Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 222/2020-T
Data da decisão: 2020-12-15  IRS  
Valor do pedido: € 636.554,06
Tema: Cláusula geral antiabuso; Elementos meio e normativo; SGPS; Mais-valias; Dividendos; Elemento meio; Elemento normativo; Notificação pessoal com hora certa.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Sara Barros e Prof. Doutor Eduardo Paz Ferreira (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-08-2020, acordam no seguinte:

 

1.            Relatório

 

A... e B..., respectivamente contribuintes n.ºs ... e ..., ambos residentes na Avenida ..., ..., ..., ...-... ... (doravante, abreviadamente, «Requerentes»), vieram, nos termos Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a anulação

– das liquidações de IRS n.ºs 2018... e 2018..., referentes ao ano de 2014, e respectivos actos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018... e demonstrações de acerto de contas n.ºs 2018... e 2018... e da decisão da reclamação graciosa que contra estes actos foi apresentada;

– da liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2015, e respectivos actos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018... e demonstração de acerto de contas n.º 2018... .

 

Os Requerentes pretendem ainda a restituição das quantias pagas, com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 14-04-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 07-07-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 06-08-2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 10-11-2020, foi realizada uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

Apenas os Requerentes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2.            Matéria de facto

 

2.1.        Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           Em 28-05-2015, os requerentes no estado civil de casados, procederam à entrega das declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS nº (...) referente ao ano de 2014;

B)           Em 05-08-2015, 27-10-2017 e 26-06-2018, os Requerentes entregaram declarações de substituição relativamente ao mesmo ano nºs (..., ... e ...), tendo declarado como auferidos no Anexo A, rendimentos provenientes de trabalho dependente e Pensões no valor total de 47.316,42€ pelas entidades: C..., I.P NIF ... (SP A – A...) e D... SGPS, S.A. NIF ... (SP B –B...), no anexo F, rendimentos prediais no valor de 109,60€, no anexo G, Q8, campos 801 a 808 em que foram apuradas pelo casal menos-valias decorrentes da alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários (ações do E... PLC, NIF...) e no anexo J, Rendimentos da Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE- Restantes países não abrangidos pelo período de transição (Cod...) auferidos por cada um dos sujeitos passivos, no montante de 15.204,59€, pagos por entidade domiciliada na Suíça (Cod...);

C)           Destas declarações resultou a liquidação n.º 2018... de 06-07-2018, com um valor de imposto a pagar de 7.307,71€;

D)           Em 31-05-2016, os requerentes no estado civil de casados, procederam à entrega das declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS nº (...) referente ao ano de 2015;

E)            Em 22-08-2018, os Requerentes entregaram declaração de substituição relativamente ao mesmo ano nº (...), tendo declarado como auferidos no Anexo A, rendimentos provenientes de trabalho dependente e Pensões no valor total de 230.134,15€ disponibilizados pelas entidades: C..., I.P NIF ... (SP A -A...) e D...- SGPS, S.A. NIF ... (SP B – B...), no anexo F, rendimentos prediais no valor de 820,01€, e no anexo J, Rendimentos de capitais abrangidos pela Diretiva da Poupança 2003/48/CE Países/Territórios – Período de transição – artigo 10.º da diretiva (Cod E23) auferidos por cada um dos sujeitos passivos, no montante de 1.760,83€, pagos por entidade domiciliada na Suíça (Cod...);

F)            Desta declaração resultou a liquidação n.º 2018....  de 23-08-2018, com um valor de imposto a pagar de 868,79€;

G)           Em 24-08-2018, com base na Ordens de Serviço n.ºs OI2018... e OI2018...de 27-07-2018, a Direção de Finanças de ... levou a cabo uma ação inspectiva externa de âmbito parcial - IRS, com finalidade de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações do sujeito passivo e demais obrigados tributários relativamente aos anos fiscais de 2014 e 2015 - PNAITA 104-03 - Controlo de esquemas de planeamento fiscal abusivo:

H)           O procedimento inspectivo foi concluído a 10-12-2018 com a notificação da nota de diligência e do Relatório de Inspeção Tributária - Ofício DF nº ..., Registo CTT com AR nº RH ... PT;

I)             Das conclusões da ação inspetiva, resultou o apuramento de rendimento coletável de Categoria E (capitais/dividendos) auferidos no valor total de 447.400€ para o ano de 2014, sendo 440.000€ para o Requerente A... e 7.400€ para a Requerente B... e de IRS em falta nos cofres do Estado, no montante de 337.960€ relativos à tributação de rendimentos de capitais/dividendos (Cat. E) no valor total de 1.207.000€ auferidos no ano de 2015 pelo SPA (A...);

J)            No Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DA APLICAÇÃO DA CLAUSULA GERAL ANTI ABUSO

III.1. IDENTIFICAÇÃO DAS ENTIDADES INTERVENIENTES

O negócio sobre o qual se pretende a aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso foi realizado no seio daquilo que passamos a designar de GRUPO F..., o qual é esquematicamente apresentado de seguida, procedendo-se posteriormente à apresentação mais detalhada das entidades com intervenção neste negócio.

 

De seguida apresenta-se um quadro, retirado do relatório e contas de 2016, onde consta o valor de cada um dos ativos da D... SGPS:

 

Conforme se vê, o principal ativo da D... SGPS é a G... que representa 91% do total do custo das participações detidas. Enquanto em termos da proporção nos capitais próprios das participadas, a G... representa 81% do total.

Ou seja, pode concluir-se que, com exceção da G..., as restantes participações detidas pela D... SGPS têm um valor residual, quando comparadas com o valor daquela.

No sentido de reforçar a preponderância da G... dentro do grupo,  apresentam-se os seguintes quadros:

 

Dos quadros anteriores, é possível concluir que a G... é a principal sociedade do grupo, sendo as restantes meramente acessórias daquela, já que as vendas consolidadas do grupo (após anulação das relações intra-grupo) têm um valor muito próximo do valor das vendas individuais da G..., demonstrando que as vendas das restantes sociedades do grupo destinam-se a outras sociedades do grupo. Em termos dos resultados consolidados, erifica-se também que são sempre muito semelhantes aos da G..., o que não poderia deixar de acontecer, já que as restantes sociedades têm uma atividade quase exclusivamente destinada àquela. O quadro das vendas intra-grupo permite concluir que as sociedades que compõem o grupo vendem quase exclusivamente para a G..., sendo esta a entidade que, para além de ter uma atividade de produção, é responsável pela área comercial do grupo e por isso é a entidade onde são gerados os lucros do grupo F... .

De seguida apresenta-se a evolução das participações detidas pela D... SGPS:

 

Com base nesta evolução do grupo, apresenta-se a sua representação esquemática antes da constituição da SGPS, em 2008:

Conforme se vê neste esquema, antes da constituição da D... SGPS, as sociedades que agora integram o grupo, eram detidas por A... de forma direta, no caso da G... e indireta, no caso da H... e da I... . Após a constituição da SGPS não se verificou nenhuma alteração da posição de A... quanto ao seu controlo sobre as sociedades integrantes do grupo, conforme se vê no quadro 2 onde está representada a estrutura do grupo até 29-12-2015, apresentado no início deste relatório.

De seguida procedemos à descrição pormenorizada das entidades intervenientes neste negócio.

 

De seguida procedemos à descrição pormenorizada das entidades intervenientes neste negócio: III.2. A...

Contribuinte: ...- A...

Morada: R ...

Localidade: ...

Código Postal: ... - ... ...

A... é o acionista maioritário da D... SGPS, tendo exercido os seguintes cargos em diversas sociedades, conforme consta do cadastro da AT:

 

• Relações ativas em 06-02-2018:

 

• Relações cessadas:

 

Assim, para além de A... ser o acionista maioritário do grupo, é também administrador das empresas do grupo.

A... é casado com B..., sendo que os seus rendimentos declarados nestes anos, foram os seguintes:

 

Nas diligências externas realizadas para análise e comprovação dos valores declarados para efeitos de IRS pelos sujeitos passivos nos anos de 2014 e 2015, não foram detetadas anomalias.

Os rendimentos do trabalho dependente de A... são provenientes de sociedades do grupo F..., nomeadamente da D... SGPS a partir de 2008. Nalguns anos, como por exemplo 2002 e 2003, declarou rendimentos do trabalho dependente acima do habitual, devido à atribuição de gratificações (consideradas rendimento da categoria A nos termos do art. 2 º n.º 2 do CIRS) pela G... .

Até 2013, B... auferia rendimentos do trabalho dependente pagos pelo AGRUPAMENTO DE ESCOLAS  ...- NIF ... e a partir desse ano passou a auferir rendimentos de pensões pagos pela C... .

Até 2012, mencionaram nas suas declarações que tinham um dependente sem rendimentos que é: J...- NIF ... .

III.3. D… SGPS, SA

Contribuinte: ...- D...- SGPS, S.A.

 Morada: ...

 Localidade: ...

Código Postal: ...- ... ...

 Início de atividade 19-02-2008

Atividade   CAE 64202 - ACT. SOCIED. GESTORAS PARTICIP. SOCIAIS NÃO FINANC.

A sociedade foi constituída em 28/12/2007 e registada na Conservatória do Registo Comercial de Aveiro em 07/01/2008, sob a designação K... SGPS, S.A., com um capital de € 50.000, subscrito por:

 

Em 18/01/2010, alterou a sua designação para a atual D...- SGPS, S.A.

Em 28/02/2015, por deliberação datada de 30/12/2014, o capital foi aumentado para € 1.000.000 por incorporação de reservas livres.

Desde a sua constituição e até 30/12/2014, a sociedade teve um administrador único que foi A... . A partir de 31-12-2014, passou a ter um conselho de administração composto por A... e sua esposa B... .

De seguida apresentam-se as demonstrações financeiras da sociedade:

 

Os valores respeitantes a vendas e prestações de serviços dos anos de 2011 a 2016 referem-se a serviços de apoio à gestão prestados às sociedades participadas G... e I... . No ano em que se iniciou a faturação destes serviços, a D... SGPS começou também a contabilizar gastos com pessoal:

 

Conforme se vê no quadro anterior, o acionista A... foi durante vários anos o único trabalhador da sociedade, sendo estes os seus únicos rendimentos do trabalho dependente. Antes de ser remunerado pela D... SGPS, auferia rendimentos do trabalho dependente das sociedades G... e I..., conforme segue:

 

Assim, a partir de 2011, A... deixou de auferir rendimentos do trabalho dependente daquelas duas sociedades, passando a ser funcionário exclusivamente da D... SGPS, a qual passou a faturar prestações de serviços àquelas duas sociedades. Ou seja, pode concluir-se que o trabalho pelo qual A... era remunerado na G... e I... passou a ser prestado pela D... SGPS que durante alguns anos tinha como único funcionário o próprio A... .

Quanto a J..., para além dos rendimentos que aferiu na D... SGPS nos anos de 2015 e 2016, auferiu nestes mesmos anos rendimentos na G..., onde é funcionário desde 2015. Até 2012 constava como dependente sem rendimentos na declaração Modelo 3 de IRS de A... e B... .

Quanto aos ativos da D... SGPS são principalmente relativos às ações da G... . Para além disto, nos ativos fixos tangíveis encontra-se contabilizada uma viatura ... adquirida em 2011 em regime de renting, cuja renda mensal era de € 1.765 durante 4 anos. Nos anos de 2013, 2014 e 2015 consta do balanço a rubrica outros ativos financeiros, respeitante a uma carteira de obrigações do L..., que foi alienada na totalidade em 2016.

Em termos dos passivos da sociedade, destaca-se a rubrica "Outras contas a pagar", cuja principal componente refere-se à dívida relativa à aquisição das ações da G... ao acionista A... pelo montante de € 16.627.800 em 05/05/2008. No início de 2014, encontravam-se ainda em dívida € 15.917.943,87 daquele montante, já que a D... SGPS tinha efetuado o pagamento de €45.000 em 2008, €280.000 em 2010, € 350.000 em 2011 e €32.000 em 2013 (A conta corrente apresenta outros movimentos a débito e crédito, de valores mais reduzidos, que acabam por não ter influência significativa no saldo). De seguida apresenta-se a evolução do saldo ao longo dos anos:

 

A diferença entre o valor do negócio de venda das ações da G... e o saldo da conta 2788001 -A..., em 31/12/2008, deve-se ao pagamento ao acionista A... do montante de € 45.000 efetuado com recurso aos € 50.000 do capital inicial da sociedade. Dado que nesse ano a sociedade não teve qualquer outro tipo de rendimentos, chegou ao fim do ano com um saldo de disponibilidades € 4.291 o que demonstra a reduzida capacidade e a inexistência de intenção da sociedade exercer qualquer atividade, para além da simples detenção das ações G... . De facto, esta operação é totalmente destituída de razoabilidade económica, na medida em que esta sociedade assumiu uma dívida de uma dimensão para a qual não tinha estrutura financeira para suportar.

Conforme consta do quadro 7, em 30/12/2009, a D... SGPS adquiriu à G... uma quota de 99,17% da H... e 73,91% das ações da I... pelo valor de € 787.578. Este montante foi pago em 28-12-2009, sendo que os meios financeiros para efetuar este pagamento são provenientes dos dividendos de 2008 da G..., pagos em 22/12/2009, no montante de € 800.000. Ou seja, a D... SGPS aumentou a sua carteira de participações financeiras através de uma aquisição à sua participada G..., efetuando o pagamento com meios financeiros que tinha recebido desta participada, 6 dias antes.

Em 04/03/2010 a D... SGPS concedeu um empréstimo de € 700.000 à H..., sendo que estes recursos financeiros tinham sido recebidos neste mesmo dia, provenientes da G... a título de pagamento de dividendos do ano de 2009, no montante de € 1.000.000. O diferencial entre o empréstimo efetuado e os dividendos recebidos serviu para, em 06/07/2010, a D... SGPS pagar € 280.000 ao seu acionista A... a título de amortização da dívida existente. Ou seja, os dividendos recebidos da G..., em 2010, serviram para efetuar um empréstimo a uma sociedade que anteriormente era detida por aquela e o remanescente foi entregue ao acionista.

Em Maio de 2011, a D... SGPS recebeu dividendos da G..., relativos ao exercício de 2010, no montante de € 560.000, tendo utilizado este montante para pagar € 350.000 ao acionista A... . Em Dezembro de 2011, a D... SGPS recebeu o montante € 1.200.000 a título de distribuição de reservas livres. Este montante foi utilizado para a realização do capital da M..., no montante de € 99.900 e suprimentos a esta sociedade no montante de € 400.100. Foram ainda efetuados empréstimos à H... no montante de € 210.000 e o restante montante recebido encontrava-se num depósito a prazo no final do ano, tendo sido utilizado em Janeiro de 2012 para efetuar um empréstimo de € 450.000 à H... . Após este empréstimo, a dívida desta sociedade passou a ser de € 1.333.065, tendo sido convertida, em 2013, em prestações suplementares no montante de € 1.320.000. Ou seja, estas prestações suplementares na H... foram financiadas através dos dividendos da G..., que até 2009 detinha 99,17% do capital daquela sociedade, conforme consta do quadro 8.

Em Outubro de 2012, a D... SGPS recebeu dividendos da G..., relativos ao exercício de 2011, no montante de € 280.000, tendo aplicado este montante num depósito a prazo no N... (atualmente O...).

Em Julho de 2013, a D... SGPS recebeu dividendos da G..., relativos ao exercício de 2012, no montante de € 750.000. Este montante foi aplicado na aquisição de uma aplicação financeira junto do L..., num montante total de € 2.171.000, sendo que o restante montante investido resulta de empréstimos da G... no montante de € 947.782 e da I... no montante de € 400.000.

Fica demonstrado pelos movimentos anteriormente descritos que, desde o início de atividade e até 2013 (os anos de 2014 a 2016 serão analisados mais adiante no ponto III.5.4 deste relatório), a D... SGPS demonstrou uma reduzida capacidade para exercer uma atividade económica e uma total falta de autonomia perante a sua participada G..., já que as poucas transações que efetuou nestes anos foram financiadas com meios financeiros provenientes dos dividendos pagos por aquela participada. Por outro lado, o facto de A... ser o detentor da quase totalidade das ações e ter sido durante muitos destes anos o único funcionário da sociedade, demonstra que a constituição da D... SGPS não visou uma alteração do funcionamento do grupo F..., servindo apenas para que a participação direta que A... detinha na G... (principal entidade criadora de rendimentos do grupo), passasse a ser uma participação indireta, através da interposição de uma SGPS que se limita a ser um repositório das ações das sociedades do grupo.

III.4. G..., SA

Contribuinte: ... – G... SA

Morada: ...

Localidade: ...

Código Postal: ... - ... ...

Início de atividade 26-07-1982

Atividades    CAE 30920 - FABRICAÇÃO DE BICICLETAS E VEÍCULOS PARA INVÁLIDOS, CAE 46470 - COM.GROSSO MÓVEIS P/USO DOM., CARPETES, TAPETES ART. ILUM,

CAE 30910 - FABRICAÇÃO DE MOTOCICLOS

A G... foi constituída em 19/11/1982, sob a denominação P... S.A., que se manteve até 29/07/2009, data em que adotou a atual firma, tendo como objeto social a indústria de transformação de plásticos, com natureza jurídica de sociedade anónima e capital de € 623.750 (inicialmente o capital era composto por 125.000 ações com valor nominal de 1.000$) (informação constante da certidão permanente). Atualmente, o capital é detido a 100% pela D... SGPS, no seguimento das compras de ações realizadas em 2008 e 2009, conforme descrito na parte inicial do ponto III.1 deste relatório. Antes destas transações, os detentores do capital da G... eram:

 

Consultado o relatório e contas de 2016 da D... SGPS, constata-se que a atividade efetivamente exercida pela G... é:

"A G... dedica-se à conceção e ao fabrico de produtos inovadores para as duas rodas, exportando mais de 93% da sua produção, para After Market ou Original Equipment Manufacturar (OEM). A empresa aposta na comunicação e no marketing para a diferenciação dos seus produtos e para a projeção da marca, estando presente nos principais eventos do sector, promovendo os contactos com os principais clientes e mercados.

As características da gama de produtos da G... permitem aproveitar as sinergias na produção, operando simultaneamente nos mercados de bicicletas e motas.

No sector das bicicletas a empresa comercializa acessórios plásticos como capacetes, guarda-lamas, bidões, proteções e porta bebés, sendo nestes últimos que se concentra o maior volume de vendas. A Empresa é líder europeu na venda de porta bebés de bicicleta, e a aquisição em Dezembro de 2013 da marca ..., líder de porta bebes no mercado Holandês, vem reforçar a posição na Europa.

No sector das motos, a G... produz peças plásticas para primeiro equipamento e "after-market", através de peças de substituição e partes de marca própria. Os componentes plásticos originais são produzidos para os maiores fabricantes europeus de motos, bem como peças de substituição e acessórios para o cliente final.

A G... produz cadeiras de bebé para automóvel para um cliente do Norte da Europa, tendo um peso reduzido na atividade da empresa." (Pag. 4 do relatório e contas de 2016 da D... SGPS)

Atualmente, a administração da sociedade está a cargo de A... e B..., num mandato que decorre entre 2015 e 2018. No quadriénio de 2011 a 2014, o conselho de administração era o mesmo. Relativamente ao quadriénio de 2007 a 2010, o conselho de administração era composto por aqueles dois administradores e ainda Q...- NIF..., que renunciou ao cargo em 30/06/2009, após ter vendido as suas ações, representativas de 0,08% do capital, à D... SGPS, em 15/06/2009.

 

De seguida apresentam-se as demonstrações financeiras da G...:

 

Da análise das demonstrações financeiras conclui-se que a G... tem vindo a aumentar o seu volume de negócios (cresceu 78% entre 2008 e 2016) o que se tem refletido no aumento da rentabilidade, tendo obtido um lucro de € 1.837.015 em 2016.

Apresentam-se também os resultados líquidos da G... entre 1999 e 2007:

 

Conforme se vê neste último quadro, tem sido constante o crescimento do resultado líquido da sociedade, principalmente a partir de 2004.

 

III.5. DESCRIÇÃO DOS FACTOS APURADOS

De seguida apresentam-se os negócios e factos que servirão de base à aplicação da cláusula geral anti abuso:

III.5.1. Constituição da D... SGPS

O primeiro passo para a concretização da operação sobre a qual se pretende a aplicação da cláusula geral anti abuso ocorreu em 07/01/2008, com o registo da sociedade D... SGPS, com a finalidade de esta passar a ser detentora das ações da G... . O capital social inicial da sociedade foi de € 50.000, subscrito da seguinte forma:

 

Apesar da reduzida capacidade financeira da sociedade, os primeiros negócios que realizou foram a aquisição, em 05/05/2008, das ações da G..., detidas por A... e B... por um valor total de € 16.635.200 que não pagou, já que não tinha meios para tal. O único pagamento que efetuou relativamente àquela dívida foi no montante de € 45.000 para A... . Os meios financeiros para efetuar este pagamento são resultantes do seu capital inicial, pelo que no final de 2008, a D... SGPS, tinha um saldo de caixa e depósitos bancários de €4.291 e um saldo de outras contas a pagar de€ 16.590.345.

Assim, facilmente se conclui que este negócio só foi possível porque o vendedor daquelas ações era simultaneamente o detentor de 99,40% do capital do comprador, permitindo que a posse das ações fosse transferida sem que houvesse o imediato pagamento, a fixação de prazos de pagamento ou a concessão de garantias do seu cumprimento. Esta é uma situação anómala, tendo em conta que o comprador apresentava uma reduzida capacidade para no futuro assegurar aquele pagamento.

Ou seja, não restam dúvidas de que a constituição da D... SGPS tinha como objetivo a criação de um veículo para onde pudessem ser transferidas as ações da G..., com a intenção de no futuro obter uma vantagem fiscal.

 

III.5.2. Alienação das ações da G..., SA

Em 5 de Maio de 2008, foi outorgado um contrato de compra e venda de valores mobiliários entre A... e a D... SGPS, respeitante a 112.350 ações da G..., representativas de 89,88% do capital, pelo valor de € 16.627.800.

Antes da celebração deste contrato, tinha sido elaborado, pela R..., sociedade atualmente responsável pela execução da contabilidade da D... SGPS, um relatório de avaliação, datado de 04/04/2008, no qual são apresentadas avaliações calculadas com base em 5 métodos, resultando uma avaliação média da G... de €18.710.151. Tendo em conta que A... era detentor de 89,88% do capital, de acordo com aquele valor médio de avaliação, a sua participação tinha um valor de € 16.816.684.

No referido contrato não foi estabelecido qualquer prazo ou forma de pagamento, ficando estabelecido que: "O preço devido pela compra e venda operada pelo presente contrato, será liquidado de acordo com plano de pagamento a acordar entre as partes." (negrito nosso).

Também em 5 de Maio de 2008, foi outorgado um contrato de compra e venda de valores mobiliários entre B... e a D... SGPS, respeitante a 50 ações da G..., representativas de 0,04% do capital, pelo valor de € 7.400. Este negócio foi realizado ao preço de 148 euros por ação, ou seja o mesmo preço praticado no contrato anterior. O pagamento do preço ocorreu em Junho de 2014.

Em 15 de Junho de 2009, foi outorgado um contrato de compra e venda de valores mobiliários entre Q... e a D... SGPS, respeitante a 100 ações da G..., representativas de 0,08% do capital, pelo valor de € 14.800. Neste negócio foi aplicado o mesmo preço por ação do que nos dois anteriores. O pagamento do preço ocorreu em Junho de 2014.

Tendo em conta os valores anteriormente apresentados, constata-se que as ações foram transacionadas muito acima do seu valor nominal, conforme comparação que de seguida se apresenta:

 

A venda destas ações estava isenta de IRS por força do disposto no art. 10.º, n.º 2, al. a) do CIRS em vigor à data, no entanto, estas transações deveriam ter sido declaradas na Modelo 3 desse ano, o que não aconteceu. (Anexo G1, quadro 4 da Modelo 3: "ALIENAÇÃO ONEROSA DE PARTES SOCIAIS E OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS NÃO SUJEITOS A TRIBUTAÇÃO - Partes sociais adquiridas antes de 1 de janeiro de 1989 /Ações detidas mais de 12 meses (anos 2009 e anteriores)"). Não existindo prejuízo para os cofres do Estado em resultado desta falha, resultou, na ocultação de informação que deveria ser comunicada à AT, por ser relevante o seu conhecimento.

Por outro lado, nos termos do n.º 1 do art.º 138º do Código do IRS, tanto os alienantes, como os adquirentes das ações são obrigados a entregar uma declaração modelo oficial, nos casos em que a alienação seja efetuada sem a intervenção de notários ou corretores de bolsa. A referida declaração encontra-se prevista na Portaria 694/2002, de 22 de Junho, e corresponde à Modelo 4, cuja entrega deve ser efetuada nos 30 dias subsequentes à realização das operações. Neste caso, nem os acionistas originários (entidades alienantes) nem a D... SGPS (entidade compradora) procederam a entrega daquela declaração Modelo 4.

Veja-se o conteúdo da introdução da Portaria n.º 694/2002: "A informação com relevância fiscal que é comunicada no âmbito das designadas obrigações acessórias constitui um precioso instrumento para o controlo cruzado e consequente avaliação da veracidade das declarações dos sujeitos passivos. Entre as obrigações acessórias conta-se a constante do artigo 138º do Código do IRS, sendo que o cumprimento desta obrigação é imprescindível para que possam ser exercidos os direitos sociais."

Ou seja, conclui-se que foram incumpridas de forma generalizada as obrigações declarativas associadas ao negócio que se encontra em análise neste relatório, ficando evidente a intenção de ocultar esta operação e dificultar a sua deteção pela AT.

Entretanto, a G... extinguiu 10% de ações próprias em 14/07/2009, passando assim a D... SGPS a deter 100% do capital daquela sociedade.

III.5.3. Aplicação de resultados da G..., SA

III.5.3.1. De 2000 a 2007

Analisada a política de aplicação de resultados da G... entre 2000 e 2007, constata-se que nesses anos não foram distribuídos dividendos aos acionistas, havendo apenas o pagamento de gratificações aos administradores, quando tal era deliberado pela assembleia de acionistas.

De seguida apresentam-se as deliberações de aplicações de resultados deliberadas nos exercícios de 2000 a 2007:

 

Resumidamente, os resultados destes 8 exercícios tiveram a seguinte aplicação:

Quadro 21-A: Resumo das distribuições de resultados da G... de 2000 a 2007

 

Nestes anos não foram atribuídos quaisquer rendimentos aos acionistas a título de participação nos resultados (dividendos), sendo apenas atribuídas gratificações à administração. Conforme vai ser apresentado de seguida, após Maio de 2008, momento em que a D... SGPS passou a deter 100% do capital da G..., a política de distribuição de resultados foi significativamente alterada, apesar de continuar a ser A... quem tinha o poder de tomar essas decisões.

III.5.3.2. De 2008 a 2015

A aplicação de resultados dos anos de 2008 a 2015 foi a seguinte:

 

Resumidamente, os resultados destes 10 exercícios tiveram a seguinte aplicação:

 

Fica evidente nos quadros anteriormente apresentados que, a partir do exercício de 2008, verificou-se uma alteração da política de aplicação dos resultados da G..., que anteriormente privilegiava o reforço dos seus capitais próprios através da constituição de reservas livres, tendo passado a partir desse ano (2008) a privilegiar o pagamento de dividendos ao seu novo acionista, a D... SGPS.

De seguida apresenta-se a comparação das aplicações de resultados, antes e após a criação da D... SGPS:

 

De facto, a partir de 2008, quando o seu capital passou a ser detido exclusivamente pela D... SGPS, a G... passou a distribuir dividendos de forma regular e em montantes avultados, o que representa uma alteração muito significativa da política de aplicação de resultados seguida até aquele momento. Esta alteração não pode ser considerada alheia ao facto de, a partir do momento em que a D... SGPS passou a ser o acionista, os dividendos atribuídos, passaram a beneficiar da eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas prevista no art. 51.º do CIRC (na esfera da SGPS) e da dispensa de retenção na fonte (pela entidade pagadora) nos termos previstos no art. 97.º, n.º 1, al. c) do CIRC, enquanto anteriormente pagava gratificações à administração, de valores muito inferiores e que ficavam sujeitos a tributação em sede de IRS.

III.5.4. Atividade da D... SGPS, SA

No ponto III.3 deste relatório foi efetuada a apresentação da sociedade D... SGPS e a análise da sua atividade nos anos 2008 a 2013. Vamos agora proceder à análise da atividade nos anos 2014 a 2016, sobre os quais incide este procedimento.

 

• Ano de 2014

Relativamente ao ano de 2014, a análise vai ser efetuada com base na demonstração de / resultados do ano e os balanços comparados de 2013 e 2014, que de seguida se apresentam:

 

Da análise desta demonstração de resultados constata-se que o valor mais significativo está contabilizado nos ganhos em associadas, sendo resultante da aplicação do método de equivalência patrimonial, refletindo nos resultados da D... SGPS a valorização do capital próprio das suas participadas. Os rendimentos relativos a prestações de serviços foram faturados às participadas G... e I..., enquanto os "Outros rendimentos e ganhos" referem-se a juros obtidos. Quanto aos gastos, destacam-se os gastos com o pessoal que são principalmente relacionados com o ordenado do administrador da sociedade, conforme já descrito no ponto l.2. Os gastos com depreciações são na sua quase totalidade relativos a viaturas ligeiras, nomeadamente a viatura ... adquirida através de um contrato de locação operacional.

 

Da análise destes balanços destaca-se a diminuição do saldo da rubrica Outros ativos financeiros, resultante da alienação de obrigações do L..., pelo valor de € 995.000, tendo este montante sido utilizado para reembolsar empréstimos da I... e G... nos montantes de € 400.000 e € 300.000 respetivamente (refletindo-se na diminuição do saldo da rubrica do passivo financiamentos obtidos, os quais tinham sido concedidos aquando da aquisição das obrigações agora vendidas) e o restante para pagamento dos pagamentos por conta de IRC do grupo do ano 2014 (refletindo-se no aumento do saldo da conta Estado e outros entes públicos). Foi também realizado um aumento de capital para € 1.000.000, por incorporação de €950.000 de reservas. Verifica-se ainda uma diminuição do saldo da conta Outras contas a pagar no montante de € 457.952, resultante de pagamentos ao acionista A... no montante de € 440.000 e nos pagamentos das ações da G... adquiridas em 2008 a B... e Q... nos montantes de € 7.400 e € 14.800 respetivamente.

Da análise da atividade da sociedade detetou-se que neste ano recebeu dividendos das suas participadas I... e G... nos montantes de € 115.000 e € 600.000. Estes meios financeiros foram utilizados para efetuar o pagamento do IRC do grupo relativo a 2013 no montante de €109.379,09 e pagamentos ao acionista A... no montante de €440.000 e a B... e Q... no montante de € 22.200. O restante serviu para efetuar os pagamentos por conta de IRC do grupo, relativos ao ano de 2014.

Neste ano, a D... SGPS adquiriu participações no capital de duas novas sociedades, tendo investido € 60.000 na realização de 50% do capital da sociedade Brasileira AA... e € 22.500 na aquisição de uma quota de 40% no capital da sociedade S..., sendo que os restantes 60% do capital foram subscritos por A....

Conclui-se que, no ano de 2014, a D... SGPS utilizou a quase totalidade dos dividendos recebidos da sua participada G... para efetuar pagamentos ao seu acionista A... .

 

• Ano de 2015

Relativamente ao ano de 2015 vão ser analisadas a demonstração de resultados do ano < balanços comparados de 2014 e 2015:

 

Tal como no ano anterior, o principal rendimento da sociedade está relacionado com os ganhos em associadas, resultante da aplicação do método de equivalência patrimonial às participações financeiras detidas pela D... SGPS. Mantiveram-se os rendimentos relativos aos serviços prestados à G... e I... e os rendimentos de juros obtidos diminuíram relativamente ao ano anterior. Em termos de gastos, destaca-se o aumento significativo dos ajustamentos do Justo Valor, devido à desvalorização da cotação das obrigações do L... detidas pela sociedade.

 

As principais alterações nas rubricas do balanço no ano de 2015 foram, em termos do ativo, a diminuição da rubrica acionistas resultante da conversão de uma dívida de € 100.000 da participada M... em prestações suplementares e a diminuição superior a € 350.000 do valor da rubrica outros ativos financeiros devido à queda da cotação das obrigações detidas pela sociedade. Quanto ao passivo, destacam-se o aumento da rubrica financiamentos obtidos, resultante do crescimento da dívida à G... em € 700.000, devido ao pagamento de dividendos antecipados por aquela sociedade, e a diminuição da rubrica outras contas a pagar, resultante do pagamento de € 1.207.000 ao acionista A... (conforme se vê no quadro 15, neste ano o saldo da conta 2788001 – A... diminuiu € 1.207.006,04, enquanto o saldo da rubrica outras contas a pagar do balanço apenas diminuiu € 1 199.615 devido ao aumento do saldo da conta 2722 - credores por acréscimos de gastos)5.

Destaca-se ainda a diminuição do valor contabilizado no ativo na rubrica Estado e Outros Entes Público que respeitava principalmente ao valor do reembolso do IRC de 2014, no montante de € 368.666,57, que foi recebido em Agosto de 2015. Este montante foi principalmente utilizado na subscrição de um depósito a prazo no montante de € 150.000 e realização de prestações suplementares, no montante de € 140.000, na participada T... .

O aumento da dívida à G... resulta de um adiantamento por conta dos lucros de 2015, pago em Dezembro do próprio ano, tendo este montante (€ 700.000) sido utilizado na totalidade para pagamento ao acionista A... a título de reembolso da dívida que se encontra reconhecida desde 2008, resultante da venda das ações da G... . Anteriormente, em 2 de Novembro de 2015, a D... SGPS já tinha efetuado um pagamento àquele acionista, no montante de € 500.000, após ter recebido os dividendos de 2014 da G..., pagos em 24 de Julho de 2015.

Ou seja, no ano de 2015. a D... SGPS recebeu da sua participada G... dividendos no montante de € 1.200.000 os quais foram na totalidade entregues ao seu acionista A...

Existe uma diferença de € 6,04 entre o montante pago ao acionista A... no ano de 2015 (€ 1.207.000) e a variação do saldo da sua conta corrente na sociedade (€ 1.207 006,04), resultante de um lançamento a débito na sua conta corrente, com data de 30/09/2015, no montante de € 6,04 cujo descritivo constante da contabilidade é ... (matrícula da viatura ... detida pela D... SGPS),

No seguimento da análise anteriormente efetuada, apresenta-se um resumo dos principais movimentos financeiros relacionados com a atividade da D... SGPS, nos anos de 2014 e 2015:

 

No quadro anterior, os recebimentos e pagamentos foram agrupados de uma forma que permite efetuar uma relação entre as origens e aplicações de fundos, concluindo-se que os pagamentos, no montante de € 1.647.000 efetuados ao acionista A... e € 7.400 efetuados a B..., totalizando € 1.654.400, foram financiados com os dividendos recebidos da G..., no montante de € 1.800.000.

III.5.5. Fluxos financeiros

III.5.5.1. Fluxos financeiros ocorridos em 2014

De seguida procede-se a uma análise dos fluxos financeiros que vão ser alvo da eventual aplicação da cláusula geral anti abuso, ocorridos no ano de 2014:

Em 29/05/2014 a G... transferiu da sua conta no ... - n.º..., o montante de € 600.000 para a conta da D... SGPS no ...- n.º.... Este pagamento surge no seguimento da deliberação de pagamento de dividendos, naquele mesmo montante, ocorrida na assembleia geral da G... realizada em 23/03/2014. (anexo n.º 26)

Em 13/02/2014 a D... SGPS transfere da sua conta no ... - n.º ... o montante de € 15.000 para a conta com o IBAN PT..., titulada por A..., (anexo n.º 27)

Em 04/06/2014 a D... SGPS transfere da sua conta no ...- n.º ... o montante de € 5.000 para a conta com o IBAN..., titulada por A..., (anexo n.º 28)

Em 23/06/2014 foi levantado da conta da D... SGPS no ...- n.º ...o cheque..., no montante de € 7.546, que tinha sido emitido para pagamento a B... do valor que se encontrava em dívida relativo à venda das suas ações da G... em 05-05-2008 pelo valor de € 7.400 (anexo n.º 29). Apesar deste pagamento não ser direcionado a A..., aproveitou da estrutura elisiva descrita neste relatório e dado que B... faz parte do mesmo agregado familiar para efeitos de IRS, este montante deve ser considerado no apuramento do rendimento tributável neste ano.

Em 22/07/2014 a D... SGPS transfere da sua conta no ...- n.º ... o montante de € 400.000 para a conta com o IBAN PT..., titulada por B..., (anexo n.º 20)

Em 23/07/2014 foram transferidos da conta da D... SGPS no L... o montante de € 5.000. Este movimento foi contabilizado a crédito da conta corrente do acionista A..., pelo que este movimento deve ser considerado como um pagamento ao acionista. (anexo n.º 31)

Em 26/08/2014 foram transferidos da conta da D... T SGPS no ...- n.º ... o montante de € 15.000 para A..., (anexo n.º 32)

Esquematicamente, os fluxos financeiros ocorridos em 2014 foram os seguintes:

 

III.5.5.2. Fluxos financeiros ocorridos em 2015

Em 2015, ocorreram os seguintes fluxos financeiros:

Em 30/04/2015 a D... SGPS transfere da sua conta no ...- n.º ... o montante de € 7.000 para a conta com o IBAN..., titulada por A..., (anexo n.º 33)

Em 24/07/2015 a G... transferiu da sua conta no ... – IBAN ..., o montante de € 500.000 para a conta da D... SGPS no U...- n.º... . Este pagamento surge no seguimento da deliberação de pagamento de dividendos, naquele mesmo montante, ocorrida na assembleia geral da G... realizada em 25/03/2015. (anexo n.º 34)

Em 02/11/2015 a D... SGPS transfere da sua conta no U...- n.º ... o montante de € 500.000 para a conta com o IBAN..., titulada por A..., (anexo n.º 35)

Em 24/12/2015 a G... transferiu da sua conta no V...- nº..., o montante de € 700.000 para a conta da D... SGPS no U...- n.º... . Este pagamento foi efetuado por conta dos dividendos que viriam a ser atribuídos por deliberação de atribuição de dividendos, naquele mesmo montante, na assembleia geral da G... realizada em 13/04/2016. (anexo n.º 36)

Em 28/12/2015 a D... SGPS transfere da sua conta no U... - n.º ... o montante de € 700.000 para a conta com o IBAN..., titulada por A..., (anexo n.º 37)

Esquematicamente, os fluxos financeiros ocorridos em 2015 foram os seguintes:

 

III.6. FUNDAMENTAÇÃO DA APLICAÇÃO DA CLAUSULA GERAL ANTI ABUSO

A cláusula geral anti abuso está prevista no n.º 2 do artigo 38º da Lei Geral Tributária (UGT), e tem a seguinte redação (dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro):

"São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas."

Esta norma consagra no ordenamento jurídico tributário nacional uma verdadeira cláusula geral anti abuso, isto é, um dispositivo legal que, sendo um instrumento de aferição e delimitação concreta dos casos de elisão fiscal, estatui a ineficácia perante a Administração Tributária de atos jurídicos praticados com evidente abuso de formas jurídicas, os quais conduzem, em desfavor da Fazenda Nacional, à eliminação, total ou parcial, ou ao diferimento temporal dos tributos que de outro modo seriam devidos.

Saliente-se que com o recurso à fórmula ampla "atos ou negócios", a lei possibilita uma extensão do preceito capaz de abranger atos negociais, atos voluntários não negociais e mesmo meros comportamentos considerados, com independência da vontade subjacente, como operações materiais.

Para aplicar a norma anti abuso deve ser observado o procedimento prescrito nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, sendo essencial para a fundamentação da decisão, o cumprimento de diversos requisitos aí plasmados. Importa, pois, no caso em apreço, aferir da verificação cumulativa de tais requisitos, sendo eles:

a) Descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e dos negócios ou atos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam;

b) A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais.

Por sua vez a alínea a) do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, divide-se em 3 pontos, a observar, também, cumulativamente:

 

I. Descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado;

II. Descrição dos negócios ou atos de idêntico fim económico;

III. Indicação das normas de incidência que se lhes aplicam.

III.6.1. Alínea a) do n.º 3 do artigo 63º do CPPT

Vejamos então, para o caso em análise, de per si, a observância destes pontos:

III.6.1.1. Descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado

O negócio ou ato jurídico sobre o qual se pretende que seja aplicada a cláusula geral anti abuso foi realizado em 5 de Maio de 2008 e consubstancia-se na venda das ações da G..., detidas por A..., à recém constituída sociedade D... SGPS, pelo preço de €16.627.800,00 permitindo que posteriormente sejam efetuados pagamentos ao acionista do GRUPO F..., evitando a tributação em sede de IRS dos rendimentos obtidos.

Este negócio jurídico insere-se num esquema pré-planeado que visa possibilitar ao acionista A... receber os dividendos da G..., evitando a tributação destes rendimentos de capitais em sede de IRS, graças à transformação dos pagamentos que deveriam ser respeitantes a dividendos, no pagamento da dívida criada de forma abusiva pelo negócio celebrado em 05/05/2008.

Os diversos passos do esquema estruturado que visava atingir um objetivo pré-determinado, são os que de seguida se descrevem:

A D... SGPS foi constituída em 28/12/2007 e registada em 07/01/2008, com capital de € 50.000 detido em 99,4% por A... .

A estrutura da D... SGPS não era consentânea com a celebração de um negócio de valor superior a 16 milhões de euros. conforme se pode constatar nas demonstrações financeiras apresentadas no ponto III.3 deste relatório. É por demais evidente que este negócio só foi possível porque o vendedor das ações é simultaneamente o detentor de 99,4% do capital do comprador, ou seja, não houve alteração da pessoa que tem o poder sobre as ações, simplesmente, A... deixou de ser o seu detentor direto, passando a controlá-las de forma indireta, através de uma sociedade em que detém a quase totalidade do capital. Só assim seria possível a realização de um negócio com aquele valor, sem que, de imediato fosse pago o preço, fossem fixados prazos para a sua execução ou concedidas garantias de cumprimento.

Logo em 2008, a D... SGPS pagou ao seu acionista € 45.000 a título de reembolso da dívida criada em resultado daquele negócio. Os meios financeiros para efetuar este pagamento eram provenientes do capital realizado por A..., no montante de € 49.700. Ou seja, fica demonstrada a falta de capacidade financeira desta sociedade para realizar aquele negócio, bem como a inexistência de intenção de exercer qualquer atividade já que o capital inicial realizado pelo acionista foi-lhe, na sua quase totalidade, reembolsado, ficando a sociedade com meios financeiros no montante de € 4.291 no final do seu primeiro ano de existência, já que para além do capital inicial, não teve qualquer outra fonte de rendimentos.

Em 06/07/2010, a D... SGPS pagou ao seu acionista € 280.000 a título de pagamento da dívida criada em resultado daquele negócio. Os meios financeiros para efetuar este pagamento são provenientes dos dividendos recebidos da G... em 04/03/2010.

Em Julho de 2011, a D... SGPS pagou ao seu acionista € 350.000 a título de pagamento da dívida criada em resultado daquele negócio. Os meios financeiros para efetuar este pagamento são provenientes dos dividendos de 2010 da G..., pagos em 2011.

Em 22/07/2014, a D... SGPS pagou ao seu acionista € 400.000 a título de pagamento da dívida criada em resultado daquele negócio. Os meios financeiros para efetuar este pagamento são provenientes dos dividendos de 2013 da G..., pagos em 29/05/2014.

Em 02/11/2015, a D... SGPS pagou ao seu acionista € 500.000 a título de pagamento da dívida criada em resultado daquele negócio. Os meios financeiros para efetuar este pagamento são provenientes dos dividendos de 2014 da G..., pagos em 24/07/2015.

Em 28/12/2015, a D... SGPS pagou ao seu acionista € 700.000 a título de pagamento da dívida criada em resultado daquele negócio. Os meios financeiros para efetuar este pagamento são provenientes de um adiantamento por conta dos dividendos de 2015 da G..., pagos em 24/12/2015.

Desta sequência de acontecimentos fica evidente que o resultado direto do negócio realizado em 05/05/2008 foi permitir que os dividendos da G... chegassem ao acionista do grupo evitando a tributação destes rendimentos de capitais em sede de IRS à taxa liberatória prevista no art.º 71, n.º 1 al. c) do CIRS (para o ano de 2014) e no art.º 71, n.º 1 al. a) do CIRS (para o ano de 2015), através da interposição de uma sociedade constituída para o efeito. Veja-se que os dividendos pagos pela G... não concorrem para a formação do lucro tributável em IRC, na esfera da D... SGPS, por força da aplicação da eliminação da dupla tributação económica, prevista no art. 51º do CIRC e, aquando do pagamento, a G... fica dispensada de efetuar a retenção na fonte por força do disposto no art. 97.º, n.º 1, al. c) do CIRC.

Ou seja, a D... SGPS é um veículo que permite fazer transitar os dividendos da G... para o acionista do grupo,  A..., evitando qualquer tributação dos rendimentos por este obtidos, graças à transformação dos dividendos em amortização de uma dívida.

Podemos concluir que estamos na presença de uma estrutura, enquanto conjunto de atos e negócios sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário (encadeados), com vista a atingir o objetivo fiscal visado: distribuir dividendos sem os sujeitar a tributação em sede de IRS.

Neste caso, estamos perante os chamados "dividendos construtivos ou disfarçados", modalidade de distribuição de dividendos que se operacionaliza através da constituição de um débito perante os sócios/acionistas e que surge com maior frequência quando a estrutura de capital das sociedades envolvidas permite que as negociações ocorram, de facto, entre as mesmas pessoas (neste caso, a D... SGPS e a G..., são detidas direta e indiretamente por A...).

III.6.1.2. Descrição dos negócios e atos de idêntico fim económico

O ato de idêntico fim económico seria o pagamento dos dividendos da G...ao seu acionista A..., sendo tributados à taxa liberatória prevista no art. 71º do CIRS, sem que se recorresse à interposição de uma sociedade cuja única finalidade é a eliminação da tributação destes rendimentos em sede de IRS.

Não restam dúvidas de que a G... é uma sociedade cuja atividade gera resultados elevados. Por outro lado, ficou também demonstrado que os resultados da G... acabaram na posse de A... . Assim, o ato que deveria resultar desta situação seria o pagamento de dividendos da sociedade ao seu acionista. No entanto, os intervenientes optaram pela criação de uma estrutura que envolveu a criação de uma sociedade (SGPS) e a realização de diversas transações com as ações de sociedades do grupo, para permitir efetuar pagamentos de rendimentos ao acionista do grupo, evitando qualquer tributação.

Veja-se que entre 2000 e 2007, a G... não efetuou qualquer pagamento de dividendos aos acionistas, limitando-se a atribuir gratificações à administração, de valores reduzidos. Estas gratificações eram consideradas rendimentos do trabalho dependente dos seus beneficiários, em sede de IRS.

Já foi referido no ponto III.4 deste relatório que a rentabilidade da atividade da G... tem vindo a crescer ao longo dos anos, principalmente a partir de 2004, conforme consta do quadro 19. Tendo em conta esta situação e na perspetiva de maximizar os seus rendimentos, o acionista da G... decidiu criar uma estrutura através da interposição de uma sociedade veículo, no sentido de lhe permitir receber dividendos, sem ficar sujeito a tributação em sede de IRS.

Conforme apresentado no ponto III.5.3 deste relatório, até 2007, o valor das gratificações pagas à administração G... era muito inferior ao valor dos dividendos que passaram a ser pagos à D... SGPS, a partir de 2008, e que posteriormente começaram a chegar à posse do acionista pessoa singular. Não será alheia a esta alteração de política de distribuição de resultados, a criação da estrutura aqui descrita, que permitiu que os dividendos começassem a chegar ao acionista sem que fossem sujeitos a qualquer tributação.

Por outro lado, destaca-se o facto de, ao longo deste processo, terem sido utilizados critérios diferentes, de acordo com os fins a atingir em cada momento, nomeadamente, quanto à forma de valorizar as diversas ações que foram transacionadas, conforme de seguida descrito

Em 05/05/2008, A... vende as suas ações representativas de 89,88% do capital da G... à D... SGPS, pelo preço de € 16.627.800,00. Estas ações tinham um valor nominal de € 560.626,50 e a venda beneficiou da isenção de IRS sobre a mais-valia realizada, em vigor à data, por se tratar de ações detidas há mais de 12 meses. Esta operação tem subjacente uma evidente motivação fiscal, que é o aproveitamento da exclusão de tributação da mais-valia realizada, no montante de € 16.067.173,50 prevista no art. 10.º, n.º 2, al. a) do CIRS.

 

Deste quadro constata-se que na venda das ações da G... SA à D... SGPS, estas foram valorizadas muito acima do seu valor nominal, aproveitando a isenção de tributação desta mais-valia em sede de IRS, já que a intenção desta transação era criar um saldo elevado que permitisse eliminar a tributação que incidiria sobre os dividendos a receber por A..., caso não tivesse sido realizado este negócio. Nas outras transações de ações, a diferença entre o preço e o valor nominal é diminuto quando comparado com a valorização do negócio anteriormente referido.

Do supra exposto decorre que o negócio equivalente seria a distribuição de dividendos ao acionista  A... na qualidade de beneficiário, o qual ocorre quando a G... distribui dividendos à D... SGPS, na medida em que todos os restantes atos e negócios jurídicos praticados tiveram apenas em vista a obtenção das vantagens fiscais descritas, e foram praticados com abuso das formas jurídicas.

III. 6.1.3. Indicação das normas de incidência que se lhes aplicam

A parte final do n.º 2 do artigo 38º da LGT, onde está prevista a sanção: "... efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas...", resulta, pois, na estatuição da própria norma.

Conforme anteriormente demonstrado, as distribuições de dividendos foram transformadas em pagamentos de uma dívida criada pela transferência de ações para uma sociedade veículo, que aproveitou da exclusão de tributação prevista na alínea a) do nº. 2 do artigo 10º do CIRS (alienação de ações detidas há mais de 12 meses), pelo que incumbe à Administração Fiscal considerar ineficaz, no âmbito tributário, a classificação destes rendimentos como pagamentos de dívidas e enquadrá-los como distribuição de dividendos, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.

Estamos perante as denominadas "step by step transactions" nas quais se encontra uma "facti species" complexa, envolvendo uma sucessão de atos/ negócios coordenados entre si, nas quais o aplicador da lei deve operar um tratamento integrado, visualizando-os como uma única transação, propendendo para um único e final resultado. Pois bem, quando assim sucede, a disposição anti abuso pode e deve aplicar-se ao momento decisivo e final que é representado, "in casu", pela receção dos montantes de €447.400,00 em 2014 e € 1.207.000,00 em 2015, pelos acionistas A... B..., momentos em que deveriam ocorrer a tributação, na ausência da operação compósita evasiva, até porque não restam dúvidas que foi nestes momentos que o contribuinte obteve um rendimento que o CIRS prevê que seja sujeito a tributação, tendo em conta que se verificou um aumento da sua capacidade contributiva.

Caso estes montantes fossem pagos ao acionista sob a forma de lucros, sem a estrutura utilizada estariam sujeitos a tributação, nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5º do CIRS.

Esta utilização abusiva da D... SGPS leva a que, atendendo ao disposto no nº. 2 do artigo 38º da LGT, os montantes recebidos por A... e B... sejam tratados como se inexistisse a sociedade veículo, ou seja, como se de pagamentos de dividendos se tratassem, numa relação direta entre a sociedade pagadora G... e os beneficiários dos rendimentos A... e B..., ocorrendo a tributação nos períodos de tributação em que ocorreram os pagamentos, conforme segue:

 

Quanto aos períodos de tributação anteriores a 2014 (2008 a 2013), verifica-se a caducidade do direito à liquidação, nos termos do art. 45.º, n.º 4 da LGT.

III.6.2. Alínea b) do nº. 3 do artigo 63º do CPPT

Para cumprimento deste requisito a administração fiscal terá que demonstrar que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais.

Com o intuito de demonstrar que não houve outro interesse para além do fiscal com a presente operação, vamos procurar responder a três requisitos que consideramos fundamentais:

III.6.2.1. Comparação das vantagens fiscais com o benefício económico

Conforme foi descrito nos pontos anteriores deste relatório, a vantagem fiscal obtida consubstancia-se na eliminação de qualquer tributação que deveria incidir sobre os dividendos pagos pela G... e que acabaram por chegar ao acionista A... . A obtenção desta vantagem fiscal foi conseguida através da interposição de uma sociedade veículo entre a sociedade pagadora dos dividendos e o beneficiário dos rendimentos.

Ao celebrar um contrato de venda das suas ações à sociedade constituída para o efeito, o acionista conseguiu criar uma dívida a seu favor que lhe permitiu receber os dividendos da G... sem qualquer tributação, nomeadamente enquanto rendimentos de capitais em sede de IRS. Esta venda de ações foi um negócio meramente formal, já que A... continuou a ter o controlo total sobre a G..., sendo que a única alteração ocorrida foi que, até 2008, foi acionista daquela sociedade a título pessoal, detendo 89,88% do capital (no entanto, dado que a sociedade detinha 10% de ações próprias estas ações representavam 99,88% dos direitos de voto) e após 2008, passou a ter uma participação indireta no capital de 99,40%, dado que era detentor de 99,40% do capital da sociedade veículo que detinha 100% do capital da G... (após extinção das ações próprias).

Veja-se que o anteriormente afirmado pode ser confirmado pelo facto de que após o ano de 2008, nas assembleias gerais de acionistas da G..., o único presente era A... com 100% dos direitos de voto, em representação do acionista D... SGPS, no qual detém 99,40% do capital. Antes de 2008, A... estava presente nas assembleias gerais enquanto detentor de 89,88% das ações (Ver atas das assembleias gerais de acionistas da G... em anexo7 a este relatório).

Quanto ao benefício económico resultante deste negócio, não se vislumbra a sua existência, já que conforme foi descrito neste relatório a D... SGPS tem uma atividade muito reduzida, estando completamente dependente da sua participada G... que é a fonte geradora de lucros do grupo, nem teria capacidade para, de per si realizar uma compra de ações por um valor superior a 16 milhões de euros, não fosse o facto de que, na realidade, este negócio ter sido meramente formal, não se operando qualquer alteração na posição de domínio que A... tem sobre a sociedade G..., bem como sobre todas as empresas do grupo. Ou seja, pode concluir-se que a interposição de uma sociedade entre a G... e A... teve como objetivo a obtenção de uma vantagem fiscal, não existindo qualquer benefício económico.

III.6.2.2. Mudança na posição económica do contribuinte que porventura opere

Dado que estas operações tiveram como finalidade transformar as distribuições de resultados da G... na amortização de dívidas àquele que anteriormente era o acionista daquela sociedade, a mudança na posição económica do contribuinte que operou, consubstancia-se no facto de este ter recebido os dividendos da G..., sem que ficassem sujeitos a tributação enquanto rendimentos de capitais em sede de IRS. Ou seja, em resultado do esquema artificioso aqui descrito, o contribuinte conseguiu obter uma vantagem económica correspondente aos impostos que deixou de pagar sobre os rendimentos de dividendos, provenientes da G..., que recebeu

Ficou demonstrado que A... conseguiu através daquele esquema artificioso, criar uma forma de receber rendimentos, sem que fiquem sujeitos a tributação em sede de IRS.

III.6.2.3. Potencial interesse extra fiscal do mesmo

No caso em análise, conforme já demonstrado, os pagamentos efetuados pela G... à D... SGPS, seguidos da sua disponibilização aos acionistas A... e B.... nos montantes de €447.400,00 e €1.207.000,00, em 2014 e 2015, respetivamente, visaram, em primeira instância, a obtenção do resultado fiscal, consubstanciado no recebimento de dividendos evitando a sua tributação em sede de IRS.

A estruturação das operações, para além de dirigida à obtenção da referida vantagem fiscal, foi ainda e simultaneamente, dotada de uma forma anómala e artificiosa, uma vez que tendo em conta os factos descritos, não se vislumbra outro motivo para estas operações, que não seja a criação de um meio para fazer chegar os dividendos da G... a A... sem qualquer tributação.

Na verdade, veja-se que o negócio realizado entre a D... SGPS e A... é totalmente destituído de racionalidade económica, porquanto cria uma dívida na SGPS de cerca de € 17.000.000, sendo que esta sociedade não possui estrutura nem recursos financeiros para pagar.

Atente-se ainda à disparidade entre o valor do capital social da sociedade constituída e o montante da dívida assumida pela D... SGPS perante A... .

Não obstante os atos e negócios jurídicos que compõem esta estrutura sejam, em si mesmos, válidos e lícitos, e correspondam à efetiva vontade dos sujeitos passivos, não se lhes vislumbra qualquer substância económica.

O que é decisivo na aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso é aferir se o ato ou negócio jurídico escolhido tem uma substância económica ou outra, que se possa dizer predominante na sua relação com a vantagem fiscal (comparativa) objetivamente decorrente dessa escolha. Analisando a sequência dos factos não se vislumbra substância económica na operação para além da vantagem fiscal.

Apesar da atividade da D... SGPS nos anos em análise (ver ponto III.5.4 deste relatório), não se limitar a receber dividendos da G... e utilizá-los para amortizar a dívida ao seu acionista, ou seja não se poder classificar como um veículo exclusivamente utilizado para atingir a vantagem fiscal, a verdade é que quando comparados os valores envolvidos na operação que resultou na vantagem fiscal com os valores da restante atividade da sociedade, só se pode concluir que o fim primordial era atingir a vantagem fiscal e que a restante atividade surge acessoriamente.

Chegados a este ponto, torna-se relevante referir que, embora a D... SGPS receba montantes avultados de dividendos da sua participada G... (os quais utiliza para amortizar a dívida ao acionista A...), esta, por sua vez, apesar de ter apurado resultados líquidos acumulados no montante de € 7.624.185 entre 2008 e 2016, nunca distribuiu quaisquer dividendos aos seus acionistas, os quais, se distribuídos ficariam sujeitos a retenção na fonte e tributação em sede de IRS na esfera pessoal daqueles.

Assim, concluímos pela existência de uma motivação fiscal preponderante, que se manifestou nas formas adotadas e que faz prevalecer a finalidade fiscal do negócio sobre a finalidade não fiscal.

Neste contexto, o n.º 3 do artigo 11.º da LGT, ao afastar-se das regras gerais de interpretação das normas, aderindo expressamente à tese da substância sobre a forma, legitima a não vinculação da Autoridade Tributária à qualificação efetuada pelas partes do negócio jurídico, prevalecendo no âmbito de aplicação da CGAA, a substância do negócio sobre a sua formatação jurídica, dado que ao Direito Fiscal interessa mais a substância económica dos factos tributários, do que a sua forma.

Pelo que se verifica, de acordo com o supra exposto, estarem reunidas as condições para aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 38º da LGT e no artigo 63º do CPPT.

Por assim ser, incumbe à Administração Fiscal considerar ineficaz no âmbito tributário, a transformação dos pagamentos de dividendos da G... em amortizações de dívidas ao acionista A..., uma vez que estas operações foram praticadas com abuso das formas jurídicas e tiveram como objetivo essencial a eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou a obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas total ou parcialmente, sem utilização desses meios.

Face ao exposto, a tributação dos montantes pagos pela D... SGPS a A... e B... deve ocorrer de acordo com as normas aplicáveis na ausência da tal estrutura, concretamente, aplicando-se a norma de incidência prevista na alínea h) do n.º 2 do artigo 5º do CIRS, não se produzindo as vantagens fiscais referidas, tal como dispõe o n.º 2 do artigo 38º da LGT.

III.6.3. Verificação do disposto no art. 63.º, n.º 8 do CPPT

O n.º 8 do art.º 63 do CPPT estipula que: "A disposição anti abuso referida no n.º 1 não é aplicável se o contribuinte tiver solicitado à administração tributária informação vinculativa sobre os factos que a tiverem fundamentado e a administração tributária não responder no prazo de 150 dias."

Na data da elaboração do presente relatório não é do conhecimento destes serviços a existência de pedido de informação vinculativa, por parte do contribuinte, relativamente aos factos acima descritos.

III.7. PROPOSTA DE CORREÇÃO

Tendo-se verificado, de acordo com os factos relatados nos capítulos anteriores deste relatório, estarem reunidas as condições para aplicação do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da LGT e no artigo 63.º do CPPT, conforme já explicado, incumbe à Administração Fiscal considerar ineficaz, no âmbito tributário, a classificação daqueles dividendos como rendimentos não tributados nos termos dos art. 51º e art. 97.º, n.º1, al. c), ambos do CIRC (aquando do pagamento à D... SGPS), enquadrando-os como distribuição de dividendos a pessoas singulares, tributados nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.

Face ao exposto, a tributação deve ocorrer de acordo com as normas aplicáveis na ausência de tal estrutura, concretamente na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, não se produzindo as vantagens fiscais referidas, tal como dispõe o n.º 2 do artigo 38º da LGT.

Conforme descrito no capítulo III.5.5 deste relatório, o montante dos dividendos pagos pela G... à D... SGPS nos anos de 2014 e 2015 foi de €600.00,00 e €1.200.000,00 respetivamente, sendo que destes, chegaram à posse de A..., os montantes de € 447.400,00 e € 1.207.000.00 em 2014 e 2015 respetivamente.

Note-se que em 2015 os dividendos pagos pela G..., num montante total de €1.200.000,00 dividem-se em € 500.000,00 respeitantes à distribuição do resultado apurado no exercício de 2014 e aprovados em assembleia geral de acionistas em 25/03/2015 e € 700.000,00 respeitantes a adiantamento por conta dos dividendos de 2015, que viriam a ser aprovados em assembleia geral de acionistas em 13/04/2016. Relativamente aos adiantamentos por conta de lucros, o art. 5.º, n.º 2, al. h) do CIRS, equipara-os aos lucros pagos, ocorrendo a sua tributação no momento da sua colocação à disposição do beneficiário nos termos do art. 7.º, n.º 3, al. a), n.º 2) do CIRS.

III.7.1. Rendimentos da Categoria E- Dividendos

Assim, está demonstrado que A... e B... auferiram nos anos de 2014 e 2015 rendimentos de capitais, previstos na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, tributáveis a partir do momento em que são colocados à disposição dos seus beneficiários, conforme previsto no art. 7.º, n.º3, al. a), n.º2)do CIRS.

Não fosse o mecanismo elisivo criado pelo contribuinte, estes montantes deveriam ter sido sujeitos a tributação aquando do seu pagamento, o que não aconteceu.

Consequentemente devem ser corrigidas as declarações Modelo 3 de IRS dos anos de 2014 e 2015 dos efetivos beneficiários daqueles rendimentos de capitais, neste caso, A... e B..., nos seguintes montantes:

 

(...)

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

(...)

IX.2. ABORDAGEM A RESPOSTA DO SUJEITO PASSIVO

No seguimento do exercício do direito de audição sobre as conclusões constantes do projeto de relatório, notificado aos sujeitos passivos em 31/08/2018, procede-se à análise dos argumentos apresentados:

• Começam por manifestar a sua "... enorme perplexidade... com a instauração do procedimento para efeitos de aplicação do disposto no n. º 2 do art. º 38. º da LGT...";

• Nos pontos seguintes fazem um enquadramento dos motivos que levam à aplicação da CGAA, recorrendo a excertos do projeto relatório, sem no entanto tecer quaisquer comentários, pelo que estes pontos não merecem análise;

• A partir do ponto 5, o contribuinte apresenta os seus argumentos para contrariar as conclusões do projeto de relatório, pelo que de seguida reproduzem-se estes argumentos, procedendo-se de seguida à sua análise:

 

Nestes pontos os contribuintes vêm invocar que as operações realizadas tiveram razões económicas válidas, não sendo um mero expediente visando a obtenção de uma vantagem fiscal. No entanto, não apresentam os fundamentos para esta sua afirmação. Ou seja, apesar de discordar não apresentam os factos suscetíveis de sustentar o invocado.

Veja-se que neste relatório de inspeção, os argumentos que sustentam a inexistência de razões económicas válidas para a operação de reestruturação do grupo F... encontram-se explanados, nomeadamente, no ponto III.6.2.3 no qual se conclui que o objetivo foi possibilitar que os lucros gerados pela G... chegassem aos contribuintes, evitando a sua tributação em sede de IRS, através da interposição de uma sociedade (D... SGPS) e da criação de uma dívida avultada a favor dos contribuintes, utilizando os dividendos pagos pela G... à D... SGPS para reembolsar a referida dívida.

 

Nestes pontos, os contribuintes afirmam que não houve utilização abusiva da isenção de IRS na transmissão de ações detidas há mais de 12 meses, nem na utilização dos dividendos pagos pela G... à D... SGPS para reembolsar a dívida criada com a venda daquelas ações, considerando que as conclusões do projeto de relatório resultam de um errado enquadramento da operação.

Ora, apesar das afirmações dos contribuintes, mantemos o enquadramento efetuado no projeto de relatório, resultante das operações de reestruturação do grupo F... descritas no ponto III.5 do relatório, que permitiram a realização dos movimentos financeiros descritos no ponto III.5.5, consubstanciados no pagamento de dividendos da G... à D... SGPS, isentos de tributação em sede de IRC, por força do art. 51.º do CIRC, seguidos de pagamentos aos contribuintes a título de reembolso da dívida criada através daquele negócio, os quais também não foram sujeitos a tributação. Contrariamente à argumentação dos contribuintes, não restam dúvidas de que se tratou de uma operação artificiosamente construída no sentido de permitir pagamentos aos acionistas pessoas singulares, sem que ficassem sujeitos a tributação em sede de IRS, conforme pormenorizadamente descrito no ponto III.6.1 deste relatório.

Por outro lado, veja-se que os contribuintes não fundamentam os motivos pelos quais consideram que existem "manifestos erros na identificação das situações", contrariamente ao que acontece neste relatório, onde ficou demonstrado que toda esta operação de reestruturação teve como objetivo final permitir que os dividendos da G... chegassem aos contribuintes sem que ficassem sujeitos a tributação em sede de IRS, tendo para tal, recorrido à interposição de uma SGPS, que não tinha capacidade para realizar um negócio de valor superior a 16 milhões de euros.

Assim, analisado o direito de audição do contribuinte, não se vislumbram quaisquer argumentos suscetíveis de alterar as conclusões do procedimento de inspeção, pelo que mantém-se a proposta de aplicação da norma anti abuso prevista no art. 38.º, n.º 2 da LGT ao negócio em análise, resultando que:

• Devem ser considerados ineficazes para efeitos fiscais os pagamentos através dos quais a SGPS amortizou a dívida constituída a favor do seu acionista maioritário, requalificando-os em lucros disponibilizados pela G... ao seu indireto acionista, com a tributação a incidir sobre os montantes pagos pela G... através da SGPS, enquanto sociedade veículo, na esfera do seu efetivo beneficiário, A..., nos anos de 2014 e 2015 em que ocorreram as preditas disponibilizações de lucros.

• A observação e análise conjunta dos factos elencados supra, permite qualificá-los como um esquema motivado por razões fiscais, assente na alienação das ações da G... S.A. à D... SGPS, com a incapacidade financeira desta para o pagamento do preço a determinar a constituição de dívida a favor do seu acionista maioritário, e a subsequente transferência dos lucros da G... distribuídos à SGPS para o respetivo beneficiário, disfarçados de amortização da dívida nesta constituída a seu favor.

K)           Em 11-12-2018, os Requerentes foram notificados do Relatório Final de Inspecção Tributária (doravante somente «RIT») (Documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

L)            Na sequência da inspecção foram emitidas:

– as liquidações de IRS n.ºs 2018... e 2018..., referentes ao ano de 2014, e respectivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018... e demonstrações de acerto de contas n.ºs 2018... e 2018...;

– a liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2015, e respectivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018... e demonstração de acerto de contas n.º 2018... (documentos n.ºs 3 a 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

M)          Em 19-12-2018, foi depositado no receptáculo postal, à data dos factos, do domicílio fiscal dos Requerentes o documento correspondente à liquidação de IRS de 2014 n.º 2018... e correspondente demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., os quais foram enviados por correio simples registado, mas sem aviso de recepção (cfr. cit. Documentos n.ºs 3 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

N)           Em 20-12-2018, foi depositada no receptáculo postal dos Requerentes o documento correspondente à demonstração de acerto de contas n.º 2018..., relativa à liquidação de IRS e de juros compensatórios mencionada no parágrafo anterior, da qual constava como montante a pagar o valor de € 43.332,84, cuja data limite de pagamento terminava em 25-01-2019 (Documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

O)           Em 21-12-2018, uma inspectora tributária deslocou-se à morada fiscal dos Requerentes, «a fim de efectuar a notificação da demonstração de liquidação de IRS do ano de 2014 com o número 2018..., emitida em 2018/12/17, bem como da respectiva nota de cobrança com o número 2018..., emitida em 2018/12/19», não tendo, contudo, logrado efectuar a referida notificação «em virtude de não os ter encontrado no lugar indicado», na sequência do que deixou afixada «nota de marcação de hora certa», com indicação do dia 26-12-218, pelas 10,30 horas, para ser efectuada a notificação (Documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

P)           Em 26-12-2018, pelas 10,30 horas, a mesma inspectora tributária deslocou-se à morada dos Requerentes «a fim de efetuar a notificação da demonstração de liquidação de IRS do ano da 2014 com o número 2018..., emitida em 2018/12/17, bem como da respetiva nota de cobrança com o número 2018.... 0, emitida em 2018/12/19, aos sujeitos passivos A..., NIF ... e B..., NIF ...(os quais constituíam, no ano de 2014, um agregado familiar para efeitos de IRS)» e efectuou a notificação «por afixação na porta do domicilio fiscal dos sujeitos passivos A..., NIF ... e B..., NIF..., por não se encontrar qualquer pessoa capaz de transmitir a notificação aos notificados», indicando que «o objeto da notificação fica à disposição dos notificados na Direção de Finanças de ...- Serviços de Inspeção Tributária» (documento que consta, com indicação da hora, da página 18 da parte denominada «Rel. Inspecção – 6» do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

Q)           Na certidão referida na alínea anterior indicam-se os artigos 224.º e 232.º do CPC e o artigo 38.º n.º 6, do CPPT como normas legais em que se baseia a notificação;

R)           Em 28-12-2018, foi depositado no receptáculo postal dos Requerentes um aviso de recepção de um objecto enviado em correio registado, cujo remetente foi identificado como «FINANÇAS», com indicação de que o mesmo não foi entregue ao destinatário, podendo este proceder ao seu levantamento a partir de 31-12-2018 (Documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

S)            Em 31-12-2018, foi depositado no receptáculo postal dos Requerentes o documento correspondente à liquidação de IRS de 2015 n.º 2018 ... e correspondentes documentos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2018 ... e 2018 ... e demonstração de acerto de contas n.º 2018 ..., os quais foram enviados por correio simples registado, mas sem aviso de recepção (Documentos n.ºs 5, 8 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos), dos quais constava como valor a pagar o montante de € 372.027,84, com data limite de pagamento a terminar em 01-02-2019;

T)            Ainda em 31-12-2018, foram depositados no receptáculo postal dos Requerentes uma demonstração de liquidação de juros compensatórios, com o n.º 2018 ..., e uma demonstração de acerto de contas, com o n.º 2018 ..., relativas, aparentemente, a IRS de 2014 (Documentos n.ºs 7 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos), do qual constava o montante a pagar de € 221.193,38 e cuja data limite de pagamento terminava em 01-02-2019;

U)           No dia 02-01-2019, foi depositado no receptáculo postal dos Requerentes um documento correspondente à liquidação de IRS de 2014 n.º 2018 ..., tendo o envio sido feito por correio simples, sem aviso de recepção (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

V)           Em 24-01-2019, os Requerentes pagaram a quantia de € 43.332,84, relativa às liquidações referentes ao ano de 2014 (documentos n.ºs 9 e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

W)          Em 01-02-2019, os Requerentes pagaram a quantia de € 221.193,38, relativa às liquidações referentes ao ano de 2014 (documentos n.ºs 10 e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

X)           Em 01-02-2019, os Requerentes pagaram a quantia de € 372.027,84, relativa às liquidações referentes ao ano de 2015 (documentos n.ºs 11 e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

Y)            Em 23-05-2019 ao Requerentes apresentaram reclamação graciosa das liquidações (parte 1 do processo administrativo relativo à reclamação graciosa);

Z)            A reclamação graciosa foi parcialmente deferida, com os fundamentos que constam dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, mantendo a aplicação da cláusula geral antiabuso mas reduzindo a 50.º o englobamento dos rendimentos do ano de 2014, aplicand0 o artigo 40.º-A, n.º 1, do CIRS;

AA)        Em 07-01-2008, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de ... a constituição da sociedade designada «K..., SGPS, S.A.» – que veio, mais tarde a alterar a sua denominação para «D..., SGPS, S.A.» –, com o capital social de € 50.000,00, representado por 50.000 acções, com o valor nominal de € 1,00 cada, tendo por objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta do exercício de actividades económicas (Documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

BB)         Ao tempo da constituição a D..., SGPS, SA era detida pelos Requerentes –A... detinha 99,40% e B... detinha 0,20% do capital social – pelo filho de ambos –J..., que detinha 0,20% do capital social – e por W..., mãe do Requerente A...– que detinha 0,20% do capital social;

CC)         A constituição da sociedade D..., SGPS, S.A., em 2008, teve subjacente a implementação da estratégia de crescimento com a criação de um grupo económico de renome que incluísse várias empresas e não apenas duas participadas (depoimentos das testemunhas X... e Y...);

DD)        A G... S.A. já tinha duas participadas e havia já alguns contactos para o desenvolvimento de parcerias importantes (depoimento da testemunha X...);

EE)         Entre as alternativas que se colocavam de ser organizado o grupo tendo por base a G... S.A., assumindo a dupla função de sociedade operacional e de gestão de participações sociais, ou a criação de uma holding para esta gestão, o Requerente A..., com a concordância do seu consultor que era a testemunha X..., optou por esta última, por parecer mais indicada a especialização, ficando a G... SA com as tarefas de produzir e vender peças plásticas e a holding com a gestão de participações sociais, inclusivamente porque consideravam que esta solução era mais vantajosa para estabelecer novas parecerias e era uma forma de organização fomentada pelo regime legal mais favorável das SGPS, a que não podia aceder a G... SA, tinha vantagens quanto a notoriedade perante terceiros e era facilitada pelo regime legal de transmissão de acções (depoimentos das testemunhas X... e Y...);

FF)         A testemunha X... tinha funções de consultadoria nas áreas financeira e contabilística da D... SA, é revisor oficial de contas e, desde 2002, fazia reuniões mensais com o Requerente A... e as equipas de gestão das sociedades do grupo, em que são discutidos aspectos operacionais e estratégicos (depoimento da testemunha X...);

GG)       A correcção desta estratégia veio a comprovar-se com o decurso do tempo, pois hoje o grupo integra um conjunto de sociedades em que se incluem sociedades detidas a 100%, outras em que tem maioria, outras com que tem parcerias e outras em que não tem maioria, com actividades em várias áreas que não se incluem no objecto social principal da G... SA (depoimentos das testemunhas X... e Y...);

HH)        A D... SA tem um bom modelo de administração, com orçamentos anuais e plurianuais e planeamento estratégico (depoimentos das testemunhas X... e Z...);

II)           O objecto da criação da holding não era fiscal, mas sim empresarial de crescimento e fortalecimento do grupo (depoimentos das testemunhas X... e Y...);

JJ)           A D... SGPS SA desenvolveu a sua actividade, adquirindo participações, desde logo as que eram detidas pela G... SA e, depois adquirindo participações em sociedades (I... , T..., AA... e outras) e fazendo aumentos de capital nas suas participadas (depoimentos das testemunhas  X... e Y...);

KK)         O Grupo, através D...  SGPS SA, está presentemente a criar uma empresa nos Estados Unidos e recentemente criou mais uma sociedade imobiliária (depoimento da testemunha X...);

LL)          A opção da venda das acções a crédito à D... SGPS SA foi escolhida por ser simples e ser a forma usual à época (depoimentos das testemunhas X... e Y...);

MM)     Foi ponderada a obtenção de financiamento bancário, mas teria encargos, para além de os bancos pretenderem uma prestação fixa de amortização do crédito, o que dificultaria novos investimentos, e o Requerente A... prefere que o grupo tenha muito pouca dívida (depoimentos das testemunhas X... e Y...);

NN)       Na preferência por esta forma de financiamento através de dívida ao accionista, foi ponderado, sendo de médio e longo prazo, não afecta os financiamentos bancários, por ser explicado à banca que é uma dívida que não tem de ser paga a curto prazo, mas apenas quando houver disponibilidade da D... SGPS SA para a pagar, sem colocar em causa o crescimento e fortalecimento do grupo (depoimentos das testemunhas X... e Y...);

OO)       Houve a preocupação de os preços de venda das acções serem determinados por avaliação com a objectividade possível, com critérios que são reconhecidos como adequados, com ponderação dos resultados de vários métodos, como impunha o regime dos preços de transferência (depoimentos das testemunhas X... e Y...);

PP)         O valor actual da D... SGPS SA é muito superior ao valor das acções adquiridas em 2008 (depoimento da testemunha X...);

QQ)       Nunca houve no grupo uma intenção de retirada de dinheiro, mas sim de crescimento do grupo (depoimentos das testemunhas X... e Z...);

RR)         Até 2008, a G... SA, além de sociedade operacional, era a gestora de participações, pelo que não fazia sentido, tendo o objectivo de crescimento e fortalecimento do grupo, aquela distribuir dividendos, pois era dentro da própria sociedade que ia fazer-se o investimento (depoimento da testemunha X...);

SS)         A partir do momento em que se criou uma holding, esta passa a ser um instrumento do grupo, pelo que é normal as sociedades do grupo fazerem distribuição de dividendos à holding e seja esta a fazer os investimentos nas participadas, através de aumentos de capital ou suprimentos (depoimento da testemunha X...);

TT)         Cada uma das sociedades do grupo tem uma equipa de gestão que inclui o Requerente A..., que é o presidente do conselho de administração de todas as sociedades anónimas e gerente de todas as sociedades por quotas, mas não é ele que decide, pois há equipa de gestão e regras de gestão de distribuição de cerca de 50% dos rendimentos e as deliberações são obtidas por consenso (depoimentos das testemunhas X...,  Y... e Z...);

UU)       Cada empresa do grupo tem um director geral (depoimento da testemunha Z...);

VV)        As deliberações da administração das empresas são tomadas por três pessoas, pelo Requerente A..., pelo respectivo director geral e pela testemunha Z... (depoimento da testemunha Z...);

WW)     O Requerente A... faz questão de não impor decisões e, desde que colocou um diretor geral em cada empresa tem-se ausentado por períodos de até 3 meses (depoimento da testemunha Z...);

XX)         As empresas do grupo têm mais de 500 empregados (depoimento da testemunha X...);

YY)         Somados os lucros de todas as sociedades do grupo desde 2008 daria para pagar o preço de aquisição das acções (depoimento da testemunha X...);

ZZ)         Os pagamentos aos Requerentes foram efectuados por haver anos em que houve menos investimentos e haver disponibilidade (depoimento da testemunha X...);

AAA)     A D... SGPS SA não distribuiu dividendos aos accionistas (depoimentos das testemunhas X... e Y...);

BBB)      O passivo gerado com a aquisição das acções pela D... SGPS SA teve como contrapartida um activo de valor correspondente accionistas (depoimento da testemunha Y...);

CCC)      O activo da D... SGPS SA em 2017 era muito superior ao valor do passivo (depoimento da testemunha Y...);

DDD)     As empresas do grupo F... têm actualmente actividade em 70 países, fazendo parceiras em vários países, sendo a SGPS o modelo normal para empresas deste tipo (depoimento da testemunha Z...);

EEE)       Em 13-04-2020, os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2.        Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

2.2.1. Os factos provados baseiam-se nos documentos do processo administrativo e nos juntos pela Requerente, bem como as testemunhas inquiridas, nos pontos acima referidos.

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento pessoal dos factos sobre que depuseram.

A testemunha X... é revisor oficial de contas e consultor e acompanhou a evolução do grupo F... desde 2002.

A testemunha Y... era o contabilista certificado em empresas do grupo, tendo acompanhado a sua criação e evolução até 2017.

A testemunha Z... é administrador de empresas do grupo e tem conhecimento do seu funcionamento desde 2010.

 

2.2.2. Não se provou que a criação da D... SGPS SA e a aquisição de acções a crédito aos Requerentes tivessem em vista criar uma situação em que os lucros e reservas por ela acumulados pudessem ser distribuídos aos Requerentes sem pagamento de impostos.

Na verdade, a prova produzida aponta no sentido de que a criação da SGPS foi motivada exclusiva ou principalmente para potenciar a estratégia de crescimento e fortalecimento do grupo com desenvolvimento de actividades económicas em várias áreas completamente distintas e não para obtenção de vantagens fiscais indevidas.

A actividade da SGPS foi concretizada, adquirindo participações em sociedades (I..., T..., AA... e outras) e fazendo aumentos de capital nas suas participadas.

 

2.2.3. Não se provou que a forma de financiamento adotada tivesse em vista permitir ao Requerente A... o acesso aos lucros e reservas da G... SA sem pagamento de IRS.

Como referiram as testemunhas X... e Y..., esta foi considerada a solução mais vantajosa para estabelecer novas parecerias e era uma forma de organização fomentada pelo regime legal mais favorável das SGPS, a que não podia aceder a  G... SA, tinha vantagens quanto a notoriedade perante terceiros e era facilitada pelo regime legal de transmissão de acções.

Por um lado, as referidas testemunhas asseguraram que nunca houve no grupo uma intenção de retirada de dinheiro, mas sim de crescimento e fortalecimento do grupo, o que é confirmado pela constatação desse crescimento afirmada pelas testemunhas, tendo hoje um valor muito superior ao

Por outro lado, a preferência pela forma de financiamento através de dívida aos accionistas e não financiamento bancário foi coerentemente justificada pelas testemunhas X... e Y..., por ser a mais simples e menos onerosa e se tratar de uma dívida de médio e longo prazo cuja pagamento pode ser feito ao longo do tempo, à medida das disponibilidades, sem prejudicar a realização de investimentos necessários para o crescimento e fortalecimento do grupo.

 Para além disso, o facto de o regime legal de tributação de mais-valias na venda de acções vigente em 2008 assegurar, sem margem para dúvidas (como reconhece a administração tributária no Relatório da Inspecção Tributária), que os lucros e reservas acumulados pela G... SA fossem imediatamente disponibilizados aos accionistas sem encargos fiscais (como podia ser concretizado com aquisição na sequência de financiamento bancário que permitisse pagamento imediato das acções adquiridas pela SGPS), torna inexplicável que os Requerentes, se a sua preocupação fosse transferência desses lucros e reservas  para os seus patrimónios, fossem optar por uma forma de financiamento que só lhes permitirá, eventualmente, vir a atingir o mesmo objectivo no futuro, a muito longo prazo.

 

2.2.4. Não se provou que o preço das acções vendidas pelo Requerente A... tivesse sido fosse exagerado, nem que as acções tenham sido «valorizadas muito acima do seu valor nominal».

A prova produzida revela que o preço das acções foi fixado com base em avaliação, não sendo demonstrado que ela enferme de qualquer erro, por excesso.

Por outro lado, não se provou que a fixação do preço das acções acima os seu valor nominal tivesse subjacente a intenção de «criar um saldo elevado que permitisse eliminar a tributação que incidiria sobre os dividendos a receber por A..., caso não tivesse sido realizado este negócio», pois, como resulta da prova testemunhal, foi tida em conta a obrigação decorrente do regime dos preços de transferência.

Por outro lado, resulta da prova testemunhal que, em 2017, o valor das D... SGPS, SA era muito superior àquele que resulta do valor pelo qual foram transaccionadas as acções, pelo que os únicos indícios existentes no processo quanto ao preço das acções apontam no sentido de o preço não ter sido exagerado.

 

3.            Matéria de direito

 

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa declarar a ilegalidade de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e eliminar os efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, sendo o acto de liquidação praticado pela Administração Tributária o objecto do processo, tem de se apreciar a sua legalidade à face dos seus precisos termos, tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida (  ).

 

3.1.        Posições das Partes

 

                No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira, no Relatório da Inspecção Tributária subjacente às liquidações impugnadas, decidiu aplicar a cláusula geral antiabuso aos Requerentes, pelas seguintes razões, em suma:

 

a)            Em Janeiro de 2008, foi criada D... SGPS, SA com a finalidade de esta passar a ser detentora das acções da G..., SA;

b)           Em 5 de Maio de 2008, as acções da G..., SA foram adquiridas pela D... SGPS, SA;

c)            O preço da venda das acções foi determinado por avaliação, calculada com base em 5 métodos, resultando uma avaliação média da G..., SA de €18.710.151, sendo o preço de cada acção de 148 euros;

d)           Tendo em conta que o Requerente A... era detentor de 89,88% do capital da G..., SA, de acordo com aquele valor médio de avaliação, a sua participação tinha um valor de € 16.816.684;

e)           Na mesma data, a Requerente B... vendeu à D... SGPS 50 acções da G..., SA, representativas de 0,04% do capital, pelo valor de € 7.400;

f)            O pagamento das acções ao Requerente A... não foi efectuado, sendo criada uma dívida aos aqui Requerentes, detentores das acções;

g)            As mais-valias realizadas com a venda de acções detidas há mais de 12 meses não estavam sujeitas a IRS, por força do disposto no art. 10.º, n.º 2, al. a) do CIRS, na redacção vigente em 2008;

h)           Não foram declaradas as vendas de acções na declaração modelo 3, anexo G1 relativa ao ano de 2008;

i)             A G..., SA extinguiu 10% de ações próprias em 14-07-2009, passando assim a D... SGPS, SA a deter 100% do capital daquela sociedade;

j)             Até 2008, a G..., SA não distribuiu dividendos, começando a fazê-lo a partir de 25-03-2009, à D... SGPS, SA;

k)            Em 2014 e 2015, a D... SGPS, SA recebeu dividendos e adiantamento de dividendos da G..., SA e efectuou pagamentos aos Requerentes nos valores de € 440.000,00 ao Requerente A... e de € 7.400 à Requerente B... (quanto ao ano de 2014) e ao Requerente A... no montante de € 1.207.00,00 (quanto ao ano de 2015) a título de pagamento das dívidas decorrentes da aquisição de acções;

l)             A Administração Tributária aplicou a cláusula geral antiabuso por entender, em suma, que

– a «venda das ações da G..., detidas por A..., à recém constituída sociedade D... SGPS, pelo preço de €16.627.800,00 permitindo que posteriormente sejam efetuados pagamentos ao acionista do GRUPO F..., evitando a tributação em sede de IRS dos rendimentos obtidos» se insere «num esquema pré-planeado que visa possibilitar ao acionista A... receber os dividendos da G..., evitando a tributação destes rendimentos de capitais em sede de IRS, graças à transformação dos pagamentos que deveriam ser respeitantes a dividendos, no pagamento da dívida criada de forma abusiva pelo negócio celebrado em 05/05/2008»;

– «o resultado direto do negócio realizado em 05/05/2008 foi permitir que os dividendos da G... chegassem ao acionista do grupo evitando a tributação destes rendimentos de capitais em sede de IRS à taxa liberatória prevista no art.º 71, n.º 1 al. c) do CIRS (para o ano de 2014) e no art.º 71, n.º 1 al. a) do CIRS (para o ano de 2015), através da interposição de uma sociedade constituída para o efeito»;

m)          Como fundamentos da aplicação da cláusula geral antiabuso, a Administração Tributária invocou, em suma, o seguinte:

– a estrutura da D... SGPS não era consentânea com a celebração de um negócio de valor superior a 16 milhões de euros;

– «a D... SGPS é um veículo que permite fazer transitar os dividendos da G... para o acionista do grupo, A..., evitando qualquer tributação dos rendimentos por este obtidos, graças à transformação dos dividendos em amortização de uma dívida»;

– «o ato de idêntico fim económico seria o pagamento dos dividendos da G... ao seu acionista A...»;

– «entre 2000 e 2007, a G... não efetuou qualquer pagamento de dividendos aos acionistas, limitando-se a atribuir gratificações à administração, de valores reduzidos»;

– «o valor das gratificações pagas à administração G... era muito inferior ao valor dos dividendos que passaram a ser pagos à D... SGPS, a partir de 2008, e que posteriormente começaram a chegar à posse do acionista pessoa singular. Não será alheia a esta alteração de política de distribuição de resultados, a criação da estrutura aqui descrita, que permitiu que os dividendos começassem a chegar ao acionista sem que fossem sujeitos a qualquer tributação»;

– «na venda das ações da G... SA à D... SGPS, estas foram valorizadas muito acima do seu valor nominal, aproveitando a isenção de tributação desta mais-valia em sede de IRS, já que a intenção desta transação era criar um saldo elevado que permitisse eliminar a tributação que incidiria sobre os dividendos a receber por A..., caso não tivesse sido realizado este negócio»;

– «esta utilização abusiva da D... SGPS leva a que, atendendo ao disposto no nº. 2 do artigo 38º da LGT, os montantes recebidos por A... e B... sejam tratados como se inexistisse a sociedade veículo, ou seja, como se de pagamentos de dividendos se tratassem, numa relação direta entre a sociedade pagadora G... e os beneficiários dos rendimentos A... e B...»;

– «não houve outro interesse para além do fiscal com a presente operação»;

– «a interposição de uma sociedade entre a G... e A... teve como objetivo a obtenção de uma vantagem fiscal, não existindo qualquer benefício económico»;

– «a estruturação das operações, para além de dirigida à obtenção da referida vantagem fiscal, foi ainda e simultaneamente, dotada de uma forma anómala e artificiosa, uma vez que tendo em conta os factos descritos, não se vislumbra outro motivo para estas operações, que não seja a criação de um meio para fazer chegar os dividendos da G... a A... sem qualquer tributação»;

– «o negócio realizado entre a D... SGPS e A... é totalmente destituído de racionalidade económica, porquanto cria uma dívida na SGPS de cerca de € 17.000.000, sendo que esta sociedade não possui estrutura nem recursos financeiros para pagar»;

– «embora a D... SGPS receba montantes avultados de dividendos da sua participada G... (os quais utiliza para amortizar a dívida ao acionista A...), esta, por sua vez, apesar de ter apurado resultados líquidos acumulados no montante de € 7.624.185 entre 2008 e 2016, nunca distribuiu quaisquer dividendos aos seus acionistas, os quais, se distribuídos ficariam sujeitos a retenção na fonte e tributação em sede de IRS na esfera pessoal daqueles».

 

No presente processo, os Requerentes formularam as seguintes conclusões, nas suas alegações:

 

A. No que aos factos da inspecção e dos actos de liquidação diz respeito, não tendo a realidade dos factos suscitado dúvidas aos intervenientes processuais, deve considerar-se como provada toda a factualidade constante dos artigos 2.º a 18.º da PI – para a qual se remete na íntegra –, relevando, conforme se destacou no artigo 14.º, que somente no dia 02/01/2019, foi depositado no receptáculo postal dos Requerentes um documento correspondente à liquidação de IRS de 2014, sob o n.º 2018..., tendo o envio sido feito por correio simples, sem aviso de recepção (cfr. Documento n.º 4 junto com a PI).

B. Em conformidade, os Requerentes invocam expressamente que a liquidação de IRS referente ao ano de 2014 lhes foi notificada fora do prazo de caducidade do direito à liquidação – prazo este que é de 4 anos nos termos do n.º 1 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT).

C. Com efeito, no caso concreto dos Requerentes, a natureza interna do procedimento de inspecção que esteve na génese das liquidações é evidente e decorre simplesmente do facto de a AT não ter promovido qualquer deslocação externa, quer à residência dos Requerentes, quer às instalações de qualquer empresa do Grupo F..., tendo-se limitado a recolher documentação que já estava em sua posse ou que obteve durante o procedimento, a analisar essa documentação e a retirar conclusões que plasmou no RIT que sustenta os actos ora contestados;

D. E, consequentemente, a conclusão que obrigatoriamente se deve retirar consiste na de que o prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT, não se suspendeu, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 46.º também da LGT;

E. Deste modo, tendo a notificação dos actos de liquidação ocorrido apenas em 02/01/2019 – depois de decorrido o prazo para a liquidação do referido tributo, ou seja, depois de 31/12/2019 – não se podem manter na ordem jurídica os referidos actos, porquanto não foram notificados aos ora Requerentes dentro do prazo de que a AT dispõe para liquidar tributos – isto é, o direito à liquidação já havia caducado;

F. Quanto aos factos subjacentes à aplicação da CGAA aqui em crise, devem considerar-se como provada toda a factualidade constante do subcapítulo II.b. das presentes alegações, seja quanto à finalidade que presidiu à constituição da sociedade D..., SGPS, S.A., seja quanto à opção legítima pela aquisição pela D... SGPS, S.A. das participações sem recurso a endividamento externo, mas antes através do acionista, seja quanto à relação entre os dividendos recebidos pelos Requerentes e as amortizações do empréstimo verificadas.

G. Em face desta factualidade é forçoso concluir, em primeiro lugar, por um manifesto vício de fundamentação da decisão de aplicação da CGAA, vício esse que se manifestou quer na falta de demonstração de que a celebração ou prática dos negócios ou actos jurídicos foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos quer no erro na indicação dos negócios ou actos jurídicos de idêntico fim económico (conforme amplamente demonstrado no sub-subcapítulo III.b.1 das presentes alegações);

H. Em segundo lugar, também em face desta factualidade, se conclui pela inquestionável racionalidade económica subjacente à prática dos actos ou negócios jurídicos em causa nos presentes autos (conforme amplamente demonstrado no sub-subcapítulo III.b.2 das presentes alegações)

I. E, assim, as conclusões quanto à impossibilidade de verificação da estatuição ou consequência da norma do n.º 2 do artigo 38.º da LGT são incontornáveis.

QUANTO AO ELEMENTO «MEIOS» («ACTOS OU NEGÓCIOS JURÍDICOS» — N.º 2 DO ARTIGO 38.º DA

LGT):

J. Os «actos ou negócios» jurídicos que a AT questiona não sugerem qualquer concatenação entre si (muito menos qualquer concatenação artificial), não se achando unidos pelo «denominador comum» invocado pela AT: a exclusão da tributação de IRS outrora prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS e a exclusão da tributação de IRS de dividendos distribuídos.

K. A G..., S.A., foi constituída em 1982 porque se queria efectivamente a constituição de uma sociedade que pudesse, num determinado momento, prosseguir uma actividade operacional específica, e, mais tarde, gerir participações sociais de um grupo que se perspectiva poder vir a ganhar dimensão e diversidade.

L. A constituição da D..., SGPS, teve um intuito económico de permitir a concentração das já várias empresas que hoje constituem o Grupo F... e permitir uma gestão generalizada das participações sociais das várias empresas do Grupo, incluindo as da G..., S.A. e, sobretudo, dotar o Grupo de uma lógica de organização mais adequada aos investimentos futuros, a novas aquisições, a parcerias e à desejada internacionalização;

M. A transmissão onerosa das acções da G..., S.A. pelos accionistas individuais foi realizada porque se queria de facto essa venda, como meio de consolidar a cadeia de participações que viria a integrar a visão estratégica desenhada para o grupo — não foi, pois, devido à exclusão de tributação prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS que o negócio teve lugar, ainda que nisso nada houvesse de censurável, pois foi precisamente para promover este tipo de operações que o legislador lhes atribuiu esse benefício fiscal;

N. A criação de um crédito na medida do preço (de mercado) praticado na referida venda, em favor dos accionistas alienantes, foi deliberada pelos seus accionistas visando a criação de condições na D..., SGPS, S.A., para a referida aquisição;

O. Tudo isto aconteceu independentemente das distribuições de resultados na esfera do grupo F..., as quais, não só escapavam em absoluto ao domínio de previsão e decisão dos Requerentes, como apenas vieram a ocorrer muitos anos mais tarde e em medida e cadência imprevisíveis e comprovadamente variáveis;

QUANTO AO ELEMENTO «NORMATIVO» («MEIOS ARTIFICIOSOS OU FRAUDULENTOS E COM ABUSO

DAS FORMAS JURÍDICAS» – N.º 2 DO ARTIGO 38.º DA LGT):

P. As operações jurídicas que a AT coloca em crise têm um substrato não fiscal perfeitamente identificável, tendo sido realizadas por razões economicamente válidas, como flui do que acaba de se expor;

Q. Todos os negócios foram realizados sem a sua «desfuncionalização», isto é, as formas jurídicas

utilizadas foram-no a fim de cumprirem a sua vocação habitual e os seus efeitos típicos, pelo que não podem constituir «meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas» (n.º 2 do artigo 38.º da LGT): não constituíram «expedientes puramente artificiais», antes negócios jurídicos legítimos e genuínos, com real substância;

R. As situações que cabem no âmbito da CGAA são aquelas em que são utilizadas formas jurídicas

insólitas, absolutamente impróprias, em que há uma total ausência de fins económicos ou, pelo menos, uma total divergência entre o fim económico logrado e o fim para o qual o negócio e/ou a norma mobilizados foram pensados. No nosso caso, nada disso se passa: os meios (as formas jurídicas) foram totalmente consentâneos com os fins económicos para os quais foram criados. Como é evidente, não existiu qualquer subversão do sistema jurídico: ele não foi vergado abusivamente à vontade fiscal ilícita do contribuinte, mas utilizado em estrito respeito pela sua intenção mais comum;

QUANTO AO ELEMENTO «RESULTADO» («VANTAGENS FISCAIS QUE NÃO SERIAM ALCANÇADAS» —

N.º 2 DO ARTIGO 38.º DA LGT):

S. O «esquema» que a AT reputa de abusivo envolve regimes fiscais favoráveis que o legislador quis

conceder às empresas e que, portanto, as incentivou a utilizar. O caso aqui em causa não traduz, pois, uma situação artificiosa, mas, em parte, o recurso a uma ausência de tributação que o legislador nunca procurou evitar (aquilo a que a doutrina chama de «lacuna consciente de tributação», aqui na modalidade de «economia de opção explícita»);

T. As situações deste tipo são o núcleo de liberdade de escolha mais seguro contra medidas anti-abuso: nelas não se identifica qualquer «desfuncionalização» de normas, que foram criadas, precisamente, para serem utilizadas em nome da poupança fiscal. O contribuinte beneficia de uma dispensa ou redução da carga tributária por opção do próprio legislador, opção essa que constitui uma presunção de não reprovação jurídica do recurso à norma que estatui o benefício.

U. Com efeito, o «esquema» imputado aos Requerentes assenta na naturalíssima opção de criação de um grupo de sociedades, e, associada a esta, de constituir uma SGPS, figura jurídica à qual a lei confere um estatuto fiscal especialmente favorável — e cuja criação acaba frequentemente por ter, portanto, um pendor de planeamento fiscal, e, por outro lado, a factualidade em apreço envolveu também uma alienação de acções que não produziu qualquer efeito fiscal na esfera dos seus titulares originários, em virtude de uma exclusão de tributação de IRS sobre as mais-valias provenientes da alienação de acções detidas há mais de 12 meses;

QUANTO AO ELEMENTO «INTELECTUAL» («ACTOS OU NEGÓCIOS JURÍDICOS ESSENCIAL OU PRINCIPALMENTE DIRIGIDOS […] À OBTENÇÃO DE VANTAGENS FISCAIS» — N.º 2 DO ARTIGO 38.º

DA LGT):

V. Está claro que a finalidade da constituição da D..., SGPS, S.A., como uma SGPS, da transmissão a esta sociedade das acções da G..., S.A. e da constituição do crédito, tiveram em mira a mesma finalidade que conduziu à consagração desses instrumentos jurídico-societários na nossa ordem jurídica;

W. Não foi, pois, para obter uma vantagem fiscal comparativa que os accionistas da G..., S.A., levaram a cabo aqueles actos (o que não é o mesmo que dizer que não tenha havido legítimas ponderações de índole fiscal), mas sim para que fossem libertados os excessos de liquidez verificados num determinado momento, para cumprimento da obrigação de pagamento do preço do activo adquirido e essencial à concretização do respectivo objecto;

X. E note-se que, ainda que seja perscrutável nos negócios em causa uma motivação fiscal, tal não é suficiente para se concluir que os mesmos foram essencial ou predominantemente motivados para obter uma vantagem fiscal, pois é ainda necessário demonstrar que não havia de todo motivação económica subjacente – o que claramente não se verifica no caso sub judice, conforme exaustivamente demonstrado nos presentes autos.

Y. Com efeito, conforme referido na Decisão Arbitral n.º 184/2017-T, «esta motivação fiscal não exclui a existência de uma motivação económica ou outra que poderia justificar a doação de acções. Para efeitos de verificação do elemento intelectual da CGAA, esta motivação (fiscal) tem é que ser preponderante face às restantes motivações. Perante dois negócios jurídicos de efeito económico equivalente, o contribuinte não é obrigado a escolher o negócio fiscalmente mais oneroso»;

Z. O mesmo sucede no presente caso: a constituição da D..., SGPS teve uma motivação predominantemente económica (reorganização societária e necessidade de concentração de gestão numa só entidade, entre outras), assim como a venda das acções da G..., S.A., pelo seu accionista – concretização do fim económico de constituição da D..., SGPS, já que, sem essa venda, o fim económico que se visava atingir seria impossível;

E, PORTANTO, EM CONCLUSÃO:

AA. Não se verificando a fattispecies do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, não pode também ter lugar a

consequência aí prevista («São ineficazes no âmbito tributário (…) efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas»).

BB. E, consequentemente, as liquidações objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral são ilegais, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 38.º da LGT e no artigo 63.º do CPPT.

CC. Finalmente, é também imperioso concluir que que as liquidações de juros compensatórios em crise são igualmente ilegais, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRS, pelo que devem ser anuladas.

 

No presente processo, a administração tributária não apresentou alegações e na sua resposta mantém a posição assumida na reclamação graciosa, dizendo o seguinte sobre a questão da caducidade do direito de liquidação,

– nem se coloca a questão da suspensão do prazo de caducidade, por os Requerentes terem sido pessoalmente notificados em 26-12-2019, nos termos do artigo 232.º, n.ºs 1, 4 e 6, do CPC;

– o princípio da liberdade de escolha fiscal, dimensão fundamental da liberdade de iniciativa económica e do princípio da autonomia privada.” No entanto, esses princípios não podem pôr em causa os princípios da igualdade, justiça e equidade fiscais e capacidade contributiva legalmente consignados., nem permitem planeamentos fiscais abusivos;

– a é a estrutura criada que permitiu a obtenção da vantagem fiscal e não se tratando de “lacunas conscientes de tributação”;

– foram encobertas à Administração Fiscal de forma generalizada, as informações relativas ao principal negócio que compõe a operação analisada no Relatório, apesar da obrigação legal de o declarar, que impendia sobre os diversos intervenientes;

– poderiam ter “optado por uma permuta de partes sociais em que o requerente (A...) entregava as suas ações à D... SGPS recebendo em troca o capital desta. Contrariamente ao invocado, esta seria uma forma típica e adequada para a realização de uma reestruturação empresarial, dotando a SGPS de efetivas condições para o exercício de uma atividade sustentável;

– o Requerente A... continuou a ter o poder de decisão que sempre teve antes da criação da SGPS, mesmo depois de ter alienado as ações que detinha nas sociedades do grupo e a própria atividade da SGPS era diminuta face ao objetivo subjacente a criação de uma holding, o que reforça a ideia da motivação fiscal subjacente a criação desta estrutura;

– a exclusão de mais-valias detidas há mais de 12 meses tinha como objetivo a dinamização do mercado de capitais, ou seja incentivar a transação de valores mobiliários entre entidades independentes, não sendo plausível que o legislador tivesse intenção de incentivar transações em que o vendedor continua a controlar o ativo alienado e muito menos quando integradas num esquema que visa desonerar de tributação os dividendos pagos por uma sociedade a um accionista pessoa singular;

– os dividendos pagos pela G... para a D... SGPS (600.000€ - 2014 e 1.200.000€ - 2015) não foram objetos de tributação em virtude da anulação da dupla tributação económica em IRC (art.º 51º) e a alienação das partes de capital pelos requerentes A... e B...) à D... SGPS e que geraram créditos a favor deste (16.627.800€), geraram mais-valias na esfera dos alienantes (requerentes), não foram tributadas por estarem excluídas nos termos da alínea a) do nº 2 do art.º 10º do CIRS à data vigente, pelo facto daquelas terem sido por si detidas durante mais de 12 meses;

– estão verificados todos os elementos de que depende a aplicação da cláusula geral antiabuso.

 

3.2.        Questão da caducidade do direito de liquidação quanto ao ano de 2014

 

Os Requerentes suscitam a questão da caducidade do direito de liquidação relativamente ao ano de 2014, por a liquidação respectiva lhes ter sido notificada por carta registada recebida em 02-01-2019, depois de transcorrido o prazo de cinco anos previsto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT, contado, como resulta do n.º 4 do mesmo artigo, do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto tributário.

Independentemente da natureza interna ou externa da inspecção e sua relevância para suspender o prazo de caducidade d direito de liquidação, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT, constata-se que, além da notificação por carta registada, recebida em 02-01-2019, os Requerentes foram notificados através da notificação pessoal, concretizada em 26-12-2018, antes do decurso do referido prazo de quatro anos.

Na verdade, desde que foi revogado pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, o regime especial de notificações de liquidações de IRS que estava previsto no artigo 149.º do CIRS, é aplicável a essas notificações o regime previsto no artigo 38.º do CPPT, em que se prevê a possibilidade de notificações «pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário», aplicando-se a estas notificações as regras sobre a citação pessoal (n.º 5 e 6 deste artigo 38.º.).

No caso em apreço, constata-se que no dia 21-12-2018, uma inspectora tributária deslocou-se à morada fiscal dos Requerentes, «a fim de efectuar a notificação da demonstração de liquidação de IRS do ano de 2014 com o número 2018..., emitida em 2018/12/17, bem como da respectiva nota de cobrança com o número 2018..., emitida em 2018/12/19», não tendo, contudo, logrado efectuar a referida notificação «em virtude de não os ter encontrado no lugar indicado», na sequência do que deixou afixada «nota de marcação de hora certa», com indicação do dia 26-12-218, pelas 10,30 horas, para ser efectuada a notificação.

Pela certidão que consta da página 18 da parte «Rel. Inspecção – 6» do processo administrativo verifica-se que, em 26-12-2018, pelas 10,30 horas, a mesma inspectora tributária deslocou-se à morada dos Requerentes «a fim de efetuar a notificação da demonstração de liquidação de IRS do ano da 2014 com o número 2018..., emitida em 2018/12/17, bem como da respetiva nota de cobrança com o número 2018..., emitida em 2018/12/19, aos sujeitos passivos A..., NIF ... e B..., NIF ... (os quais constituíam, no ano de 2014, um agregado familiar para efeitos de IRS)» e efectuou a notificação «por afixação na porta do domicilio fiscal dos sujeitos passivos A..., NIF ... e B..., NIF..., por não se encontrar qualquer pessoa capaz de transmitir a notificação aos notificados», indicando que «o objeto da notificação fica à disposição dos notificados na Direção de Finanças de ...- Serviços de Inspeção Tributária». Nesta certidão indicam-se os artigos 224.º e 232.º do CPC e o artigo 38.º n.º 6, do CPPT como normas legais em que se baseia a notificação.

De harmonia com o disposto no citado artigo 232.º, n.ºs 2 e 4, do CPC, adaptado às notificações em procedimento tributário, não sendo encontradas as pessoas a notificar e não sendo possível obter a colaboração de terceiros, a notificação é feita mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de notificação, declarando-se que os documentos a nos termos ficam à disposição das notificações não serviço de finanças que determinou a notificação.

Estas formalidades foram cumpridas, pelo que se considera efectuada a notificação pessoal em 26-12-2018.

Pelo exposto, a notificação da liquidação relativa ao ano de 2014 foi efectuada antes do decurso do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT.

Improcede, assim, a arguição do vício de caducidade do direito de liquidação.

 

3.3.        Questão da falta de fundamentação

 

Os Requerentes imputam às liquidações impugnadas vício de falta de fundamentação porque «falta de demonstração de que a celebração ou prática dos negócios ou actos jurídicos foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos quer no erro na indicação dos negócios ou actos jurídicos de idêntico fim económico» e, em face da factualidade, «se conclui pela inquestionável racionalidade económica subjacente à prática dos actos ou negócios jurídicos em causa nos presentes autos».

Deverão distinguir-se os conceitos de "fundamentação material" e "fundamentação formal".

Esta última "pode ser entendida como uma exposição enunciadora das razões ou motivos da decisão", enquanto a fundamentação material corresponde à "recondução do decidido a um parâmetro valorativo que o justifique: no primeiro sentido, privilegia-se o aspecto formal da operação, associando-a à transparência da perspectiva decisória; no segundo, dá-se relevo à idoneidade substancial do acto praticado, integrando-o num sistema de referência em que encontre bases de legitimidade". (...) "O dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória. O dever cumpre-se desde que exista uma declaração a exprimir um discurso que pretenda justificar a decisão, independentemente de esse arrazoado”. (  ).

Apenas a falta de fundamentação formal constituirá vício de forma, que é usualmente designado como vício de falta de fundamentação.

A falta de fundamentação substancial, por incorrecção ou falta de prova dos pressupostos de facto ou o erro de direito, consubstanciará vício de erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito.

Neste sentido, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-09-2011, proferido no processo n.º 0494/11:

O facto de, porventura, a valia substancial dos fundamentos aduzidos nesse discurso fundamentador não ser suficiente para retirar a conclusão que aí se retirou, isto é, ser insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a correção efetuada, é matéria que não contende com a fundamentação formal do acto, mas sim com a fundamentação substancial, que pode levar à procedência da impugnação por força dos vícios de violação de lei que foram invocados.

Com efeito, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exatidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. É que, como adverte SÉRVULO CORREIA ("Noções de Direito Administrativo", I, pág. 403.), «a fundamentação pode ser inexata e ser suficiente, por permitir entender quais os pressupostos de facto e de direito considerados pelo autor do acto. Deste modo, a inexatidão dos fundamentos não conduz ao vicio de forma por falta de fundamentação. Ela pode sim revelar a existência de outros vícios, como o vicio de violação de lei por erro de interpretação ou aplicação de norma, ou (...) por erro nos pressupostos de facto» (...)".

 

Neste caso, é com este último alcance que os Requerentes referem este vício, pelo que as questões colocadas a este respeito serão apreciadas no âmbito do vício de vício de violação de lei por não verificação dos pressupostos de aplicação da cláusula geral antiabuso que os Requerentes imputam às liquidações impugnadas.

 

3.4.        Questão da aplicação da cláusula geral antiabuso

 

3.4.1.     Regime de aplicação da cláusula geral antiabuso

 

O artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária estabelece uma cláusula geral antiabuso, nos termos da qual «são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas».

É sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira que recai o ónus da prova da verificação dos pressupostos da cláusula geral antiabuso, pois é ela que a invoca verificar-se uma situação em que ela pode ser aplicada (artigo 74.º, n.º 1, da LGT).

 

3.4.2.     Planeamento fiscal legítimo e ilegítimo

 

Tem sido generalizadamente reconhecida pela doutrina a liberdade de gestão fiscal, que é corolário dos princípios constitucionais enunciados nos artigos 61.º, n.º 1 (iniciativa privada), 80.º alínea c) (liberdade de iniciativa), e 86.º, n.º 2 (limitação à intervenção do Estado na gestão das empresas).

Assim, CASALTA NABAIS ensina (  ):

– «partindo do princípio do Estado fiscal, por um lado, e das liberdades económicas fundamentais, sobretudo das liberdades de iniciativa económica e de empresa, por outro, podemos dizer que a tributação das empresas se rege pelo princípio constitucional da liberdade de gestão fiscal»;

– «o Estado fiscal, que, perspectivado a partir da comunidade organizada em que se concretiza, nos revela um Estado suportado em termos financeiros basicamente por tributos unilaterais ou impostos, visto a partir dos destinatários que o suportam, concretiza-se no princípio da livre disponibilidade económica dos indivíduos e suas organizações empresariais. Em sentido lato, este princípio exige que se permita com a maior amplitude possível a livre decisão dos indivíduos em todos os domínios da vida, admitindo-se a limitação dessa liberdade de decisão apenas quando do seu exercício sem entraves resultem danos para a colectividade ou quando o Estado tenha de tomar precauções para preservar essa mesma liberdade individual»;

– «isto requer, antes de mais, uma economia de mercado e a consequente ideia de subsidiariedade da acção económica e social do Estado e demais entes públicos.

 – «o que tem como consequência, em sede do sistema económico-social (global), que o suporte financeiro daquele(s) não decorra da sua actuação económica positivamente assumida como agente(s) económico(s), mas do seu poder tributário ou impositivo, e, em sede do (sub)sistema fiscal, o reconhecimento da livre conformação fiscal por parte dos indivíduos e empresas, que assim podem planificar a sua actividade económica sem preocupações com as necessidades financeiras da comunidade estadual, actuando de molde a obter os melhores resultados económicos em consequência do seu planeamento fiscal (tax planning)».

 

A liberdade de gestão fiscal tem limites, como assinala o mesmo Autor:

 

                «Os limites à liberdade de gestão fiscal

                 Pois bem, como acabamos de ver, a liberdade de gestão fiscal, que suporta o planeamento fiscal, constitui um princípio constitucional do maior significado e alcance em sede da tributação das empresas. Todavia, como liberdade que é, à semelhança do que ocorre com os demais direitos e liberdades, mesmo fundamentais, não pode deixar de ter limites. Por isso, essa liberdade comporta limites, não podendo ser consideradas manifestações dela as que constituam abusos da configuração jurídica dos factos tributários, provocando evasão fiscal ou fuga aos impostos através de puras manobras ou disfarces jurídicos da realidade económica". Limites que vêm sendo tratados sob o tema das cláusulas de combate as práticas de evasão e fraude fiscais, as quais frequentemente são designadas por cláusulas anti-abuso, muito embora a maioria das chamadas cláusulas especiais anti-abuso raramente se reportem a situações de verdadeiro abuso. Uma ideia que é, de resto, reconhecida na nossa ordem jurídica fiscal, tendo a mesma inequívoca expressão na circunstância de a aplicação de tais cláusulas não desencadear o procedimento específico previsto para a aplicação da cláusula anti-abuso constante do art. 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

 

Na mesma linha, ensinam DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÔNICA LEITE DE CAMPOS:

 

                «A gestão das famílias e empresas é também uma gestão fiscal: previsão de impostos e escolha da via fiscalmente menos onerosa compatível com os interesses visados».( )

                «A intenção de pagar o menos imposto que se possa, nos quadros da lei, não só não é condenável, ética ou legalmente, como de algum modo é uma reacção normal dentro do princípio da gestão dos interesses pessoais e das organizações» ( )

                «As escolhas fiscais (legitimas) estão assentes no princípio da liberdade de gestão fiscal». ( )

               

                «Tratar-se-á de escolhas permitidas pela legislação fiscal que oferece ao contribuinte um leque de opções, deixando-lhe a faculdade de escolher. Daqui resulta uma subtributação em benefício do contribuinte que foi oferecida ou, pelo menos, permitida pelo legislador. É um procedimento "intra legem", ou seja, deixado à escolha do contribuinte pela própria lei fiscal. O contribuinte escolheu voluntariamente, dos instrumentos legais postos à sua disposição, aquele que mais lhe convinha. E que normalmente também é o que mais convém à Administração. É também um resultado "secundum legem": não há aqui qualquer oposição à lei, qualquer ilícito, mas sim uma mera aplicação da lei à situação concreta, e que pareceu mais favorável ao contribuinte». (  )

 

                «Aquele que gere o seu património em termos de se colocar nas situações tributadas mais pesadamente, não pode senão merecer um juízo de censura daqueles que têm interesses legítimos ou direitos em relação a esse património. Podendo mesmo incorrer na acusação de prodigalidade ou má gestão. Os consultores jurídicos e financeiros do "pai de família" e do empresário serão passíveis de censura se não aconselharem o seu cliente a levar a cabo o comportamento que seja susceptível de menor imposto». (   )

               

                Nas definições elaboradas por SALDANHA SANCHES (   ): o planeamento fiscal legítimo «consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais»; enquanto que o planeamento fiscal ilegítimo «consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo».

                Dentro do quadro do planeamento fiscal podemos, assim, distinguir as situações em que o sujeito passivo actua contra legem, extra legem e intra legem.

                Quando este actua contra legem, a sua actuação é frontal e inequivocamente ilícita, pois infringe directamente a lei fiscal, e configura uma fraude fiscal (   ) passível, inclusive, de ser objecto de censura contra-ordenacional ou criminal.

                A actuação extra legem ocorre quando o sujeito passivo aproveita de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável, pese embora este não a violar directamente. Este adopta «um comportamento que tem como finalidade exclusiva ou principal contornar uma ou várias normas jurídico-fiscais, de modo a conseguir a redução ou a supressão do encargo fiscal» (   ). Sendo que dessa ou dessas normas jurídico-fiscais se deve detectar uma tentativa de contornar «uma clara intenção de tributar afirmada pelos princípios estruturantes do sistema» (   ). Este tipo de actuação é comummente designada de «fraude à lei fiscal» mas, conforme alerta SALDANHA SANCHES, pretendendo melhor ilustrar e distinguir estas situações das de fraude fiscal, também designada de «evitação abusiva de encargos fiscais», «evitação fiscal abusiva» ou ainda «elisão fiscal» (  ).

Só se afigura legítima – e, assim, planeamento fiscal legítimo ou não abusivo – a actuação intra legem. Com efeito, a obtenção de uma poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, desde que a actuação não se enquadre na supra referida actuação extra legem (  ).

A doutrina e a jurisprudência têm vindo a desconstruir a letra da norma apontando cinco elementos nela contidos, correspondendo um dos elementos à estatuição da norma, os restantes quatro afiguram-se requisitos cumulativos que permitem aferir – como se de um teste se tratasse – quanto à verificação de uma actividade caracterizável como um planeamento fiscal abusivo ( ) ou apenas «três elementos essenciais, todos eles entrelaçados». ( )

Estes elementos consistem:

– no elemento meio, que diz respeito à via livremente escolhida – acto ou negócio jurídico, isolado ou parte de uma estrutura de actos ou negócios jurídicos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário – pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal; como decorre do texto do artigo 38.º. n.º 2, da LGT, os meios relevantes para aplicação da cláusula geral antiabuso têm de ser «artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas» ;

– no elemento resultado, que contende com a obtenção de uma vantagem fiscal, em virtude da escolha daquele meio, quando comparada com a carga tributária que resultaria da prática dos actos ou negócios jurídicos «normais» e de efeito económico equivalente ( );

– no elemento intelectual, que exige que a escolha daquele meio seja «essencial ou principalmente dirigid[a] [...] à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos» (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), ou seja, que exige não a mera verificação de uma vantagem fiscal, mas antes que se afira, objectivamente, se o contribuinte «pretende um acto, um negócio ou uma dada estrutura, apenas ou essencialmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais que lhe proporcionam» ( );

– no elemento normativo, que «tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal, sendo que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legitimadora do resultado obtido se pode falar naquela »( );

– e, por fim, no elemento sancionatório, que, pressupondo a verificação cumulativa dos restantes elementos, conduz à sanção de ineficácia, no exclusivo âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, «efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas» (parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT).

 

Apesar desta desconstrução, a análise dos elementos não pode ser estanque, pois, como realça GUSTAVO COURINHA, «a fixação de um elemento pode, na prática, depender de um outro», pelo que estes «não deixarão com frequência [...] de auxiliar-se mutuamente» (   ).

SÉRGIO VASQUES indica os seguintes três elementos essenciais: (   )

«Em primeiro lugar, exige-se a prática de acto ou negócio artificioso ou fraudulento e que exprima abuso das formas jurídicas, no sentido de estarmos perante esquemas negociais que ocultem os seus verdadeiros propósitos e aos quais seja dada uma utilização manifestamente anómala face à prática jurídica comum.

Em segundo lugar, exige-se o objectivo único ou principal de através desses esquemas negociais obter uma vantagem fiscal, qualquer que seja a sua natureza, com a marginalização evidente de objectivos económicos reais.

Em terceiro lugar, exige-se que da lei resulte com clareza a intenção de tributar os bens económicos em causa, nos mesmos termos em que estes seriam tributados tivesse o contribuinte recorrido às formas jurídicas e às práticas negociais mais comuns».

 

6.1.2. Elementos meio e normativo

 

Como se referiu, o elemento meio, que diz respeito à via livremente escolhida – acto ou negócio jurídico, isolado ou parte de uma estrutura de actos ou negócios jurídicos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário – pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal. Como exige o n.º 2 do artigo 38.º, na redacção anterior à Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio, que aqui é aplicável, os meios relevantes para aplicação da cláusula geral antiabuso tem de ser qualificáveis como «artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas».

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que se verifica este elemento por ter sido praticado um «conjunto de atos e negócios sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário (encadeados), com vista a atingir o objetivo fiscal visado: distribuir dividendos sem os sujeitar a tributação em sede de IRS».

Esses actos foram, no entendimento da Administração Tributária:

– criação de uma SGPS pelos accionistas da sociedade operacional;

– venda à SGPS das acções da sociedade operacional, sem tributação de mais-valias;

– a venda ser feita a crédito, ficando credores da SGPS os accionistas vendedores das acções;

– pagamento de dividendos pela sociedade operacional à SGPS não sujeitos a tributação, no âmbito do regime de eliminação da dupla tributação económica, vigente em 2014 e 2015;

– pagamentos feitos pela SGPS aos accionistas credores a título de reembolso das dívidas, sem aplicação do regime de tributação de dividendos, previsto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.

 

Os Requerentes defendem que estes actos não foram determinados e planeados com o objectivo de obter vantagens fiscais e a prova produzida corrobora a sua posição.

Na verdade, provou-se que a criação da SGPS foi determinada pela convicção dos Requerentes e das duas testemunhas que estiverem ligadas ao processo de criação da SGPS que esta era a forma de estruturação empresarial adequada a um grupo económico com a dimensão do grupo F... e com as potencialidades de crescimento que pretendiam implementar e, posteriormente, vieram a concretizar.

A conveniência em organizar um grupo económico, com uma gestão unificada das participações sociais das várias empresas que desenvolvem actividades operacionais distintas e como meio adequado para potencializar o seu crescimento, através de novos investimentos e parcerias, resulta da prova produzida e, na decisão da reclamação graciosa, a administração tributária até diz que «importa clarificar que não é a constituição da D... SGPS, que é colocada em causa, mas tão-somente os pagamentos que a sociedade efetua aos acionistas, a título de reembolso de um crédito constituído a seu favor. aquando da constituição da sociedade quando, na realidade, estamos perante a distribuição/adiantamento de resultados. os quais estão sujeitos a IRS». (   )

As testemunhas X... e Y... asseguraram que foi unicamente empresarial a motivação da criação da SGPS e não foi produzida qualquer prova em sentido contrário.

De qualquer forma, a criação de uma SGPS como entidade de topo de um grupo económico centralizando a gestão de todas as participações sociais do grupo em que se integram sociedades operacionais com actividades distintas nada tem de artificioso, pois é precisamente para esse fim que o do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, criou um regime especial para essas sociedades, mais favorável que a detenção das participações sociais numa sociedade operacional do grupo.

Como se diz no preâmbulo deste diploma, visou-se com o regime legal das SGPS, «criar condições favoráveis, designadamente de natureza fiscal, que facilitem e incentivem a criação de grupos económicos, enquanto instrumentos adequados a contribuir para o fortalecimento do tecido empresarial português» e «proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permita reunir numa sociedade as suas participações sociais, em ordem à sua gestão centralizada e especializada».

Assim, a criação de uma SGPS centralizando a gestão das participações sociais do grupo, era, na situação e apreço, não apenas uma opção permitida por lei, mas era mesmo a opção preferida pela lei e por esta incentivada, através de um regime fiscal mais favorável do que o aplicável as sociedades operacionais, designadamente com atribuição de benefícios fiscais (   ), para além da eliminação da dupla tributação económica.

Por isso, não tem qualquer fundamento legal a qualificação da criação da SGPS como artificiosa ou fraudulenta ou constituir abuso das formas jurídicas¸ para efeitos do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, pois não se trata de operação insólita ou invulgar, não prevista legislativamente para atingir o objectivo económico ou inadequada para esse efeito, antes foi precisamente para utilização neste tipo de situações que o regime legal das SGPS foi criado e era legalmente incentivado.

Como bem se diz no acórdão arbitral de 30-01-2015, proferido no processo n.º 381/2014-T, «não se pode detetar qualquer “carácter anómalo” em cada um destes negócios jurídicos: sendo o fim prosseguido a criação de uma sociedade tendo por objeto a detenção de ações, a forma societária escolhida, SGPS, era a própria; pretendendo a sociedade adquirir as ações necessárias à realização do seu escopo social, a forma escolhida (compra e venda) é a correta, porquanto esta é a forma legal típica que a lei prevê para a aquisição a título oneroso, inter-vivos, de bens e direitos. A sequência dos negócios é, também “normal”: não se compreenderia a criação da sociedade sem a posterior aquisição das ações em causa».

Por outro lado, a escolha do financiamento através de crédito dos accionistas foi coerentemente justificada pelas testemunhas X... e Y..., que tiveram intervenção na criação da SGPS como sendo o meio mais simples, sem os encargos de um financiamento bancário e sem inconvenientes para o crescimento e fortalecimento do grupo que eram os objectos prosseguidos, por a dívida aos accionistas poder ser paga a médio ou longo prazo na medida das disponibilidades da SGPS, sem colocar em causa os investimentos necessários para assegurar aqueles objectivos.

A opção por uma «permuta de partes sociais em que o requerente (A...) entregava as suas ações à D... SGPS recebendo em troca o capital desta», sugerida pela Administração Tributária na decisão da reclamação graciosa e na resposta apresentada no presente processo, em que diz que «seria uma forma típica e adequada para a realização de uma reestruturação empresarial, dotando a SGPS de efetivas condições para o exercício de uma atividade sustentável», nem sequer foi aventada no RIT e não se demonstrou que fosse um meio mais simples do que o utilizado. A criação de dívida de médio e longo prazo, sem juros, apenas pagável à medida das disponibilidades da SGPS e sem comprometer os seus objectivos de crescimento e fortalecimento do grupo, é manifestamente uma solução simples, barata e vantajosa para os fins visados pelo grupo, pois assegura perfeitamente a possibilidade de efectuar os investimentos que julgue necessários para o seu crescimento e fortalecimento sem se preocupar com o pagamento da dívida.

 Neste contexto, há que notar que a criação de um passivo elevado na SGPS, que disponha de património muito diminuto, nem pode ser considerada uma solução irracional, estranha ou inconveniente para esta. Na verdade, a aceitação daquela dívida elevada foi acompanhada da criação de um activo do mesmo valor, constituído pelas participações sociais e o património que lhes estava subjacente, que se foi valorizando consideravelmente, como decorre dos depoimentos das testemunhas X... e Y... . É, essencialmente, uma situação semelhante à que ocorre quotidianamente quando alguém pede um empréstimo bancário para adquirir um imóvel: fica com uma dívida, mas fica também no seu património com um activo de valor correspondente, normalmente susceptível de valorização. Neste caso, a aquisição de um activo a crédito com o diferimento indefinido do pagamento do preço pela SGPS é manifestamente uma situação economicamente vantajosa para a SGPS tendo em vista os fins de crescimento e fortalecimento do grupo que pretendia atingir, pois nem sequer ficava sujeita aos encargos de um empréstimo bancário, nem aos prazo de amortização das dívidas bancárias que lhes são associados.

De qualquer forma, mesmo que houvesse outras formas de reestruturação empresarial com a mesma onerosidade fiscal, como a mais complexa permuta de participações que a Administração Tributária diz que preferiria que fosse adoptada, insere-se no âmbito essencial da liberdade de gestão fiscal dos contribuintes optar pela forma que preferirem, pois não estão obrigados a escolher a forma que a Administração Tributária considere mais favorável para a cobrança de impostos, quando a lei não lhe impõe que a adopte.

Neste caso, o considerável crescimento do grupo F... posterior a constituição da SGPS, é uma confirmação de que a opção pela reestruturação do grupo através da criação da SGPS com o passivo referido, que tem simplicidade evidente, não foi uma inadequada decisão de gestão, que pusesse em causa os fins que visava. Por isso, não há qualquer fundamento para concluir que se está perante o uso de meios artificiosos ou fraudulentos ou que envolvam abuso de formas jurídicas.

De resto, também neste caso, a opção pela venda das acções era objectivamente incentivada pelo regime legal vigente em 2008 de não tributação das mais-valias realizadas com a venda de acções detidas há mais de 12 meses, prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, na redacção vigente em 2008, e pela isenção de Imposto do Selo prevista para a constituição e o aumento do capital social das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), na alínea r) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, na redacção inicial.

No que concerne à intenção de obter vantagens fiscais no futuro com a realização das operações, há que ter em conta que os lucros e reservas acumulados pelas sociedades podem ser transferidos para os patrimónios dos accionistas por via da distribuição de dividendos, mas também de mais-valias realizadas com a venda das acções e não há qualquer obrigação legal de adoptar um ou outro dos meios referidos para concretizar a transferência.

À face do regime legal vigente em 2008, as mais-valias consideraram-se realizadas com a venda das acções, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 10.º, independentemente do pagamento do preço, pelo que, ao efectuarem a venda, os Requerentes realizaram as mais-valias para efeitos fiscais e adquiriram o direito a transferirem para os seus patrimónios pessoais os lucros e reservas acumulados pela G... SA subjacentes a essas mais-valias, sem tributação. Isto é, com a venda das acções a crédito e a realização das mais-valias, os Requerentes adquiriram o direito a receber a quantia correspondente aos lucros e reservas acumulados pela G... SA até ao momento da alienação, subjacentes às mais-valias realizadas, e, como a lei vigente no momento da realização destas não estabelecia qualquer tributação em sede de IRS, não eram sequer perceptíveis quais as vantagens fiscais indevidas que poderiam pretender obter no futuro com a operação, pois o direito ao reembolso da quantia em dívida, que é um direito garantido pela lei civil, nem sequer estava sujeito a tributação em sede de IRS.

Na verdade, o que está na génese da obtenção de vantagens fiscais, que poderiam abstractamente considerar-se injustificadas por se tratar da obtenção de rendimentos sem tributação em IRS, que a Administração Tributária pretende afastar, está precisamente no regime legal da não tributação das mais-valias que vigorava em 2008, que permitia tais vantagens e não no comportamento dos Requerentes que praticaram actos não proibidos e até incentivados legislativamente. Mas, concedido por lei e adquirido legalmente pelos contribuintes o direito a receber, sem tributação em IRS, a quantia correspondente às mais-valias realizadas (isto é, a quantia correspondente aos lucros e reservas acumulados pela G... SA incorporada no valor das acções), o diferimento do pagamento das dívidas para momento em que já não vigorava essa não tributação não pode, por ser proibido pelo n.º 3 do artigo 103.º da CRP, ser pretexto para a tributação retroactiva daquelas mais-valias (isto é, tributação a posteriori, nos momentos do pagamento das dívidas, daqueles mesmos lucros e reservas acumulados que tinham sido transferidos para patrimónios dos Requerentes sobre a forma de créditos, sem sujeição a tributação).

Por outras palavras, não é compatível com o princípio constitucional da proibição da retroactividade utilizar a cláusula geral antiabuso para tributar a posteriori, a qualquer título, mais-valias que não estavam sujeitas a tributação no momento indicado pela lei como sendo o indicado para definir a sua tributação, isto é, para eliminar vantagens fiscais legalmente obtidas no momento em que o foram, mesmo que numa reformulação legislativa posterior o regime de tributação se tenha eliminado a possibilidade de obtenção de tais vantagens.

 Assim, é perfeitamente crível que, como resulta da prova testemunhal, as operações referidas não tivessem sido realizadas com o intuito de evitar pagamento de IRS quando fossem feitos os reembolsos das dívidas, pois se tratava de actos relativamente aos quais os Requerentes tinham conscientemente aproveitado o regime de não tributação de mais-valias (com o referiu a testemunha Y...) e já tinham obtido todas as vantagens que poderiam obter (não tributação). E, em relação a esses mesmos lucros e reservas incorporados no valor das acções já transferidos para os seus patrimónios em 2008, os Requerentes não teriam, objectivamente, razões para crer que viesse a haver uma tributação retroactiva, proibida constitucionalmente.

Por isso, não se pode concluir que, ao arrepio da prova testemunhal, a criação da SGPS e o modelo de financiamento adoptado tenham sido escolhidos tendo em vista a obtenção de mais vantagens fiscais a nível da distribuição dos lucros e reservas acumulados pela G... SA, pois já tinham sido obtidas, nem que tenham sido utilizados meios artificiosos ou fraudulentos ou com abuso de formas jurídicas, pois trata-se de opções não só permitidas por lei, mas até objectivamente incentivadas pelo regime legal vigente em 2008, quanto a não tributação de mais-valias em sede de IRS e isenções em sede de imposto do selo.

De resto, embora a Administração Tributária aluda no RIT a que se está perante os chamados “dividendos construtivos ou disfarçados”, deixando perceber que considera que se trata de uma situação típica abusiva, o certo é que, apesar de as operações deste tipo serem prática corrente na época (como referiu a testemunha Y...), ela não é indicada no Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de Fevereiro, que arrolou as situações em que se considerava existirem «esquemas propostos ou actuações adoptadas que tenham como finalidade, exclusiva ou predominante, a obtenção de vantagens fiscais», o que sugere a conclusão de que se entendeu legislativamente que este tipo de situações não era considerada como passível de aplicação da cláusula geral antiabuso.

A conclusão de que as vantagens fiscais consubstanciadas no acesso aos lucros e reservas acumulados da G... SA foram legalmente obtidas à face do regime que vigorava quando foram concretizadas leva a concluir que também não se verifica nesta situação o referido elemento normativo, que, como se disse, «tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal, sendo que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legitimadora do resultado obtido se pode falar naquela».

Num Estado de Direito (artigo 2.º da CRP), em que os Tribunais estão sujeitos à lei (artigo 203.º da CRP) e a Administração Tributária está subordinada ao princípio da legalidade na globalidade da sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), o comportamento que constitucionalmente lhes é imposto é acatar a opção legislativa de concessão de vantagens fiscais a quem estava em condições de delas beneficiar e não sobrepor ao critério legislativo a tributação que julgariam dever ser aplicada se fosse a eles que a Constituição atribuísse o poder legislativo. O regime da cláusula geral antiabuso foi criado para eliminar vantagens fiscais ilegítimas e não as que foram alcançadas com utilização dos meios previstos na lei os contribuintes as poderem obter.

Pelo exposto, a análise que a Autoridade Tributária e Aduaneira fez do elemento meio assenta em pressupostos que não estão em sintonia com a realidade, o que implica que o acto praticado enferme de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto.

De resto, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos factos que invoca como pressupostos da aplicação da cláusula geral antiabuso (artigo 74.º, n.º 1, da LGT), a mera dúvida sobre a existência de um planeamento com o objectivo de obter vantagens fiscais a nível da hipotética ulterior distribuição de dividendos, justificaria a anulação das liquidações, por força do preceituado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.

Sendo cumulativos os requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso, a constatação da não utilização de «meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas» e não existirem «actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos» à obtenção de vantagens fiscais basta para concluir pela ilegalidade da sua aplicação.

Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, com fundamento em vício de violação de lei por não verificação dos pressupostos da aplicação da cláusula geral antiabuso.

As liquidações de juros compensatórios têm como pressupostos as respectivas liquidações de IRS, pelo que enfermam dos mesmos vícios.

A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que manteve as liquidações impugnadas, também enferma dos vícios das liquidações que confirmou, pelo que também se justifica a sua anulação.

 

3.5.        Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

 Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.

 

4.            Reembolso e juros indemnizatórios

 

                Em 24-01-2019 e 01-02-2019, os Requerentes pagaram as quantias liquidadas relativas ao ano de 2014, sendo os pagamentos de € 43.332,84 e 221.193,38, respectivamente.

                Em 01-02-2019, os Requerentes pagaram a quantia de € 372.027,84, relativa às liquidações referentes ao ano de 2015.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

                Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

                O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

                Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

                Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

                Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

                Na sequência da anulação da liquidação, os Requerentes têm direito a ser reembolsados das quantias indevidamente pagas, no montante de € 636.554,06.

                No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

                No caso em apreço, conclui-se que há erro nas liquidações imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa.

                Os juros indemnizatórios devem ser contados, quanto a cada quantia paga, desde a data em que ocorreu o pagamento, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

5.            Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular as seguintes liquidações de IRS e juros compensatórios e respectivas demonstrações de acerto de contas:

– liquidações de IRS n.ºs 2018... e 2018..., referentes ao ano de 2014, e respectivos actos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018... e demonstrações de acerto de contas n.ºs 2018... e 2018...;

– liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2015, e respectivos actos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018... e demonstração de acerto de contas n.º 2018...;

c)            Anular a decisão da reclamação graciosa;

d)           Julgar procedentes os pedidos restituição das quantias pagas e de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar aos Requerentes a quantia de € 636.554,06, acrescida de juros indemnizatórios determinados nos termos referidos no ponto 4 do presente acórdão.

 

6.            Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 636.554,06.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.486,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 15-12-2020

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Sara Barros)

(Eduardo Paz Ferreira)