Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 216/2021-T
Data da decisão: 2022-02-24  IRC  
Valor do pedido: € 128.515,90
Tema: IRC - Seguros unit-linked. Dupla tributação económica.
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SUMÁRIO:

 

I – Se os rendimentos estão, formalmente, dentro do resultado contabilístico (condição, formal, necessária à sua dedutibilidade) e esclarecendo o legislador, de modo explícito, que os rendimentos fazem parte do lucro e do lucro tributável das empresas seguradoras, impõe-se concluir pela falta de fonte normativa que legitime a AT  a recusar a dedução desses rendimentos – com fonte no artigo 51.º, números 1 e 6 do CIRC, quando o legislador no artigo 50.º do mesmo diploma  refere que esses rendimentos integram o lucro tributável.

 

II –  Apesar do teor da redação do artigo 51.º, n.º 6 do CIRC não pode o Tribunal Arbitral ignorar a própria qualificação que o legislador efetua no artigo 50.º do mesmo diploma.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Manuel Macaísta Malheiros (árbitro-presidente), Francisco Nicolau Domingos e Rui Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I - RELATÓRIO

 

1.  A..., SGPS, S.A., contribuinte n.º...,  sociedade dominante de um grupo de sociedades, do qual faz parte a B..., S.A., com sede social no ..., n.º..., ...-... Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 14/04/2021 pedido de constituição de Tribunal e de pronúncia arbitral, respeitante ao ato de indeferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2019... e, em termos finais, da autoliquidação n.º 2018... de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) respeitante ao ano de 2016, incluindo a derrama estadual e a derrama municipal – segmento referente à não consideração da natureza dedutível à matéria coletável, para efeitos de IRC, da importância de  493 785,67  euros, no âmbito  da eliminação da dupla tributação económica da distribuição  dos dividendos.

 

2. No dia 23/06/2021 ficou constituído o Tribunal Arbitral.

 

3. Cumprindo a estatuição do artigo 17.º, números 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”) foi a Requerida, em 23/06/2021, notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

4. A Requerida apresentou, em 13/09/2021,  a sua resposta, na qual sustenta, nomeadamente, que: i) os lucros distribuídos às participações sociais incluídas nas carteiras de investimento afetas aos produtos unit-linked não podem considerar-se integrados no resultado contabilístico da seguradora, embora tais rendimentos lhe sejam atribuídos, na qualidade de detentora e titular dos ativos financeiros, pelo que, inexiste dupla tributação económica dos lucros distribuídos; ii) há uma diferença objetiva no tratamento das realidades conexas com produtos unit-linked e outros em que o risco não é assumido pelo subscritor do contrato, pelo que, afasta-se a violação do princípio da igualdade e do subprincípio da neutralidade no tratamento de realidades económicas iguais; e iii) não vislumbra em que medida o legislador nacional poderia ter sido limitado pela Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011.

 

5. O Tribunal Arbitral notificou, em 04/10/2021, as partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas.

 

6. A Requerente apresentou, em 12/10/2021, alegações finais escritas, mantendo integralmente os seus pedidos.

 

POSIÇÃO DAS PARTES

7.  A Requerente alega que o artigo 51.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”) - eliminação da dupla tributação económica - é aplicável aos dividendos de participações sociais adquiridas e detidas pela B... para a cobertura de responsabilidades futuras com contratos de seguro unit-linked ou com contratos do ramo vida com participação nos resultados.

                Argumenta, em primeiro lugar, com o facto de os dividendos entrarem no cômputo do resultado líquido da seguradora e, consequentemente, na sua base tributável – são jurídica e contabilisticamente um rendimento da seguradora e não de um terceiro, seja o subscritor/beneficiário de seguro unit-linked ou de qualquer outro seguro. Acrescenta que é precisamente pelo facto de os dividendos serem da seguradora e, assim, entrarem na formação do seu resultado líquido que se coloca o problema da dupla tributação.

                Paralelamente, alega que a questão da eliminação da dupla tributação económica não desaparece pelo facto de as participações sociais de onde fluem os dividendos terem sido adquiridas pela seguradora (B...) para dar cobertura à concretização futura de responsabilidades com seguros unit-linked ou com seguros do ramo vida com participação nos resultados. Esta (questão) não se modifica pelo facto de a companhia de seguros, ou, qualquer outro sujeito passivo de IRC, ser titular de uma participação numa outra sociedade, e dela receber dividendos, o rendimento (que é o dividendo) já foi tributado uma vez, como lucro, na esfera da sociedade que o distribui. Assim, é o afastamento desta dupla tributação que ocorre, independentemente do destino que a sociedade acionista reserve a esses dividendos.

Defende, ainda, neste âmbito que a alteração empreendida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março à alínea b), n.º 6, do artigo 51.º do CIRC não afastou a aplicação aos dividendos aqui em causa do mecanismo de eliminação da dupla tributação.

Advoga, nesse sentido que, se os contratos com os quais se relacionam os dividendos aqui em causa não se inserem na atividade financeira de seguros, mas na atividade financeira de investimento (Plano de Contas para as Empresas de Seguros), então é de aplicar à alínea b), n.º 6, do artigo 51.º do CIRC aos dividendos conexos com esta última atividade. Interpretação distinta violaria a lei e agravaria a discriminação do afastamento dos dividendos (relativos a esta atividade de investimento) da aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica.

A Requerente, em segunda linha, sustenta que a interpretação efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) viola o artigo 4.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011, fonte de direito gizada para a eliminação da dupla tributação económica sobre o lucro.

Há, assim, no seu juízo, uma obrigação com fonte no Direito da União Europeia de eliminar a dupla tributação. A transposição do regime para o direito interno dos Estados-Membros inclui as situações puramente domésticas e, nesse âmbito – (o regime) também – fica sujeito ao controlo do respeito pelas prescrições da Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011. Ou, dito de outro modo,  mesmo que a situação em concreto não se subsuma na tipologia transfronteiriça, objeto da sobredita diretiva, se o regime fiscal da tipologia transfronteiriça e da tipologia nacional for o mesmo (regime unitário, como sustenta ser o caso português), é aplicável o artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”). O Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) é, em tais termos, competente para responder a qualquer dúvida relativamente à aplicação unitária do regime comunitário pelo legislador nacional a situações meramente internas. Defende, por isso, que se encontra legitimado o reenvio prejudicial, caso o Tribunal Arbitral tenha dúvidas.

Alega, adicionalmente, que o artigo 4.º, n.º 1, da Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011, é preciso quanto à necessidade de eliminar a dupla tributação na esfera da sociedade que aufere dividendos.

Defende, em tal linha, que nenhum abuso ou duplo benefício existe em aplicar-se o mecanismo de eliminação da dupla tributação a dividendos relativos a ações nas quais as seguradoras tenham investido para cobrir patrimonialmente responsabilidades futuras com contratos de seguro unit-linked e com contratos de seguro do ramo vida com participação nos resultados. Propugna, conclusivamente, que não existe qualquer justificação para afastar o mecanismo de eliminação da dupla tributação, promovido pelo artigo 51.º, n.º 6, alínea b)  do CIRC, na redação introduzida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março e, como tal, deve ser desaplicado este afastamento pela legislação nacional do mecanismo da dupla tributação com respeito aos dividendos de ações, cuja detenção se relacione com a cobertura de responsabilidades (via passivos financeiros/provisões) nos aludidos contratos de seguro.

                Advoga, por último, que a autoliquidação aqui em causa já se encontra totalmente paga, pelo que, tem direito à anulação da coleta de IRC – em termos líquidos de 128 515,90 euros – e, em consequência, ao reembolso da referida quantia e à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios em função de erro imputável aos serviços.

 

8. A Requerida apresenta uma defesa com os seguintes fundamentos:

i) Não aplicação do regime de eliminação de dupla tributação económica de lucros distribuídos aos dividendos de participações sociais adquiridas pela B..., S.A., mas afetos à cobertura de responsabilidades com seguros unit-linked e seguros do ramo vida com participação nos resultados

Constitui, no seu juízo, uma evidência a revelação contabilística dos contratos unit-linked e dos contratos de participação nos resultados de que:  os dividendos decorrentes das participações sociais indexadas às carteiras unit-linked não se encontram incluídos no resultado líquido das empresas seguradoras.

                Defende que a referida conclusão encontra-se suportada nas normas contabilísticas  do setor das empresas seguradoras e sufragada pelo Instituto de Seguros de Portugal – agora, Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e pela consulta da Demonstração de Resultados da B..., S.A., para os exercícios findos em 31 de dezembro de 2016 e 2015 para se constatar que a rubrica “Comissões de contratos de seguro e operações consideradas para efeitos contabilísticos” como contratos de investimento ou como contratos de prestação de serviço.

                Conclui, assim, por aplicação do artigo 17.º, números 1 e 3 do CIRC que: não prescrevendo a lei um tratamento diferente para as operações relativas aos contratos unit-linked e outros contratos de seguros com participação nos resultados é acolhido, para efeitos de determinação do lucro tributável, o preconizado pela normalização contabilística aplicável, o Plano de Contas para as Empresas de Seguros.

                Sustenta, nesta linha que, de acordo com a normalização contabilística aplicável, a B..., S.A., informa na Nota 2.15 do Anexo às Demonstrações Financeiras de 2016, a respeito da classificação dos contratos que: “O registo das transações associadas aos contratos de seguro e de resseguro emitidos e aos contratos de resseguro detidos pela Companhia é efetuado de acordo com o normativo da ASF. No âmbito da transição para o novo PCES, foram incorporados neste normativo os princípios de classificação de contratos estabelecidos pela IFRS 4 – “Contratos de seguro”, no âmbito dos quais os contratos sem risco de seguro significativo são considerados contratos de investimento e contabilizados de acordo com os requisitos da IAS 39”.

Deste modo, os contratos de seguro, cujo risco é suportado pelo tomador do seguro (unit-linked) são classificados pela B..., S.A., como contratos de investimento; a designação unit-linked significa, somente, que existe uma ligação (exceto quando existam valores garantidos) entre os ativos que integram as carteiras de investimento em que são aplicados os “prémios” e os montantes das responsabilidades das seguradoras perante os clientes.

                Defende, por último, que o reconhecimento de que, na esfera da seguradora não ocorre dupla tributação económica relativamente aos rendimentos de participações sociais de carteiras de investimento unit-linked e outros produtos de seguro do ramo vida com participação nos resultados, por não integrarem o resultado contabilístico, nem o resultado fiscal das empresas de seguro que determinou a alteração introduzida à alínea b), n.º 6, do artigo 51.º do CIRC, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

                Advoga, por último, que: não basta à Requerente defender que há lugar à tributação dos dividendos, na esfera da seguradora que detém as ações para cobrir economicamente as suas responsabilidades com o ramo vida, mas não explicita como se materializa uma tal ocorrência, pois, mesmo nos exemplos que apresenta, o efeito no resultado contabilístico da seguradora é nulo.

ii) Violação do artigo 4.º, n.º 1 da Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011

Sustenta que o artigo 51.º, n.º 6, alínea b) do CIRC, ao instituir um benefício fiscal - extensão do regime do n.º 1 a situações nele não abrangidas – por via do cumprimento de alguns requisitos constantes das suas alíneas está fora do alcance da diretiva (artigo 4.º, n.º 1).

Acrescenta que os benefícios da aludida diretiva só podem ser invocados pelos destinatários últimos dos rendimentos – aqueles que tendo a titularidade jurídica, têm igualmente a titularidade económica, ou seja, o poder de controlar e dispor livremente dos rendimentos.

Propugna que a inexistência de dupla tributação económica dos lucros distribuídos – as condições contratuais dos produtos unit-linked e de outros produtos de seguro do ramo vida com participação nos resultados impõem às seguradoras a imputação dos rendimentos  às respetivas carteiras de investimentos, com o consequente aumento das responsabilidades financeiras perante clientes, traduzido em contas de gastos e no passivo – é suficiente para que o legislador nacional tenha excluído tais realidades do âmbito do benefício fiscal, previsto no artigo 51.º, n.º 6, alínea b) do CIRC.  A Requerida não vislumbra, por isso, em que medida o legislador nacional poderia ter sido limitado pela Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011.

                Sustenta, por último, que não vê motivo para o Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial para o TJUE.

 

iii) Inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da proibição de discriminações injustificadas e do subprincípio da neutralidade no tratamento das realidades económicas iguais

 

Observa que há uma diferença objetiva quanto ao tratamento de realidades conexas com produtos unit-linked e outros em que o risco não é assumido  pelo subscritor do contrato, reconhecida pela Requerente, quando defende que, se o beneficiário do seguro unit-linked falir, os credores não poderão ir atrás daquele dividendo, nem da participação social por trás dele, pois ambos integram a seguradora e, não  o cliente, acrescentando que podem ir atrás do direito do beneficiário a um pagamento pecuniário, como configurado pelas regras contratualizadas na subscrição do seguro unit-linked.

Acrescenta, a este propósito, que o regime jurídico das sociedades de investimento, constante do Decreto-Lei n.º 260/94, de 22 de outubro (na redação atualmente em vigor) permite verificar a amplitude do artigo 3.º, mas não permite concluir que a emissão de produtos do ramo vida com as características dos contratos unit-linked seja uma atividade típica das sociedades de investimento.

 

SANEAMENTO

 

O processo não enferma de nulidades, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir os pedidos, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

QUESTÕES A DECIDIR

 

Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições da Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, acima descritas, são as seguintes as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar [sem prejuízo de a solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT]:

a)            Se o Tribunal Arbitral deve reenviar os autos para o TJUE para determinar se: o artigo 4.º, n.º 1 da Diretiva 2011/96/UE, de 30 de novembro de 2011, deve ser interpretado como, no âmbito da eliminação da dupla tributação na esfera da sociedade que aufere dividendos, excluindo os dividendos relativos a ações nas quais as seguradoras tenham investido para cobrir responsabilidades futuras com seguros unit-linked;

 

b)           Se o ato de indeferimento parcial da reclamação graciosa com o n.º ...2019...e o ato de autoliquidação de IRC subjacente, padecem do vício de violação de lei, porque é ilegal o afastamento da aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação dos dividendos de ações cuja detenção se relacione com a cobertura de responsabilidades (via passivos financeiros/provisões) em contratos de seguro unit-linked ou em contratos de seguro do ramo vida com participação nos resultados;

 

c)            Se a norma do artigo 51.º, n.º 6, alínea b) do CIRC interpretada no sentido de que excluiria da sua estatuição os dividendos advenientes de participações sociais detidas por seguradoras relacionadas com a constituição de provisões afetas às suas responsabilidades com contratos (do segmento da atividade de investimento) unit-linked ou com seguros do ramo vida com participação nos resultados é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da proibição de discriminações infundadas e do subprincípio da neutralidade no tratamento de realidades económicas iguais, para efeitos da regulação aqui em causa, previstos nos artigos 2.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);

d)           Se a Requerente tem direito ao reembolso 128 515,90 euros;

e)           Se a Requerente tem direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado e pago.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

1. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados

1.1. A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeita ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, do qual faz parte a B..., S.A. (PA)

1.2. A Requerente apresentou no dia 31/05/2017, por referência ao ano de 2016, a declaração de rendimentos modelo 22. (PA)

1.3. No dia 30/05/2018 apresentou uma declaração de substituição. (PA)

1.4. Tendo, em consequência, sido atribuído à autoliquidação o n.º 2017..., alterada pela (autoliquidação) 2018... . (PA)

1.5. A Requerente apresentou, no dia 31/05/2019, um pedido de reclamação graciosa – n.º ...2019... . (PA)

1.6. Por despacho de 30/12/2020 a reclamação graciosa foi parcialmente deferida, mantendo a AT, nomeadamente, as correções respeitantes à não consideração da natureza dedutível à matéria coletável da importância de 493 785,67 euros, para eliminação da dupla tributação económica da distribuição dos dividendos, com, nomeadamente, os seguintes fundamentos:

 

§ IV.I.II. Da eliminação da dupla tributação económica de lucros - contratos de seguro unit-linked (art.° 51° do CIRC)

§ IV.l.ll.l. Dos argumentos do contribuinte

 

67.          No âmbito de sua atividade, a B... auferiu ainda rendimentos provenientes de ações e unidades de participação por si detidas e que são parte integrante dos seus investimentos financeiros, no âmbito da comercialização de seguros de capitalização unit-linked, que consistem em contratos de seguro do ramo vida, em que as prestações a que a companhia seguradora se obriga estão indexadas ao valor de um determinado conjunto de ativos.

 

                68. Neste caso, descreve que o tomador do seguro paga um prémio que será investido em ativos financeiros e corresponderá a um determinado número de unidades de conta. “Estas unidades de conta (que não são títulos e não têm mercado) têm o seu valor ligado, em cada momento, ao valor de um conjunto de ativos (por exemplo, unidades de participação em fundos de investimento, participações sociais, depósitos bancários, créditos sobre o Estado). O seu valor encontra-se, normalmente pelo número total das unidades de conta contratualmente atribuídas, descontando-se os encargos contratualmente previsto a favor da seguradora."

               

                69.Refere que as responsabilidades associadas a contratos de investimento emitidos pela B... e em que o risco é suportado pelo tomador (produtos unit-linked) são determinadas com base no valor dos ativos que integram a carteira de investimentos afeta a cada um dos produtos, sendo que todos os ativos são adquiridos diretamente pela B..., que é, assim, proprietária das carteiras de títulos a que estão associados os produtos unit-linked.

               

70.No período de 2016, a B... recebeu dividendos provenientes de contratos de seguros unit-linked no montante de € 493.785,67, os quais, contudo, não beneficiaram do regime instituído no artigo 51° do CIRC.

 

71.          Defende o entendimento de que a nova redação do n° 6 do artigo 51° do CIRC, dada pela Lei n° 7- A/2016,    de 30 de março, que aprovou o Orçamento do Estado para 2016, em que exclui do regime da participation exemption os rendimentos que sejam imputáveis aos tomadores de seguros (e.g. unit- linked), em nada impactou as disposições já existentes (e em vigor) sobre os rendimentos das sociedades de investimento (que continuavam a usufruir do regime do participation exemption, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade).

 

72.          Neste contexto, a B... teria adotado um procedimento resultante de uma incorreta interpretação do n° 6 do artigo 51° do CIRC, aplicando a referida exclusão aos rendimentos imputáveis aos tomadores de seguros introduzida em 2016, ao invés de aplicar as corretas disposições referentes à aplicação do regime de participation exemption aos rendimentos das sociedades de investimento.

 

§ IV.I.ll.II. Da apreciação

 

73.          Entende a Reclamante que devia ter incluído na dedução efetuada à matéria tributável, nos termos do art.° 51.° do CIRC, rendimentos de títulos afetos a carteiras “unit-linked”,

 

74.          O que justifica através da equiparação da sua atividade à das sociedades de investimento.

 

 

75.          Portanto, não obstante a alteração da redação do n.° 6 do artigo 51.° do Código do IRC, refere que, ainda assim, ser-lhe-ia legítimo eliminar a dupla tributação económica dos dividendos auferidos por via dos produtos Unit-Linked, pela aplicação à sua situação do regime previsto neste artigo para as sociedades de investimento.

 

76.          Com o devido respeito, entende-se que não assiste qualquer razão à Reclamante relativamente ao entendimento que defende nesta matéria, conforme de seguida se demonstrará.

 

77.          Ora, a aplicação do regime da eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos pressupõem, em primeiro lugar, que os rendimentos em causa  estejam incluídos e a influenciar o resultado contabilístico, isto é, no resultado líquido do período a que se refere o artigo 17.° do Código do IRC.

 

78.          Com efeito, se os rendimentos não se encontrarem incluídos e a influenciar o resultado líquido das sociedades, então esses rendimentos não estarão a afetar a determinação do lucro tributável, pelo que não existirá a necessidade de eliminá-los através do mecanismo previsto no n.° 1 do artigo 51.° do Código do IRC.

 

                79. Assim sendo, é necessário verificar se estes rendimentos se encontram incluídos e a influenciar o resultado contabilístico apurado no período de 2016.

80.          Na petição, a Reclamante nada refere nesse sentido, fazendo apenas alusão ao facto de ter recebido «rendimentos provenientes de ações e unidades de participação (...) no âmbito da comercialização de seguros de capitalização unit-linked», o que, refira-se, não é sinónimo da afetação do seu resultado líquido do exercício através desses rendimentos.

 

81.          Se por aqui não obtemos resposta a esta primeira questão, poderá a mesma ser obtida, ainda que de forma indireta, através da análise do regime contabilístico aplicável às entidades seguradoras relativamente ao tratamento a conferir a este tipo de rendimentos.

 

82.          Antes de nos debruçar-nos na análise do referido regime, retenha-se que «para efeitos da quantificação da base tributável do IRC, o ponto de partida é o resultado líquido do exercício, o qual se apura por via contabilística. (...) Nesta medida, o sistema fiscal português assume uma opção de forte dependência do balanço fiscal face ao balanço contabilístico, com este a determinar aquele em todos os casos em que uma expressa previsão legal - ou uma regulação fiscal claramente autónoma - a tal não obste  ».

 

83.          Ora, de acordo com o Relatório e Contas 2016 da B..., as demonstrações financeiras foram preparadas de acordo com os princípios estabelecidos no Plano de Contas para as Empresas de Seguros (PCES), aprovado pela Norma n° 10/2016-R, de 15 de setembro, da ASF, e com as restantes normas regulamentares emitidas por este organismo .

 

84.          O normativo consagrado no PCES corresponde em geral às Normas Internacionais de Relato Financeiro (IAS/IFRS), conforme adotadas pela União Europeia, de acordo com o Regulamento (CE) n° 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho, transposto para o ordenamento nacional pelo Decreto-Lei n° 35/2005, de 17 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n° 53-A/2006, de 29 de dezembro e pelo Decreto-Lei n° 237/2008, de 15 de dezembro, exceto no que se refere à aplicação da IFRS 4 - “Contratos de seguros”, relativamente à qual apenas foram adotados os princípios de classificação do tipo de contrato de seguro .

 

 

85.          Assim, relativamente aos princípios de classificação do tipo de contratos celebrados pelas empresas de seguros, no âmbito das Normas Internacionais de Contabilidade e de Relato Financeiro, tem especial relevância a International Financial Reporting Standard n.° 4 (IFRS 4).

 

86.          E, de acordo com a definição constante do apêndice A da IFRS 4 (que, conforme expressamente aí se refere, se constitui como parte integrante da IFRS 4), contrato de seguro é “Um contrato segundo o qual uma parte (a seguradora) aceita um risco de seguro significativo de outra parte (o tomador de seguro) aceitando compensar o tomador de seguro no caso de um acontecimento futuro incerto especificado (o acontecimento seguro) afetar adversamente o tomador de seguro.

 

87.          Dispondo-se no apêndice B da IFRS 4 (que, igualmente, se constitui como parte integrante desta IFRS), mais concretamente no parágrafo B19, que não são contratos de seguro, designadamente os “a) contratos de investimento que têm a forma legal de um contrato de seguro, mas não expõem a seguradora a um risco de seguro significativo, por exemplo, contratos de seguro de vida em que a seguradora não suporta qualquer risco de mortalidade significativo (tais contratos são instrumentos financeiros do tipo não seguro ou contratos de serviços).”

 

88.          Estabelecendo, ainda, por um lado, o parágrafo B20 que se os contratos descritos no parágrafo B19 - (ou seja contratos que não são considerados como sendo contratos de seguro) - ”não criarem ativos financeiros ou passivos financeiros, eles estão dentro do âmbito da IAS 39 .

 

 

89.          Nestes termos, de acordo com PCES em vigor, com a consequente aplicação das Normas Internacionais de Contabilidade, as empresas seguradoras passaram a classificar os seus contratos, em consonância com os princípios de classificação do tipo de contratos da IFRS 4, de acordo com as categorias: i) Contratos de seguro, ii) Contratos de investimento/depósito ou iii) Contratos de prestação de serviços.

 

90.          Sendo classificados como contratos de seguro apenas aqueles em que exista um risco de seguro significativo, que os apêndices A e B da IFRS 4, sintetizando, definem como “risco que não seja um risco financeiro, transferido do detentor de um contrato” e que se verifica “se, e apenas se, um acontecimento seguro puder obrigar uma seguradora a pagar benefícios adicionais significativos em qualquer cenário, excluindo cenários com falta de substância comercial...”.

 

91.          Não sendo o caso, não se estando perante um contrato que seja considerado um contrato de seguro, poderemos estar perante um contrato de investimento/depósito se o mesmo cumprir com a definição de instrumento financeiro constante da IAS 32 .

 

92.          Em consonância com o exposto, no Relatório e Contas 2016 da B..., nota 2.17, Contratos de seguro e contratos de investimento , é referido que no âmbito da transição para o novo PCES, foram incorporados neste normativo os princípios de classificação de contratos estabelecidos pela IFRS 4 - “Contratos de seguro”, no âmbito dos quais os contratos sem risco de seguro significativo são considerados contratos de investimento e contabilizados de acordo com os requisitos da IAS 39.

 

93.          No Relatório e Contas 2016 da B..., nota 2.17, Contratos de seguro e contratos de investimento , é igualmente referido, a propósito das «responsabilidades para com os subscritores dos produtos Unit - linked, que «as responsabilidades associadas a contratos de investimento emitidos pelo Grupo em que o risco é suportado pelo tomador (produtos Unit-linked) são valorizadas ao justo valor, determinado com base no justo valor dos ativos que integram a carteira de investimentos afeta a cada um dos produtos, deduzido dos correspondentes encargos de gestão, e registadas na rubrica “Passivos financeiros de contratos de seguro e operações considerados para efeitos contabilísticos como contratos de investimento ».

 

94.          Ora, a rubrica «Passivos financeiros de contratos de seguro e operações considerados para efeitos contabilísticos como contratos de investimento» integra a «classe 4 - Outros Activos e Passivos» do PCES, aprovado pela Norma regulamentar da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões n.° 10/2016-R .

 

95.          De acordo com o PCES, as contas da «Classe 4 - Outros Activos e Passivos» registam «(...) as operações com terceiros, ativas e passivas, com exceção das contas a receber relativas a ativos financeiros com pagamentos fixados ou determináveis que devem ser registados na classe 2. (...). Esta classe não inclui as provisões técnicas previstas na classe 3, e, por extensão, as contas de regularização dos custos e dos rendimentos».

 

96.          Portanto, de acordo como PCES em vigor, os compromissos ligados aos produtos unit-linked - classificados agora como contratos de investimento/depósito - não são registados, no balanço das companhias de seguros, na classe “3 - Provisões Técnicas”.

 

97.          Já relativamente aos rendimentos correspondentes a lucros distribuídos no âmbito dos contratos em que o risco de investimento é suportado pelo tomador de seguro, vulgarmente designados produtos/contratos “unit-linked", não estão efetivamente incluídos e a influenciar na base tributável da seguradora.

 

98.          Pois de acordo com o PCES, e em resultado da adoção das Normas Internacionais de Contabilidade e de Relato Financeiro (IAS/IFRS), apenas as comissões cobradas pela gestão dos produtos "unit-linked" - (contabilizadas na conta PCES07 de Rendimentos e Ganhos “73 - Comissões de contratos de seguro e operações considerados para efeitos contabilísticos como contratos de investimento ou como contratos de prestação de serviços") - afetam/alteram o resultado contabilístico da seguradora.

 

99.          Dado que os (i) lucros distribuídos, (ii) as valorizações e (iii) as desvalorizações, respeitantes aos investimentos a que estão indexados os produtos «unit-linked», embora possam contabilisticamente ser registados em contas de Rendimentos e Ganhos - no caso, nas contas PCES “74 Rendimentos de investimentos", “75 Ganhos em investimentos” e "77 Rendimentos e ganhos em passivos financeiros”) - , são integralmente compensadas por um lançamento registado em contas de Custos, Gastos e Perdas - no caso, nas contas PCES “65 Perdas em investimentos" e "67 Perdas e gastos em passivos financeiros” - fazendo com que o resultado contabilístico da seguradora apenas fique influenciado pelo valor das comissões de gestão cobradas .

 

100.       Deste modo, o resultado (positivo ou negativo) desses lucros distribuídos, valorizações, ou desvalorizações, respeitante aos investimentos a que estão indexados os produtos unit-linked, é inteiramente imputado ao tomador do seguro (o investidor) através de lançamentos contabilísticos ocorridos nas rubricas “45.0 Passivos financeiros da componente de depósito de contratos de seguros e de contratos de seguro e operações considerados para efeitos contabilísticos como contratos de investimento" e “21 Investimentos relativos à componente de depósito de contratos de seguro e a contratos de seguro e operações considerados para efeitos contabilísticos como contratos de investimento".

 

 

101.       Na sequência deste excurso sobre o tratamento contabilístico conferido pelas empresas seguradoras às operações relacionadas com produtos «Unit-linked», podemos concluir no sentido de que:

             Os dividendos decorrentes das participações sociais indexadas às carteiras «Unit-Linked» não se encontram incluídos no resultado líquido do exercício das empresas seguradoras;

             Nos produtos «Unit-Linked», o lucro da seguradora corresponde apenas à comissão de gestão que recebe.

102.       Em face destas conclusões, estamos em condições de referir que no resultado líquido do ano de 2016 da B..., SA não está a ser influenciado por dividendos decorrentes de participações sociais indexadas aos produtos «Unit-Linked», nos quais o risco corre por conta do tomador do seguro.

 

103         Deste modo, não estando verificado, desde logo, o primeiro pressuposto de que depende a eliminação da dupla tributação económica dos lucros, não há aqui lugar à aplicação do artigo 51.° do Código do IRC.

                104. Sem prejuízo do exposto, sempre se dirá que o n.° 6 do artigo 51.° do CIRC, dispõe que, na determinação do lucro tributável das sociedades de seguros, com sede ou direção efetiva em território português, apenas podem ser deduzidos, para efeitos de determinação do lucro tributável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que estas tenham permanecido na sua titularidade, os rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros.

105.       Portanto, de acordo com o referido artigo, só pode beneficiar do regime da eliminação da dupla tributação os “lucros e reservas" auferidas que afetem a base tributável de IRC, isto é, os “lucros e reservas" auferidas que não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros.

 

106.       O que, como se viu, não ocorre no caso em apreço.

 

 

107.       Quanto à questão da equiparação da Reclamante às sociedades de investimento, no que toca às operações relacionadas com produtos «unit-linked», para efeitos de aplicação do disposto no n.° 6, do artigo 51.° do Código do IRC, comece-se por assinalar que, em face das conclusões atrás alcançadas, carece de justificação a análise deste problema.

 

108.       Na verdade, não existindo no caso em apreço quaisquer lucros e reservas" relacionados com os produtos «unit-linked» a influenciar o resultado contabilístico da Reclamante, carece de sentido analisar aqui tal questão.

 

109.       Sem prejuízo do referido, sempre se dirá que o n.° 6 do artigo 51.° do Código do IRC regulava expressamente os termos em que a eliminação da dupla tributação económica dos lucros pode ser efetuada peias empresas de seguros.

 

110.       O que equivale a dizer que não se regista aqui qualquer lacuna normativa decorrente uma incompletude quanto à regulação da matéria.

 

111.       Portanto, não estamos aqui na presença de uma situação em que a lei não contém nenhuma regra para uma certa questão que era suposto ter sido igualmente prevista segundo o plano de regulação ou o contexto global da lei.

 

112.       Não existindo qualquer lacuna, é incorreto procurar regular a matéria através de soluções legais previstas para outras situações.

***

113.       Por fim, salienta-se que a alínea b), do n.° 6, do artigo 51.° do Código do IRC, segundo nos parece, foi tacitamente revogada pelo D.L. 7/2015, de 13-01, que procedeu à revisão do regime fiscal dos organismos de investimento coletivo, tendo alterado a redação dos artigos 22.°, 24.° e 71.° do EBF e aditado o artigo 22.° A do EBF.

 

114.       E em face de tal alteração, o artigo 22.° do EBF passou a dispor, no seu n.° 1, que «são tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

 

115.       O n.° 2 do artigo 22.° do EBF determina que o lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

 

116.       Nos termos do n.°3, do artigo 22.° do EBF, « Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.°, 8.° e 10.° do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.°-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.° 1».

 

 

117.       Daqui resulta que não são considerados, para cálculo do rendimento líquido das entidades previstas no n.° 1 do artigo 22.° do EBF, nas quais se incluem as sociedades de investimento, os rendimentos de capitais, prediais e de mais-valias, exceto se tais rendimentos provierem de entidades que beneficiem de regimes fiscais claramente mais favoráveis concedidos por países ou territórios e que constam da portaria n° 150/2004, de 13 de fevereiro.

 

118.       Portanto, se os rendimentos de capitais, entre outros, não são considerados para o resultado líquido do exercício das sociedades de investimentos, nos termos do n.° 3 do artigo 22.° do EBF, verifica-se que ficou revogada a disposição prevista no artigo 51.°, n.° 6 alínea b) do CIRC.

 

119.       Com efeito, deixando os rendimentos de capitais, nos quais se incluem os dividendos, de ser englobados no resultado contabilístico das sociedades de investimento, carece de aplicação a eliminação da dupla tributação económica que se encontrava prevista para estas entidades no artigo 51.°, n.° 6 alínea b) do CIRC.

 

120.       Em face do exposto, improcede o pedido da Reclamante.

(PA)

1.7. A autoliquidação, objeto de impugnação parcial nestes autos, encontra-se integralmente paga. (Documento junto pela Requerente sob n.º 3, quadro 10, campo 368 com o pedido de pronúncia arbitral)

1.8. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 14/04/2021. (Sistema informático do Centro de Arbitragem Administrativa – “CAAD”).

2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos (documentos juntos pela Requerente e PA). 

 

MATÉRIA DE DIREITO

a)            Pedido de reenvio prejudicial

 

A Requerente formulou um pedido de reenvio prejudicial para o TJUE com vista a determinar se o artigo 4.º, n.º 1 da Diretiva 2011/96/UE, de 30 de novembro de 2011, deve ser interpretado como, no âmbito da eliminação da dupla tributação na esfera da sociedade que aufere dividendos, excluindo os dividendos relativos a ações nas quais as seguradoras tenham investido para cobrir responsabilidades futuras com seguros unit-linked.

O artigo 267.º do TFUE prevê o seguinte:

“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

                a) Sobre a interpretação dos Tratados;

b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. […].”

A competência para submeter uma questão prejudicial ao TJUE é dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros, embora o conceito de órgão jurisdicional não se encontre vertido em qualquer Tratado da União.

O conceito de órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros depende da verificação de vários requisitos: criação por lei e nomeação dos seus membros pelo poder público; caráter permanente; respeito pelo princípio do contraditório; independência; natureza obrigatória da sua jurisdição; e aplicação de regras de direito – acórdãos Vaassen-Göbbels e Broekmeulen .

E relativamente aos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD?

A questão é, hoje, pacífica na jurisprudência do TJUE, o acórdão “Ascendi” concluiu que: 

“[…]

24.No processo principal, resulta das indicações fornecidas na decisão de reenvio que os tribunais arbitrais em matéria tributária têm origem legal. Os tribunais arbitrais constam, com efeito, da lista dos órgãos jurisdicionais nacionais, no artigo 209.º da Constituição da República Portuguesa. Por outro lado, o artigo 1. o do Decreto-Lei n. o 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, dispõe que a arbitragem fiscal constitui um meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, e o artigo 2.º desse decreto-lei atribui competência geral aos tribunais arbitrais em matéria tributária, para apreciar a legalidade da liquidação de qualquer imposto.

25. Por outro lado, enquanto elemento do sistema de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, os tribunais arbitrais em matéria tributária satisfazem a exigência de permanência.

26. Com efeito, como salientou o advogado-geral no n. o 37 das suas conclusões, embora a composição das formações de julgamento do Tribunal Arbitral Tributário seja efémera e a sua atividade termine após decidirem, não é menos verdade que, no seu todo, o Tribunal Arbitral Tributário apresenta caráter permanente, enquanto elemento do referido sistema.

27. Quanto ao caráter vinculativo do órgão jurisdicional, há que recordar que este elemento não está presente no âmbito da arbitragem convencional, uma vez que não há nenhuma obrigação, nem de direito nem de facto, de as partes contratantes confiarem os seus diferendos à arbitragem e que as autoridades públicas do Estado-Membro em causa não participam na escolha da via da arbitragem nem são chamadas a intervir oficiosamente no decorrer do processo perante o árbitro (acórdão Denuit e Cordenier, C-125/04, EU:C:2005:69, n. o 13 e jurisprudência referida, e despacho Merck Canada, C-555/13, EU:C:2014:92, n. o 17).

28. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça já reconheceu a admissibilidade de questões prejudiciais que lhe tinham sido submetidas por um Tribunal Arbitral de origem legal, cujas decisões eram vinculativas para as partes e cuja competência não dependia do acordo destas (despacho Merck Canada, EU:C:2014:92, n. o 18 e jurisprudência referida).

29. Ora, como salientou o advogado-geral nos n. os 28 e 40 das suas conclusões, o Tribunal Arbitral Tributário, cujas decisões são vinculativas para as partes nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei n. o 10/2011, distingue-se de um órgão jurisdicional arbitral em sentido estrito. Com efeito, a sua competência resulta diretamente das disposições do Decreto-Lei n. o 10/2011, não estando por isso sujeita à expressão prévia da vontade das partes de submeterem o seu diferendo à arbitragem (v., por analogia, acórdão Danfoss, 109/88, EU:C:1989:383, n.º 7). Assim, quando o contribuinte recorrente submete o seu diferendo à arbitragem fiscal, a jurisdição do Tribunal Arbitral Tributário tem, nos termos do artigo 4. º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, caráter vinculativo para a autoridade tributária e aduaneira.

30. A natureza contraditória do processo nos tribunais arbitrais em matéria tributária é, por sua vez, garantida pelos artigos 16. ° e 28.° do Decreto-Lei n. o 10/2011. Por outro lado, nos termos do artigo 2.º, n. o 2, do mesmo, os tribunais arbitrais em matéria tributária «decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade».

31. No que respeita à independência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, resulta, por um lado, da decisão de reenvio que os árbitros que constituem o Tribunal Arbitral Tributário ao qual foi submetido o litígio no processo principal foram designados, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, de entre os árbitros que figuram na lista elaborada por essa instituição.

32. Por outro lado, o artigo 9. o do Decreto-Lei n. o 10/2011 prevê que os árbitros estão sujeitos aos princípios da imparcialidade e da independência. Além disso, o artigo 8.º, n.º  1, desse decreto-lei prevê, como caso de impedimento do exercício da função de árbitro, a existência de qualquer ligação familiar ou profissional entre o árbitro e uma das partes no litígio. Garante-se assim que o Tribunal Arbitral em causa tem a qualidade de terceiro em relação à autoridade que adotou a decisão objeto de recurso (v. acórdão RTL Belgium, C-517/09, EU:C:2010:821, n.º 38 e jurisprudência referida, e despacho Devillers, C-167/13, EU:C:2013:804, n. o 15). 33 Por fim, como resulta do artigo 1. º do Decreto-Lei n. o 10/2011, os tribunais arbitrais em matéria tributária pronunciam-se no âmbito de um processo que conduz a uma decisão de caráter jurisdicional.

[…].”

O acórdão é inequívoco na qualificação dos aludidos tribunais como órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro, na aceção do artigo 267.º do TFUE. Paralelamente, no preâmbulo do RJAT o legislador escreveu que: “Nos casos em que o Tribunal Arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é suscetível de reenvio prejudicial em cumprimento do §3 do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”.

Em suma, se os tribunais arbitrais são órgãos jurisdicionais, à luz do artigo 267.º do TFUE, podem submeter questões prejudiciais ao TJUE.

O reenvio prejudicial constitui, assim, um mecanismo processual de cooperação judiciária, ao legitimar o diálogo entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o TJUE, por meio do qual se visa conseguir, em todo o espaço da União Europeia, a interpretação e a aplicação uniformes do direito europeu.

As questões prejudiciais podem ser de interpretação ou de validade, isto é, relativas à interpretação dos Tratados ou à validade e à interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Podem ainda ser facultativas ou obrigatórias.

Quando a questão prejudicial é suscitada perante um órgão jurisdicional nacional, cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial, previsto no direito interno, a submissão desta ao TJUE é obrigatória.  Por outro lado, se da decisão do órgão jurisdicional do Estado-Membro couber recurso, à luz do direito interno, o reenvio é, em princípio, facultativo.

As decisões dos tribunais arbitrais são irrecorríveis quanto ao mérito, embora essa solução se encontre temperada por hipóteses excecionais de controlo pelos seguintes tribunais: i) Tribunal Constitucional e ii) Supremo Tribunal Administrativo, incluindo-se na competência deste último, quanto à mesma questão de direito, a oposição de acórdãos (Tribunais Centrais Administrativos e Supremo Tribunal Administrativo) e de decisões arbitrais .

A jurisprudência do TJUE concretizou essa obrigatoriedade, tendo definido no caso CILFIT  que a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação deixa de existir nas seguintes hipóteses: i) quando a questão não for “necessária”, nem “pertinente” para o julgamento do litígio principal; ii) quando se verificar uma “identidade material” da questão prejudicial com outra já decidida pelo TJUE; e iii) quando o órgão jurisdicional nacional verificar que a interpretação da norma objeto de dissídio é “clara”.

Na presente hipótese não se considera que uma decisão sobre a interpretação das normas comunitárias seja necessária ao julgamento da causa; decai, assim, o pedido de reenvio prejudicial.

 

b)           Cronologia da questão – aplicação do mecanismo da eliminação da dupla tributação de dividendos de ações cuja detenção se relacione com a cobertura de responsabilidades (via passivos financeiros/provisões) em contratos de seguro unit-linked?

 

O objeto do litígio consiste em apurar se o ato de indeferimento parcial da reclamação graciosa com o n.º ...2019... e o ato de autoliquidação de IRC subjacente, padecem do vício de violação de lei, porque é ilegal o afastamento da aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação dos dividendos de ações cuja detenção se relacione com a cobertura de responsabilidades (via passivos financeiros/provisões) em contratos de seguro unit-linked ou em contratos de seguro do ramo vida com participação dos resultados.

                O problema não é recente – bem pelo contrário – existe profusa jurisprudência relativamente à questão da des(consideração) da natureza dedutível à matéria coletável de lucros afetos a seguros unit-linked. Veja-se, por exemplo, o Acórdão proferido no âmbito do processo 2173/04.4BELSB, de 25/02/2021; a Decisão Arbitral n.º 268/2015-T, de 29/01/2016 e a Decisão Arbitral n.º 220/2019-T, de 18/11/2019.

                O sentido decisório subjacente às aludidas decisões judiciais é unitário: os rendimentos de valores mobiliários (dividendos) constituem uma componente da base tributável imputável ao sujeito passivo.  Por conseguinte, os sujeitos passivos que recebam dividendos beneficiam de uma exclusão de tributação – os dividendos não concorrem para a determinação do “lucro tributável” – quando se verificarem os requisitos previstos no artigo 51.º do CIRC.

                O problema em análise foi objeto de estudo pela doutrina  e no qual se conclui que os segurados:

 

“[N]ão compram, não vendem, não participam em perdas, não recebem dividendos. O sujeito, aqui, é a Seguradora. São dela as obrigações comerciais e os direitos. Serão dela consequentemente, as obrigações tributárias ativas e passivas […] os rendimentos que venha a obter por ser detentora de ações e UP são ganhos sujeitos a imposto. Em concreto, a IRC, nos termos de tributação que resultem das disposições conjugadas do Código do IRC e do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)” e acrescentam os autores “[q]uando afirmamos que são ganhos sujeitos a imposto, queremos, claro, afirmar que são ganhos incluídos na base tributável, ou seja, sujeitos ao regime fiscal globalmente considerado e não apenas a parte do regime. Assim, todo o regime do artigo 22.º do EBF e todo o regime do IRC – incluindo os mecanismos de dupla tributação económica do artigo 46.º[agora artigo 51.º do CIRC] do respetivo Código lhe são aplicáveis”.

                Observam, os autores, que a constituição de provisões técnicas que a seguradora faz com vista à cobertura das responsabilidades constitui uma matéria distinta, cujo funcionamento não pode ser utilizado para impedir a conclusão descrita no parágrafo anterior – aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica. Citando, novamente, o referido trabalho:

“[O]s lucros distribuídos estão incluídos na base tributável — tal corresponde a uma obrigação fiscal e contabilística da empresa — e é irrelevante aqui haver ou não provisão; os rendimentos distribuídos, na medida em que influenciam o valor diário das unidades de conta, influenciam as responsabilidades da seguradora — tal resulta de uma obrigação contratual entre a companhia de seguros e o segurado; qualquer valorização das unidades de conta tem de ser refletida nas provisões — tal corresponde a uma obrigação contabilística e prudencial da companhia de seguros.

Na contabilidade da seguradora, em relação a cada produto unit-linked (…) deve estar evidenciada a composição do conjunto de ativos, nos quais se incluem os depósitos bancários resultantes da distribuição de dividendos. (…)

O facto de a empresa provisionar o montante dos dividendos distribuídos (por tal fazer parte das suas responsabilidades) não a impede de utilizar o mecanismo da eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos: tal seria negar arbitrariamente às empresas sujeitas a provisões obrigatórias determinadas pela sua entidade reguladora um mecanismo que decorre do princípio da tributação do rendimento real, constituindo uma restrição à atividade económica das empresas seguradoras sem qualquer base legal, uma vez que ficam numa posição pior do que qualquer outra empresa que detenha os mesmos ativos e que pode minimizar a dupla tributação. Aceitar esta ideia e ser coerente (…) implicaria recusar a eliminação da dupla tributação económica em relação a todas as participações sociais e outros ativos das seguradoras, independentemente de os mesmos corresponderem ou não a provisões técnicas no âmbito dos unit-linked, pois em qualquer dos casos, tais rendimentos, na medida em que aumentam responsabilidades, devem ser provisionados. (…)

[Especificamente quanto aos rendimentos de unidades de participação em fundo de investimento], quando esta [companhia de seguros] recebe o rendimento do fundo de investimento, já sabe que a esse rendimento está ligada uma responsabilidade futura de data incerta (…) e por isso deve fazer a respetiva provisão. Como sociedade que é, pode considerar o imposto retido, uma vez que quando cumprir o seu dever para com o segurado este vai suportar IRS nos termos da lei.

Estes rendimentos entram, por isso, no processo de determinação do lucro. Temporariamente, a provisão, que é igual ao rendimento, impede que haja um aumento do lucro tributável, ou seja, entra para a determinação do lucro, mas a soma final é igual a zero. Quando o contrato termina a sua vigência com o pagamento contratado, então haverá apuramento de um lucro ou eventualmente de um prejuízo”.

 

Sucede, no entanto, que o legislador alterou o artigo 51.º, n.º 6 do CIRC, através da Lei do Orçamento do Estado para 2016 , excluindo, expressamente, os dividendos afetos a provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros que, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros e, bem assim, aos rendimentos das sociedades da concorrência para o lucro tributável.

                De imediato se colocou a questão da (in)constitucionalidade da solução normativa perante a redação do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março que lhe atribuiu uma “[n]atureza interpretativa”.

                O Tribunal Constitucional, por intermédio do Acórdão n.º 101/2021, de 4 de fevereiro, julgou inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa, estatuída no artigo 103.º, n.º 3 da CRP, a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que atribui natureza interpretativa à redação dada ao n.º 6 do artigo 51.º do C IRC.

                Contudo, o exercício aqui é causa é o de 2016, vejamos, então, se a Requerente tem razão, quando sustenta que  é ilegal o afastamento da aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação dos dividendos de ações cuja detenção se relacione com a cobertura de responsabilidades (via passivos financeiros/provisões) em contratos de seguro unit-linked ou em contratos de seguro do ramo vida com participação dos resultados.

               

c)            Questão da ilegalidade do indeferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2019... e o ato de autoliquidação de IRC subjacente

 

O artigo 51.º do CIRC, no dia 31 de dezembro de 2016, dispunha que:

 

1 - Os lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorrem para a determinação do lucro tributável, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

 

a) O sujeito passivo detenha direta ou direta e indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 10 % do capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas;

 

b) A participação referida no número anterior tenha sido detida, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à distribuição ou, se detida há menos tempo, seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período;

 

c) O sujeito passivo não seja abrangido pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º;

 

d) A entidade que distribui os lucros ou reservas esteja sujeita e não isenta de IRC, do imposto referido no artigo 7.º, de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC e a taxa legal aplicável à entidade não seja inferior a 60 % da taxa do IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º;

 

e) A entidade que distribui os lucros ou reservas não tenha residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

[…]

6 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades:

 

a) Sociedades de desenvolvimento regional;

b) Sociedades de investimento;

c) Sociedades financeiras de corretagem.

 

[…]

 Recorde-se o substrato da questão: se para a Requerente o  sobredito artigo legitima,

a dedução ao resultado contabilístico do exercício, para determinação do lucro tributável, do montante dos dividendos afetos a produtos unit-linked e dividendos afetos a seguros “vida com participação”; já para a Requerida os referidos rendimentos não estão a influenciar o resultado contabilístico, porque o tratamento contabilístico impede que se conclua que esses rendimentos tenham essa aptidão (influenciar o resultado líquido do exercício).

                Importa determinar, antes de mais, se os dividendos pagos no âmbito dos produtos unit-linked influenciam o resultado contabilístico e/ou o resultado fiscal.

                O artigo 51.º, n.º 1 do CIRC estatui que os lucros e reservas distribuídos “não concorrem para a determinação do lucro tributável”, ou seja, o legislador opta pelo método da isenção para eliminar a dupla tributação económica dos lucros.

                O artigo 50.º, n.º 1 do CIRC, em 31 de dezembro de 2016, dispunha que:

 

Concorrem para a formação do lucro tributável (nosso sublinhado) os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor aos ativos que estejam a representar provisões técnicas do seguro de vida com participação nos resultados, ou afetos a contratos em que o risco de seguro é suportado pelo tomador de seguro.

 

                A resposta à questão se os dividendos conexos com produtos unit-linked influenciam o resultado contabilístico foi dada na decisão arbitral 589/2020-T, de 6 de setembro . O Tribunal Arbitral adere à seguinte fundamentação do aresto:

 

O CIRC utiliza a expressão “não concorrem para o lucro tributável” em vários outros locais, para além do art. 51.º.

Por exemplo, no n.º 8 do art. 18.º, lê-se: “Os rendimentos e gastos, assim como quaisquer outras variações patrimoniais, relevados em consequência da utilização do método da equivalência patrimonial ou, no caso de empreendimentos conjuntos que sejam sujeitos passivos de IRC, do método de consolidação proporcional, não concorrem para a determinação do lucro tributável, devendo os rendimentos provenientes dos lucros distribuídos ser imputados ao período de tributação em que se adquire o direito aos mesmos.”

A fórmula repete-se no n.º 9 do mesmo artigo, e ainda nos artigos 23.º-A, n.º 2, 51.º-C, n.º 1, 54.º-A, n.º 9 a) e 68.º-B, n.º 1.

Em todos esses casos, o legislador pretende excluir do lucro tributável componentes positivas ou negativas do resultado contabilístico, ou seja, do lucro tal como como patenteado nas demonstrações financeiras elaboradas e aprovadas para fins do direito comercial.

Desse modo, se, por exemplo, um determinado sujeito passivo incluiu no seu resultado contabilístico rendimentos relevados em consequência da utilização do método da equivalência patrimonial, poderá, ao abrigo do n.º 8 do art. 18.º CIRC, subtrair esse montante do cálculo do lucro tributável, a fim de que o mesmo não seja tributado, mesmo tendo influenciado o resultado contabilístico. Já se o sujeito passivo não tiver incluído no resultado líquido quaisquer rendimentos desse tipo, não poderá fazer qualquer dedução relativa a tais rendimentos ao abrigo do n.º 8 do art. 18.º.

Assim, sempre que uma norma do Código do IRC estabelece que uma determinada componente do resultado contabilístico, positiva ou negativa, não concorre para a formação do lucro tributável, essa norma determinará que essa componente seja retirada do lucro tributável, na condição de que essa componente tenha sido incluída no resultado contabilístico. Por outras palavras, a efetiva inclusão no resultado contabilístico é condição para que a mesma possa ser suprimida ao abrigo de uma norma do Código do IRC sobre determinação do lucro tributável, sendo este um pressuposto que decorre do art.º 17.º do CIRC.

Por outro lado, resulta da sistemática dessas normas que o pressuposto da inclusão da componente no resultado contabilístico se basta com o reconhecimento num dos lados do balanço, ie. como ganho ou como perda, não se exigindo, em nenhum dos casos que se mencionaram, que se verifique se ocorreu ou tinha de ocorrer um movimento contabilístico de sentido contrário correspetivo, por qualquer razão.

 Não há qualquer dúvida e é facto assente que os rendimentos em causa - dividendos afetos a seguros das categorias “unit-linked” e “vida com participação” – foram contabilizados como proveitos da Requerente, em conformidade com a regulação contabilística aplicável.

E sendo assim, prima facie, teria razão a Requerente ao afirmar que se verifica a única condição necessária para que os rendimentos possam beneficiar do regime de eliminação da dupla tributação, condição essa que seria, precisamente, o encontrarem-se tais rendimentos reconhecidos como proveitos.

No entanto – e aqui acompanha-se até certo ponto a posição da Autoridade Tributária - os rendimentos que estão em discussão nos presentes autos - dividendos recebidos pelo sujeito passivo mas afetos a contratos “unit-linked” e dividendos recebidos pelo sujeito passivo afetos a contratos “vida com participação” – têm uma configuração jurídica muito peculiar, estando sujeitos a um tratamento contabilístico igualmente particular. O plano de contas das empresas de seguros (PCES) em vigor à data dos factos (aprovado pela Norma Regulamentar da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões n.º 4/2007- R, de 27 de abril) – e que a Requerente seguiu na elaboração das suas demonstrações financeiras - continha (como contém o atual) uma subconta (a subconta 45-0) em que se registavam (e registam) os “passivos financeiros da componente de depósito de contratos de seguros e de contratos de seguro e operações considerados para efeitos contabilísticos como contratos de investimento”. E de acordo com a respetiva nota explicativa, nesta conta devem ser registados “os passivos financeiros relativos à componente de depósito de contratos de seguros e a contratos de seguro e operações em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro e a outros contratos que, no âmbito da IFRS 4, são classificados como contratos de investimento.”

É este, precisamente, o caso.

Mas vejamos por que razão é assim e qual o significado desta regra contabilística que impõe registar como “passivos financeiros” valores exatamente correspondentes aos rendimentos das aplicações afetas a “depósito de contratos de seguros e a contratos de seguro e operações em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro”. Como é amplamente explicado por ambas as Partes nos respetivos articulados, os contratos em causa caracterizam-se por deles decorrer para o tomador do seguro um direito a receber (no momento do resgate) o rendimento produzido pelo capital por si entregue (sob a forma de prémio) à seguradora e por esta investido em fundos de investimento.

A norma contabilística em causa obriga a seguradora a contabilizar um passivo de valor igual aos rendimentos obtidos para refletir essa particular configuração dos rendimentos, dessa forma garantindo que os rendimentos ficam disponíveis para serem entregues ao tomador e não são afetados a qualquer outra função que não essa.

Por esse motivo, entendemos que, em substância, a natureza dos rendimentos – verdadeiro rendimento da seguradora ou rendimento do tomador – é, de facto, discutível. Se considerarmos que é essencial à qualidade do que é rendimento, como normalmente é aceite, que o seu titular possa dispor dele para consumo ou investimento, essa característica não se verifica, o que pesaria em favor da tese da Autoridade Tributária. Com efeito, a seguradora não pode dispor desses ativos como quiser e segundo o seu próprio interesse, nem sequer para cobrir eventuais prejuízos. A seguradora está contratualmente obrigada a investir esses ativos de acordo com o contrato que fez com o tomador do seguro e a manter esses ativos disponíveis para poderem ser entregues ao tomador do seguro em caso de resgate. Teríamos então, em vez de um verdadeiro rendimento, um fluxo que se configura formalmente como um rendimento porque juridicamente é gerado na esfera patrimonial da seguradora, mas que não é um rendimento na sua substância económica porque a seguradora não pode dispor dele. Em substância, encontramo-nos perante um contrato próximo da fidúcia, mais do que de um contrato de seguro.

O parecer dado pelo Instituto de Seguros de Portugal, a solicitação da Autoridade Tributária, com data de 09-01-21, na sua extrema exiguidade, reflete este entendimento, dizendo: “Concordamos com o entendimento dessa Direção de que constitui apenas rendimento efetivo da empresa de seguros os encargos de gestão e de subscrição cobrados, não tendo o rendimento global gerado pelos investimentos afetos aos “Unit-Linked” impacto em termos dos resultados da empresa” (anexo I do RIT).

Contudo, sendo a questão, como julgamos, discutível, existe um elemento normativo decisivo e que não pode ser ignorado, a favor da qualificação destes rendimentos como rendimentos efetivos da seguradora. Recordemos que a questão que o tribunal deve dilucidar é a de saber se os rendimentos alteram ou não o resultado contabilístico e/ou o resultado fiscal da Requerente ou a sua base tributável.

Ora, o artº. 50º. do CIRC, no seu nº 1 diz: “[C]oncorrem para a formação do lucro tributável os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor aos activos que estejam a representar provisões técnicas do seguro de vida com participação nos resultados, ou afetos a contratos em que o risco de seguro é suportado pelo tomador de seguro.”.

Não havendo dúvida de que a norma se refere aos contratos das categorias em causa nos presentes autos, dela resulta que é o próprio legislador fiscal quem resolve a dúvida, justificada, sobre a qualificação dos rendimentos em causa, dizendo que os mesmos são lucro e lucro tributável da seguradora, integrando, pois, a sua base tributável.

Desta forma, encontrando-se os rendimentos, formalmente, dentro do resultado contabilístico – condição formal ou contabilística para que possam ser deduzidos - e não havendo dúvida, num plano substancial, de que o legislador vê esses rendimentos como parte do lucro, e do lucro tributável das seguradoras, só pode concluir-se pela não existência de base legal que permita à Autoridade Tributária, em contrário do que diz o próprio legislador, recusar a dedução desses rendimentos ao abrigo do art.º 51.º, n.º1, por “não alterarem o resultado contabilístico nem o resultado fiscal da Requerente ou a sua base tributável.” É o próprio código do imposto que diz que esses rendimentos fazem parte do lucro tributável”.

 

Em resumo: (i) o legislador com a locução “não concorrem para o lucro tributável” pretende excluir do lucro tributável componentes positivas ou negativas do resultado contabilístico (o lucro evidenciado nas demonstrações financeiras  organizadas e aprovadas para as finalidades subjacentes ao Direito Comercial); (ii) quando o CIRC estabelecer que determinada componente do resultado contabilístico, positiva ou negativa, não concorre para a formação do lucro tributável, a norma (em questão) determinará que essa componente seja retirada ao lucro tributável, caso esta (componente) tenha sido incluída no resultado contabilístico (a inclusão no resultado contabilístico constitui uma condição para que a componente possa ser suprimida à luz de uma norma do CIRC respeitante à determinação do lucro tributável; e (iii) o legislador reconhece no artigo 50.º do CIRC  que concorrem para a formação do lucro tributável os rendimentos afetos a contratos em que o risco de seguro é suportado pelo tomador do seguro.

Diga-se, em abono da verdade, que é discutível se estamos perante um rendimento da seguradora ou do tomador do seguro. O titular do rendimento não pode, nesta hipótese, dispor dele para consumo ou investimento em resultado da configuração jurídica dos seguros unit-linked.  A seguradora está contratualmente obrigada a investir esses ativos, de acordo com o contrato que fez com o tomador do seguro e a manter esses ativos disponíveis para poderem ser entregues ao tomador do seguro em caso de resgate.

 Argumento este que sobrepesa em favor da tese que a Requerida defende nos autos; o rendimento juridicamente  seria gerado na esfera jurídica da seguradora que, por força do contrato, não pode economicamente dispor dele.

Sucede, no entanto, que o artigo 50.º do CIRC, em vigor no dia 31 de dezembro de 2016, não deixa dúvidas, quanto à sua aplicação aos contratos unit-linked; o legislador reconhece que os rendimentos são lucro (contabilístico) e, em segundo lugar, lucro tributável da seguradora. Integram, assim, a sua base tributável.

                Consequentemente, se os rendimentos estão, formalmente, dentro do resultado contabilístico (condição, formal, necessária à sua dedutibilidade) e esclarecendo o legislador, de modo explícito, que os rendimentos fazem parte do lucro e do lucro tributável das empresas seguradoras, impõe-se concluir pela falta de fonte normativa que legitime a AT  a recusar a dedução desses rendimentos – com fonte no artigo 51.º, números 1 e 6 do CIRC, quando o legislador no artigo 50.º do mesmo diploma  refere que esses rendimentos integram o lucro tributável. Apesar do teor da redação do artigo 51.º, n.º 6 do CIRC não pode o Tribunal Arbitral ignorar a própria qualificação que o legislador efetua no artigo 50.º do mesmo diploma.

                Os rendimentos em causa constituem rendimento real da Requerente, uma componente efetiva do resultado contabilístico e, assim, podem beneficiar do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica.

               

d)           Questão da restituição do imposto pago e da condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios

 

A Requerente, peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade, parcial, do ato de liquidação de IRC, a restituição da importância indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), uma vez que procedeu ao pagamento da quantia liquidada.

Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

O que significa que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.

Uma vez anulada parte da liquidação de IRC impugnada - no segmento respeitante à dedução do montante de 493 785,67 euros, para eliminação da dupla tributação dos dividendos, cabe à Requerida, em observância do disposto no artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, restituir as importâncias de imposto necessárias ao restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário, no aludido fragmento, não tivesse sido praticado.

Sobre os juros indemnizatórios rege o disposto no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.

Na situação vertente, está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas do CIRC e ficou demonstrado que a liquidação de IRC em discussão padece, em parte, de erros substantivos imputáveis à AT, para os quais a Requerente não contribuiu, verificando-se o pressuposto de erro imputável aos serviços,  segmento respeitante à dedução de 493 785,67 euros, para eliminação da dupla tributação dos dividendos.

A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.

Deste modo, a anulação parcial da liquidação de IRC é passível de constituir na esfera da Requerente o direito ao recebimento de juros indemnizatórios que a visam ressarcir da ilegal privação da quantia indevidamente paga pelo período de tempo que perdurar.

 

III – DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

(a)          Julgar a ação procedente e, em consequência, anular parcialmente a liquidação de IRC do exercício de 2016, emitida sob o n.º 2018..., de 03/08/2018, na parte referente à dedução dos dividendos (para eliminação da dupla tributação) no montante de 493 785,67 euros;

(b)          Anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa no segmento impugnado;

(c)          Condenar a Requerida a restituir à Requerente o montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.

 

VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 128 515,90 euros (montante cuja anulação se pretende), nos termos do artigo 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

CUSTAS

Custas a suportar pela Requerida no montante de 3 060,00 euros, cfr. artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

Lisboa, 24 de fevereiro de 2022

 

Os árbitros,

Manuel Macaísta Malheiros

Vencido, com declaração de voto

              

Francisco Nicolau Domingos

 

Rui Rodrigues

 

***

 

Declaração de voto

 

 

O acórdão n.º 589/20T, invocado como fundamento no presente processo, dizia respeito a rendimento do ano de 2015.

Nele afirma-se “Aplicando a doutrina do Tribunal Constitucional ao caso concreto, conclui-se que o artigo 135.º, ao conferir natureza interpretativa ao n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, não pode determinar a aplicação deste a factos anteriores a 1 de Janeiro de 2016 sob pena de, por ser materialmente retroativa, ofender o artigo 103.º da CRP”.

No caso sub judice os rendimentos dizem respeito ao ano de 2016: entendo que neste caso concreto os artigos do CIRC: 50.º, 51.º, nº 1 e n.º 6 devem ser interpretados tendo em consideração o texto do n.º 6 referido, em vigor e aplicável no presente processo.

Em consequência, face ao disposto no n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, julgaria improcedente a pretensão do sujeito passivo.

 

Processo n.º: 216/2021-Ttributação económica.

 

Manuel Luís Macaísta Malheiros