislador ordinário o encargo de determinar as formalidades das notificações, a verdade é que esse formalismo deverá mostrar-se constitucionalmente adequado e observar o princípio constitucional da proibição da indefesa (Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/2002, de 14 /3/2002, proc nº 607/01.).

Mais concretamente, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o dever de notificação que impende sobre a Administração Tributária “tem um conteúdo obrigatório, devendo estarem reunidos alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efetiva cognoscibilidade do ato ao notificando” (Acórdão de 11/2/2009, proc nº 916/2007).

E também como ficou consignado, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/02, de 14 de Março de 2002 (Jurisprudência reiterada, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2012, proc nº 279/12.), “(…) a questão da suficiência das citações ou notificações postais não se esgota na existência e acessibilidade a um domicílio pelos serviços, tornando-se indispensável que as formalidades da notificação postal ofereçam garantias mínimas e razoáveis de segurança e de fiabilidade que, de modo particular, não tornem praticamente impossível ao notificado a ilisão da presunção do efetivo recebimento da notificação, defendendo-o contra a eventualidade de ausências ocasionais, sem lhe criar o pesado ónus da prova de um facto negativo como o de demonstrar que certa carta não foi recebida nem depositada, em determinando momento, no recetáculo postal.”

São, por conseguinte, duas as exigências a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional subordina a adequação constitucional dos mecanismos de notificação:

(i) que o sistema ofereça garantias de assegurar que o ato de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário;

(ii) que as presunções de recebimento da comunicação sejam rodeadas das cautelas necessárias de modo que a não a ilisão da presunção se torne num ónus impossível de satisfazer”.

 

Ora, “o procedimento de notificação, por carta registada, regulado nos art.s 35º a 39º do CPPT e no art. 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio, compreende os seguintes atos:

(i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do ato tributário, com a respetiva fundamentação;

(ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo;

(iii) e a entrega no domicílio fiscal do respetivo destinatário, comprovada por recibo.

 

Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de maio de 2012, proc nº 1181/11, “Em princípio, do ponto de vista formal, estes atos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respetivo conhecimento exclusivamente da sua vontade”.

Neste enquadramento, torna-se claro que “a modalidade de registo simples não oferece, desde logo, suficientes garantias de assegurar que o ato de comunicação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário.

Na verdade, esta modalidade de registo, em que a entrega não pode ser comprovada por recibo assinado pelo próprio destinatário, não permite ultrapassar a dúvida e a incerteza com que se fica sobre se a notificação chegou efetivamente ao mesmo ou sequer à sua esfera de cognoscibilidade. A questão afigura-se pertinente porquanto não é minimamente acautelado o risco de extravio”.

Ao contrário do que acontece com a carta registada, que “coenvolve um mecanismo que assegura a certeza e a segurança de que o ato notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário, através “de recibo assinado pelo próprio destinatário ou por outrem por ele mandatado para o efeito”, “no caso de registo simples, teríamos, em primeiro lugar, que a presunção de que a notificação foi feita ao 3º dia posterior ao do registo (nº 1 do art. 39º do CPPT), assentaria noutra presunção: tendo apenas por base o registo de expedição, presume-se que o destinatário provavelmente recebeu a carta no seu recetáculo.

Por outro lado, como não há lugar à devolução, recairá sempre sobre o contribuinte o ónus de provar que não recebeu no seu recetáculo nenhuma carta .

 

Ora, acontece que o registo postal simples apenas oferece em relação à via postal simples o facto de ficar registada a data da expedição. O que, como vimos, além de não dar garantias mínimas e razoáveis de segurança e fiabilidade de que a notificação chegou à esfera de cognoscibilidade do notificado, cria para o mesmo o pesado ónus de prova de um facto negativo impossível de demonstrar: o de que não recebeu no seu recetáculo a carta com a notificação.

E nem se argumente a justificar o mencionado mecanismo, como acontece no Acórdão do TCAS de 29/1/2013, proc nº 6147/12, que “o registo simples traduz uma inovação (Cfr. Portarias 1178-A/2000, de 15/12, e 953/2003, de 9/9), face ao tipo de correio registado até aí, em geral regulamentado, inovação esta decorrente da necessidade de consumar notificações em número considerável, de forma mais expedita e económica, (…)” .

Sem deixar de reconhecer-se a importância da inovação, associada à celeridade e economia, a verdade é que a mesma não pode ser obtida à custa do sacrifício do princípio constitucional da tutela judicial efetiva, que pode ser irremediavelmente inutilizado, se as notificações não obedecerem a garantias adequadas a permitirem determinar com certeza e segurança o termo inicial do prazo de recurso à via judicial.

 

Neste sentido, tendo por referência a modalidade de registo através de carta registada, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas no art. 38º, nº 3, do CPPT e nº 1 do art. 39º do CPPT, RUI MORAIS (Manual de Processo Tributário, Almedina, Coimbra, 2012, p. 99.) pondera “que este regime legal tem que ser cuidadosamente aplicado, pois, de outro modo, facilmente acontecerão situações intoleráveis. Se, por um lado, se compreende que estando em causa notificações em massa se tenha de limitar, no razoável, o esforço da AF para contactar os contribuintes, não podemos esquecer que estas notificações têm um efeito semelhante ao de uma verdadeira citação, pois determinam o início de contagem dos prazos para a “contestação” do ato notificado”.

 

Em suma, estando nós perante uma situação em que se pressupõe o efetivo conhecimento do ato tributário para iniciar o prazo de impugnação, o registo simples não representa um índice seguro da sua receção em termos de se poder aplicar a presunção do art. 39º, nº 1, do CPPT e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no recetáculo, quando existe risco de extravio.

A prevalecer a tese da interpretação das normas dos nºs 1 e 3 do art. 38º em conjugação com o nº 1 do art. 39º do CPPT, que admita que os atos suscetíveis de alterar a situação tributária dos contribuintes, como sejam a liquidação de tributos que não resultem de declarações dos contribuintes (nomeadamente liquidações oficiosas), ou a convocação para participarem em atos ou diligências, lhes sejam considerados notificados mediante simples carta registada, i.e., que a carta registada com aviso de receção pode ser substituída pelo registo simples, nos termos e para os efeitos daqueles preceitos, levar-nos-ia a concluir que tal interpretação afetaria a garantia da proteção jurisdicional eficaz do destinatário, em violação das exigências decorrentes do nº 3 do art. 268º da CRP e do princípio constitucional da proibição da defesa, ínsito no art. 20º em conjugação com o nº 4 do art. 268º da CRP.

 

Por tudo o que se deixa exposto, conclui-se que a liquidação impugnada padece de vício de forma, por preterição do direito de audição, previsto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT, pelo que é ilegal e deve ser anulada.

 

Atento o decidido quanto ao arguido vício de forma fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios, nomeadamente de falta de fundamentação e de violação de lei que a Requerente invoca.

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

a)            Julgar procedente a presente ação e anular a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, n.º 2018 ... e todos os atos subsequentes, incluindo de segundo grau;

b)           Condenar a Requerida nas custas judiciais.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €166.430,96, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 30 de dezembro de 2021

 

A Árbitro - Presidente,

 

(Alexandra Coelho Martins)

O Árbitro-Vogal,

 

(Nina Aguiar)

O Árbitro-Vogal, Relator,

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)