Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 217/2013-T
Data da decisão: 2014-02-28  IUC  
Valor do pedido: € 3.620,71
Tema: IUC – Caducidade; Incidência subjetiva; locação financeira; presunções legais
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REQUERENTE : A

 

REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

A)    As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

  1. A, NIPC ..., doravante designada por Requerente, com sede no Lugar da ..., ..., ... requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT”, para conhecer da demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, tendo em vista a anulação dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação referentes ao ano de 2008, que juntou aos autos como documento nº 4 em anexo à pedido inicial e que se dão por integralmente reproduzidos.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado em 4 de Setembro de 2013, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 6 de setembro de 2013.

 

  1. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa a ora signatária como árbitro singular. A nomeação foi aceite e, em 22 de outubro, foram as partes notificadas da designação do árbitro, não tendo manifestado a vontade de recusar a designação.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 6 de novembro de 2013.

 

  1. Na mesma data, foi a AT notificada, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 artigo 17º do RJAT, para apresentar resposta no prazo legal.

 

  1. A AT apresentou a sua resposta em 9 de dezembro de 2013 e em 16 de janeiro de 2014 realizou-se a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, da qual foi lavrada ata que se encontra junta aos autos e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:

 

 

  1. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral contra o indeferimento parcial da Reclamação Graciosa, apresentada contra os atos de liquidação de IUC referentes ao ano de 2008, bem como das respetivas liquidações de juros compensatórios, constantes do documento n.º 4 junto em anexo ao pedido arbitral, no montante de € 3.620,71, alegando em síntese o seguinte:
  2. A ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral Singular declare a ilegalidade e consequente anulação dos actos tributários de liquidação de IUC referentes ao ano de 2008, que identifica no pedido de pronúncia arbitral e comprova pelos documentos que instruem o pedido arbitral.
  3.  Começa por alegar a caducidade das liquidações de imposto em causa nos autos e juntas ao processo como documento nº 4, em anexo à Petição Inicial, que se dá por integralmente reproduzido.
  4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, no que toca à alegada caducidade, a Requerente alegou, em síntese, que o IUC é um imposto de obrigação única, invocando diversa jurisprudência e doutrina em defesa da sua tese.
  5. Partindo deste pressuposto conclui a Requerente que o prazo de quatro anos para a caducidade do direito a tributar, conta-se a partir da data a que o facto tributário ocorreu.
  6. Partindo deste pressuposto alega ter sido notificada das referidas liquidações de imposto para além do prazo de caducidade previsto no artigo 45º da LGT.
  7. Alega, ainda, quanto à incidência subjetiva do imposto, que não constitui sujeito passivo de IUC.
  8. Que à data dos factos tributários, os veículos em questão, já não eram propriedade da ora Requerente, tendo sido alienados, no final dos contratos de ALD, factos que se comprovam pelos respetivos contratos de ALD e pelas faturas de venda juntas aos autos como documentos nºs 5 a 12.
  9. Alega que os respetivos adquirentes não efetuaram o oportuno registo, razão pela qual, na base de dados da Conservatória do Registo Automóvel consta a ora Requerente como proprietária e não os respetivos adquirentes.
  10. Invoca, ainda, que o facto do registo não se encontrar atualizado não releva para que esta possa ser considerada como proprietária e, consequentemente, como sujeito passivo dos IUC’s em questão, porquanto, nos termos do artigo 408.º do Código Civil, a transferência «dá-se por mero efeito do contrato».
  11. Acrescenta que o registo da aquisição junto da competente Conservatória do Registo Automóvel não é condição para a transmissão da propriedade, nem afeta a sua validade, isto porque, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial, aplicável ex vi artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, o registo apenas “(…) constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define.”
  12.  Acrescenta ainda a Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral que, embora a transferência de propriedade opere independentemente do registo, poderá equacionar-se se tal transferência, não registada, produz efeitos perante a Autoridade Tributária, concluindo a Requerente, a este respeito que, perante a definição legal de terceiro constante do n.º 4 do artigo 5.º do Código de Registo Predial, a Autoridade Tributária e Aduaneira não qualifica como terceiro, porquanto nada é adquirido por esta.
  13.  A este propósito, invoca a Requerente que o artigo 3.º do CIUC não poderá ser interpretado no sentido de pretender tributar apenas quem conste do registo como proprietário e não o efetivo proprietário, porquanto, por um lado, o registo é uma mera aparência da realidade, e por outro lado, a tal interpretação violaria, por completo, o espírito do CIUC, motivado por uma preocupação ambiental, que se manifesta na circunstância de tributar os utilizadores dos veículos (sejam proprietários ou locatários), que, por força da respetiva utilização provocam um custo ambiental. 
  14.  Termina pedindo, em síntese, que o presente pedido de anulação dos actos tributários abrangidos pelo presente processo seja julgado procedente por provado e em consequência anulados os actos tributários de liquidação de IUC.
  15. Reclama ainda o direito a juros indemnizatórios e consequente condenação da AT no seu pagamento.

 

 

 

C – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

  1.  A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, alegou, em síntese, o seguinte:

                     a.         Não assiste razão à Requerente porquanto, das normas ínsitas no Código do Imposto único de Circulação, se extrai que este se subsume a um imposto periódico, nomeadamente do texto legal contido no art.º 4.º do CIUC.

                     b.         Por outro lado, o disposto no n.º 1 do Art.º 6.º do CIUC, atinente ao facto gerador do imposto consagra que “o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional. “

                     c.         Alega a Requerida que da conjugação dos referidos preceitos legais resulta que, o facto gerador do imposto, decorrente da propriedade do veículo se renova a cada ano, sendo devido imposto por cada ano e que é o carácter de permanência e estabilidade de uma sucessão de factos unidos num determinado período temporal, que constitui a pedra de toque na distinção entre impostos de obrigação única e impostos periódicos.

                     d.         O IUC qualifica-se, indiscutivelmente, como um imposto periódico, atendendo ao carácter de permanência e estabilidade do facto tributário, independentemente da sua exigibilidade em função da matrícula do veículo.

                     e.         Mais alega que, em situação idêntica ao IUC, o IMI estabelece as mesmas regras de definição e incidência do imposto, ou seja, o imposto é devido por quem seja proprietário do imóvel a 31 de Dezembro, pelo que “o IUC se qualifica como um imposto periódico e não de obrigação única como argui a Requerente, atendendo à renovação do facto tributário, ao seu carácter de permanência e estabilidade.”

                     f.          Em consequência conclui a Requerida que deve improceder a alegada caducidade do direito à liquidação do imposto, invocada pela Requerente, já que o n.º 4 do Art.º 45.º da LGT estabelece contagem de prazos de caducidade diferentes, consoante estejamos perante um imposto de obrigação única ou de um imposto periódico.

                     g.         Subsumindo-se o IUC a um imposto periódico, atendendo ao seu carácter de permanência e estabilidade, o prazo de caducidade inicia-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

                     h.         Refere ainda que o prazo de caducidade em nada contende com o prazo para a exigibilidade do imposto; no caso dos autos, estão em causa IUC´s referentes ao ano de 2008, cujo prazo de caducidade se iniciou a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, ou seja, 01.01.2009 pelo que o prazo geral de caducidade a que alude o disposto no n.º 1 do Art.º 45.º da LGT em 01.01.2009, apenas precludiria em 31.12.2012.

                      i.          Tendo as liquidações de IUC sido emitidas em 28.11.2012 e tendo as mesmas sido notificadas à Requerente, via CTT, em 24/12/2012, afere-se que ainda não se encontrava ultrapassado o prazo geral de caducidade de 4 anos, sendo inquestionável que as liquidações foram efetuadas dentro do prazo de caducidade uma vez que aquele prazo apenas precludiria em 01.01.2013.

                      j.          Conclui pela improcedência dos argumentos invocados pela Requerente, reforçando com a invocação do entendimento já adoptado pela jurisprudência do CAAD, segundo a qual o IUC se configura como um imposto periódico.

                     k.         Quanto à questão da incidência subjetiva do IUC suscitada pela requerente, alega a Requerida que também não assiste razão à Requerente e que a posição que esta defende resulta, não só, de uma enviesada leitura da letra da lei, bem assim como de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, ainda, de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.

                      l.          Assenta a sua alegação no disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 3.º do CIUC, que determinam, respetivamente, que São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados” e que são sujeitos passivos do IUC “os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”

                    m.        Alega ainda a Requerida que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, aliás à semelhança do que sucede em outros normativos legais, exemplificando algumas situações previstas na lei; entende a Requerente que nos casos em que o legislador fiscal utiliza a expressão “considera-se”, não está a estabelecer uma presunção. Entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem.

                     n.         Conclui, pois, que no caso dos presentes autos de pronúncia arbitral, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.

                     o.         Outra interpretação seria ignorar o elemento teleológico de interpretação da lei: a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.

                     p.         Conclui, pela improcedência do pedido arbitral, porquanto os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, “na medida em que à luz do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do CIUC e do artigo 6.º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC, tal como atesta a Informação relativa ao histórico da propriedade dos veículos em causa, emitida pela Conservatória do Registo Automóvel.”

                     q.         Em consequência conclui, também, pela improcedência do pedido de juros indemnizatórios.

 

 

 

II. QUESTÕES DECIDENDAS

 

 

  1. Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões a dirimir.

 Atenta as posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimentes saber:

 

1ª) Qualificação do IUC e Caducidade de liquidação do Imposto;

 

2ª) Da incidência subjectiva do IUC, dos efeitos do registo automóvel e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível nesta matéria;

 

3ª) Da procedência ou improcedência do pedido e do direito a pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

 

 

 III - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

  1.  As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. 4º e 10º nº2 do DL nº 10/2011 e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).

 

  1. Verificando-se cumpridos os requisitos exigidos pelo disposto no nº 1 do artigo 3º do RJAT, é admitido no presente processo arbitral a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos actos tributários que são objeto deste.

 

  1. O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

  1. Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junto aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.

 

 

 

 

IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

A)    Factos Provados

 

 

  1. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
  2. A Requerente é uma sociedade em nome coletivo cuja atividade principal consiste, entre outros, no comércio de veículos automóveis.

 

  1. No âmbito da sua atividade a Requerente oferece aos seus clientes diversas soluções de financiamento destinadas à compra de viaturas automóveis, nomeadamente, a outorga de contratos de locação financeira (“leasing”) ou Aluguer de Longa Duração (“ALD”).

 

  1. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento de trinta e quatro liquidações de IUC, todas referentes ao ano de 2008, as quais se encontram discriminadas no Documento nº 2 junto aos autos – Reclamação Graciosa IUC 2008 – ..., e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

 

  1. As liquidações de imposto foram emitidas em 28.11.2012 e notificadas à Requerente via CTT em 24.12.2012, com data limite de pagamento até 09.01.2013, como se extrai da análise do Processo Administrativo junto aos autos pela Requerida.

 

  1. A Requerente apresentou Reclamação Graciosa, a qual foi parcialmente deferida, por despacho proferido em 4 de junho de 2013.

 

  1. Neste despacho decidiu pela anulação de vinte e seis das trinta e quatro liquidações de IUC reclamadas, com fundamento em caducidade da liquidação, considerando ainda que as restantes oito liquidações de IUC eram devidas, como aliás resulta da decisão da reclamação graciosa, já supra mencionada, junta aos autos como nº 2 junto em anexo ao pedido arbitral, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

 

  1. Nos presentes autos estão, pois, em crise as liquidações que subsistiram à reclamação graciosa, constantes do documento nº 4 em anexo ao pedido arbitral, que se dão por integralmente reproduzidas, e cujo somatório perfaz o valor de €3.620,71.

 

  1. À data do facto tributário, as viaturas automóveis referenciadas nas liquidações de IUC constantes do supra referido documento nº 4, encontravam-se inscritas no registo automóvel ainda em nome da ora Requerente.

 

  1. Das viaturas em causa, constantes das liquidações impugnadas, atento o conteúdo dos documentos nºs 5 a 12 juntos em anexo ao presente pedido arbitral, fica demonstrado que:

 

                                                              i.      - As viaturas com as matrículas ...-...-..., ...-...-... e ...-...-... foram alienadas a favor dos respetivos adquirentes em 2006;

                                                            ii.      - A viatura com a matrícula ...-...-..., foi alienada a favor do respetivos adquirente em 2007;

                                                          iii.      - As viaturas com as matrículas ...-...-... e ...-...-... foram alienadas a favor dos respetivos adquirentes em 2008;

                                                          iv.      - A viatura com a matrícula ...-...-... foi alienada a favor do respetivo adquirente em 2009;

                                                            v.      - A viatura com a matrícula ...-...-... foi alienada a favor do respetivo adquirente em 2010.

 

 

  1.  Para prova dos factos supra descritos em h) a Requerente juntou aos autos os seguintes documentos:

                                                              i.      Cópias dos contratos de locação financeira;

                                                            ii.      Cópias dos extractos contabilísticos, referente a cada um dos locatários constantes dos contratos de locação financeira em causa;

                                                          iii.      Cópias das faturas de venda dos veículos aos ex - locatários.

 

  1. Os proprietários dos veículos (antigos locatários) não procederam ao oportuno registo, pelo que nas bases dados da Conservatória do Registo automóvel, a Requerente consta como proprietária dos mesmos.

 

  1. No processo processo de reclamação graciosa que antecedeu o pedido arbitral, foi promovida audição prévia da requerente e o processo foi instruído com os documentos constantes do respetivo processo administrativo.

 

  1. À data dos actos tributários de liquidação a AT dispunha de todos os elementos de informação relevantes para o conhecimento da propriedade dos veículos, como resulta da análise de todos os elementos juntos pela Requerente e Requerida.

 

  1. O imposto único de circulação liquidado foi pago pela Requerente.

 

  1. No âmbito de reclamação graciosa, parcialmente deferida, foram anuladas i considerado que o IUC referente às viaturas discriminadas em g) era devido pela Requerente por estas se encontrarem inscritas em seu nome no respetivo registo automóvel.

 

 

 

B)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

  1.  Os factos supra descritos foram dados como provados com base nos documentos que as Partes juntaram ao presente processo, a requerente em anexo ao pedido formulado e a AT no processo Administrativo enviado aos autos. Acresce resultar dos próprios autos a adesão das partes à realidade de facto supra descrita.

 

 

C)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

 

  1. Não se considera provado que as liquidações de imposto impugnadas terem sido notificadas à ora requerente já no decurso de 2013, porquanto dos documentos juntos aos autos não resulta provado tal facto, quanto às liquidações objecto do presente pedido arbitral.
  2. Não existem outros factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

 

V – FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

  1. Fixada a matéria de facto, importa agora proceder à análise das questões de direito supra indicadas como questões decidendas (vd. Ponto 9. da pressente decisão), correspondendo, em síntese, às questões de ilegalidade suscitadas pela Requerente no presente pedido arbitral.

 

 

1ª Questão:   Qualificação do IUC e Caducidade da liquidação de imposto

 

 

  1. A Requerente começa por alegar a ilegalidade dos actos tributários em causa por caducidade do direito à liquidação do IUC. Esta alegação assenta no pressuposto de qualificação do IUC como um imposto de obrigação única e na alegação de que a notificação das ditas liquidações ter ocorrido já no decurso de 2013.

 

  1. Dispõe o nº 4 do art.º 45º da LGT, o prazo de caducidade do direito de liquidação é contado, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

 

Do disposto neste normativo resulta indispensável aferir, em primeiro lugar, qual a classificação a atribuir ao imposto único de circulação (IUC), ou seja, saber se o referido imposto se caracteriza como imposto periódico ou como imposto de obrigação única.

Nesta questão as posições defendidas pelas partes são claramente opostas, defendendo a Requerente que i IUC é um imposto de obrigação única e a Requerida que o mesmo é, outrossim, um imposto periódico.

Tal questão é de fundamental importância para aferir da verificação ou não do primeiro vício invocado pela Requerente, ou seja, a caducidade do direito à liquidação do imposto.

 

  1. Não existindo definição legal do que são impostos periódicos e de obrigação única, importará ter em conta os conceitos que, para o efeito, a doutrina foi sedimentando. À luz do entendimento doutrinal, parece pacífico que os impostos periódicos se caracterizam pelo seu seu carácter duradouro, de continuidade temporal e de renovação em sucessivos períodos de tributação, enquanto os impostos de obrigação única respeitam à tributação de actos ou operações isoladas, resultantes do consumo de bens pontuais e avulsos, sem carácter regularidade.

Já quanto à categoria de “imposto periódico” entende-se que este se caracteriza por as obrigações de imposto baseadas em tais situações se renovarem ano após ano, ou seja, período a período.

Afigura-se que o IUC pode, deste ponto de vista comparar-se ao IMI, o qual é claramente caracterizado, pela doutrina e jurisprudência como imposto periódico. [1]

 

  1. Assim, os impostos distinguem-se em periódicos e de obrigação única em função do tipo de situações que tributam serem duradouras e recorrentes no tempo dando origem a sucessivas obrigações tributárias independentes ou, diversamente, se incidem sobre atos ou factos isolados, sem caráter de continuidade.

Em síntese, às situações permanentes, estáveis, que periodicamente se repetem, correspondem os impostos periódicos, isto é, impostos que se renovam nos sucessivos períodos de tributação, em regra, anualmente.

Já os impostos de prestação única, tributam actos ou factos isolados e dão em regra origem a uma única obrigação tributária, como sucede, por exemplo, com o IMT ou com os impostos aduaneiros.

 

Ainda a este propósito, cabe referir que as recentes decisões arbitrais proferidas pelo CAAD sobre esta questão, sendo pacífica a qualificação do IUC como um imposto periódico, considerando que, “ os elementos comuns que ressaltam das mencionadas referências doutrinárias indicam-nos que os impostos periódicos são caracterizados por perdurarem no tempo, originando sucessivas obrigações tributárias independentes, que se renovam de ano para ano e que, por regra, tem uma periodicidade regular, enquanto os impostos de obrigação única se consubstanciam numa tributação sem continuidade, que, recaindo sobre actos ou factos isolados, origina, em regra, uma única obrigação tributária, que não se renova.”[2]

 

  1. Resulta do disposto nos nºs 2 e 3 do art.º 4º do CIUC, este é um imposto cujo período de tributação corresponde ao ano, que se inicia com a data da matrícula, originando sucessivas obrigações tributárias que se renovam ano após ano, em cada ano de vida do veículo, perdurando no tempo. Acrescenta, ainda, o nº 3 do referido art.º 4º, que o imposto é devido até ao cancelamento da matrícula e o nº1 deste mesmo artigo, que é de periodicidade anual, pelo que, não resulta qualquer dúvida que estamos perante um imposto periódico.

 

Por último, refira-se que, o sistema de tributação automóvel em vigor, aprovado pela Lei nº 22-A/2007 de 29 de Junho, comporta dois impostos e dois códigos distintos, a saber: o Código do Imposto Sobre Veículos (ISV) e o Código do Imposto Único de Circulação (IUC), sendo o primeiro um bom exemplo de imposto de obrigação única e o segundo, claramente, um bom exemplo de imposto periódico.

 

  1. Dito isto e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, forçoso é concluir que não assiste razão à Requerente no que toca à pretendida qualificação do IUC como imposto de obrigação única para daí extrair a conclusão de ter ocorrido a caducidade do direito à liquidação do imposto.

 

Qualificado o IUC como um imposto periódico resta acrescentar que, relativamente a estes, estatui o nº 4 do art.º 45º da LGT que o prazo de caducidade, de quatro anos, se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

 

  1. Os factos tributários subjacentes às oito liquidações impugnadas, apesar de referentes a diferentes viaturas com diferentes meses de inscrição de matrícula, ocorreram, todos no ano de 2008, contando-se o prazo de caducidade a partir do termo desse mesmo ano, ou mais precisamente, a partir do primeiro dia do ano subsequente, ou seja, a partir do dia 01 de Janeiro de 2009. E, assim sendo, o direito de liquidação do imposto só precludiria a partir de 31.12.2013.

 

  1.  Provado que está o facto das liquidações em causa nos presentes autos terem sido emitidas em 28.11.2012 e notificadas à Requerente em 24.12.2012 (ao contrário das restantes que foram objecto de reclamação graciosa e anuladas por fundamento em caducidade, dado a notificação ter ocorrido já em 2013), forçoso é concluir pela não verificação da alegada caducidade do direito à liquidação do imposto.

 

 

  1. Acresce que, da análise de todos os documentos juntos pela Requerente com o presente pedido arbitral, não fica demonstrado tal facto, mas sim que as liquidações foram emitidas em 28.11.2012, com data limite de pagamento até 09.01.2013. Assim sendo, e tendo em conta o conteúdo da reclamação graciosa apresentada pela Requerente e a decisão da mesma, tendo sido anuladas precisamente as liquidações notificadas à requerente após 31.12.2012, forçoso é concluir pela não demonstração do facto alegado pela Requerente quanto à data da notificação das liquidações já em 2013, facto cuja prova lhe cabia. A este respeito, dispõe o artigo 74.º, nº1 da LGT, que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”.

 

E, por fim, não se acolhe o argumento da requerente, constante dos artigos 44º e 45º do Pedido Arbitral, segundo o qual “mesmo assumindo a notificação nas datas das liquidações (cfr. Docs. nº 4), o direito a liquidar imposto encontra-se caducado (…) dado que, pela verificação das demonstrações da liquidações de juros compensatórios, os quais são devidos após o término do mês de aniversário da matrícula, resulta, pois, claro que a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das referidas liquidações de IUC’s após o prazo de caducidade (cfr. Doc.s nº4)”

 

Ora, não se aceita como adequado tal argumento, porquanto é claro que a caducidade do direito à liquidação do imposto se afere, exclusivamente, pelo momento em que ocorre a notificação do acto, o que não se confunde com a data limite que possa ser fixada ao contribuinte para proceder ao pagamento.

 

Nestas circunstâncias, não assiste razão à Requerente quanto ao alegado vício de violação de lei por caducidade do direito à liquidação do imposto em causa, não procedendo, assim, o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações, com fundamento neste vício.

 

 

 

2ª Questão: Da incidência subjectiva do IUC, da eventual existência ou não de uma presunção ilidível E dos efeitos do registo automóvel

 

 

  1. A segunda questão decidir consiste em saber qual o sentido e alcance da norma de incidência subjectiva constante do artigo 3º, nº 1, do CIUC e da eventual existência ou não uma presunção ilidível, conexionada com a questão dos efeitos jurídicos do registo automóvel.

 

  1. Sobre esta questão, as posições das partes resumem-se do seguinte modo: para a Requerente aquela norma consagra uma presunção legal ilidível enquanto para a Requerida a interpretação acolhida pela Requerente é notoriamente errada e “resulta de uma enviesada leitura da letra da lei”, e de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC” (nº 49 a 51 da resposta da AT).

Cumpre decidir.

 

  1. O artigo 3º do CIUC apresenta a seguinte redacção:

 

 

“ARTIGO 3º

 

INCIDÊNCIA SUBJECTIVA

 

1 – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

 

(Sublinhados nossos)

 

  1. Estabelece o nº1 do artigo 11º da LGT que “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”.

 

Resolver as dúvidas que surgem na aplicação de normas jurídicas pressupõe a realização de uma actividade interpretativa, a qual deve ser objectiva, equilibrada, e conforme com a letra e o espirito da lei. Qualquer texto, e a lei não é excepção, comporta múltiplos sentidos e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Por essa razão, embora a letra da lei seja “o fio condutor” do intérprete, ela há-de ser interpretada tendo em conta os objectivos subjacentes, “a ratio” ou a motivação do legislador ao estabelecer a norma em análise.[3]

 

A estes elementos acresce um outro, de enorme importância, segundo o qual a interpretação da norma jurídica há-de respeitar a “unidade do sistema jurídico”, a sua coerência e lógica intrínseca.

 

Entre nós, o artigo 9º do Código Civil (CC) fornece as regras e os elementos fundamentais para a interpretação da norma jurídica.

No que tange às questões agora em análise, há que salientar o contributo das decisões arbitrais já proferidas nos processos, nºs 14/2013-T, 26/2013-T e 27/2013 – T, revelando uma apurada reflexão sobre as questões fundamentais em apreciação.

 

 A interpretação da lei fiscal deve, pois, obedecer ao disposto no artigo 9º do CC começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”. Assim, tem vindo a ser reconhecido pela Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, entre outros, nos Acórdãos de 05/09/2012 e 06/02/2013, respectivamente, processos nºs 0314/12 e 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt.

 

A estes princípios gerais acrescem os princípios constantes da LGT, nomeadamente no artigo 73º que estabelece que as presunções contidas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

É, pois, neste quadro de fundo, utilizando os princípios hermenêuticos fundamentais acabados de referir, acolhidos pela Jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que devemos procurar encontrar a interpretação adequada aos normativos em presença.

 

 

  1. Começando pelo teor literal do artigo 3º nº 1 do CIUC, a controvérsia entre as partes surge no alcance da expressão “considerando-se como tais”

 

A actual versão não usou o termo “presumem-se” que constava do extinto Regulamento do Imposto Sobre Veículos. Assim, a questão em discussão é a de saber se o facto do legislador ter optado pelo vocábulo “considerando-se” exclui a possibilidade de estarmos perante uma presunção.

Ora, podemos facilmente apontar diversos exemplos, extraídos do ordenamento jurídico tributário, em que o legislador optou pela utilização do verbo “considerar”, com um sentido presuntivo.

 

De resto, como já se disse supra, tratando-se de norma de incidência tributária, nunca seria admissível a consagração de uma presunção inilidível. Como afirmam, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na anotação nº 3 ao artigo 73º da LGT, “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, revelada pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real”. E, são muitos os exemplos de normas em que é utilizado o verbo “considerar” para estabelecer presunções ilidíveis, como sucede com o disposto nº 2 do artigo 21º do CIRC, no artigo 89-A da LGT ou no artigo 40º, nº1 do CIRS entre outros.

 

Ora, tendo em conta que o sistema jurídico deve formar um todo coerente, os exemplos acima referidos, bem como a doutrina e jurisprudência indicadas, permitem concluir que não é só quando é usado o verbo “presumir” que estamos perante uma presunção, mas também o uso de outros termos ou expressões, como o termo “considera-se” podem servir de base a presunções.

 

 

  1. Posto isto, importa, ainda, para a determinação do sentido da norma constante do artigo 3º do CIUC a qual sendo a norma de incidência subjectiva do IUC, terá que ser interpretada de acordo com as regras nela previstas para determinação do sujeito passivo. E, como se referiu supra, sendo o elemento literal o primeiro instrumento de interpretação da norma jurídica, em busca do pensamento legislativo, importa confrontá-lo com os demais elementos de interpretação, nomeadamente o elemento racional ou teleológico, o elemento histórico e o sistemático.

Começando pelo elemento histórico, há que referir, que desde a origem do do imposto de circulação, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 599/72 de 30 de Dezembro, foi, explicitamente, consagrada uma presunção, relativamente aos sujeitos passivos do imposto como sendo aqueles em nome de quem os veículos se encontravam matriculados ou registados. Essa versão legislativa, contudo, usava a expressão literal “presumindo-se como tais”, porém, o uso da expressão “considera-se”, enquanto expressão com um efeito semelhante àquela e consubstanciando, igualmente, uma presunção. Isso mesmo sucede na formulação contida no nº 1 do art.º 3º do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada por via do uso da expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão “presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão.

O uso da expressão “considerando-se” parece, assim, estar mais em sintonia com o reforço conferido à propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos constantes do artigo 6º do CIUC.

 

Este entendimento é o único que se afigura adequado e conforme ao princípio da verdade material e da justiça, subjacentes às relações fiscais, com o objetivo de tributar o real e efetivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário por constar do registo automóvel. Por ser assim, tem de se permitir ao titular inscrito no registo automóvel a possibilidade de apresentar elementos probatórios bastantes para a demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo, e que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário. Caso contrário, aceitar-se-ia a supremacia da verdade formal do registo sobre a verdade material, e seria admitir a violação grosseira dos princípios fundamentais fiscais enunciados e, ainda, do princípio contido no artigo 73º da LGT segundo o qual não existem presunções inilidíveis em matéria de incidência fiscal. Ao que acresceria a violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, bem como o do inquisitório, consagrados, respectivamente, nos artigos 55º e 58º da LGT.

 

Assim, quanto à incidência subjetiva não se verificam alterações relativamente à situação anteriormente em vigor no âmbito do Imposto Municipal sobre Veículos, Imposto de circulação e Imposto de Camionagem, como aliás é amplamente reconhecido pela doutrina, continuando a valer uma presunção ilidível nesta matéria.[4]

De resto, é possível extrair, ainda, um outro argumento do disposto no artigo 7º do Código de Registo Predial (o qual constitui a base jurídica fundamental em matéria de registo de propriedade) o qual dispõe que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”.

Assim, à luz do princípio da uniformidade e coerência intrínseca do sistema jurídico, nenhum fundamento se afigura aceitável para que o princípio vigente no registo de propriedade em geral, sofresse uma inflexão ou mesmo “atropelo” injustificado em matéria de registo automóvel

 

 

  1. Quanto aos elementos de interpretação de pendor racional ou teleológico, importa referir que a exposição de motivos da Proposta de Lei N.º 118/X de 07/03/2007, subjacente à Lei nº 22-A/2007 de 29/06, é bastante expressiva ao esclarecer que a reforma da tributação automóvel é concretizada por via da deslocação de parte da carga fiscal do momento da aquisição dos veículos para a fase de circulação e visa “formar um todo coerente” que, embora destinado à angariação de receita pública, pretende que a mesma seja angariada na “medida dos custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade”, acrescentando-se, a propósito do imposto em causa e dos diferentes tipos e categorias de veículos, que “como elemento estruturante e unificador (…) consagra-se o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária”, referindo, ainda, ser “(…) este princípio que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate (…)”.

 

Assim, a lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel pressupõe e almeja um sujeito passivo coincidente com o proprietário do veículo, no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efectivo sujeito causador dos danos ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência inscrito do art.º 1º do CIUC.

 

 

  1. Este princípio da equivalência, que informa o actual imposto único de circulação, tem subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. Trata-se, afinal, de alcançar as externalidades ambientais negativas que advêm da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários e/ou pelos utilizadores, como custos que só eles deverão suportar.

Por isso, a presunção inscrita no art.º 3º do CIUC corresponde à interpretação mais ajustada à prossecução dos objectivos almejados pelo legislador. A não ser assim, estar-se-ia a aceitar a possibilidade de tributar pessoas colectivas ou físicas sem responsabilidade na produção de quaisquer danos ambientais, enquanto os reais causadores desses mesmos danos não estariam sujeitos ao imposto.

                                                                                                                             

 

  1. Em síntese, percorridos todos os elementos de interpretação relevantes, todos apontam no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”.

Em consequência, entende-se que o disposto no nº 1 do art.º 3º do CIUC consagra uma presunção legal, que, face ao disposto no art.º 73º da LGT, só pode entender-se como ilidível. Ou seja, os sujeitos passivos do imposto são, presumivelmente, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados. Mas, apesar desse princípio, esta presunção poderá ser afastada ou ilidida caso, no âmbito do procedimento de liquidação em curso, aquele vier a demonstrar não ser ele o verdadeiro sujeito passivo do imposto em causa.

 

 

  1. No caso dos presentes autos, a interpretação defendida pela AT, nesta matéria, não se afigura consentânea com o princípio da verdade material nem com o princípio da unidade do sistema jurídico-fiscal.

Assim, em cada caso concreto dos autos, a devida análise dos elementos probatórios juntos pela Requerente devia ter conduzido a que os sujeitos passivos do IUC fossem, nuns casos os adquirentes-locatários dos veículos, enquanto seus verdadeiros proprietários, e nos outros os locatários, e não o vendedor-locador, enquanto proprietário virtual dos veículos em questão.

Ficou provado nos autos que as viaturas com as matrículas ...-...-..., ...-...-... e ...-...-... foram alienadas, a favor dos respetivos adquirentes, em 2006; a viatura com a matrícula ...-...-..., foi alienada, a favor do respetivo adquirente, em 2007 e as viaturas com as matrículas ...-...-... e ...-...-... foram alienadas, a favor dos respetivos adquirentes, em 2008, pelo que, os sujeitos passivos do imposto com referência ao ano de 2008 eram os seus respetivos proprietários (ex - locatários adquirentes).

 

Quanto às restantes viaturas, ficou provado que: a viatura com a matrícula ...-...-... foi alienada a favor do respetivo locatário adquirente em 2009 e a viatura com a matrícula ...-...-... foi alienada a favor do respetivo locatário adquirente em 2010, pelo que, com referência ao IUC devido pelo ano de 2008, são sujeitos passivos os locatários, na qualidade de utilizadores, conforme previsto no nº2 do artigo 3º do CIUC.

 

 

  1. Da análise dos documentos juntos aos autos pela Requerente e Requerida é possível concluir que a AT se encontrava na disponibilidade de todos os elementos informativos sobre a situação concreta das viaturas constantes das liquidações de imposto impugnadas.

Ao que acresce que o princípio do inquisitório, fixado no art.º 58º da LGT, estabelece que a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.

Da análise dos elementos constantes do procedimento de reclamação graciosa apresentada pela Requerente, é possível inferir que no âmbito desse procedimento, e após a audição prévia realizada, os elementos probatórios relevantes para a correta tomada de decisão se encontravam na disponibilidade da AT.

 

A decisão, porém, partiu de um pressuposto segundo o qual o IUC é devido pelo titular inscrito no registo automóvel, independentemente da posterior demonstração de que a propriedade pertence a terceiro, e, ainda, ignorando o princípio contido no nº2 do artigo 3º do CIUC quanto aos locatários.


Como se deixa exposto, o entendimento deste Tribunal Arbitral é outro, o de que o disposto no nº 1 do art.º 3º consagra uma presunção, sendo esta a interpretação que mais está em sintonia com o princípio da verdade material que a lei se encarrega de apontar.

 

 

  1. Posto isto, para concluir a fundamentação da presente decisão arbitral, falta ainda aferir dos efeitos jurídicos do registo automóvel em matéria de incidência de IUC.

Relativamente à questão do valor jurídico do registo, importa notar, desde logo, que em sede geral o registo tem uma função de publicidade. Segundo o nº 1 do art.º 1 do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro (CRA - na última versão introduzida pela Lei 38/2008 de 11 de agosto), relativo ao registo de veículos automóveis, dispõe que o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico.

Importa, ainda, ter em conta que o art.º 7º do Código do Registo Predial (CRP), aplicável supletivamente ao registo de automóveis, por força do art.º 29º do CRA, dispõe que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”

 

Assim, é forçoso concluir que o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo, a qual é ilidível, admitindo, por isso, prova em contrário.

E, sobre este ponto, atendendo à função legalmente reservada ao registo de publicitar a situação jurídica dos bens, forçoso é concluir, no caso dos veículos automóveis, que apenas nos permite presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular inscrito no registo.

O registo não tem, pois, natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador. Pelo que, os adquirentes dos veículos tornam-se, assim, proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, por mero efeito do contrato, com registo ou sem ele.

 

Isto mesmo resulta do disposto no nº 1 do art.º 408º do Código Civil, segundo o qual a transferência de direitos reais sobre as coisas é determinada por mero efeito do contrato, sendo um desses efeitos a a transmissão da coisa ou a titularidade do direito (cfr. alínea a), do art.º 879º do referido Código Civil).

 

 

  1. No caso dos presentes autos, as oito viaturas mencionadas nas liquidações de imposto impugnadas foram objeto de contrato de locação financeira, com opção de compra, todos eles, foram vendidos aos correspondentes locatários. Como já se referiu supra (ponto 38 da presente decisão arbitral) duas das viaturas foram alienadas pela Requerente em 2006; uma em 2007 e duas em 2008, ou seja, em datas anteriores à data dos factos tributários e da exigibilidade do imposto; os restantes em 2009 e 2010, logo, em datas posteriores àquela em que o IUC era exigível.

 

Dir-se-á, assim, que se os referidos locatários, adquirentes dos veículos, enquanto seus “novos” proprietários, não promoverem o registo seu favor, presume-se, para efeitos do nº 1 do art.º 3º do CIUC, que o veículo continua a ser propriedade da pessoa que o vendeu e que no registo se mantém seu proprietário, sendo, porém, certo que tal presunção é ilidível, seja por força do estabelecido no nº 2 do art.º 350º do Código Civil, seja à luz do disposto no art.º 73º da LGT. Daí que, a partir do momento em que se afaste a referida presunção, mediante prova em contrário, a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC o vendedor do veículo, que, no registo, continua a constar como seu proprietário.

 

Também depois de tudo o que se deixa exposto é forçoso concluir que, à luz dos efeitos jurídicos do registo automóvel, o disposto no nº 1 do art.º 3º do CIUC, não poderá deixar de consubstanciar uma presunção ilidível.

Mas ainda a este propósito, acresce lembrar que o disposto no art.º 19º do CIUC, justamente, para efeitos do disposto no art.º 3º do referido CIUC (ou seja, para efeitos da incidência subjectiva) vem impor, nomeadamente às entidades que procedem à locação financeira, a obrigação de fornecer à AT os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados. Pelo que, o legislador foi claro quanto ao valor jurídico do registo, exigindo conhecer os reais utilizadores dos veículos locados, o que, aliás, está em perfeita sintonia com o entendimento de que o nº 1 do art.º 3º do CIUC pretende, tão só, consagrar uma presunção legal.

 

 

  1. O entendimento da AT, plasmado nos autos, segundo o qual os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo e sem admissão de prova em contrário, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar os elementos probatórios juntos aos autos, para identificação dos efectivos e verdadeiros proprietários dos veículos, está a proceder à liquidação ilegal do IUC assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação.

 

 

Tal interpretação do disposto no art.º 3º do CIUC é ilegal e conduz à prática de liquidações ilegais de imposto sobre veículos automóveis. Tais liquidações afiguram-se ilegais por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que impõe a anulação dos correspondentes actos tributários.

 

Assim, não assiste razão à Requerida AT, quando insiste que o entendimento defendido pela Requerente, que perspectiva a consagração de uma presunção no nº 1 do art.º 3º do CIUC, assenta numa interpretação contra legem, resultante de uma leitura enviesada da letra da lei e violadora da unidade do sistema jurídico.

 

 

  1. Por último refira-se que sendo o IUC um imposto de tributação periódica, cuja periodicidade corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, conforme se expôs supra, ele é exigível no primeiro dia do período de tributação, ou seja, na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários. Assim, face ao que já se referiu sobre a situação dos veículos constantes das liquidações ora impugnadas, conclui-se que à data em que o imposto era exigível para cada uma delas, a Requerente não se configura como sujeito passivo do imposto, porquanto:
  2. face à interpretação que deve ser feita do nº 1 do art.º 3º do CIUC, a Requerente provou que já não era proprietária das viaturas cuja propriedade já se transmitira por mero efeito de contrato, para os locatários, á data em que o IUC se tornou exigível;
  3. face ao disposto no nº2 do artigo 3º do CIUC, a Requerente também não pode considerar-se sujeito passivo do imposto em relação às restantes viaturas, cuja propriedade se transferiu para os adquirentes em datas posteriores àquela em que o IUC era exigível, devendo ser tidos como sujeitos passivos do imposto os locatários, enquanto equiparados, nos termos dessa disposição, a proprietários dos veículos.

 

 

  1. Quanto à ilisão da presunção, acresce, que a Requerente, como se refere no ponto 8 da presente decisão arbitral, relativamente aos factos provados, alegou e provou os factos necessários e suficientes ao afastamento da presunção, oferecendo para o efeito documentos bastantes, a saber: cópias dos contratos de locação financeira; cópias dos extratos contabilísticos, relativos a cada um dos clientes e cópias das facturas de venda dos veículos aos ex - locatários.

 

Os documentos apresentados são meios de prova com força bastante para ilidir a presunção fundada no registo, tal como consagrada no nº 1 do art.º 3º do CIUC, documentos, esses, que gozam, aliás, da presunção de veracidade prevista no nº 1 do art.º 75º da LGT e que a AT não questionou ou impugnou.

 

  1. Em consequência de todo o supra exposto, resulta que as liquidações são ilegais e devem ser objecto de anulação, procedendo-se, consequentemente, ao reembolso à Requerente do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

 

 

3ª Questão: Da procedência ou improcedência do pedido e do direito a pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

  1.  Dispõe a alínea b) do nº 1 do art.º 24º do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.

 

Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no art.º 100º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 29º do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

 

Assim, no caso dos presentes autos, há que aplicar os supra mencionados princípios e, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, referenciados neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, seja a título do imposto pago, seja dos correspondentes juros indemnizatórios, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

 

  1. Ainda quanto aos juros indemnizatórios, atento o disposto no artigo 61º do CPPT e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do art.º 43º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de €3.620,71, que serão contados desde a data em que foi efectuado o pagamento ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

 

  1. Não se afigura existirem outras questões relevantes suscitadas pelas partes, relativas à legalidade dos atos de liquidação impugnados, sendo que, face ao disposto no artigo 124º do CPPT, procedendo o pedido de pronúncia arbitral baseado em vícios invocados pelas partes, fica prejudicado o conhecimento de outros vícios.

 

 

VII - DECISÃO

 

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

 

A) - Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade das liquidações de IUC, respeitante ao ano de 2008, impugnadas nos presentes autos, anulando-se, consequentemente, os correspondentes actos tributários;

 

B)- Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de €3.620,71, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde o dia do pagamento efectuado até ao integral reembolso do mencionado montante, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.

 

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex-315º, nº 2) e 97º - A, nº1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €3.620,71

 

 

Custas: Nos termos do disposto no nº 4 do art.º 22º do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €612,00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Registe-se e notifique-se. 

 

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2014

 

O Árbitro,

 

 

 

(Maria do Rosário Anjos)

 

 

 

 



[1] A este propósito, vd., entre outros, com Lopes de Sousa, J. (2011) Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. III, 6ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, p. 250, que sobre o IMI refere“[…] não se colocam quaisquer dúvidas […]” quanto à sua classificação como imposto periódic0”. No mesmo sentido, vd. Sá Gomes, N. (1984) Lições de Direito Fiscal, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Abril-Junho 1984 - nºs 304/306, pp. 147/148

 

[2] Cfr. Decisão arbitral nº 27/2013-T, págs. 11 e ss, disponível para consulta in www.caad.org.pt, jurisprudência arbitragem tributária, tema IUC. No mesmo sentido, vd., decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 14/2013-T e 26/2013 – T, todos sobre a mesma temática.

[3] Neste sentido, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Discurso Legitimador, p. 175 e ss.

 

 

[4] Neste sentido, cfr. Afonso, A. Brigas e Fernandes, M. (2009) Imposto Sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, Coimbra Editora, p. 187