Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 227/2021-T
Data da decisão: 2022-02-25  IRC  
Valor do pedido: € 554.341,29
Tema: IRC - Execução de julgado. Impugnação autónoma. Caducidade do direito de liquidação.
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Sumário:

I – O acto tributário, praticado no âmbito de execução de julgado, que estabelece uma nova regulação da ordem jurídica, originando uma liquidação adicional de imposto, poderá ser objecto de impugnação autónoma para cuja apreciação o tribunal arbitral é competente;

II – Nos termos do artigo 45º, n.ºs 1 e 4, da LGT, verifica-se a caducidade do direito de liquidação se a notificação for efectuada ao contribuinte mais de quatro anos depois do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheiro Carlos Cadilha (árbitro-presidente), Dra. Cristina Aragão Seia (relatora) e Dra. Sofia Ricardo Borges, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-06-2021, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

               

1. A..., S.A., com o NIPC ... e sede em ..., ..., ..., adiante, a «Requerente», veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista:

a) a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2015, com o nº 2020...;

b) a declaração de ilegalidade da liquidação de juros compensatórios com o nº 2021 ...;

c) Condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento dos juros indemnizatórios devidos pela prestação indevida de garantia.

 

2. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

 

3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 21-04-2021.

 

4. Em 09-06-2021, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

 

5. Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 29-06-2021.

 

6. A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e juntou o processo administrativo.

 

7. Por despacho de 11-10-2021, foi decidido dispensar reunião.

 

8. Requerente e Requerida apresentaram alegações onde reiteraram as posições assumidas anteriormente.

 

II. SANEAMENTO

 

9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

10. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

11. O processo não enferma de nulidades.

 

12. A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a excepção da incompetência material deste tribunal arbitral por entender que a liquidação impugnada foi emitida em execução do acórdão proferido no processo arbitral n.º 133/2019-T e que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não têm competência para apreciar matéria atinente à execução de julgados.

Já a Requerente sustentou que a excepção invocada pela AT funda-se no - erróneo - entendimento de que a liquidação em crise consubstanciaria uma simples “liquidação correctiva”.

Cumpre decidir.

O artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT atribui aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos. Por seu turno, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, vinculou a Administração Tributária estadual (actualmente, a Autoridade Tributária e Aduaneira) “à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”, com algumas excepções que não se verificam neste caso.

No caso em apreço, está-se perante a impugnação de uma liquidação de IRC, que é um tributo administrado pela Autoridade Tributária e Aduaneira que manifestamente se insere nas competências atribuídas pelo RJAT e por aquela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Na senda do que já se decidiu no processo nº 130/2019-T, “não existe qualquer disposição legal que afaste a competência dos tribunais arbitrais quanto a actos de liquidação que a Autoridade Tributária e Aduaneira considere (com razão ou sem ela) que são emitidos em execução de julgado.

Por outro lado, mesmo que os actos de liquidação sejam praticados em execução de julgado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo foi-se consolidando no sentido de que, se no âmbito da execução de julgado é praticado um novo acto que, para além dar execução à decisão exequenda, contém um conteúdo inovador, sobre o qual não proferiu decisão o julgado exequendo, os vícios de que possa enfermar o acto nesta parte inovatória não podiam ser apreciados no processo de execução, tendo a sua impugnação de ser efectuada em processo impugnatório autónomo.  Mas, mesmo nos casos em que o novo acto apenas dava execução ao julgado exequendo, o interessado podia optar pela sua impugnação autónoma, o que estava ínsito no n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, que expressamente previa que, nos casos em que era instaurado processo de execução, mas estivesse pendente recurso de anulação ou de declaração de nulidade dos actos de execução, seria feita a sua apensação ao processo de execução.

No regime do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ocorreu um alargamento do âmbito do processo de execução de julgado, passando a admitir-se nele, para além da declaração de nulidade dos actos desconformes com a sentença, também a anulação dos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal (artigo 179.º, n.º 2, do CPTA).

Mas, mesmo depois da entrada em vigor do CPTA, a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal Administrativo continuou a ser no sentido de que «o processo executivo tende a conferir efectividade prática ao respectivo título, a que por inteiro se subordina, não servindo para se obterem pronúncias declarativas sobre questões novas e independentes» e que qualquer vício do acto emitido em execução era «declarável em processo a instaurar para o efeito, mas não configura uma infidelidade ao acórdão exequendo». 

A fundamentação desta jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo pode considerar-se duvidosa à face do regime do CPTA, como bem evidenciam, desde logo, os sete votos de vencido que foram emitidos.

Mas, as dúvidas sérias que se podem suscitar relativamente a esta jurisprudência maioritária recaem sobre a decidida inadmissibilidade de utilização do processo de execução de julgados e consequente obrigatoriedade de utilização de meio impugnatório autónomo para sindicar a legalidade dos actos praticados em execução que enfermem de vícios que não apreciados pela decisão exequenda e não sobre a possibilidade de optar pela impugnação autónoma, quando o interessado apenas pretende discutir a legalidade do conteúdo inovador dos actos praticados em execução do julgado, possibilidade esta que sempre foi permitida e resulta do teor literal das normas que prevêem a possibilidade de impugnação contenciosa.

Isto é, a crítica que se pode fazer a esta jurisprudência é por impor impugnação autónoma para apreciar vícios exclusivos do novo acto e não por a proibir, o que manifestamente não faz.

É certo que, no novo regime de execução de julgados, pode aventar-se que haja uma repartição do campo de aplicação do processo de execução de julgado e do processo de impugnação de actos, nos casos em que é praticado um novo acto visando dar execução a um julgado anulatório, como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA , nestes termos: a nova referência aos "actos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal vai mais longe, permitindo ao exequente deduzir também, logo no início ou no decurso do processo de execução, pedido de anulação dos eventuais actos administrativos supervenientes que configurem uma recusa disfarçada de executar, por virem dar uma cobertura formal, mas ilegítima, à situação existente na ausência da execução da sentença. Até aqui, a jurisprudência entendia que estes actos só podiam ser fiscalizados no âmbito de um processo autónomo de impugnação. Agora, há que distinguir. Quando o exequente alegue que o acto foi praticado com o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, mantendo, sem fundamento válido, a situação ilegal existente, o exequente está a colocar uma questão que ainda é de inexecução da sentença, pelo que, como tal, deve ser apreciada e decidida no processo executivo. Só deverão ser, pelo contrário, objecto de impugnação autónoma os actos aos quais o exequente impute ilegalidades que devam ser subsumidas a tipos diferentes de vícios, próprios desses actos. (itálico nosso)

Esta solução tem o alcance de fazer com que, sempre que, no âmbito de um processo dirigido à execução de uma decisão proferida por um tribunal administrativo, o requerente alegue que um acto administrativo superveniente foi praticado com o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, o juiz fique constituído no dever de verificar se assim é, e portanto, se esse acto deve ou não ser qualificado como um acto de inexecução da sentença exequenda, para o efeito de ser anulado no âmbito do próprio processo de execução. Deste modo se consagra, neste particular, um princípio de plenitude do processo de execução, que tem por consequência que, sempre que alegue que o acto administrativo entretanto praticado não passa de uma execução meramente formal ou aparente da sentença, que, na realidade, mantém, sem fundamento válido, a situação ilegalmente constituída pelo acto anulado, o interessado coloca uma questão que ainda é de inexecução da sentença e que, como tal, pode e deve ser objecto da dedução de um incidente a apreciar no âmbito do processo executivo. Quando, pelo contrário, o interessado impute ao acto renovatório ilegalidades que já envolvam aspectos novos, a apreciação de tais vícios já não deve ter lugar no processo executivo, só podendo ser suscitada e decidida em processo declarativo autónomo de impugnação. 

Desta jurisprudência e doutrina conclui-se que, quer antes quer depois do regime de execução de julgados previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não é vedada aos interessados na anulação de um acto administrativo praticado a título de execução de julgado a possibilidade de o impugnarem autonomamente, quando lhe pretendem imputar vícios próprios que não resultam de desconformidade com o julgado exequendo ou de insuficiência dos actos praticados em execução. Pelo contrário, a jurisprudência e doutrina dominantes até são no sentido de que, quando estão em causa vícios próprios do novo acto e o interessado não lhe imputa o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, o meio adequado é a impugnação autónoma.

É a esta luz que há que apreciar a questão da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.”

No caso em apreço, invocando que está a executar um julgado, mais concretamente a decisão proferida no processo 133/2019-T, em que era Requerente a sociedade B..., SA, na qualidade de representante da sociedade C..., Lda, e Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, esta entendeu que, em 2020, podia emitir uma nova liquidação de IRC relativa ao exercício de 2015, cujo facto gerador se verificou a 30 de Junho de 2016, dirigida à ora Requerente,  A..., S.A, sociedade dominante do grupo em que a C... se insere.

A ora Requerente imputa à liquidação praticada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, relativa ao exercício de 2015, vício de caducidade do direito de liquidação, vício de forma por falta de fundamentação, ilegalidade no cálculo da derrama estadual e na liquidação de juros compensatórios, que, manifestamente, são vícios próprios do novo acto de liquidação, «ilegalidades que já envolvam aspectos novos» que aquela jurisprudência maioritária e doutrina, entendem que tem de ser objecto de impugnação autónoma e não de processo de execução de julgado.

Consequentemente, não ocorre a incompetência deste Tribunal Arbitral, pelo que improcede, a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

III. DO MÉRITO

 

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

 

III.1.1. Factos provados

13. Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão das questões prévias:

a)            A Requerente é a sociedade dominante do “Grupo D...”, que se encontra enquadrado no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).

b)           A sociedade C... passou a integrar, em 01-07-2015, o “Grupo D...”, no qual a ora Requerente A... (anteriormente designada de E..., S.A.) é a sociedade dominante.

c)            Em Janeiro de 2016, a C... foi incorporada por fusão na sociedade B... .

d)           A liquidação de IRC n.º 2018 ... foi emitida no seguimento das correcções à matéria tributável, no montante de € 2 490 167,80, efectuadas no âmbito de um procedimento inspectivo realizado a coberto da ordem de serviço n.º OI2017...;

e)           Correu termos no CAAD a acção arbitral n.º 133/2019-T, processo que se encontra instaurado no Sistema de Contencioso Judicial Tributário (SICJUT) da AT sob o n.º ..., deduzida por B..., SA, na qualidade de representante da sociedade C... Lda., com vista à apreciação da legalidade da liquidação de IRC n.º 2018..., incluindo derrama municipal, respeitante ao período de 2015, e respectivos juros compensatórios.

f)            Com relevo para os presentes autos, no acórdão arbitral proferido no processo n.º 133/2019-T foi consignada a seguinte factualidade:

«5. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes:

A) A C...  pertenceu ao perímetro do RETGS do Grupo F... até 30 de Junho de 2015 (docs. n.ºs 5, fls. 6 in fine, e 8, anexos ao Requerimento Inicial e PA – Relatório/Conclusões, fls. 6/23), data até à qual tinha como período de tributação o ano civil;

B) A 1 de Julho de 2015, a C... deixou de ser detida a 75% ou mais pela sociedade dominante “G..., SGPS, SA“ e passou a passou a integrar o perímetro do RETGS do Grupo H... (docs. 8 e 10, anexos ao Requerimento Inicial);

C) Em Julho de 2015, e dada a sua entrada num novo grupo fiscal cujo período de tributação não era coincidente com o ano civil, a C...  optou por um período de tributação coincidente com as restantes sociedades no perímetro do novo grupo, ou seja, com início em 1 de Julho e término a 30 de Junho do ano seguinte (docs. n.ºs 9, 10 e 11, anexos ao Requerimento Inicial);

D) Após 1 de Julho de 2015, a C... manteve-se no perímetro do Grupo H..., sociedade pela qual sempre foi direta e/ou indiretamente detida até à sua fusão com a B...;

E) Em 25 de Janeiro de 2016, a C... fundiu-se por incorporação na sociedade B..., com efeitos contabilísticos e fiscais a 1 de Janeiro de 2016 (Insc. 17 da Certidão Permanente, doc. n.º 4 em anexo ao Requerimento Inicial);

F) Em Junho de 2016, a C... apresentou a sua declaração Mod. 22-IRC referente ao período de 2015-07-01 a 2016-01-25 preenchida a zeros, que correspondia ao seu lucro fiscal adicionado ao lucro fiscal da B... (docs. n.ºs 5, fls. 9 in fine, 12 e 14, anexos ao Requerimento Inicial, e PA - Relatório/Conclusões, fls. 9/23);

G) A B..., enquanto representante legal da sociedade nela incorporada, foi notificada dos actos objecto deste PPA inerentes à C..., a saber as Liquidações de IRC n.º 2018..., incluindo Derrama municipal, respeitante ao período de 2015 e de Juros Compensatórios n.º 2018 ... e da respectiva Demonstração de Acerto de Contas, com valor a pagar de 579.337,29 €, sendo a data-limite de pagamento 27 de Dezembro de 2018 (docs. 1, 2 e 3, anexos ao Requerimento Inicial);

H) A ordem de serviço n.º OI 2017... refere como objecto da fiscalização o IRC do «ano/exercício de 2015» da sociedade C... (doc. n.º 13, anexo ao Requerimento Inicial);

I) Por não concordar com o Projeto de Correções emitido pela Inspecção Tributária, a Requerente exerceu o seu direito de audição (docs. 5 e 6, anexos ao Requerimento Inicial);

J) No âmbito da ordem de serviço n.º OI 2017..., a ATA enviou à C... o documento Relatório/Conclusões, datado de 28 de Dezembro de 2017, que aqui se dá por integrado (PA, fls. 1 a 23);

K) No âmbito da ordem de serviço n.º OI2018..., a AT enviou à B... o documento Relatório/Conclusões, datado de 27 de Dezembro de 2018, - contendo, em Anexo 2, o relatório do procedimento de inspecção mencionado no Facto J) – que aqui se dá por integrado (doc. n.º 7, anexo ao Requerimento Inicial);

L) Em 11 de Fevereiro de 2019, em nome e a pedido da Requerente, foi prestada e apresentada uma garantia bancária, com o n.º..., tendo como beneficiária a AT - UGC, no valor de € 732 755,93 (doc. n.º 15, anexo ao Requerimento Inicial);

M) A C... manteve como período contabilístico de 2015 o período compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2015;

N) De acordo com o Relatório e Contas da C... relativo ao exercício de 2015, o resultado líquido do período apurado ascende a € 70 534 (doc. n.º 16, anexo ao Requerimento Inicial);

O) Tais contas da C... foram aprovadas em Assembleia Geral de accionistas e foram auditadas (docs. n.ºs 17 e 18, anexos ao requerimento inicial);

P) Um ajustamento de auditoria às amortizações do exercício no valor de € 1.780.129 foi registado no sistema informático SAP, em 2016, por contrapartida da rubrica 56 – Resultados Transitados (doc. n.º 19, anexo ao Requerimento Inicial);

Q) Em 11 de Dezembro de 2017, foi entregue uma declaração de substituição da IES da C..., correspondente ao exercício contabilístico de 2015 (doc. n.º 20, anexo ao Requerimento Inicial);

R) O resultado tributável correspondente ao segundo semestre de 2015 da C... foi incorporado da Declaração Modelo 22 da sociedade B... (doc. n.º 12, anexo ao Requerimento Inicial);

S) O Relatório/Conclusões separa duas correções derivadas da desconsideração da estimativa da CESE como gasto - uma de €198 054,00, do 1.º semestre de 2015, com a C...  no Grupo F..., e outra de €164 607,16, do 2.º semestre de 2015, já no Grupo H..., tendo sido emitida uma única liquidação, cujo valor de imposto a pagar foi notificado à ora Requerente (docs. n.ºs 5 e 7, anexos ao Requerimento Inicial, e PA);

T) Na sequência da alteração do período de tributação, por opção da C..., para efeitos fiscais, nomeadamente em sede do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), os SIT consideraram: A) Período 2015(I), entre 01-01-2015 e 30-06-2015, em que a sociedade é tributada pelo RETGS, tendo como sociedade dominante a “G...”; B) Período 2015(II), entre 01-07-2015 e 31-12-2015, tratado por “período de cessação”, em que a C... é tributada pelo regime geral de IRC para o resultado tributável apurado (PA – RIT).»

g)            Na sequência desta factualidade estabelecida, o Tribunal arbitral decidiu que os direitos e deveres fiscais da C... estavam, desde o momento da fusão por incorporação, integrados na esfera jurídica fiscal da B..., considerando, consequentemente, ilegal a liquidação adicional em IRC efectuada com base no pressuposto de que a incorporação da Requerente na B... determinou a dissolução da sociedade e a sua exclusão do regime especial de tributação dos grupos de sociedades.

h)           No processo nº 133/2019-T, o Tribunal julgou procedente o pedido arbitral quanto à correção do lucro tributável no valor de € 496.345,75 e anulou a liquidação em IRC impugnada, bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios;

i)             Em 6 de Janeiro de 2021, a Requerente foi notificada, por via electrónica, da liquidação adicional de IRC de 2015, e da liquidação de juros compensatórios de 2015, mediante a qual a AT procedeu à liquidação do valor de € 554.341,29 a título de IRC, incluindo derrama estadual e derrama municipal, e juros compensatórios, o que resultou de correcção à matéria colectável pela AT concretizada com referência ao mesmo exercício — Processo Administrativo 3, p. 3.

j)             O exercício de 2015 do Grupo D... decorreu de 1 de Julho de 2015 a 30 de Junho de 2016.

k)            A liquidação adicional de 2015 agora notificada à Requerente encontra-se datada de 31 de Dezembro de 2020 — Processo Administrativo 3, p. 3.

l)             A Requerente prestou garantia bancária —doc. n.º 10 junto com o pedido arbitral.

m)          O presente pedido arbitral foi apresentado no dia 20.04.2021.

 

III.1.2. Factos não provados

14. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

15. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Assim sendo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

A Requerente imputa às liquidações impugnadas os seguintes vícios: vício de caducidade do direito de liquidação, vício de forma por falta de fundamentação, ilegalidade no cálculo da derrama estadual e na liquidação de juros compensatórios

 

III.2.1. Caducidade do direito de liquidação

A Requerente defende que ocorreu a caducidade do direito de liquidação, por a liquidação de IRC impugnada respeitar ao período de 2015, ter sido emitida em 31-12-2020 e ter-lhe sido notificada em 21-01-2021.

O artigo 101.º do CIRC estabelece que «a liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efectuar-se nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária».

O artigo 45º da LGT determina que «[o] direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro» (nº 1). No caso dos impostos periódicos, como é o caso do IRC, o prazo de caducidade conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (nº 4).

Por seu turno, o artigo 8º do CIRC estipula no seu nº 9 que o «facto gerador do imposto se considera verificado no último dia do período de tributação. Partindo do princípio de que as liquidações em crise se reportam ao período de 1 de Julho de 2015 a 30 de Junho de 2016, e no pressuposto de que o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, o prazo de caducidade no caso em apreço terá de se contar a partir de 1 de Janeiro de 2017. Assim sendo, e uma vez que a liquidação apenas foi notificada à Requerente, por via electrónica, em 6 de Janeiro de 2021, sempre assistiria razão à Requerente quando invoca a caducidade do direito de liquidação.

 

III.2.2. Outros vícios invocados pela Requerente

 

A Requerente imputa ainda outros vícios às liquidações ora impugnadas, designadamente o vício de falta de fundamentação.

Ora, concluindo-se pela caducidade do direito de liquidação, deve considerar-se prejudicada a apreciação do vício de falta de fundamentação e dos demais vícios invocados. Nesse sentido aponta o artigo 124.º do CPPT, que manda apreciar prioritariamente, em caso de vícios que conduzam à anulação do acto, os vícios cuja procedência determine mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. E é claro que a caducidade do direito de liquidação confere maior estabilidade à situação jurídica do sujeito passivo.

Pelo exposto, não nos pronunciaremos sobre os demais vícios invocados pela Requerente.

 

III.2.3. Juros compensatórios

 

As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as respectivas liquidações de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afectam estas, justificando-se também a sua anulação.

 

III.2.4. Indemnização por prestação de garantia indevida

A Requerente veio ainda requerer o pagamento da correspondente indemnização por prestação de garantia indevida, tendo para o efeito alegado e demonstrado que procedeu à prestação de garantia bancária para efeito de obter a suspensão do processo de execução fiscal que lhe foi instaurado.

O artigo 171.º do CPPT garante a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido visto que poderá ter por objecto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de actos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

O artigo 53.º da LGT admite ainda que o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução fiscal será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos, salvo quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, caso em que a indemnização não está dependente do prazo pelo qual vigorou a garantia. 

Como se decidiu na Decisão Arbitral n.º 239/2016-T, o «erro imputável aos serviços na liquidação do tributo» abrange todas as ilegalidades que afectem a validade da liquidação, pelo que, tendo sido julgado procedente, o pedido arbitral, há lugar à indemnização por prestação de garantia indevida na proporção do vencimento.

Nestes termos, procede o pedido de condenação da AT no pagamento de indemnização pelas despesas suportadas com a prestação da garantia bancária, cujo montante, não tendo sido indicado na petição inicial, será fixado em execução de julgado.

 

IV. DECISÃO      

 

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o acto de liquidação de IRC com o nº 2020... e de liquidação de juros compensatórios com o nº 2021...;

b)           Condenar a Autoridade Tributária em indemnização pelos prejuízos resultantes de prestação indevida de garantia a liquidar em execução de julgado;

c)            Condenar a AT nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 554.341,29, atribuído pela Requerente ao requerer a constituição do Tribunal Arbitral, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

VI. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8.568,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2022

 

Os Árbitros

 

(Carlos Cadilha)

(Cristina Aragão Seia)

(Sofia Ricardo Borges)