Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 226/2019-T
Data da decisão: 2019-11-18  IRC  
Valor do pedido: € 54.658,33
Tema: IRC – Reembolso de Retenção na Fonte.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Requerente: A..., sociedade constituída segundo as leis da Suécia, número de identificação fiscal SE ..., NIPC n.º..., com sede ..., ..., ..., Estocolmo.

 

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

A Dra. Elisabete Flora Louro Martins foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, Tribunal este que foi constituído em 14 de junho de 2019.

 

I.             RELATÓRIO

 

1)            A..., melhor identificada supra (doravante designada por Requerente), apresentou no dia 29 de março de 2019 pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada por Requerida);

 

2)            Através do designado pedido de constituição de Tribunal Arbitral, a Requerente pretende obter a declaração de ilegalidade e consequente anulação (i) dos atos tributários de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) incidentes sobre o pagamento de royalties relativos ao ano de 2016, bem como (ii) da decisão da Direção de Finanças de Lisboa (DFL) que indeferiu expressamente a reclamação graciosa (que seguiu termos naquela DFL com o n.º de processo ...2017...) previamente apresentada relativamente aos referidos atos tributários; e obter o consequente reconhecimento do direito da Requerente à restituição da quantia de EUR 54.658,33, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal (em excesso) sobre royalties no ano de 2016;

 

3)            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 1 de abril de 2019 — a Requerida confirmou a notificação do pedido arbitral em 8 de abril de 2019;

 

4)            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 24 de maio de 2019, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro), o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, tendo o árbitro designado comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável;

 

5)            Em 24 de maio de 2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD;

 

6)            Em conformidade com a alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído 14 de junho de 2019;

 

7)            Em 17 de junho de 2019, o Tribunal Arbitral proferiu Despacho Arbitral para notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. Deste Despacho foi a Requerida notificada no dia seguinte;

 

8)            A Requerida apresentou Resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT e juntou o processo administrativo em 5 de setembro de 2019. Na Resposta apresentada nos autos, a Requerida reiterou o entendimento já assumido na decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida pela DFL;

 

9)            Em 6 de setembro de 2019, a Requerente e a Requerida foram notificadas do despacho arbitral da mesma data com o seguinte teor: “Atendendo ao teor da resposta da Requerida, e atendendo aos princípios da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis (als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29 ambos do RJAT), notifica-se a Requerente A... para vir aos autos dizer se mantém o interesse na inquirição da testemunha arrolada no pedido de pronúncia arbitral”;

 

10)         Em 17 de setembro de 2019, a Requerente veio aos autos confirmar o seu interesse no depoimento da testemunha arrolada;

 

11)         Em 18 de setembro de 2019 foi proferido (e notificado à Requerente e à Requerida) o despacho arbitral que nos termos do artigo 18.º do RJAT designou o dia 27 de setembro de 2019 às 10h30 para: (i) realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral e (ii) inquirição da testemunha arrolada, a apresentar pela Requerente;

 

12)         Na data designada não se realizou a diligência por falta de comparência do mandatário da Requerente, bem como da testemunha arrolada. Na mesma data o Mandatário da Requerente veio justificar o motivo da sua falta, e veio também indicar datas alternativas para a realização da diligência;

 

13)         Em 7 de outubro de 2019 foi proferido novo despacho arbitral, que nos termos do artigo 18.º do RJAT designou o dia 18 de outubro de 2019 às 10h30 para: (i) realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral e (ii) inquirição da única testemunha arrolada (a apresentar pela Requerente);

 

14)         Na data designada (dia 18 de outubro de 2019 às 10h30) foi realizada a primeira reunião do Tribunal Arbitral, na qual foi ouvida a testemunha arrolada, conforme resulta das Atas publicadas na mesma data. Finda a inquirição, o Tribunal notificou a Requerente para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos os documentos de fecho do ano de 2016 com os valores finais reais apurados pela Requerente no referido ano a título de license fees. Foi dado igual prazo de vista (10 dias) à Requerida, findo o qual, em igual prazo de 10 dias, seria proferida decisão arbitral. Ainda na reunião, com o acordo da Requerente e da Requerida, ficou dispensada a apresentação de alegações;

 

15)         Em 25 de outubro de 2019, a Requerente veio juntar aos autos os elementos solicitados. A AT foi notificada da junção dos documentos e nada veio dizer no decurso do prazo de vista (terminado em 12 de novembro de 2019), pelo que, uma vez que foram dispensadas as alegações, é assim proferida a presente decisão arbitral.

 

II.            SANEAMENTO

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

 

III.          MATÉRIA DE FACTO:

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           A Requerente é uma sociedade de direito sueco — não residente em Portugal — que detém a 100% a sociedade de direito português, B..., S.A. (doravante B...). A Requerente e a B... . fazem parte de um grupo multinacional (o Grupo C...) especializado na prestação de serviços de segurança. A Requerente é legítima proprietária das Marcas e logotipos da C...;

 

B)           A Requerente e a B... celebraram em 2009 um contrato de concessão de marca e assistência técnica, bem como um contrato de prestação de serviços de suporte (doravante contrato de concessão de marca), no âmbito do qual a B... paga à Requerente license fees/support fees referentes à cedência dos direitos de utilização da marca, serviços de assistência técnica, pesquisa, desenvolvimento, entre outros (documento 1 do pedido de pronúncia arbitral);

 

C)           Tratando-se de rendimentos referentes à cedência de direitos de propriedade industrial, os mesmos são passíveis de ser qualificados como royalties à luz da legislação interna e do Acordo para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e a Suécia (ADT) — vide artigo 4.º n.º 3 alínea c) do CIRC e artigo 12 do ADT;

 

D)           Nos termos do ponto VII do contrato de concessão de marca, denominado “Taxa de Licenciamento”, o Licenciado (a B...) pagará ao Licenciador (a Requerente) uma taxa de licenciamento variável relativamente à utilização (i) da Marca, (ii) do Logotipo da C... e (iii) de todos os ativos incorpóreos conexos. A denominada taxa de licenciamento é variável, e será fixada em 35% da margem de lucro do Licenciado, se existir lucro. A margem de lucro está definida como a parte da margem EBIT (resultados antes de juros e impostos) do Licenciado, calculada de acordo com os princípios contabilísticos enunciados nas contas oficiais ou equivalentes, do Licenciado que exceda uma margem EBIT em condições normais de mercado. No Anexo B do contrato de concessão de marca é estabelecida a medida de lucros das vendas em condições normais de mercado, de empresas não controladas, equiparáveis;

 

E)            Tendo em conta a natureza variável da remuneração acordada, a Requerente emite, por regra, à B... S.A. em janeiro de cada ano civil, uma fatura no valor estimado/provisional de fees que espera vir a faturar no período de janeiro a novembro;

 

F)            No ano de 2016, a Requerente emitiu os seguintes documentos à B... S.A., para cobrança dos fees contratuais: (i) Fatura AR10:4887 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronuncia arbitral); (ii) Fatura AR10:5121 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronuncia arbitral); e (iii) nota de crédito AR10:5218 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronuncia arbitral);

 

G)           A Fatura AR10:4887 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronuncia arbitral) é datada de 17 de fevereiro de 2016, e demonstra que a Requerente faturou à B... S.A., o total de “Business Model License Fee” de EUR 1 470 750,00, valor este que nos termos da mesma fatura, corresponde ao período de março a novembro de 2016. Resulta ainda da mesma fatura que foram faturados “Support Fees” no valor de EUR 4500,00 (Mobile) e EUR 84750,00 (New Market), sendo o valor total da fatura de EUR 1 560 000,00;

 

H)           O descritivo da fatura corresponde aos fees cobrados nos termos do contrato de concessão de marca, o que está em conformidade com a terminologia utilizada no ponto VII do contrato de concessão de marca que na versão em língua Inglesa refere expressamente a expressão “Licensee shall pay do Liscensor a variable license fee in respect of using the A... Business Model and all related intangilbles under this Agreement”;

 

I)             Por sua vez, a Fatura AR10:5121, emitida pela Requerente à B... S.A., (documento n.º 4 junto com o pedido de pronuncia arbitral) refere “Recalculation of group fees based on the final 2015 results”, o que de acordo com o depoimento prestado pela testemunha arrolada (que confirmou o alegado pela Requerente), respeitará ao acerto final dos fees pagos em 2015 pela B... S.A., uma vez realizado o acerto final do ano;

 

J)            A Fatura AR10:5121 refere o montante de EUR 57 000,00 relativo a “Business Model License Fee”, referente ao acerto do license fee do ano de 2015, o qual segundo resulta da mesma fatura, será pago em outubro de 2016 (pode ler-se na fatura: “The payment will go over yout Call account / Euro Cashpool account on October 5, 2016”);

 

K)           Somando o valor de ambas as faturas (Fatura AR10:4887 e Fatura AR10:5121) conclui-se que o valor dos fees faturados pela Requerente à B... S.A. em 2016 foi no valor total de EUR 1 527 750,00, embora o valor correspondente à Fatura AR10:5121 respeite ao acerto dos fees faturados em 2015;

 

L)            A nota de crédito AR10:5218 de 24 de novembro de 2016 (documento 5 do pedido de pronuncia arbitral) refere “Business License Fee – N Market – Dec” no valor de EUR 104 250,00 (que respeita ao acerto dos fees devidos em dezembro de 2016). O que significa que o valor total dos fees estimados, faturados e cobrados à B... S.A. em 2016 foi no total de EUR 1 632 000,00 (EUR 1 527 750,00 + EUR 104 250,00);

 

M)          A mesma nota de crédito identifica o valor de - EUR 650 833,33 (com o descritivo: “Business License – Difference between Total Fee minus already paid amount and the fee for dec N Market (...) correspondente à diferença entre o fee total pago pela B... à Requerente e o fee total devido em 2016, o que de acordo com o descrito nos documentos juntos significa que o total estimado de fees faturados pela Requerente à B... S.A. no ano de 2016, foi no valor total de EUR 981 166,67 (EUR 1 632 000,00 – EUR 650 833,33);

 

N)           Da conjugação das declarações modelo 30 referentes aos meses de março a novembro de 2016 (documento 7 do pedido de pronuncia arbitral) com as guias e respetivos documentos comprovativos de pagamento das retenções na fonte efetivamente entregues ao Estado, resulta que a B... S.A. fez entregas de retenções na fonte ao Estado Português na sequência de pagamentos de royalties no total de EUR 152 774,94;

 

O)           Em 15 de setembro de 2017, a Requerente apresentou junto da Direção de Finanças de Lisboa reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao exercício de 2016 (documento 8 do pedido de pronúncia arbitral), efetuados pela B... S.A., a qual seguiu com o número de processo ...2017..., nos termos do qual a Requerente pediu o reembolso da quantia de EUR 54 658,27 paga em excesso;

 

P)           O pedido de reembolso foi apresentado com os seguintes fundamentos: (i) a B... S.A. pagou no ano de 2016 royalties à Requerente no valor de EUR 1 527 750,00, os quais foram objeto de retenção na fonte à taxa de 10% (no valor de EUR 152 774,94); (ii) uma parte dos rendimentos foi objeto de anulação através da nota de crédito AR10:5218 de 24 de novembro de 2016; (iii) em consequência da referida anulação, o valor dos royalties auferidos pela Reclamante no ano de 2016, foi de EUR 981 166,67, o que significa que o valor total devido a título de retenção na fonte, a entregar ao Estado, deveria ter sido de EUR 98 116 (10%). Assim, o diferencial correspondente a retenções na fonte cujo reembolso foi pedido pela Requerente foi de EUR 54 658,33;

 

Q)           A reclamação graciosa identificada foi indeferida por despacho de 28 de dezembro de 2018, com os mesmos argumentos reiterados na Resposta apresentada no presente procedimento arbitral;

 

R)           Através de requerimento apresentado em 25 de outubro de 2019, a Requerente veio juntar aos autos a Fatura AR10:5900, emitida pela Requerente à B... S.A. com a data de 13 de novembro de 2017, da qual resulta que o acerto de contas relativo ao ano de 2016 foi cobrado através da fatura ora em análise, emitida em 2017, a qual contém o seguinte descritivo: “Recalculation of group fees based on the final 2016 results”; “Business Model License Fees for 2016 New Markets 1 294 000,00 EUR WTH 4300 EUR is included in this invoice WHT Total for 2016: 129 400 EUR”; “PLEASE NOTE: The payment will go over your Call Account / Euro Cashpool account on December 5, 2017”;

 

IV.          FACTOS NÃO PROVADOS E FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Na análise da matéria de facto considerada como provada, foi tida em consideração a análise dos documentos oportunamente juntos por ambas as partes (oportunamente citados), bem como o depoimento da única testemunha arrolada (inquirida na primeira reunião do Tribunal Arbitral), a qual demonstrou ter conhecimento pessoal e direto dos factos sobre os quais prestou o seu depoimento.

 

V.           APRECIAÇÃO:

A questão que é objeto do presente processo é a de saber se está ou não demonstrado nos autos o direito da Requerente ao reembolso do alegado excesso de IRC retido na fonte em Portugal durante o ano de 2016. Na situação em causa nos autos, a Requerente apresentou:

 

(i)           o certificado 21 RFI, que comprova a residência fiscal da entidade que recebe os rendimentos e comprova também o facto de ter sido acionada a Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suécia;

(ii)          o contrato de concessão de marca que serviu de base ao pagamento dos rendimentos pela B... S.A. à Requerente;

(iii)         as guias e os documentos de pagamento que comprovam a entrega ao Estado do IRC retido na fonte;

(iv)         a nota de crédito que legitimou o acerto de contas realizado no que respeita aos rendimentos pagos em 2016.

 

Vejamos agora individualmente as questões suscitadas pela Requerida:

(a)          As faturas AR10:4887 de 2016/02/17 (fls. 41) e AR10:5121 de 2016/09/19 (fls. 42), esta última referente ao ano de 2015, não identificam o contrato;

Analisando as faturas referidas, concluímos efetivamente que o contrato de concessão de marca não está explicitamente identificado no descritivo das mesmas faturas, pelo respetivo nome e data. Mas o descritivo das referidas faturas permite-nos fazer uma ligação clara entre o contrato de concessão de marca e as faturas, uma vez que no descritivo das faturas consta a informação “Business Model License Fee New Markets”, o que está em conformidade com a terminologia utilizada no ponto VII do contrato de concessão de marca que na versão em língua Inglesa refere expressamente: “Licensee shall pay do Liscensor a variable license fee in respect of using the A... Business Model and all related intangilbles under this Agreement”. A testemunha arrolada nos autos — que falou de forma clara, demonstrando através do seu depoimento ter conhecimento pessoal e direto dos factos —, permitiu a este Tribunal concluir de forma segura que as faturas respeitam efetivamente a pagamentos efetuados em cumprimento do contrato de concessão de marca, pelo que, o argumento exposto pela Requerida deverá improceder.

 

(b)          A nota de crédito AR10:5218 (fls. 44 e 45) que a Requerente alega corrigir as faturas não faz menção às mesmas, não evidenciando, assim, o valor corrigido;

A nota de crédito identificada não faz efetivamente menção às faturas juntas aos autos pela Requerente, mas o descritivo da referida nota de crédito permite fazer a relação direta entre a mesma nota de crédito e o contrato de concessão de marca, e, por conseguinte, entre a nota de crédito e as faturas melhor identificadas supra (não nos podemos esquecer que são documentos emitidos de acordo com legislação Estrangeira).

 

Note-se que o descritivo da nota de crédito refere expressamente a existência de uma diferença entre os Business License fees efetivamente pagos até à data (incluindo os valores de dezembro) e os Business License fees efetivamente devidos, considerando a nota de crédito um valor negativo de EUR 650 833,33. Pelo que, os elementos trazidos aos autos pela Requerente permitiram ao Tribunal formar a convicção segura de que a nota de crédito identificada supra corresponde ao documento através do qual foi feito o primeiro acerto de contas (efetuado em novembro de 2016) dos licence fees relativos a 2016 pagos pela B... S.A. à Requerente.

 

Note-se que a testemunha arrolada deixou bem claro no seu depoimento que no final do ano (in casu, novembro de 2016) é feito um primeiro acerto dos Business License fees estimados e pagos à Requerente ao longo do ano, sendo o acerto final efetuado no ano seguinte, após o encerramento de contas de todas as sociedades do grupo C... . Pelo que, improcedem os argumentos apresentados pela Requerida neste ponto.

 

(c)          Não foi feita prova de como foi efetuado o cálculo do montante efetivo de fees a receber pela Requerente, tendo em conta as cláusulas VII e Anexo B do contrato junto aos autos (fls. 14 a 37);

A testemunha arrolada nos autos confirmou o alegado pela Requerente, que sustentou que o cálculo do montante efetivo de fees a receber pela Requerente — na sua qualidade de casa-mãe — tem em consideração a forma de cálculo prevista no contrato de concessão de marca (mais especificamente, a forma de cálculo prevista no ponto VII do contrato), tendo por base aqueles que foram os resultados obtidos pela B... S.A. em 2016.

O critério de apuramento do cálculo dos Business License fees está assim claramente demonstrado nos autos, designadamente mediante a prova documental apresentada, tendo a testemunha arrolada ainda esclarecido que esses cálculos são efetuados a nível central pela casa mãe (a Requerente), e assim transmitidos a cada uma das sociedades afiliadas.

 

(d)          Não foi apresentada qualquer documentação contabilística que permita aferir da realização da operação e da sua influência nos resultados da B..., S.A., NIF...”;

O que está em causa nos presentes autos é a correção (através do reembolso) do IRC que foi retido na fonte (em excesso) por parte da entidade pagadora dos rendimentos, a B... S.A.. Aos presentes autos, a Requerente trouxe prova bastante:

(i)           da efetiva retenção e entrega ao Estado de IRC no montante melhor descrito na matéria de facto considerada como provada;

(ii)          da correção dos rendimentos pagos através da emissão da nota de crédito AR10:5218 de 24 de novembro de 2016 (junta ao pedido de pronuncia arbitral como documento 5) e,

(iii)         do contrato que serve de base à operação de pagamento dos Business License fees e da concretização da operação de cobrança dos Business License fees por estimativa e posterior acerto, através de emissão de nota de crédito.

 

Ao pretender a apresentação de documentação contabilística que permita aferir da realização da operação e da sua influência nos resultados da B... S.A., a Requerida está a ultrapassar aquele que é o âmbito do procedimento tributário de reembolso de IRC retido em excesso, a desconsiderar os elementos trazidos aos autos pela Requerente, e a suscitar dúvidas sobre a contabilidade da B... S.A. sem estar habilitada para o efeito. Note-se que não se trata de um procedimento de inspeção tributária à contabilidade da B... S.A., e muito menos de um procedimento de inspeção tributária à contabilidade da Requerente ou à contabilidade das empresas do grupo C... .

O número 1 do artigo 75.º da LGT diz: “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.” Cabe à Requerida ilidir tal presunção (uma vez estando legitimada para tal) através da apresentação de elementos que se enquadrem no disposto no n.º 2 do artigo 75.º da LGT, não bastando à Requerida o mero levantamento de suspeitas, sobre elementos (de prova) que se presumem verdadeiros.

 

No caso concreto, a Requerida não trouxe aos autos nenhum elemento que nos permita questionar a contabilidade da Requerente (ou da B... S.A.), ou mesmo que indiciem que a mesma possa não ter cumprido qualquer obrigação de cooperação. Não consta dos autos que a Requerida tenha encetado qualquer procedimento de inspeção junto da Requerente no sentido de questionar os elementos que constam da contabilidade (ou das declarações fiscais) da B... S.A. ou da Requerente, que até onde se sabe, terão sido aceites pela Requerida para todos os efeitos legais (designadamente para efeitos de IVA). Assim, a presunção do artigo 75.º da LGT é válida para a Requerente, uma vez que não foi afastada pela Requerida, e os elementos trazidos para os autos permitiram ao Tribunal formar uma convicção segura sobre a validade de tais documentos.

 

Neste sentido, veja-se a Decisão Arbitral proferida em 5 de março de 2018 no processo n.º 388/2017 -T: “Como referem Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade in Contencioso Tributário, 2017, Almedina, estabelece-se, assim, uma presunção de veracidade das declarações do contribuinte apresentadas nos termos da lei, bem como dos dados que constarem da sua contabilidade e escrita, se estiverem de acordo com a legislação comercial e fiscal. Elisabete Louro Martins considera que esta presunção legal de verdade e boa-fé constitui um corolário do princípio da participação do sujeito passivo na determinação do rendimento tributável [...]. A citada Autora Elisabete Louro Martins, prevê como consequências desta presunção a dispensa do sujeito passivo do ónus da prova de que as informações declaradas e comprovadas nos documentos de suporte, referentes à qualificação e quantificação dos factos tributários, correspondem à realidade, ou seja, designadamente em sede de IRS e IRC, que o rendimento declarado corresponde ao rendimento real efetivamente obtido. Ao sujeito passivo bastará então, apresentar as declarações, a contabilidade ou a escrita, demonstrar que cumpriu o dever de colaboração e que a sua documentação está completa e organizada nos termos da lei.

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Ou seja, à administração tributária e ao contribuinte recai o ónus de prova dos factos constitutivos do seu direito, partindo, sempre, de que se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estes estiverem organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal.

 

A este propósito, importa referir, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferido em 16 de Novembro de 2016, no processo n.º 0600/15, II - Para que a AT proceda à correção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por faturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efetivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratório, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efetivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução. No mesmo sentido, Acórdão do STA, proferido em 19 de Outubro de 2016, no processo n.º 0511/15, Acórdão do STA, proferido em 16 de Março de 2016, no processo n.º 0400/15.” Veja-se também o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de setembro de 2016, proferido no processo n.º 05386/12 ( in https://dre.pt/).

 

No caso concreto, a Requerente fez prova dos factos constitutivos do seu direito a receber o IRC retido na fonte em excesso, uma vez que trouxe aos autos elementos que permitiram concluir que (i) as retenções na fonte foram realizadas e efetivamente entregues ao Estado nos montantes melhor descritos na matéria de facto dada como provada na presente decisão arbitral; (ii) o rendimento pago à Requerente foi corrigido no final do ano de 2016 através da emissão da nota de crédito AR10:5218 de 24 de novembro de 2016, e (iii) os documentos de suporte aos pagamentos (as faturas) e o documento de acerto (nota de crédito) foram emitidos nos termos legais, permitindo o descritivo daqueles documentos estabelecer uma relação entre tais documentos e o contrato de concessão de marca (que ficou provado que serviu de base a tais pagamentos).

 

Pelo que, tendo em consideração a presunção de verdade de que goza a contabilidade da Requerente nos termos do disposto no artigo 75.º da LGT (a qual não foi posta em causa pela Requerida), estão preenchidos os pressupostos legais que permitem o reembolso do IRC pago em excesso pela Requerida no montante total de EUR 54 658,33.

 

VI.          DECISÃO:

a)            É Julgado procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto (i) à anulação dos atos de retenção na fonte efetuados em excesso em 2016, e (ii) à anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, que seguiu termos com o n.º de processo ...2017... na DFL;

b)           É Julgado procedente o pedido de reembolso da quantia de EUR 54 658,33 e a Requerida (Autoridade Tributária e Aduaneira) é condenada a pagar a mesma quantia à Requerente;

 

VII.         VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no art. 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de EUR 54 658,33.

 

VIII.       CUSTAS

                Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em EUR 2 142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, na sua totalidade a cargo da Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 18 de novembro de 2019

A Árbitra Singular,

 

(Elisabete Flora Louro Martins)