Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 219/2021-T
Data da decisão: 2022-02-18  IRS  
Valor do pedido: € 52.080,67
Tema: IRS – Não Residente Parcial: Local do exercício da actividade; Competência para a tributação.
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Sumário:

Demonstrando-se que o sujeito passivo foi não residente parcial no período de referência da tributação e que os rendimentos respeitam ao tempo em que exerceu predominantemente a sua actividade profissional nos Estados Unidos da América, não deverá Portugal tributar IRS para além da parte proporcional desses rendimentos que foi obtida de trabalho prestado em território nacional. 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            A..., titular do NIF ... e B..., titular do NIF..., residentes na Rua do ..., n.º..., ..., ..., ..., ...-... Alcabideche, adiante abreviadamente designados de “Requerentes”, vieram solicitar a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), para o que apresentaram pedido de pronúncia arbitral, em 15-04-2021, tendo por objecto o indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2019..., formulada contra o ato tributário de liquidação – Demonstração de Liquidação n.º 2019... - referente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante “IRS”), inerente ao período de tributação de 2018.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alegam os Requerentes, em síntese, que foram residentes em território dos Estados Unidos da América durante todo o primeiro semestre do ano de 2018 e que os rendimentos de trabalho dependente obtidos nesse período correspondem a trabalho prestado naquele território.

 

3.            No dia 19-04-2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 5º, do n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 09-06-2021, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 29-06-2021.

 

7.            No dia 07-09-2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação, e juntou o processo administrativo.

 

8.            Por despacho de 18-09-2021, foram os Requerentes notificados para juntarem aos autos traduções certificadas dos documentos que acompanham o PPA, de acordo com o propósito por si manifestado.

 

9.            Após uma prorrogação de prazo para a junção de tais documentos, justificada na demora na tradução de alguns deles e na dificuldade de obtenção do certificado de residência fiscal nos EUA, a junção ocorreu em 12-10-2021, com a indicação dos Requerentes de que, em face da respectiva extensão e demora na tradução, se comprometiam a detalhar e explicar o seu conteúdo em sede de declarações de parte.

 

10.          Por despacho de 14-10-2021, foram os Requerentes notificados para esclarecer obscuridades relacionadas com a junção de documentos, nomeadamente a falta do certificado de residência fiscal e o aparente equívoco na identificação dos números de alguns desses documentos.

 

11.          Em requerimento de 28-10-2021, os Requerentes esclareceram que havia, de facto, uma troca nos números dos documentos a que se referiam anteriormente, clarificando a quais se reportavam, requeram a junção de uma carta dos seus consultores fiscais americanos alusiva à dificuldade e morosidade na obtenção do certificado de residência fiscal, agravada pelos efeitos da “Pandemia Covid”, e reiteraram o pedido de colaboração da Requerida na obtenção desse certificado.

 

12.          Frustada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT na primeira data designada, 02-12-2021, por alegado impedimento da parte Requerente, viria a mesma a decorrer no dia 14-12-2021, na qual foi ouvido unicamente A..., o requerente e director-geral da C... em declarações de parte.

 

13.          Concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando as respectivas posições jurídicas.

 

14.          Inicialmente anunciada para ser proferida até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º, n.º1, do RJAT, a decisão final viria a ser prorrogada, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, por despacho de 15-12-2021.

 

15.          Em 24 e 25-01-2022, vieram os Requerentes pedir a junção, respectivamente, de um conjunto de seis documentos tendentes a dissipar quaisquer dúvidas sobre a relação de (in)dependência entre as empresas C..., SA (Portugal) e D... inc. (EUA), e o aludido certificado de residência fiscal.  

 

16.          Notificada para se pronunciar, querendo, sobre tal junção, a Requerida fê-lo nas alegações finais, dizendo, em suma, que não se descortinava a indicação de motivo justificativo da junção tardia, nem a superveniência, nem o alcance de tais documentos, pelo que não estaria a ser respeitado o disposto no artigo 423.º do CPC (ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT), evidenciando ainda que, protestado juntar em sede de reclamação graciosa, em 20-12-2019, o certificado de residência fiscal só fora solicitado em Abril de 2021. Aventando a hipótese de se pretender por via dos citados documentos demonstrar a autonomia entre as duas mencionadas empresas C..., acrescentou que, então, haveria uma contradição com as declarações ajuramentadas do CEO da C..., SA., porquanto o mesmo teria admitido na audiência não existir tal autonomia. Esta controvérsia ficou definitivamente decidida no despacho arbitral proferido em 09-02-2022, no qual se determinou a admissão e permanência dos referidos documentos nos autos.    

 

17.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades.

Não há qualquer obstáculo à apreciação da causa, pelo que cumpre proferir decisão.

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1 - Os Requerentes receberam a Demonstração de Liquidação n.º 2019..., de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referente ao período de tributação de 2018, contra a qual, em 14-02-2020, apresentaram reclamação graciosa a que coube o n.º ...2019... e sobre a qual incidiu despacho de indeferimento proferido pela Direção de Finanças de Lisboa, em 31-12-2020 (Docs. 1 a 3 e 33, juntos com o PPA).

2 – Da informação constante do PA e que baseia o indeferimento da reclamação graciosa colhe-se, entre o mais, o seguinte:

“Vem o contribuinte supra identificado, em 2019-12-19, na petição inicial dos presentes autos, nos termos do art.° 68° e seguintes do CPPT conjugado com o art.° 140° do CIRS, reclamar da liquidação de IRS n.° 2019..., respeitante ao período de 2018-01-01 a 2018-06-30, do ano fiscal de 2018, emitida em 2019-07-12, da qual resultou o valor total a pagar de € 46.432,29.

(...)

Em síntese alega que do rendimento total declarado de € 295.229,17 do trabalho dependente, o valor de € 208.322,67 não está sujeito a tributação em Portugal, por respeitar a rendimento de trabalho prestado nos EUA, art.° 16° n.° 1 da convenção para evitar a dupla tributação internacional, CDT, celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América, apenas o valor restante de € 86.906,50 é respeitante a trabalho prestado em Portugal e sujeito a tributação em Portugal.

[Pede] A anulação da liquidação de IRS n.° 2019..., emitida em 2019-07-12, respeitante ao ano fiscal de 2018, a qual apurou o imposto a pagar no valor de € 46.432,29.

(...)

VI - OS FACTOS

Em 2019-06-28, o reclamante apresentou a declaração de rendimentos modelo 3, referente a parte do ano fiscal de 2018, ao período de 2018-01-01 a 2018-06-30, na situação de não residente, acompanhada do anexo A — no qual declarou os rendimentos de trabalho dependente no valor de € 295.229,17 e o IRS retido na fonte no valor de € 27.375,00.

Subsequente, em 2019-07-12, foi emitida a liquidação de IRS n.° 2019..., respeitante ao referido período do ano fiscal de 2018, tendo aplicado a taxa de tributação autónoma de 25% nos termos do art.° 71° n.° 4 al. a) do CIRS, ao rendimento de trabalho dependente auferido pelo sujeito passivo na situação de não residente, ao valor de € 295.229,17 x 25% resultou o imposto a pagar no valor de € 73.807,29, ao qual foi deduzido o imposto retido na fonte no valor de € 27.375,00, resultando o valor a pagar de € 46.432,29.

(...)

VII – APRECIAÇÃO

1. Nos presentes autos está em causa a liquidação de IRS n.° 2019..., respeitante ao período de 2018-01-01 a 2018-06-30, do ano fiscal de 2018, na situação do sujeito passivo não residente parcial, da qual resultou o valor total a pagar de € 46.432,29.

2. A questão em análise versa a tributação dos rendimentos do trabalho dependente do valor total de € 295.229,17 pago pela entidade — C..., S.A ...— ao sujeito passivo, ora reclamante, no ano fiscal de 2018, assim como verificar da residência do sujeito passivo.

3. Da consulta efetuada ao cadastro do sistema de gestão e registo dos contribuintes desta autoridade tributária, verifica-se que, o sujeito passivo se encontra inscrito na situação de não residente parcial em território português no período de 2018-01-01 a 2018-06-30 e na situação de residente parcial em território português no restante período do ano de 2018, de 2018-07-01 a 2018-12-31.

(...)

6. Respeitante ao que está em causa nos presentes autos, a referida entidade apresentou as declarações modelo 30, pagamento de rendimentos a sujeitos passivos não residentes, tendo declarado que pagou ao sujeito passivo, os rendimentos do trabalho dependente, no valor de € 109.500,00 no mês de março de 2018 e no valor de € 185.729,17 no mês de maio.

7. Tendo declarado que sobre o valor de € 109.500,00 reteve na fonte o imposto (IRS) a título definitivo o valor de € 27.375,00, tendo aplicado devidamente a taxa de 25% prevista no art.° 71° n.° 4 al. a) do CIRS, e sobre o rendimento no valor de € 185.729,17 não reteve na fonte qualquer valor de imposto (IRS).

8. Pelo que, foi esta entidade no âmbito do procedimento de divergências que decorreu nesta autoridade tributária, respeitante à liquidação de IRS referente ao restante período do ano fiscal de 2018, de 2018-07-01 a 2018-12-31, período de residente parcial do sujeito passivo, notificada para esclarecer tal facto, ou substituir a declaração modelo 30.

9. A mesma não respondeu, nem procedeu à substituição da declaração modelo 30.

10.          Conforme verificado no ponto 3, que o sujeito passivo se encontra qualificado na situação de não residente parcial, no período respeitante à liquidação de IRS objeto da presente reclamação, de 2018-01-01 a 2018-06-30, verifica-se que nos termos do art.° 15° n.° 2 do CIRS, sendo o sujeito passivo não residente, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.

11. Nos termos do art.° 18° n.° 1 al. a) do CIRS, consideram-se rendimentos obtidos em território português, os rendimentos de trabalho decorrentes de actividades nele exercidas, ou quando tais rendimentos sejam devidos por entidades que nele tenham residência, sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento.

12. Assim, não se conhecendo o local do exercido da atividade, o facto é que o pagamento do rendimento do trabalho ao sujeito passivo é efetuado por entidade com sede em território português, em Coimbra, pelo que se consideram rendimentos obtidos em território português, Portugal.

13. Porém, o disposto na Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América (EUA), sobrepõe-se ao disposto na lei ordinária portuguesa, conforme advém do n.° 2 do art.° 8° da Constituição da República Portuguesa - CRP.

14.          Nos termos do art.° 16° n.° 1 da CDT, os salários, ordenados e remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante (EUA) só podem ser tributados nesse Estado (EUA), tributação exclusiva do Estado Contratante da residência, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante (Portugal).

14.1. Se o emprego for aí exercido, em Portugal, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado, Portugal, tributação cumulativa, no Estado Contratante da residência e / ou no Estado Contratante do exercício de funções.

14.2. E nos termos do n.° 2, as remunerações obtidas por um residente de um Estado Contratante, EUA, de um emprego exercido no outro Estado Contratante, Portugal, serão tributadas unicamente no Estado Contratante primeiramente mencionado, EUA, se:

O beneficiário permanecer no outro Estado Contratante, Portugal, durante um período, ou períodos que não excedam, no total, 183 dias em qualquer período de 12 meses com início ou termo no ano fiscal em causa;

As remunerações forem pagas por uma entidade patronal ou em nome de uma entidade patronal que não seja residente do outro Estado Contratante, Portugal; e

As remunerações não forem suportadas por um estabelecimento estável ou por uma instalação fixa que a entidade patronal tenha no outro Estado, Portugal.

15. 0ra, o n.° 2 deste art.° 16° da CDT, Portugal e Estados Unidos da América, que é a tributação unicamente no Estado Contratante dos EUA, não tem aplicabilidade ao caso concreto, não obstante o sujeito passivo ter permanecido em Portugal por um período inferior a 183 dias no ano fiscal em causa, de 2018, o facto é que as remunerações foram pagas por uma entidade patronal com sede em Coimbra, com sede no outro Estado Contratante de Portugal, a entidade — C..., S.A ... — pelo que, se constata a não aplicabilidade da norma.

16.          No que se refere às normas prevista no n.° 1, 1ª parte, a tributação exclusiva do Estado Contratante da residência do sujeito passivo, EUA, ou da 2a parte, a tributação cumulativa, em ambos os Estados Contratantes, no Estado Contrate da residência do sujeito passivo e / ou no Estado Contratante do exercício de funções, não é possível, aferir, o reclamante não apresentou nos autos quaisquer documentos que provem o Estado Contratante no qual são exercidas as funções (entre outros a título de exemplo contratos de trabalho) assim como não juntou o certificado de residência fiscal nos EUA, como protesta juntar e outros, a liquidação final do imposto nos EUA.

(...)”

 

3 -  No ano de 2018, o Requerente marido teve dois estatutos de residência fiscal em Portugal: de 1 de janeiro de 2018 a 30 de junho de 2018, não residente, para efeitos fiscais, em Portugal; e de 1 de julho de 2018 a 31 de dezembro de 2018, residente, para efeitos fiscais, em Portugal (item 13 do PPA).

4 - Em 2018, o Requerente apresentou duas declarações de IRS, uma para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2018 e 30 de junho de 2018, outra para o período compreendido entre 1 de julho de 2018 e 31 de dezembro de 2018 (Docs. 26 e 27, juntos com o PPA e PA).

5 - O Requerente marido auferiu rendimentos de trabalho dependente de fonte portuguesa durante a totalidade do ano de 2018, não correspondendo o imposto retido, no período de não residência, à taxa de 25% sobre a totalidade do rendimento (item 16 do PPA e Docs. 26 a 32, juntos com o mesmo).

6 - Entre Janeiro e Junho de 2018, o Requerente marido recebeu de C..., S.A. rendimentos de trabalho dependente no valor de 295.229,17€, sujeitos a uma retenção na fonte de IRS no valor de 27.375,00€ (Doc. n.º 31, junto com o PPA).

7 - Estando a trabalhar nos Estados Unidos, a partir de 2014, o Requerente captou investidores locais, nomeadamente o Fundo E..., que investiu cerca de 17 milhões de dólares, no ano de 2015, a F... e a G... com investimentos de cerca de 12 milhões e 37,5 milhões de dólares, respetivamente, em 2017, resultados que lhe valeram a recompensa mencionada em 6, a título de bónus (Declarações de Parte do Requerente).

8 - O Requerente marido foi qualificado como residente, para efeitos fiscais, nos E.U.A., no período compreendido entre 1 de janeiro e 30 de junho de 2018, como atesta o certificado de residência fiscal emitido pelo Departamento do Tesouro – Serviço de Receitas Internas de Philadelphia, em 18 de Janeiro de 2022, ao abrigo do Acordo para evitar a Dupla Tributação entre os E.U.A. e Portugal (Documento junto ao requerimento apresentado em 25-01-2022).

9 - Os Requerentes procederam à entrega das declarações de rendimentos – US Individual Tax Return, Form 1040-V, por referência ao ano fiscal de 2018 e liquidaram os respetivos impostos nos EUA (Docs. n.ºs 4, 5 e 5-A, juntos com o PPA).

10 - O Requerente marido prestou nos E.U.A. 249 e 263 dias de trabalho, respectivamente, em 2016 e em 2017 (Doc. n.º 6, junto com o PPA).

11 - Os Requerentes arrendaram um imóvel em..., Califórnia, nos Estados Unidos da América, a partir de 1 de Agosto de 2015, onde habitaram até 30 de Setembro 2017, juntamente com as suas duas filhas H... e I... (Doc.  n.º 7, junto com o PPA e Declarações de Parte).

12 – Os Requerentes celebraram, em 25-08-2017, um outro contrato de arrendamento para um imóvel sito em ..., Califórnia, nos Estados Unidos da América, com início previsto a 2 de Setembro de 2017 e termo a 31 de Julho de 2018 (Doc. n.º 8 junto com o PPA e Declarações de Parte).

13 - As filhas do casal Requerente, H... e I..., foram matriculadas num estabelecimento de ensino local –...- nos anos letivos de 2015 a 2018 (Docs. n.ºs 9 a 12, juntos com o PPA e Declarações de Parte).

14 - Desde o ano de 2015 até meados de 2018 o agregado familiar dos Requerentes teve a sua vida profissional e pessoal instalada nos Estados Unidos da América, aí tendo contratado seguros de saúde e automóvel, bem assim aberto conta bancária, apenas vindo Portugal pelo Natal e nas férias de Verão (Docs. n.ºs 13 a 17, juntos com o PPA e declarações de Parte).

15 - Na sequência dos “vistos” concedidos ao agregado familiar, foram emitidos os respetivos “Green Card”, ou seja, autorizações de residência permanente para os Requerentes e respetivas filhas (Docs. n.ºs 18 a 25, juntos com o PPA e Declarações de Parte).

16 – Integrando o grupo de empresas J... e sendo participada pela C..., S.A. (Portugal), a Sociedade D..., Inc. foi constituída em 29-11-2012, nos Estados Unidos, tendo a sua sede social no Estado ..., em ..., declarando rendimentos e pagando impostos nos EUA, sob o número de identificação..., e tendo ao seu serviço, desde 2016, dezenas de trabalhadores, entre os quais A..., aqui Requerente (Docs. 1 a 6, juntos em 24-01-2022 e Declarações de Parte).    

17 – Desde data incerta de 2014 até meados de 2018, o Requerente desenvolveu predominantemente a sua actividade profissional nos EUA, como Director Executivo (CEO) da D..., Inc., tendo a seu cargo, além do mais, a gestão estratégica e a supervisão operacional dos negócios da empresa, para o que lhe competiu desde a captação e acompanhamento da clientela, passando pela criação de uma equipa de trabalho e a promoção e venda do produto da empresa, que consiste na detecção de fraude em pagamentos electrónicos, funções pelas quais foi remunerado pela própria D..., Inc. (Docs. 25-A e 25-B, juntos com o PPA e Declarações de Parte).   

18 - O rendimento do trabalho dependente incluído na declaração anual de rendimentos fornecido ao Requerente pela sua entidade patronal C..., S.A. engloba todos os rendimentos de 2018, incluindo € 295.229,17, auferidos no período da não residência em Portugal, e € 7.802,05, auferidos no período da sua residência em Portugal (Docs. n.ºs 28 e 29, juntos com o PPA).

19 – O Requerente marido procedeu ao preenchimento do formulário 24-RFI ao abrigo da Convenção para evitar a dupla tributação internacional entre Portugal e os EUA, por forma a solicitar o reembolso do excesso do imposto pago enquanto não residente fiscal em Portugal, ainda que o imposto não tenha sido totalmente pago por via da retenção na fonte (Doc. n.º 30, junto com o PPA).

20 - A C..., S.A. atestou, mediante declaração emitida para o efeito, que procedeu ao pagamento de rendimentos no valor total de € 295.229,17 e sujeitos a retenção de IRS na fonte no valor total de € 27.375,00, como se confirma pela competente guia de retenção (Docs. n.ºs 31 e 32, juntos com o PPA).

21 - Foi emitida a respetiva liquidação de IRS tendo a Autoridade Tributária liquidado imposto sobre a totalidade do rendimento da sua não residência, ascendendo o valor total do imposto a € 73.807,20, com um valor de imposto a pagar de € 46.432,29, após abatimento da parcela de € 27.375,00 já retida na fonte (Doc. n.º 3, junto com o PPA).

22 - Na tabela abaixo resulta o cálculo do proporcional do rendimento auferido no período da  não residência do Requerente que é relativo a trabalho prestado nos E.U.A., tanto no ano de 2016, como no ano de 2017:

 

23 - Apesar de não concordarem com a emissão do ato de liquidação em crise, os Requerentes procederam ao pagamento do imposto, como resulta da respectiva Nota de Cobrança (Doc. n.º 35, junto com o PPA).

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz dos artigos 110.º, n.º 7, e 123.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova por Declarações de Parte do Requerente A..., o qual, não sendo indiferente ao desfecho da causa, se mostrou disponível para esclarecer com aparente seriedade, rigor e boa fé todas as questões que lhe foram colocadas e, por isso, se revelou útil para a convicção do Tribunal, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

a) A questão a analisar e decidir consiste em saber se os Requerentes foram residentes no território dos Estados Unidos da América durante o primeiro semestre do ano de 2018 e qual a proporção dos rendimentos de trabalho dependente obtidos nesse período que corresponde a trabalho prestado naquele território, sendo certo que a C..., S.A. declarou ter pago ao Requerente marido, entre Março e Maio de 2018, na qualidade de sujeito passivo não residente, um total de € 295.229,17, retendo na fonte o valor de € 27.375,00 de IRS.    

                A Autoridade Tributária (AT), entende que liquidação de IRS n.º 2019..., aqui impugnada, respeitante ao período de 2018-01-01 a 2018-06-30, encontra-se devidamente liquidada atendendo à situação do Requerente de não residente parcial nesse período, porquanto, não se conhecendo o local do exercício da atividade, o facto é que o pagamento do rendimento do trabalho ao Requerente é efetuado por entidade com sede em território português, concretamente em Coimbra, pelo que se consideram rendimentos obtidos em território português.

                Já os Requerentes defendem verificar-se que a maior parcela do rendimento pago respeita a trabalho prestado nos E.U.A. e que, como tal, não deveria ter sido sujeito a tributação em Portugal. Concretamente, do total do rendimento pago – € 295.229,17 -, apenas € 86.906,50 é relativo a trabalho prestado em Portugal nos anos de 2016 e 2017 e, portanto, Portugal apenas teria competência para tributar este valor de rendimento, donde resultaria um valor de imposto (IRS) a pagar de apenas € 21.726,62, em lugar dos € 73.807,29 € que pagaram efectivamente, pelo que se acham com direito a receber a diferença que é de € 52.080,67 cobrados em excesso.

 

Cumpre decidir.

Preceitua o artigo 15.º do Código IRS:

                “1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

                2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.”

                (...)

A Requerida reconhece que o Requerente está qualificado como não residente parcial, no período respeitante à liquidação de IRS questionada, pelo que se lhe aplicaria o nº 2 daquela norma, ou seja, o imposto incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.

Porém, atento ao disposto no artigo 18.º, n.º 1, a) do CIRS:

                 “1 - Consideram-se obtidos em território português:

                a) Os rendimentos do trabalho dependente decorrentes de atividades nele exercidas, ou quando tais rendimentos sejam devidos por entidades que nele tenham residência, sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento;(…)”.

Conclui a AT que não se conhecendo o local do exercício da atividade, o facto é que o pagamento do rendimento do trabalho ao Requerente é efetuado por entidade com sede em território português, concretamente em Coimbra, pelo que se consideram rendimentos obtidos em território português.

                No contexto, tem de convocar-se o estabelecido na Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (CDT), que se sobrepõe ao disposto na lei ordinária portuguesa, como emerge dos n.ºs 2 e 3 do art.º 8º da Constituição da República Portuguesa.

Dispõe o n.º 1 do artigo 16.º da Convenção:

                “(…) os salários, ordenados e remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado”.

Em face desta estatuição, afigura-se correcta a conclusão extraída pelos SP, segundo a qual sendo o Requerente marido um residente fiscal nos E.U.A. no período em causa, e tendo exercido a sua atividade no território estadunidense, Portugal somente poderia tributar a parcela de rendimentos que fosse respeitante aos dias de trabalho prestado em Portugal, não dispondo de competência para tributar 100% do rendimento pago durante esse período (o que sucedeu na prática).

                Neste ponto da apreciação, torna-se imprescindível verificar o que a prova nos revela acerca do local / território onde foi exercida a actividade sujeita à liquição de imposto impugnada. Dos factos considerados provados resulta, para está álea da questão, o seguinte:

                - No ano de 2018, o Requerente marido teve dois estatutos de residência fiscal em Portugal: de 1 de janeiro de 2018 a 30 de junho de 2018, não residente, para efeitos fiscais, em Portugal; e de 1 de julho de 2018 a 31 de dezembro de 2018, residente, para efeitos fiscais, em Portugal (3);

                - Entre Janeiro e Junho de 2018, o Requerente marido recebeu de

C..., S.A. rendimentos de trabalho dependente no valor de 295.229,17€, sujeitos a uma retenção na fonte de IRS no valor de 27.375,00€ (6);

                - Estando a trabalhar nos Estados Unidos, a partir de 2014, o Requerente captou investidores locais, nomeadamente o Fundo E..., que investiu cerca de 17 milhões de dólares, no ano de 2015, a F... e a G... com investimentos de cerca de 12 milhões e 37,5 milhões de dólares, respetivamente, em 2017, resultados que lhe valeram a recompensa mencionada em 6 (7);

                - O Requerente marido foi qualificado como residente, para efeitos fiscais, nos E.U.A., no período compreendido entre 1 de janeiro e 30 de junho de 2018, como atesta o certificado de residência fiscal emitido pelo Departamento do Tesouro – Serviço de Receitas Internas de Philadelphia, em 18 de Janeiro de 2022, ao abrigo do Acordo para evitar a Dupla Tributação entre os E.U.A. e Portugal (8);

                - Os Requerentes procederam à entrega das declarações de rendimentos – US Individual Tax Return, Form 1040-V, por referência ao ano fiscal de 2018 e liquidaram os respetivos impostos nos E.U.A (9);

                - O Requerente marido prestou nos E.U.A. 249 e 263 dias de trabalho, respectivamente, em 2016 e em 2017 (10);

                - Os Requerentes arrendaram um imóvel em ..., Califórnia, nos Estados Unidos da América, a partir de 1 de Agosto de 2015, onde habitaram até 30 de Setembro 2017, juntamente com as suas duas filhas H... e  I... (11);

                - Os Requerentes celebraram, em 25-08-2017, um outro contrato de arrendamento para um imóvel sito em ..., ..., Califórnia, nos Estados Unidos da América, com início previsto a 2 de Setembro de 2017 e termo a 31 de Julho de 2018 (12);

                - As filhas do casal Requerente, H... e I..., foram matriculadas num estabelecimento de ensino local –...- nos anos letivos de 2015 a 2018 (13);

                - Desde o ano de 2015 até meados de 2018 o agregado familiar dos Requerentes teve a sua vida profissional e pessoal instalada nos Estados Unidos da América, aí tendo contratado seguros de saúde e automóvel, bem assim aberto conta bancária, apenas vindo Portugal pelo Natal e nas férias de Verão (14);

                - Na sequência dos “vistos” concedidos ao agregado familiar, foram emitidos os respetivos “Green Card”, ou seja, autorizações de residência permanente para os Requerentes e respetivas filhas (15);

                - Integrando o grupo de empresas J... e sendo participada pela C..., S.A. (Portugal), a Sociedade D..., Inc. foi constituída em 29-11-2012, nos Estados Unidos, tendo a sua sede social no Estado de ..., em..., ..., declarando rendimentos e pagando impostos nos EUA, sob o número de identificação 46-1742348, e tendo ao seu serviço, desde 2016, dezenas de trabalhadores, entre os quais A..., aqui Requerente (16);

                - Desde data incerta de 2014 até meados de 2018, o Requerente desenvolveu predominantemente a sua actividade profissional nos EUA, como Director Executivo (CEO) da D..., Inc., tendo a seu cargo, além do mais, a gestão estratégica e a supervisão operacional dos negócios da empresa, para o que lhe competiu desde a captação e acompanhamento da clientela, passando pela criação de uma equipa de trabalho e a promoção e venda do produto da empresa, que consiste na detecção de fraude em pagamentos electrónicos, funções pelas quais foi remunerado pela própria D..., Inc. (17);

                - O rendimento do trabalho dependente incluído na declaração anual de rendimentos fornecido ao Requerente pela sua entidade patronal C..., S.A. da empresa engloba todos os rendimentos de 2018, incluindo € 295.229,17, auferidos no período da não residência em Portugal, e € 7.802,05, auferidos no período da sua residência em Portugal (18);

                - Foi emitida a respetiva liquidação de IRS, tendo a Autoridade Tributária liquidado imposto sobre a totalidade do rendimento da sua não residência, ascendendo o valor total do imposto a € 73.807,20, com um valor total de imposto a pagar de Euro 46.432,29 (21);

                - Na tabela abaixo resulta o cálculo do proporcional do rendimento auferido no período da  não residência do Requerente que é relativo a trabalho prestado nos E.U.A., tanto no ano de 2016, como no ano de 2017:

 

(22).

 

Sendo estes os factos relevantes, não podem restar dúvidas de que, entre 2015 e até 30-06-2018, o Requerente exerceu, com predominância, as suas funções profissionais nos EU América. Dir-se-ia até que, em face da vasta panóplia da materialidade apurada, de modo algum poderia vir a ter-se como imprescindível o certificado de residência fiscal entretanto obtido e junto aos autos, em 25-01-2022, para resolver o nó górdio desta lide, isto é, para formar a convicção de onde se localizou o trabalho prestado que origina o rendimento e o tributo aqui discutidos.

Enquanto tal, e compaginando os factos com as normas jurídicas supra citadas, somos de concordar com os Requerentes quando afirmam que tendo Portugal competência em matéria de tributação no que diz respeito ao rendimento pago pelos dias de trabalho efetivamente prestados em Portugal, resulta da prova que o Requerente implementou e ajudou a crescer uma empresa americana, para a qual exerceu a sua actividade profissional. O local de exercício dessa atividade foi nos Estados Unidos e não em Portugal. Respeitando o disposto no artigo 57º., nº 6, do CIRS, dado que auferiu rendimentos de trabalho dependente durante a totalidade do ano e porque o imposto retido não correspondia à taxa de 25%, o Requerente entregou duas declarações de IRS, para o ano de 2018 (factos provados 4 e 5).

Regressando ao preceituado no artigo 16.º, n.º1, da CDT celebrada entre Portugal os os Estados Unidos para evitar a dupla tributação, e numa leitura adaptada ao caso em presença, é de entender que “... os salários, ordenados e remunerações similares obtidos de um emprego exercido por um residente nos Estados Unidos só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido em Portugal”. Ora, como se viu, no período em causa o Requerente viveu e exerceu a sua actividade profissional nos E.U.A., pelo que Portugal não teria competência para tributar a totalidade do rendimento então auferido, mas tão-só a proporção dos rendimentos do trabalho prestado no território nacional.

                A propósito citar o exarado no Acórdão nº 00481/04 do TCASul, de 21-02-2008: “... do disposto no art.º 8.º, n.º 3, da Constituição da República, pode concluir-se que as normas comunitárias gozam de primazia sobre o direito interno, o que tem levado a doutrina a afirmar o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito interno – Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, 2007, 1.º Volume, págs. 263 /264 (…)”.

Provado que o Requerente marido prestou nos E.U.A. 249 e 263 dias de trabalho, respectivamente, em 2016 e em 2017 e da proporção claramente estabelecida no quadro supra, Portugal apenas teria direito a liquidar IRS no valor de 21.726,62€ (factos 10, 21 e 22). Em razão do que, tendo liquidado e cobrado 73.807,29€ de imposto, deverá devolver-se aos Requerentes o excesso de 52.080,67€ (factos 1 e 23).

Decorrendo do exposto, procede nesta parte o pedido arbitral, anulando-se o acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2019..., bem assim a Liquidação n.º 2019 ... de IRS que lhe está subjacente, referente ao período de tributação de 2018, por erro nos pressupostos de facto e de Direito.

 

b) Já quanto ao pedido para ser ordenada uma nova liquidação de IRS, dir-se-á tão somente que não tal não cabe nas competências deste Tribunal, cabendo sim à Autoridade Tributária e Aduaneira proceder em conformidade, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 24.º, n.º 1, do RJAT.

 

c) No que toca ao pedido de restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, formulado pelos Requerentes, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Antes de mais, importa notar que apesar de não concordarem com a emissão do ato de liquidação em crise, os Requerentes procederam ao pagamento do imposto, como resulta da respectiva Nota de Cobrança (facto 23).

O conceito de “erro imputável aos serviços” tem sido abundantemente interpretado pelos tribunais, entendendo-se que a atuação ilegal da Administração constitui sempre erro imputável aos serviços (acórdão STA, de 21-01-2015, proc. n.º 632/14). Assim, tendo a Administração Tributária errado nos pressupostos de facto e de Direito, como ficou demonstrado no caso presente, tal erro é imputável aos serviços, para efeitos da citada norma.

Têm, portanto, os Requerentes direito a ser reembolsados da quantia de 52.080,67€ que pagaram indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a serem indemnizados, através de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

                C. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

I)             Anular o acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2019..., bem assim anular a Liquidação n.º 2019... de IRS, referente ao período de tributação de 2018 (ambas supra identificadas) que lhe está subjacente, por erro nos pressupostos de facto e de Direito;

II)           Condenar a AT no reembolso do imposto indevidamente pago, ora anulado, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;

III)          Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

D. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em 52.080,67€ (cinquenta e dois mil e oitenta euros e sessenta e sete cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00€, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, e nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2022

 

O Árbitro

(Sérgio de Matos)