Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 216/2019-T
Data da decisão: 2019-11-26   Outros 
Valor do pedido: € 4.436.223,85
Tema: Cláusula geral antiabuso - Caducidade. Prazo de instauração do procedimento. Aplicação da lei no tempo.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Dr. Rogério M. Fernandes Ferreira e Dr.ª Carla Castelo Trindade, designados pelos Requerentes e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27-06-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

               

A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ..., ... e..., ...-... Almada (a “Requerente” ou “A... PT”), na qualidade de sociedade incorporante das sociedades B..., Lda. (“B...”), a C...- SGPS Unipessoal Lda. (“C...”) e a D... Lda. (“D...”) – veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

                A Requerente pretende, a título principal, que seja apreciada a legalidade das seguintes liquidações:

 

A título subsidiário, a Requerente pede a anulação parcial da Liquidação n.º 2018 ... relativa ao IRC de 2014 da A... e que seja declarada a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 26-03-2019.

Em 06-06-2019, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 27-06-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Em 07-11-2019, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

                Consideram-se provados os seguintes factos:

A.           A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou inspecção à Requerente A... PT ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2018.../.../..., relativas aos exercícios de 2014, 2015 e 2016, sendo nela elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

B.            A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou inspecção à C...– SGPS UNIPESSOAL LDA, NIF ... (doravante “C...”) ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2017.../.../..., relativas aos exercícios de 2014, 2015 e 2016, sendo nela elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

C.            A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou inspecção à B... LDA, NIF ... (doravante “B...”) ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2017.../... /..., relativas aos exercícios de 2014, 2015 e 2016, sendo nela elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

D.           A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou inspecção à D... LDA, NIF..., (doravante “D...”) ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2018.../.../..., relativas aos exercícios de 2014, 2015 e 2016, sendo nela elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

E.            Em 31-10-2018, foi registada a fusão das sociedades B..., C... e D... na A... PT, aqui Requerente;

F.            Nos relatórios citados refere-se, além do mais, o seguinte :

II.5. ANÁLISE DE FACTO DOS ATOS JURÍDICOS

II.5.1. DESCRIÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS CELEBRADOS

Os negócios jurídicos conducentes à consolidação da B... como proprietária de 95% da A... PT, sido celebrados de forma faseada e sucessiva, podendo identificar-se três momentos chave:

- O primeiro desses momentos ocorre em 2006/12/29, com a constituição das sociedades C... e B...;

- O segundo momento ocorre em 2007/03/30 com a entrada formal da A... ESPANHA no capital social das sociedades nascidas em dezembro de 2006, com a aquisição de 100% da C... e 5% da B...;

- O terceiro e quarto momento têm lugar em 2007/12/28 são compostos por três negócios jurídicos que apesar de distintos se entrelaçam e são os seguintes:

1) O contrato de compra e venda de participações sociais em que a A... ESPANHA transmite a participação social de 95% que detinha na A... PT, a favor da B...;

2) Contratos de suprimentos que suportam tal aquisição e que consolidam a obrigação de pagamento de juros por parte da B... e da C..., uma vez que de acordo com esses contratos a primeira fica obrigada a pagar à segunda os juros acordados e reembolsar o capital emprestado;

3) Contratos de suprimentos entre a C... e a A... ESPANHA com as mesmas obrigações para a C... em relação à A... Espanha que o contrato entre aquela e a B... .

 

A aquisição da participação de 95% da A... PT por parte da B... e consequentes encargos gerados pelos contratos de suprimentos permitiram a reunião das condições para a criação do GRUPO C... e opção pela tributação segundo as regras do RETGS. A partir do momento em que esta opção é concretizada, a A... PT que também faz parte do GRUPO e que, sempre teve lucro tributável e, até à data, pagava IRC, passou em virtude dos prejuízos maioritariamente da B..., a diluir o seu lucro tributável, o que nos anos de 2009 a 2013 se traduziu no apuramento de prejuízos fiscais no seio do GRUPO e, nos anos de 2014, 2015 e 2016, na diminuição da matéria coletável. De salientar que o apuramento de matéria coletável, nestes anos. se deveu a alterações ocorridas na lei, mais concretamente à limitação de dedutibilidade dos encargos financeiros, conforme referido no ponto II.4.1.4.1 do presente procedimento.

 

II.5.1.1. Motivo da constituição da C... e B...

Tendo o GRUPO sido questionado no sentido de esclarecer quais os motivos que estiveram na origem da constituição das sociedades C... e B... e a sua relação com a A... PT, veio informar, através do mail de 14 de fevereiro de 2018:

"Transcrevo-lhe abaixo as respostas do Grupo A..., relativamente às questões colocadas:

A C... foi originariamente criada com o objetivo de gerir participações sociais em Portugal, tendo em conta a possível aquisição de outras insígnias em Portugal;

2. A B... foi originariamente criada com o objetivo de gerir as unidades industriais e os estabelecimentos comerciais da insígnia A... em Portugal, em cumprimento dos objetivos traçados pelas instituições financeiras que na altura asseguraram a restruturação financeira do grupo a nível global;

3. A atual direção do grupo tem uma composição diferente daquela que determinou a criação desta estrutura em Portugal (o que aconteceu também por terem ocorrido alterações importantes ao nível da estrutura acionista);

4 A atual direção do grupo encontra-se a rever a estrutura criada nessa ocasião, com o objetivo de a simplificar ainda no primeiro ano de 2018.

Anexo 32 - Junta-se mail de 2018/02/14

 

Em face dos esclarecimentos prestados é de salientar o seguinte:

- Quanto à constituição da C..., que de acordo com os esclarecimentos prestados pelo GRUPO, propunha dedicar-se à gestão das participações sociais em Portugal, incluindo a aquisição de outras insígnias".

Contudo, a realidade e o decurso do tempo veio demonstrar que a justificação apresentada não tem aderência à realidade. Não só, desde 2007 até à presente data, não foram adquiridas "outras insígnias", como não realizam diretamente a gestão da participação social da principal empresa do GRUPO, que é a A... PORTUGAL, tendo deixado, essa tarefa, pelo menos em teoria para a B... . É ainda de realçar que em jeito de justificação para tal situação, no mail de 16 de fevereiro de 2018, que se junta no anexo l, é alegado que "com a crise financeira internacional de 2003 a ideia de aquisição de outras insígnias acabou por ser adiada".

Ora sendo certo que a crise financeira internacional afetou de forma negativa a vida de empresas, cidadãos e dos próprios Estados soberanos, na verdade também se apresentou como uma oportunidade para muitos negócios. Pois, sabendo nós que a crise financeira conduziu ao encerramento de muitas empresas e sendo de ressalvar não se pretender colocar em causa a liberdade individual para a condução dos negócios entre particulares e o respeito pela autonomia privada dos cidadãos e empresas, não se compreende porque é que o GRUPO não aproveitou a oportunidade para concretizar o seu alegado objetivo, adquirindo marcas e espaços que encerraram por via da mencionada crise, tanto mais que, pelo menos em Portugal, o volume de negócios da A... PT se manteve sem grandes oscilações ou reduções. E assim, se efetivamente fosse essa a sua intenção com certeza que teriam encontrado insígnias para adquirir e gerir concretizando o objetivo para o qual alegam ter sido criada. Mas, na realidade, a intenção da sua constituição, não foi a aquisição de novas insígnias ou gerir as participações em Portugal, foi sim, dar cobertura legal à introdução de gastos com juros, que permitiram à A... PT reduzir de forma drástica o montante de IRC a pagar em Portugal, constatando-se portanto, que o seu objetivo foi apenas e meramente fiscal.

• No que respeita à constituição da B..., que de acordo com os esclarecimentos prestados pelo GRUPO no mencionado "mail", tinha por propósito gerir as unidades comerciais e industriais da marca A... em Portugal.

Essa missão delineada a nível internacional para a B..., não tem aplicação prática, porque na verdade, quer o objeto social, quer aquilo que tem sido a função realmente exercida pela B... no GRUPO em Portugal, não corresponde aos motivos alegados para a sua constituição. Vejamos, pois;

• A B... foi constituída no mesmo dia da C... com o objeto social principal de Comércio por Grosso de Outros Produtos Alimentares, N. E. Apresenta em complemento a indicação de que poderá adquirir participações sociais em outras sociedades. Ora, estas atividades não se reconduzem no propósito de gerir unidades comerciais e industriais de uma marca. Mais ainda, a B..., não exerce os seus objetos sociais, tendo sido descrito, como a atividade real desta, de acordo com o mail que se apresenta no anexo 1, o exercício da atividade de contratação e formação de recursos humanos altamente especializados, "que inicialmente disponibiliza à A..., com vista à alta gestão das unidades industriais e dos internacionais do grupo". Sendo que na prática esta atividade se resume a servir de entidade empregadora formal a um ou dois funcionários da A... PT, conforme os anos analisados. Significando isto que, como se descreveu no ponto II.4.1.2.4.1.3, os funcionários em causa, eram funcionários da A... PT antes de passarem a terem o seu recibo de rendimentos emitido pela B..., que continuaram a trabalhar para a A... PT e a receber o seu vencimento através de uma conta da A... PT. Concluindo-se assim, que eles nunca foram nem contratados nem formados pela B... .

• A B... é como já se viu a detentora de 95% do capital social da A... PT. Associado a esta aquisição a B... é devedora de um empréstimo de € 76.226.000,00 e dos seus encargos de juros. O empréstimo nunca foi amortizado, nem os juros gerados são pagos na íntegra, pois o único rendimento que efetivamente a sociedade tem são os dividendos distribuídos pela A... PT. É de realçar, neste ponto que os credores de juros são de forma direta a C... e de forma indireta a A... ESPANHA, que é a controladora final de todo o GRUPO. Estes encargos de juros permitem consolidar aquele que é objetivo real da B... e que está por detrás da sua constituição, que é contribuir para o GRUPO com prejuízo que permitem a diluição do lucro tributável em IRC obtido pela A... PT, não sendo devido imposto a pagar pelo GRUPO, nos anos de 2009 a 2013 e uma redução da coleta nos anos de 2014, 2015 e 2016, enquanto, que a A... PT se tributada sozinha teria sempre imposto a pagar.

Poder-se-ia argumentar que se o objetivo era reduzir o imposto a pagar não era necessário constituir as duas empresas. Contudo, só assim, conseguem levar a bom porto a sua intenção de não pagar IRC. É relevante para a análise deste ponto, uma norma constante do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) vigente à data da constituição destas sociedades, o artigo 32.º do EBF e que determinava no seu n.º 2 o seguinte: "As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR o pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades." Da apreciação desta norma se conclui que se apenas tivessem constituído a C... não poderiam deduzir nem na C... individualmente considerada nem no GRUPO, os encargos de juros que foram gerados pelo empréstimo suportado.

Poder-se-ia eventualmente alegar que para contornar esta norma constituíam só a B... e seria esta a sociedade dominante. Só que se assim fosse, não era possível optar pela tributação segundo as regras do RETGS, por não cumprimento do disposto no na alínea c) do n.º 1 do artigo 69.º do CIRC, que estipula não poderem fazer parte do grupo de sociedades, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime "registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos."

Ora, a B... foi constituída para registar os encargos com juros e gerar prejuízos pelo que face a este normativo legal não poderia ser dominante. Por outro lado, tiveram que esperar dois anos (2007 e 2008) para poderem optar pelo RETGS.

Efetivamente ao analisar a situação fiscal da B... e da  C..., nos anos de 2007 e 2009, a primeira apresenta prejuízos fiscais de € -60,412,60 e € -7.357.521,01, respetivamente, enquanto, que a segunda no ano de 2007 apresenta um prejuízo de €-269,72 e em 2008 um lucro de € 4.927,92. No ano de 2009, encontravam-se, portanto, reunidos os requisitos pelo RETGS, por forma a obter a vantagem fiscal planeada com a constituição destas sociedades.

A atividade da C... e da B..., desde a data da constituição das mesmas, resume-se a movimentos relacionados com os contratos de suprimentos e com a aquisição da participação de 95% do capital da A... PT. Verifica-se, portanto, que estas sociedades, entre 2007 e 2016, não exerceram as atividades para as quais foram constituídas, o que leva a concluir que a C... e a B..., são sociedades instrumentais e a sua constituição é parte integrante de um planeamento fiscal, cujo objetivo é a não tributação em IRC dos lucros gerados pela A... PT.

Esse objetivo materializa-se com a reunião dos requisitos necessários à criação do GRUPO C... e com a opção de tributação pelo RETGS, que conduziu ao apuramento de prejuízos ao longo de vários anos e consequentemente à anulação da tributação dos lucros gerados pela A... PT nesses anos.

Essa situação de não tributação foi mitigada, nos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, por via da entrada em vigor do artigo 67.º do Código IRC, que veio limitar a dedução dos gastos de financiamento contabilizados, caso contrário continuariam a eliminar a totalidade do lucro da A... PT.

Face ao exposto, estamos perante um planeamento fiscal cujo objetivo final recai na não tributação em IRC dos lucros gerados pela A... PT, utilizando, para o efeito, um conjunto de instrumentos legais que permitiram alcançar esse propósito final desconforme ao Direito e ao Espírito da Lei.

Esses instrumentos foram, como neste ponto se analisou, a constituição da C... e da B... e ainda os contratos que se analisarão no ponto seguinte, mais concretamente o contrato de compra e venda da participação social da A... PT e os contratos de empréstimos. Todos estes instrumentos em conjunto permitiram que a A... PT usufruísse de vantagens indevidas, ainda que a coberto de normas legais e em cumprimento da letra da lei

 

II.5.1.2 Motivo da aquisição/transmissão das participações sociais

Como se constatou no ponto anterior, a edificação do planeamento, que tem na sua génese a intenção de redução ou eliminação da tributação em IRC dos lucros da A... PT: sempre ao abrigo das vestes da lei e da legalidade, inicia-se com a constituição em 2006 das sociedades C... e B... e seu início de atividade respetivamente em 2006 e 2007.

Para que fosse possível continuar no caminho em direção ao objetivo final, era necessário passarem a estar relacionadas com a A... ESPANHA (detentora inicial da participação de 95% do capital da A... PT). Esta situação concretiza-se com a aquisição de 100% da C... e 5% da B... por parte da A... ESPANHA, em março de 2007 em complemento com a aquisição por parte da B... de 95% da A... PT à A... ESPANHA.

O ato de aquisição de 95% do capital social da A... PT é suportado por um Acordo de Compra e Venda, celebrado em língua inglesa, no dia 28 de dezembro de 2007, no escritório da sociedade de Advogados E..., sita na  ..., ...-..., ...-1...-Lisboa,

Anexo 33 - Junta-se cópia do contraio de compra e venda das ações da A... PT, de 2007/12/28

Nos termos deste acordo a A... ESPANHA, com o número de identificação fiscal espanhol A- ..., proprietária da totalidade do capital social da A... PT, no montante total de € 1.900.000,00, alineou a favor da B... 95% do capital social da sua participada pelo montante global de €76.226.000,00. A B... procedeu à aquisição com o consentimento da sociedade-mãe, a C..., que ficou devedora do preço à A... ESPANHA, uma vez que conforme descreve o acordo mencionado o preço de aquisição "será pagável ao vendedor pela empresa-mãe em nome e por conta do comprador."

De salientar que, este contrato de compra e venda não determina em que momento é que deverá ocorrer o pagamento do preço, contudo é constitutivo de uma obrigação para a C... e para a B... .

Não obstante a legalidade dos contratos de transferência de quotas e ações conforme se descreve no ponto II.4.3 do presente procedimento, os mesmos não alteram a posição inicial da A... ESPANHA na A... PT, passando apenas de proprietária direta de 100% para proprietária direta de 5% e indireta de 95%, continuando a decidir e a controlar a gestão da mesma.

A celebração dos contratos de transferência de quotas e ações constituem, sim, um instrumento para credibilizar os contratos de suprimentos (descritos no ponto seguinte), que conduziram ao reconhecimento de juros, por parte da B..., permitindo no seio do GRUPO C..., apurar prejuízos e concretizar o objetivo de não tributação dos lucros gerados pela A... PT.

 

II.5.1.3. Motivo da celebração dos contratos de empréstimos

Em 2007/12/28, mesma data em que foi celebrado o contrato de compra e venda de 95% das ações da A... PT, foram igualmente celebrados contratos de suprimentos, que determinam as condições em que se processará o pagamento dos mesmos e quais os encargos associados.

Estes contratos de suprimentos são outorgados, por um lado entre a A... ESPANHA e a C... e por outro lado entre a C... e a B... . O primeiro é celebrado em língua inglesa e o segundo em português, são ambos celebrados, tal como o contrato de compra e venda no escritório da sociedade de Advogados E..., sita na ..., ...-..., ...-... -Lisboa.

Anexo 34 - Junta-se cópia dos contratos de suprimentos celebrados entre A... ESPANHA e C..., de 2007/12/28

Entre a A... ESPANHA e a C... são celebrados dois contratos de suprimentos denominados de "Facility l"(Tranche l) e "Facility ll"(Tranche II).

A A... ESPANHA intervém como mutuante ou "tender" e vendedora de 95% das ações da A... PT, e a C... como mutuária ou "borrower" e proprietária de 95% do capital social da B..., a adquirente das ações.

"Facility l" corresponde à concessão de um empréstimo no montante de € 57.226.000,00, sobre o qual incide a taxa de juro EURIBOR a três meses acrescida de 4,81% ao ano, sendo o primeiro pagamento de juros devido a 28 de dezembro de 2013, não podendo ocorrer qualquer amortização do empréstimo antes dessa data. O contrato não menciona taxativamente em que momento deverá ocorrer a amortização, apenas indica que a mutuária deverá reembolsar a mutuante na data de reembolso acrescido dos juros ainda não pagos e que cabe à A... ESPANHA (mutuante) proceder à notificação da C... (mutuária) com uma antecedência mínima de 15 dias, devendo identificar especificamente o montante do reembolso e o montante dos juros.

"Facility II" corresponde à concessão de um empréstimo no montante de € 19.000.000,00, sobre o qual incide a taxa de juro EURIBOR a três meses acrescida de 4,81% ao ano, sendo o primeiro pagamento de juros devido a 28 de dezembro de 2009, não podendo ocorrer qualquer amortização do empréstimo antes de 28 de dezembro de 2008 nem posteriormente a 31 de dezembro de 2013. O contrato indica que a mutuária deverá reembolsar a mutuante na data de reembolso acrescido dos juros ainda não pagos cabendo à A... ESPANHA (mutuante) proceder à notificação da C... (mutuária) com uma antecedência mínima de 15 dias, devendo identificar especificamente o montante do reembolso e o montante dos juros.

Ora, até à presente data, não ocorreu qualquer pagamento do empréstimo, nem sequer os juros foram anualmente pagos na Integra. Apesar no que respeita à Tranche l, o contrato ser relativamente vago, quanto à data de reembolso do empréstimo, em relação à Tranche II de o contrato especifica que o reembolso tem que ser realizado o mais tardar até 2013/12/31, porém, tal não aconteceu.

São igualmente celebrados entre a C... e a B... dois contratos de suprimentos também denominados de "Facility I" (Tranche l) e "Facility II"(Tranche II), com o mesmo conteúdo que os celebrados entre a A... ESPANHA e a C... .

Assim a C... repercute na B..., exatamente nos mesmos termos, os contratos de suprimentos que celebrou com a A... ESPANHA, mais concretamente no que respeita aos montantes taxas de juros e prazos de reembolsos.

Anexo 35 - Junta-se cópia dos contratos de suprimentos celebrados entre C... e a B..., em 2007/12/28

De salientar que também no caso dos contratos entre a C... e a B..., os juros não foram anualmente pagos na totalidade e não houve reembolso de quaisquer montantes dos empréstimos, pelo que não foram cumpridas as cláusulas dos contratos.

Refira-se ainda que, tal como descrito nos pontos II.4.1.1.4.1.1 e II.4.1.2.4.1.1 do presente procedimento, no ano de 2016, quer a C... quer a B..., registaram uma diminuição dos suprimentos "Facility l". Sendo que esta diminuição se materializou num reforço de capital da B... e não num efetivo pagamento por parte das entidades devedoras.

Em conclusão, suscita-nos, desde logo, curiosidade que a A... ESPANHA venda 95% das ações da A... PT, pelo montante de €76.226.000,00 à B... e empreste o mesmo montante à C..., para esta emprestar à B... a fim desta última poder realizar a aquisição. Isto é, a A... ESPANHA vende as ações e empresta capital para que a aquisição se possa fazer. Qual é a vantagem que este negócio tem para a A... ESPANHA? Na prática, a A... ESPANHA, com os contratos de suprimentos, dá cobertura legal aos prejuízos da B..., emprestando € 76.226.000,00, que não disponibiliza e vendendo uma participação social que continua a estar sob o seu domínio, permitindo-lhe criar as condições para a tributação no RETGS com prejuízos e encaixar os montantes de IRC, que sem aqueles negócios teria que entregar ao Estado Português, por via da tributação em IRC da A... PT.

Ora, os contratos de suprimentos constituem mais um instrumento para a concretização do objetivo final de não tributação em sede de IRC dos lucros gerados pela A... PT, uma vez que os juros decorrentes dos mesmos originam prejuízos na B..., que anulam total ou parcialmente o lucro tributável da A... PT no seio do GRUPO C... .

 

II.5.2. ENQUADRAMENTO FISCAL EM SEDE DE IRC

A C... e a B..., tendo sido constituídas sob a forma jurídica de sociedades comerciais, são nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IRC, sujeitos passivos daquele imposto, incidindo o imposto sobre o seu lucro.

O seu lucro tributável é o que resulta, em face do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, da soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do mencionado Código.

Concorrem para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 20.º do CIRC, os rendimentos e ganhos resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória relativos a vendas de bens, assim como são dedutíveis, face ao disposto do n.º 1 do artigo 23.º do mesmo diploma legal, os gastos ou perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo, relativos à produção ou aquisição desses bens para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

A aquisição da participação social por parte da B..., e as obrigações e direitos resultantes dos contratos de suprimentos celebrados entre a C... e a A... ESPANHA e entre B... e a C..., têm implicações a nível de IRC, influenciando a determinação do lucro tributável das sociedades sujeitas a este imposto.

Assim sendo e no que à B... respeita o contrato de compra e venda de 95% das ações da A... PT, gerou como rendimentos os dividendos que foram distribuídos pela A... PT, tendo a B... procedido à sua dedução para efeitos de apuramento do lucro tributável nos termos do artigo 51.º do CIRC. Enquanto, que os contratos de suprimentos geraram gastos com encargos de juros dedutíveis para efeitos fiscais, o que conduziu ao apuramento de prejuízos fiscais de elevados montantes.

No que concerne à C..., os contratos tiveram como consequência a nível de rendimentos os juros obtidos pela B... e como gastos os juros devidos à A... ESPANHA, apurando em regra prejuízos fiscais de montantes reduzidos, uma vez que os juros, tanto os obtidos como os suportados são, como se viu, do mesmo montante, não existindo outros rendimentos e os outros gastos são irrisórios.

Tanto a C... como a B... em 2007 e 2008 apresentaram IRC individualmente. Contudo, a partir de 2009 até 2016, passaram a fazer parte de um GRUPO de sociedades em que a C... assumiu o papel de sociedade dominante tendo como dominadas a B..., A... PT e D..., tendo as duas últimas sido chamadas ao GRUPO por via da aquisição da participação social pela B... .

A tributação segundo o regime de grupos de sociedades (RETGS) está prescrita nos artigos 69.º a 71.º do CIRC. De acordo com este regime, até 2013, existe um grupo de sociedades quando a sociedade dominante detém direta ou indiretamente pelo menos 90% do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que a participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto. Podendo a sociedade dominante fazer a opção por esse regime de tributação se estiverem reunidas as condições do n.º 3 do artigo 69.º do CIRC, nomeadamente todas as sociedades devem ter sede em Portugal, a totalidade dos seus rendimentos estar sujeita ao regime geral de tributação em IRC com a taxa mais elevada e a dominante deter a participação na dominada há mais de um ano.

Ora, considerando que as sociedades foram constituídas com sede em território nacional e que a C... detém 95% da B... de forma direta e 95% da A... PT de forma indireta, por via da B... em virtude da aquisição por esta realizada em 2007, em 2009 estavam reunidos todos os requisitos que permitiam à C... como sociedade dominante optar pelo RETGS. Esta opção veio permitir operacionalizar o efeito dos contratos de suprimentos que tiveram como base o contrato de compra e venda de 95% das ações da A... PT, uma vez que os prejuízos gerados pelos encargos com juros eliminaram/reduziram o lucro tributável da A... PT.

Os efeitos dos contratos de suprimentos nos resultados foram os seguintes:

 

 

 

Assim, os encargos com juros gerados pelos contratos de suprimentos, em conjunto com a opção pelo RETGS, permitiram à A... PT usufruir de uma vantagem fiscal, de eliminação/redução da coleta de o IRC anual, pois, conforme se tem demonstrado ao longo do presente procedimento, neste GRUPO de que a A... PT faz parte, esta é a única das sociedades que o compõem que exerce efetivamente atividade e apresenta matéria coletável em todos os anos de opção pela tributação em grupo, conforme se verifica pelo quadro que seguidamente se apresenta:

 

 

 

No que respeita às outras sociedades que fazem parte do mesmo GRUPO, constata-se que, relativamente ao apuramento de matéria coletável e imposto em sede de IRC, se tributadas individualmente, nos anos de 2009 a 2016, a B... e a D... não apuram nem matéria coletável nem imposto, apresentando, sim, prejuízos fiscais, em qualquer dos anos e a C... apenas apura matéria coletável e imposto no ano de 2009 e de 2015, nos montantes indicados no quadro seguinte, nos outros anos a matéria coletável é nula em virtude do resultado fiscal ser negativo:

 

Na sequência da opção de tributação pelo RETGS a matéria coletável e imposto devido pelo GRUPO foi o que consta do quadro seguinte:

 

Conforme se denota pela análise dos quadros anteriores, a A... PT sendo tributada individualmente pagaria, em cada um dos anos, mais imposto que todo o GRUPO junto, o que só por si não é contra a Lei, no entanto, e conforme se demonstrou a criação da C... e B... e os atos jurídicos e fiscais, que que lhe estão associados, mais concretamente a aquisição de 95% do capital da A... PT, contratos de suprimentos e a opção de tributação pelo RETGS, leva-nos a crer, que apenas serviram a intenção de eliminação/redução de IRC e que efetivamente se traduziu numa vantagem em sede de IRC, discriminada por anos no quadro seguinte:

 

Em conformidade com o quadro anterior, constata-se que dos anos de 2009 a 2016, a vantagem fiscal por via da diminuição do IRC a pagar totalizou €6.970.923,39, sendo que nos anos de 2014, 2015 e 2016, essa vantagem foi de €728.901.56, €837.442,83 e €916.660,91, respetivamente. perfazendo nestes anos o total de €2.483.005.30.

É ainda de relevar que, apesar de, pelo contrato de compra e venda, a A... ESPANHA ter alienado 95% das suas ações na A... PT, reservando para si somente 5% do capital social, por via da sua participação indireta na B..., através da C..., continuou a controlar a totalidade do capital social da A... PT e a ser a beneficiária efetiva dos dividendos distribuídos por esta, conforme se demonstra pelo quadro seguinte:

 

Em suma, e sendo de relembrar que as sociedades portuguesas são detidas e controladas pela A... ESPANHA e que assim era antes de todos estes atos terem sido realizados e assim continuam depois de os seus efeitos se produzirem, só podemos concluir que todos estes atos realizados no sentido de conduzir e concretizar a tributação pelo RETGS, teve em todos os momentos a intenção e o objetivo final reduzir a tributação em IRC da A... PT, gerando assim vantagens fiscais em primeiro lugar e diretamente para o GRUPO em Portugal e indiretamente para o grupo internacional.

 

II.5.3. CONCLUSÃO

Resumindo o que foi descrito nos pontos anteriores, o planeamento fiscal foi iniciado com a constituição das sociedades instrumentais C... e B... . De seguida estas sociedades passaram a ser detidas direta ou indiretamente pela A... ESPANHA.

Após estes atos jurídicos surgem o contrato de compra e venda e os contratos de suprimentos, que originam gastos financeiros na B... .

De salientar que os únicos movimentos bancários efetuados, relacionados com estes atos jurídicos e fiscais foram a distribuição de dividendos da A... PT, sendo que os seus montantes entraram na conta da B..., saindo de imediato para a C..., que os encaminha em simultâneo para a A... ESPANHA.

Conforme foi demonstrado ao longo do presente procedimento, os atos jurídicos e fiscais realizados, nomeadamente de constituição das sociedades instrumentais (B... e C...), compra e venda de ações e quotas, contratos de suprimentos e opção de tributação pelo RETGS tiveram uma motivação meramente fiscal, uma vez que apesar da legalidade jurídica e fiscal dos mesmos não se operam alterações reais, à exceção da eliminação/diminuição da tributação do lucro da A... PT.

Ora, nem as entidades constituídas exercem a atividade para a qual se registaram, nem o controlo da totalidade do capital da A... PT, deixou de estar na titularidade da sua inicial detentora, isto é, da A... ESPANHA.

Verifica-se, sim, uma vantagem fiscal que de 2009 a 2016, totalizou € 6.970.923,39 de IRC não entregue nos cofres do Estado Português.

De salientar ainda que após a celebração dos vários atos jurídicos, a A... ESPANHA, continuou a receber a totalidade dos dividendos distribuídos pela A... PT, só que a partir de 2009, em vez de lhe serem pagos 100% sob a forma de dividendos, passou a receber 5% sob essa forma (correspondente à sua participação direta) e 95% sob a forma artificiosa de juros (correspondente à sua participação indireta).

Refira-se, por fim, e não menos importante, que a constituição do GRUPO C..., para efeitos fiscais, e a opção de tributação pelo RETGS nos termos do artigo 69.º do CIRC, foi determinante para a concretização dos objetivos dos atos jurídicos, dado que é através deste mecanismo fiscal que se materializa todo o planeamento de eliminação/redução da tributação do lucro gerado pela A... PT.

Face ao exposto, tendo-se constatado de forma inequívoca que os negócios jurídicos descritos ao longo do presente procedimento, foram direcionados apenas para a obtenção da vantagem fiscal em sede de IRC, considera-se ser de anular os correspondentes efeitos fiscais, bem como a opção de tributação pelo RETGS, em sede de IRC, nos termos do n.º 2 do artigo 38.º da LGT.

 

II.6. ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Determina o n.º 2 do artigo 38.º da LGT que

"são ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas".

 

A aplicação da cláusula geral antiabuso, a que se refere o n.º 2 do artigo 38.º da LGT, deve ser firmada nos termos do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, contendo necessariamente os fundamentos a que se referem as alíneas a) e b) da citada norma legal e que seguidamente se reproduzem:

"a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e dos negócios ou atos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas do incidência que se lhes aplicam;

b) A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais."

 

No cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, nos pontos anteriores do presente procedimento foram descritos os vários negócios e atos jurídicos celebrados entre as sociedades que compõem o GRUPO C... . No âmbito da presente informação foram analisados:

- O ato de constituição das sociedades C... e B...;

- Posterior aquisição das sociedades mencionadas pela A... ESPANHA, na proporção de 100% e 5% respetivamente;

- A transferência de 95% do capital social da A... PT, da propriedade direta da A... ESPANHA para a B...;

- A celebração dos contratos de suprimentos que suportam a aquisição realizada pela B... e estabelecem obrigações de pagamento de juros para a C... e B...;

- Os motivos apresentados pelos responsáveis das sociedades com sede em Portugal que justificam a criação das sociedades mencionadas;

- A contabilidade da C... e B..., tendo-se confirmado o registo dos gastos e rendimentos de juros na primeira e registo dos gastos de juros na segunda, de que resultaram prejuízos contabilísticos e fiscais;

- A distribuição de dividendos pela A... PT e o pagamento de juros pela B... e C...;

- As declarações fiscais das sociedades envolvidas, quer individualmente quer no GRUPO, que suportam os prejuízos fiscais.

 

No que concerne à alínea b) do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT e em articulação com o n.º 2 do artigo 38.º da LGT ficou comprovado que todos estes atos e negócios jurídicos tiveram como finalidade obstar à tributação na esfera da A... PT, em sede de IRC, pelo apuramento de um resultado fiscais negativos na C... e sobretudo na B..., que se refletiram no resultado do GRUPO absorvendo os resultados fiscais positivos da A... PT, diminuindo o que seria o imposto a pagar se a A... PT fosse tributada sem o peso das duas empresas constituídas em 2006 e todos os ónus artificialmente criados que estas trouxeram para o GRUPO.

Em coordenação com estes atos e negócios verificou-se que a transferência de propriedade das ações da A... PT da A... ESPANHA para a B..., apesar de ter ocorrido no "papel", ou seja nos contratos apresentados, na prática o controlo das decisão de gestão e recebimento dos frutos e benefícios que aquelas ações providenciam se mantém na esfera das mesmas pessoas, em concreto da A... ESPANHA.

Foi igualmente constatado que o empréstimo para aquisição do capital social da A... PT tem origem na A... ESPANHA que atua como alienante e mutuante, ou seja vendendo e emprestando dinheiro à compradora para que esta possa fazer a aquisição, recebendo de volta não a totalidade dos juros determinados pelos contratos de suprimentos, mas apenas o montante equivalente à distribuição de dividendos efetuada pela A... PT, que como se percebeu, receberia de qualquer maneira, mesmo não tendo vendido a participação ou concedido os suprimentos. Mais ainda o montante do capital emprestado nunca saiu da A... ESPANHA, não deu entrada nas contas bancárias da C... e B..., não tendo ainda o seu reembolso sido concretizado, por isso também se conclui que o objetivo daqueles contratos foi gerar os prejuízos que permitiram à A... PT a eliminação/redução do IRC a pagar, nos anos de 2009 a 2016.

Assim, no caso subjúdice, verifica-se uma situação de elisão fiscal, que se dá pela prática de atos ou negócios lícitos, como os contratos de compra e venda e de suprimentos celebrados em 28 de dezembro de 2007, que reveste uma natureza artificiosa e a sua utilização só pode ser explicada por razões fiscais dado que implicou atos que carecem de racionalidade económica.

Face ao exposto, e tendo em devida análise os atos e negócios efetuados, com a intenção única ou essencial de obtenção de vantagens patrimoniais pela A... PT e demonstrados os passos jurídicos para efetivação do resultado pretendido de vantagens patrimoniais por meio da consideração indevida de uni prejuízo fiscalmente dedutível subtraindo-se do pagamento dos tributos fiscais inerentes a fim de evitar a respetiva carga fiscal, nos anos de 2009 a 2016, cumpre à AT recorrer à cláusula antiabuso, nos termos do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, por forma a repor a verdade fiscal.

 

II.6.1. DOUTRINA

A doutrina tem vindo a dar atenção ao estudo das normas antiabuso, definindo como seus contornos essenciais o combate à evasão fiscal concretizada por negócios jurídicos formalmente lícitos, como cita Lima Guerreiro " a cláusula antiabuso pode aplicar-se e condutas que não integram qualquer tipo de crime fiscal. Se há "fraude" no abuso de direito, ela não consiste na realização de um negócio jurídico simulado, mas no carater artificioso da seleção de um determinado meio jurídico para obter um resultado normalmente atingido pela utilização de outro meio".

Isto é, como afirma Saldanha Sanches "(em como elemento essencial do seu programa impedir os efeitos fiscais de modelação dos contratos civis se esta estiver animada da intenção de contornar a previsão normativa do legislador". Trata, portanto, de obstar, que pela simples manipulação da forma jurídica, se obtenha uma redução dos encargos fiscais.

De acordo com Saldanha Sanches "os negócios que podem ser objeto de neutralização ou desconsideração fiscal e, consequentemente anulados do ponto de vista da determinação dos seus efeitos tributários são os negócios jurídicos "dirigidos por meios artificiosos e fraudulentos", e com abuso das formas jurídicas, à redução dos encargos tributários"?).

Ainda refere Saldanha Sanches "um negócio será artificioso (um requisito que se verifica, ou não, depois da comparação com o negócio jurídico utilizado e aquele que teria sido fora da lei fiscal), e por isso, e num certo sentido, fraudulento quando a sua utilização só pode ser explicada por razões de natureza fiscal: ou seja, o negócio jurídico é celebrado com uma determinada intenção, obrigando-se, na aplicação da lei, a ajuizar sobre a intenção do agente").

A cláusula antiabuso conforme avança Gustavo Lopes Courinha é composta por um conjunto de elementos "em número de cinco, correspondendo, quatro deles aos requisitos de aplicação da CGAA e um à respetiva estatuição da norma:

• a forma utilizada - elemento meio:

• a vantagem fiscal e a equivalência económica obtidas - elemento resultado;

• a motivação do contribuinte - elemento intelectual:

• a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida - e/emento normativo:

• a efetivação da cláusula - elemento sancionatório.

(...)

 

II.6.3. REQUISITOS PARA APLICAÇÃO DA CGAA

Factualmente a Administração Tributária comprovou, ao longo desta informação, os pressupostos que se extraem do n.º 2 do artigo 38.º da LGT.

Vejamos:

 

II.6.3.1. Elemento Meio

O elemento meio está relacionado com os atos ou negócios praticados por livre escolha dos intervenientes com o objetivo principal de obter uma vantagem fiscal.

No caso em apreço o elemento meio está patente nos contratos de constituição das sociedades instrumentais C... e B... e sua subsequente aquisição pela A... ESPANHA, na substituição desta pela B... como proprietária direta de 95% do capital social da A... PT e ainda pela outorga dos contratos de suprimentos que suportam a aquisição realizada pela B... e estabelecem obrigações de pagamento de juros para a C... e B... .

Salienta-se que o controlo final quer do capital social quer dos órgãos de decisão em todas as sociedades envolvidas é pertença da A... ESPANHA, que com os negócios jurídicos realizados passou de detentora direta de 100% do capital da A... PT, para detentora direta de 5% e indireta de 95%, por via da C... e B... .

Verificou-se, pela análise dos movimentos bancários, que o montante do empréstimo de €76.226.000,00, originário na própria A... ESPANHA, não é entregue ao mutuário, o pagamento do preço de compra das ações não é concretizado ela parte dos juros que é paga, é efetuada na exata medida do recebimento dos dividendos distribuídos pela A... PT.

Assim, estamos perante um conjunto de atos encadeados, configurando a efetiva vontade dos intervenientes, que se iniciam com a constituição das sociedades, culminando com a opção de tributação pelo RETGS e que tem como atos intermédios a transferência de propriedade das ações de 95% das ações da A... PT e os contratos de suprimentos, com o propósito essencial de obtenção de vantagens fiscais por parte da A... PT.

 

II.6.3.2. Elemento Resultado

O elemento resultado versa sobre a vantagem fiscal obtida com a ação dos vários intervenientes e a equivalência dos efeitos económicos com aqueles do ato normalmente tributado e tem-se por verificada pela diferença que surge da comparação entre os ónus fiscais normalmente suportados e os evitados com a sua atuação.

Conforme apurado anteriormente a A... iniciou a sua atividade, em Portugal, no ano de 1992, sendo tributada em sede de IRC, individualmente sem fazer parte de qualquer grupo de sociedades, desde o início de atividade, ainda que se quisesse poderia ter concretizado essa opção, por via de, desde 1993, possuir uma subsidiária, a D... . Desde o seu início de atividade que a A... PT era detida a 100% pela A... ESPANHA, entidade residente em Espanha. Esta situação manteve-se sem grandes alterações até ao ano de 2009, data em que a A... PT passa a fazer parte do GRUPO C..., na qualidade de sociedade dominada.

É ainda de salientar que, não tendo sido realizada uma recolha exaustiva de todos os anos em que a A... PT foi tributada individualmente em Portugal procedeu-se à compilação da tributação de 2000 a 2008, que se verificou ter sido a seguinte:

 

 

 

A relevância deste quadro é demonstrar que a A... sempre pagou imposto em Portugal até ao ano de 2008. Ora, esta situação teve uma inversão brutal a partir de 2009, com o início da tributação por opção do RETGS.

Assim, a opção de tributação pelo RETGS, trouxe para o foro fiscal os efeitos dos contratos de transmissão da participação e de suprimentos, que não geraram alterações ou benefícios do ponto de vista económico das entidades envolvidas, tendo apenas como consequência uma vantagem fiscal, em sede de IRC, nos anos de 2009 a 2016, no total de € 6.970.923,39. Esta vantagem traduziu-se na redução substancial do imposto a pagar como se constata pelo quadro que se segue, tendo-se concluído que o ónus fiscal que normalmente seria suportado foi evitado com os negócios jurídicos celebrados.

 

 

Deste modo, a decisão tomada pelas sociedades envolvidas de transmissão da participação social e constituição das obrigações de juros pelos contratos de suprimentos e posterior opção pela tributação pelo RETGS, conseguiu reduzir de forma substancial a carga tributária da A... PT, que ocorreria se tal opção não tivesse sido concretizada, sendo de relembrar que a opção pelo grupo de sociedades só foi possível por terem celebrado tais negócios.

 

II.6 3.3. Elemento Intelectual/Intencional

O elemento intelectual incide sobre a motivação do contribuinte, exigindo-se que as suas escolhas sejam dirigidas a um fim fiscal e que este prevaleça sobre o resultado não fiscal equivalente. O que significa que a sua atuação visa a obtenção daquele resultado.

No caso concreto foi demonstrado que, de modo deliberado, os responsáveis pela A... utilizaram a constituição das sociedades C... e B... para, através da sua influência, conseguida por serem detentores, de forma direta e indireta, da totalidade do capital social dessas duas entidades, aí depositarem a participação de 95% da A... PT, que já era de sua propriedade antes da transmissão e assim, continuou sob a sua influência posteriormente. Esta transmissão aproveita ao objetivo final por duas vias. Por um lado, cria requisito fundamental para poderem criar um grupo de sociedades para efeitos fiscais, por outro lado, justifica os contratos de suprimentos que originam os prejuízos dedutíveis no seio do GRUPO, necessários à concretização do objetivo final que é a redução de IRC a pagar.

Sendo certo que os responsáveis pelo GRUPO C... alegaram que a finalidade da criação das empresas e sua tributação como GRUPO teria um fim legítimo e não seria motivado pelas vantagens fiscais, tal, como já abordado no ponto II.5.1, não tem a mínima aderência à realidade. Porquanto, aludindo as razões invocadas, para a constituição das sociedades e efetiva atividade exercida pelas sociedades C... e B..., não justificam a necessidade de transmissão da participação na A... PT e constituição dos contratos de suprimentos.

No caso da C... associam a sua constituição e manutenção à eventual necessidade de gerir as participações sociais em Portugal que iria derivar da eventual possibilidade da aquisição de outras insígnias e que a atividade efetivamente exercida passa por intervir na gestão e controlar as participadas e consolidando os respetivos resultados. Contudo, ao longo de todo este tempo em que estão em atividade, não foram adquiridas outras insígnias, a única participada que possui é a B... e efetivamente o que faz é consolidar os resultados do GRUPO, de que resulta o prejuízo fiscal necessário à obtenção da vantagem fiscal.

No caso B..., alegam que o seu objetivo iria ser a gestão das unidades industriais e comerciais da marca A... e que na realidade exerce a sua atividade contratando e formando recursos humanos que disponibiliza à A... PT. O que se concluiu foi que na prática a B... não exerce qualquer atividade uma vez que a tal contratação e formação de recursos humanos que alegam, resume-se, ao longo dos anos de 2008 a 2016, à contabilização dos salários de dois funcionários que já eram funcionários da A... PT antes de o serem na B..., por contrapartida de uma fatura de prestação de serviços mensal, mas nem sequer estes salários são pagos pela B..., porque como se verificou são utilizadas contas da A... PT para efetuar o pagamento dos salários em causa e os funcionários desempenham as funções na A... PT.

Assim, ficou claramente demonstrado que a motivação dos sujeitos passivos envolvidos é manifestamente dirigida a um fim fiscal, uma vez que as vantagens fiscais trazidas pelas suas opções e escolhas, nomeadamente no trazer para a área de influência da A... mais duas empresas, na celebração de contratos de compra e venda de ações e quotas e nos contratos de suprimentos e suas obrigações, têm apenas relevância fiscal no sentido que originam a eliminação ou redução de tributação do lucro tributável da A... PT.

Mais se realça que o fim fiscal das suas ações prevalece sobre um eventual resultado não fiscal que pretensamente lhe querem atribuir, uma vez que, as justificações a que aludiram para a constituição e manutenção das sociedades não se apresentam concretizadas e não justificam a necessidade da transmissão da participação nem dos contratos de suprimentos. Vejamos pois a situação da B..., para a concretização dos motivos a que aludem para a sua constituição não era fundamental e necessário, esta ser possuidora de uma participação de 95% da A... PT, nem os contratos de suprimentos têm relevância para a atividade que dizem pretender exercer.

E neste quadro esquemático delineado a existência da C..., criada em teoria para expandir a área de influência da A..., adquirindo outras marcas, apenas serve de complemento para tecer e preparar uma teia de negócios, que mais não pretendem que despistar e distrair daquilo que são os verdadeiros objetivos a alcançar, a vantagem fiscal.

Em suma, toda esta envolvência foi criada com a intenção de obter vantagens fiscais, reduzindo os montantes de imposto a pagar. É claro que a vantagem fiscal é uma mais-valia para a gestão societária e também é verdade que os sujeitos passivos devem procurar aquilo que melhor serve os seus interesses. Contudo, estes interesses não podem, ainda que utilizando meios que legalmente se encontram a seu dispor, serem dirigidos para a obtenção de fins não abrangidos pelo espírito da lei.

O que aqui está em causa é a ilegitimidade de procurarem soluções, sob a capa do direito à liberdade de gestão empresarial, que visem atingir objetivos censurados pelo ordenamento jurídico.

No que se refere à liberdade de gestão empresarial deve-se mencionar que os negócios jurídicos entre particulares, realizados no âmbito da sua autonomia privada, configuram uma das principais formas de manifestação da sua vontade, pelo que a liberdade contratual é vista como uma garantia na realização dos negócios compreendidos na sua esfera privada. Importa salientar que a liberdade gestão empresarial alicerçada na autonomia privada legitima os sujeitos passivos de impostos a conduzir os seus negócios da forma que mais lhes convier e considerem mais vantajosa.

Contudo, a liberdade e a autonomia dos particulares não pode pôr em causa o sistema fiscal que visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas no quadro de uma repartição justa do rendimento e da riqueza criados (cfr. art. 103.º, n.º 1, da Constituição da República).

Assim, a compatibilização destas duas realidades conduz à necessidade de prevenir a ocorrência de situações de elisão, evasão e fraude fiscais por razões de justiça social nessa medida se justificando a adoção de decisões de limitação legitima de direitos, liberdades e garantias dos particulares.

Deste modo, no caso em apreço estamos perante uma situação de exercício ilegítimo da liberdade empresarial promovendo o planeamento e premeditação de cenários que tiveram como fim a elisão fiscal e conduziram a uma diminuição efetiva das receitas fiscais.

 

II.6.3.4. Elemento Normativo

O elemento normativo traduz-se na reprovação pelo direito que a conduta das entidades envolvidas merece, ao demonstrar-se que o efeito fiscal obtido resulta do abuso das formas jurídicas.

A constituição da C... e da B..., para depositar na segunda 95% das ações da A... PT, legitimando os contratos de suprimentos celebrados e abrindo caminho para o reconhecimento contabilístico e consideração para efeitos fiscais dos encargos de juros por estes gerados teve como único intuito de obter as vantagens fiscais enumeradas no elemento resultado (ponto II.6.2.), pois que a C... quer a B... não tiveram desde ai atividade justificativa para a sua constituição.

Este conjunto de procedimentos legais permite:

- Que a A... PT mantenha a sua atividade normal, e os seus resultados fiscais dentro daquilo que tem sido o seu comportamento médio ao longo dos anos.

E em simultâneo;

- É-lhe dada a possibilidade de fazer parte de um GRUPO de sociedades que, por via desses negócios jurídicos realizados, vão contribuir para o GRUPO com prejuízos fiscais dedutíveis, que vão abater aos lucros da A... PT, permitindo a obtenção das vantagens fiscais mencionadas.

No entanto e conforme referido ao longo do presente procedimento de inspeção concluiu-se que as entidades envolvidas não obtiveram vantagens económicas/empresariais com estes negócios, tendo estes sido dirigidos apenas para a obtenção das vantagens fiscais.

Assim, a realização destes negócios nos moldes em que foram concretizados teve como objetivo essencial ou principal a obtenção de vantagens fiscais, uma vez que a constituição das sociedade C... e B..., a aquisição por parte desta de 95% das ações da A... PT e a constituição das obrigações de juros por via dos contratos de suprimentos, não é promovida por razões de gestão societária, mas apenas por razões de âmbito fiscal, visando obter vantagens fiscais indevidas para a A... .

 

II.7. RECONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO TRIBUTÁRIA - ELEMENTO SANCIONATÓRIO

Em face do disposto no n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, conforme redação dada pela lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, foi comprovado ao longo do presente procedimento de inspeção que os atos e negócios jurídicos e fiscais mencionados, designadamente a constituição das sociedades C... e B..., a aquisição por parte da  B... de 95% do capital social da  A... PT, a celebração dos contratos de suprimentos e a opção de tributação pelo RETGS, foram essencialmente dirigidos à obtenção de vantagens fiscais a nível de IRC.

Estas vantagens fiscais traduziram-se em, ao estarem reunidas as condições para poderem optar pela tributação pelo RETGS, permitir a dedução dos prejuízos fiscais, maioritariamente apurados pela B..., ao lucro tributável gerado pela A... PT, eliminando ou reduzindo substancialmente a tributação em sede de IRC, que nos anos de 2008 a 2016, totalizou €6.970.923,39. A vantagem obtida anualmente é a consta do quadro seguinte:

 

 

 

Conclui-se, por fim, que o objetivo essencial e principal da escritura de compra e venda da participação social celebrada em 28 de dezembro de 2007 e a outorga dos contratos de suprimentos que lhe estão associados é a obtenção de vantagens fiscais para o GRUPO A... .

Se dúvidas ainda restassem sobre o caráter essencialmente fiscal da estrutura jurídica que tem vindo a ser descrita e analisada ao longo da presente informação, bastaria constatar que é suscetível de se encontrar sujeita ao dever de comunicação de esquemas cuja finalidade, exclusiva ou predominante, seja a obtenção de vantagens fiscais, instituído pelo Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25/02, porquanto se encontra abrangida pelo disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º, atenta a sua metodologia funcional de aproveitamento de prejuízos fiscais no âmbito do RETGS como supra amplamente demonstrado, não cuidando agora de saber a quem, eventualmente, caberia o cumprimento dessa obrigação de comunicação, se a um eventual promotor como estipula o artigo 7.º se ao próprio utilizador do esquema como prescreve o artigo 10.º, ambos do predito Decreto-Lei.

A confirmar esta conclusão podemos, também, invocar o disposto do Despacho n.º 14592/2008, de 15/05/2008 do SEAF. publicado no D.R., 2.ª série - N.º 101 - 27/05/2008, que determina as orientações interpretativas aplicáveis ao DL n.º 29/2008, de 25/02.

Assim, se atentarmos na metodologia prevista no respetivo n.º 11, não será difícil constatar que a estrutura jurídica sob análise ultrapassa, sucessiva e claramente, todos os quatros filtros aí consagrados, encontrando-se, portanto, sujeita ao correspondente dever de comunicação.

Não se colocando em causa a validade extra fiscal destes contratos, deverão os mesmos ser requalificados para efeitos fiscais, nos termos do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, com as consequências seguidamente apresentadas atendendo, porém que, por força da caducidade do direito à liquidação dos tributos prevista no n.º 1 e n.º 3 do artigo 45.º da LGT apenas se irá proceder às necessárias correções relativamente aos anos não caducados:

- A tributação individual das empresas que compõem o GRUPO, uma vez que a vantagem fiscal obtida, só foi possível através da opção de tributação pelo RETGS, também esta opção é parte essencial à concretização do planeamento fiscal abusivo.

- Não consideração dos gastos e rendimentos resultantes dos contratos de suprimentos mais concretamente de juros expurgando os seu efeitos na esfera da C...  e B... .

Quanto aos dividendos distribuídos, não se procede a qualquer correção dado que não se verifica existir vantagem fiscal. Ora, com a desconsideração fiscal do negócio, os dividendos seriam distribuídos pela A... PT diretamente à A... ESPANHA, no entanto, esta foi a efetiva beneficiária dos mesmos por via indireta ao abrigo dos negócios utilizados no planeamento abusivo.

 

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

 

III. 1. EM SEDE DE IRC

Em conformidade com o apurado anteriormente, no ponto II do presente procedimento, constatou-se que a constituição do GRUPO C..., os negócios jurídicos que lhe estão associados e a sua tributação segundo o RETGS, nos termos dos artigos 69.º a 71.º do CIRC, foi dirigida essencialmente à obtenção de vantagens fiscais indevidas sendo, portanto, de proceder à sua requalificação para efeitos fiscais, através da não consideração fiscal dos efeitos dos contratos de suprimentos no seio das sociedades envolvidas e eliminação da tributação pelo RETGS.

Assim, por terem sido tributadas nos anos de 2014, 2015 e 2016, pelo regime de tributação de sociedades, as declarações modelo 22 apresentadas individualmente por cada entidade do GRUPO C... encontram-se na situação de "N/liquidável",

Ao longo do presente procedimento de inspeção conclui-se que a utilização do mecanismo legal de tributação pelo RETGS serviu como meio de concretização do planeamento fiscal abusivo descrito no ponto anterior, pelo que a fim de eliminar as vantagens fiscais produzidas, verifica-se ser de efetuar as seguintes correções nas declarações modelo 22 de IRC, da A... PT que se encontram na situação de "N/liquidável".

(...)

X. AUTORIZAÇÃO PARA APLICAÇÃO DA DISPOSIÇÃO ANTIABUSO

Nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 63.º do CPPT, e para efeitos de autorização da aplicação da disposição antiabuso, propõe-se o envio do presente relatório, contendo uma proposta de aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT e n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, à Sra. Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

É o que me cumpre informar e propor à consideração superior.

Setúbal, 2 de novembro de 2018

A Inspetora Tributária

(...-...)

 

 

G.           Sobre cada um dos Relatórios referidos foi emitido um «Parecer do Chefe de Equipa», cujos teores se dão como reproduzidos, em que se refere, além do mais o seguinte:

Confirmo o teor do presente relatório, bem como os procedimentos adotados na ação de inspeção interna levada a efeito com o objetivo de analisar a situação tributária do sujeito passivo, em sede do IRC, relativamente aos anos do 2014, 2015 e 2016. No decurso do procedimento de inspeção foram reunidos fundamentos para a aplicação da norma geral antiabuso, prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT (Lei Geral Tributária) e artigo 63.° do CPPT (Código do Procedimento e de Processo Tributário), relativamente a atos e negócios jurídicos, ocorridos durante os exercícios de 2006 e 2007, designadamente a decisão de constituição de duas sociedades, a concretização dessa decisão (constituição da C... e B...), a transmissão da propriedade de 95% das ações da A... PORTUGAL, por parte da entidade espanhola A... SA e a celebração de vários contratos de suprimentos, assim como, a constituição do GRUPO C... e em 2009 a opção de tributação pelo RETGS (Regime Especial da Tribulação de Grupos do Sociedades). Conclui-se, assim, que os referidos atos e negócios foram essencialmente dirigidos à obtenção de vantagens fiscais a nível de IRC, que se traduziu na eliminação/redução de Imposto a pagar pela A... PORTUGAL, nos anos de 2009 a 2016 (no total do € 6.970.823,30. A conclusão de que os referidas atos foram essencialmente dirigidos à obtenção de vantagens fiscais, advém dos seguintes factos:

- As entidades C... e B..., no período compreendido entre e sua constituição e 2016, não exerceram as atividades para a qual foram constituídas;

- Apesar de ter existido o ato legal de transmissão de 95% das ações da A... PORTUGAL, por parte da A... SA, esta entidade continuou a exercer o controlo societário por intermédio da C... e da B...;

- O financiamento da operação de transferência da propriedade de 95% das ações da A... PORTUGAL, foi registado através da celebração de contratos de suprimentos, entre a A... SA (empresa vendedora das ações) e a C... e entre esta e a B... (empresa compradora das ações), ambos no montante total de € 76.226.000,00, não tendo existido a intervenção da instituição financeira. Até à presente data não ocorreu qualquer pagamento do empréstimo, e a parte dos juros pagos correspondem aos dividendos distribuídos pela A... PORTUGAL à B...;

-Em 2016, a A... SA, reduziu o valor do empréstimo em dívida, no montante de € 31.981.564,24, redução esta que teve reflexos na C... e na B... . Não estando em causa a validade extra fiscal dos contratos celebrados, deverão os mesmos ser desconsiderados para efeitos fiscais, nos termos do n.º 2 do artigo 38.º da LGT (Lei Geral Tributária) (...)

 

 

H.           Na primeira página de cada um dos Relatórios das inspecções tributários foi aposto um despacho com o seguinte teor, datado de 07-12-2018, cujo teor se dá como reproduzido:

Autorizo nos termos e com os fundamentos propostos.

A Diretora Geral;

 

I.             Na sequência dessas inspecções a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu pela aplicação da cláusula geral antiabuso e emitiu as liquidações que se resumem no quadro que segue:

 

 

J.             Em 2009, a C... exerceu a opção de apuramento da matéria tributável, em relação ao Grupo B... PT, à luz do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”);

K.            Antes da criação das sociedades B... e C..., o capital social da Requerente era detido a 100% pela A... Espanha;

L.            Em 2005 foi apresentada uma Oferta Pública de Aquisição (“OPA”), por parte da F..., tendo em vista a aquisição de todo o capital da A... Espanha, à qual o grupo A... lançou uma contra-OPA, que levou a que aquela não avançasse (depoimento da testemunha G...);

M.          O grupo teve de se financiar para responder à OPA (depoimento da testemunha G...);

N.           O grupo A... foi criado em Espanha e Portugal foi para primeiro país a que estendeu a sua actividade (depoimento da testemunha G...);

O.           Entre 2004 e 2007, o grupo pretendia estender-se à América Latina e necessitava de se reestruturar (depoimento da testemunha G...);

P.            Quanto à estrutura em Portugal, incluía a atribuição de funções diferentes à C... e à B... (depoimento da testemunha G...);

Q.           O papel da C..., sendo uma SGPS, era atacar a concorrência, adquirindo cadeias de fast food, nomeadamente pizarias, para alargar o negócio, gerindo as participações financeiras que viessem a ser adquiridas (depoimento da testemunha G...);

R.            O papel da B... era efectuar a gestão operacional de todos os negócios de outros tipos que viessem a ser adquiridos (depoimento da testemunha G...);

S.            A D... em 2006 era uma empresa aberta, mas sem actividade (depoimento da testemunha G...);

T.            A D... foi criada para assegurar a logística necessária para assegurar o fornecimento de mercadoria a todos os pontos de venda (depoimento da testemunha G...);

U.           Com a extensão da actividade a todo o território nacional a Requerente sentiu necessidade de contratar empresas externas para assegurar o transporte de mercadorias (depoimento da testemunha G...);

V.           Efectuaram diligências aquisição de algumas empresas que foram identificadas e foram contactos por outras que souberam da operação, mas a partir de 2008 até 2013 a situação de recessão económica em Portugal inviabilizava este tipo de operações, pois as empresas a adquirir tinham grande endividamento ou tinham ónus sobre os activos (depoimento da testemunha G...);

W.          Quando o adquirente era a A... os preços pedidos eram aumentados por se tratar de uma empresa conhecida (depoimento da testemunha G...);

X.            A Requerente efectuou várias medidas de optimização e redução de custos na sequência da crise económica (depoimento da testemunha G...);

Y.            Em 2016 foi efectuado aditamento ao contrato de suprimentos para cobertura de prejuízos, por a B... não ter atingido os seus objectivos e com prejuízos acumulados estar na situação prevista no artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais (depoimento da testemunha G...);

Z.            O aditamento e a necessidade de cobertura de prejuízos não estavam previstos quando foram criadas a C... e a B... (depoimento da testemunha G...);

AA.        Houve várias possíveis operações para pôr em execução o projecto visado com a reestruturação, algumas até 2008 e 5 entre 2012 e 2016 (depoimento da testemunha G...);

BB.         As operações não avançaram porque em alguns casos houve reservas quanto à situação económica das empresas a adquirir ou não chegaram a cordo quanto ao preço (depoimento da testemunha G...);

CC.         Em 2017 iniciaram o processo de fusão por a estrutura montada não estar a funcionar (depoimento da testemunha G...);

DD.        Não fizeram a fusão antes, porque em 2014 e 2015 tiveram duas propostas de aquisição e não fazia sentido eliminarem a estrutura criada em momento em que podiam pô-la em execução (depoimento da testemunha G...);

EE.          A B... tinha funcionários a trabalhar permanentemente, que prestavam serviços à A..., que era sua subsidiária (depoimento da testemunha G...);

FF.          A C... não tinha funcionários próprios sendo os serviços assegurados externamente (depoimento da testemunha G...);

GG.        Foram instaurados pelo Serviço de Finanças de Almada – ... os seguintes processos de execução fiscal para cobrança coerciva das quantias liquidadas:

i. O processo n.º ...2019..., relativo ao IRC de 2014, para cobrança coerciva do montante de € 1.072.550,44;

ii. O processo n.º ...2019..., relativo ao IRC de 2015, para cobrança coerciva do montante de € 1.261.468,78; e

iii. O processo n.º ...2019..., relativo ao IRC de 2016, para cobrança coerciva do montante de € 1.333.701,04.

HH.        Em 06-03-2019, e com vista à suspensão dos Processos de Execução Fiscal nos termos do disposto nos artigos 169.º e 199.º do CPPT, ofereceu a A... PT as garantias bancárias n.ºs ..., ... e ..., emitidas em 25 de fevereiro de 2019 pelo Banco H..., S.A. (Documentos n.ºs 17, 18 e 19 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

II.            A Requerente despendeu a quantia de € 27.715,03 com o pagamento do Imposto do Selo devido, relativo às garantias bancárias que prestou (documentos n.ºs 20, 21 e 22 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

JJ.           A Requerente despendeu, até à data em que apresentou o pedido de pronúncia arbitral, a quantia de € 18.478,48, com a prestação de garantias para suspender execuções fiscais instauradas para cobrança coerciva das quantias liquidadas (documento n.º 35 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

KK.         A Requerente pagou voluntariamente as quantias liquidadas relativas às Demonstrações de Liquidação da C..., a B... e da D...;

i.             Em 26-02-2019, a Requerente efectuou dois pagamentos no montante de € 54,06 cada, relativos ao IRC de 2016 da B... e da D... (documentos n.ºs 23 e 24 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

ii.            Em 25-03-2019, a Requerente efectuou um pagamento no montante de € 50.349,06, relativo ao IRC de 2014 da C... (Documento n.º 25 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

LL.          Em 25-03-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo e no depoimento da testemunha G... que aparentou depor com isenção e com conhecimento dos factos que relatou.

Não se provou que a estrutura do grupo criada em 2006 tivesse finalidades exclusiva ou principalmente fiscais.

A testemunha G... explicou as razões que motivaram essa restruturação e o modelo criado apresenta coerência para a expansão do negócio.

Por outro lado, não foi produzida qualquer prova, nem se vislumbra qualquer razão para crer, que o aditamento ao contrato de suprimentos efectuado em 2016 ou a fusão realizada em 2018 tivessem sido previstos como partes de um hipotético plano para diminuir a tributação gizado em 2006.

Não se provou que no período compreendido entre e sua constituição e 2016 as sociedades C... e B... não tenham exercido actividades para as quais foram constituídas. Na verdade, do depoimento da testemunha G..., única testemunha apresentada, resulta o contrário, isto pese embora a sociedade nunca tenha tido actividade efectiva.

 

                3. Matéria de direito

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou inspecções a sociedades do Grupo C... ou Grupo B..., tendo concluído que se justifica a aplicação da cláusula geral antiabuso.

                No essencial, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu o seguinte:

– «o planeamento fiscal foi iniciado com a constituição das sociedades instrumentais C... e B... . De seguida estas sociedades passaram a ser detidas direta ou indiretamente pela A...»;

– «após estes atos jurídicos surgem o contrato de compra e venda e os contratos de suprimentos, que originam gastos financeiros na B...»;

– «os atos jurídicos e fiscais realizados, nomeadamente de constituição das sociedades instrumentais (B... e C...), compra e venda de ações e quotas, contratos de suprimentos e opção de tributação pelo RETGS tiveram uma motivação meramente fiscal, uma vez que apesar da legalidade jurídica e fiscal dos mesmos não se operam alterações reais, à exceção da eliminação/diminuição da tributação do lucro da A... PT»;

– «a constituição do GRUPO C..., para efeitos fiscais, e a opção de tributação pelo RETGS nos termos do artigo 69.º do CIRC, foi determinante para a concretização dos objetivos dos atos jurídicos, dado que é através deste mecanismo fiscal que se materializa todo o planeamento de eliminação/redução da tributação do lucro gerado pela A... PT»;

– «o objetivo essencial e principal da escritura de compra e venda da participação social celebrada em 28 de dezembro de 2007 e a outorga dos contratos de suprimentos que lhe estão associados é a obtenção de vantagens fiscais para o GRUPO A...».

– «não se colocando em causa a validade extra fiscal destes contratos, deverão os mesmos ser requalificados para efeitos fiscais, nos termos do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, com as consequências seguidamente apresentadas atendendo, porém que, por força da caducidade do direito à liquidação dos tributos prevista no n.º 1 e n.º 3 do artigo 45.º da LGT apenas se irá proceder às necessárias correções relativamente aos anos não caducados:

- «a tributação individual das empresas que compõem o GRUPO, uma vez que a vantagem fiscal obtida, só foi possível através da opção de tributação pelo RETGS, também esta opção é parte essencial à concretização do planeamento fiscal abusivo.

- Não consideração dos gastos e rendimentos resultantes dos contratos de suprimentos mais concretamente de juros expurgando os seu efeitos na esfera da C... e B... .

– «os negócios jurídicos conducentes à consolidação da B... como proprietária de 95% da A... PT, sido celebrados de forma faseada e sucessiva, podendo identificar-se três momentos chave:

- O primeiro desses momentos ocorre em 2006/12/29, com a constituição das sociedades C... e B...;

- O segundo momento ocorre em 2007/03/30 com a entrada formal da A... ESPANHA no capital social das sociedades nascidas em dezembro de 2006, com a aquisição de 100% da C... e 5% da B...;

- O terceiro e quarto momento têm lugar em 2007/12/28 são compostos por três negócios jurídicos que apesar de distintos se entrelaçam e são os seguintes:

1) O contrato de compra e venda de participações sociais em que a A... ESPANHA transmite a participação social de 95% que detinha na A... PT, a favor da B...;

2) Contratos de suprimentos que suportam tal aquisição e que consolidam a obrigação de pagamento de juros por parte da B... e da C..., uma vez que de acordo com esses contratos a primeira fica obrigada a pagar à segunda os juros acordados e reembolsar o capita] emprestado;

3) Contratos de suprimentos entre a C... e a A...  ESPANHA com as mesmas obrigações para a C... em relação à A... Espanha que o contrato entre aquela e a B...».

 

– «a aquisição da participação de 95% da A... PT por parte da B... e consequentes encargos gerados pelos contratos de suprimentos permitiram a reunião das condições para a criação do GRUPO C... e opção pela tributação segundo as regras do RETGS. A partir do momento em que esta opção é concretizada, a A... PT que também faz parte do GRUPO e que, sempre teve lucro tributável e, até à data, pagava IRC, passou em virtude dos prejuízos maioritariamente da B..., a diluir o seu lucro tributável, o que nos anos de 2009 a 2013 se traduziu no apuramento de prejuízos fiscais no seio da GRUPO e, nos anos de 2014, 2015 e 2016, na diminuição da matéria coletável. De salientar que o apuramento de matéria coletável, nestes anos, se deveu a alterações ocorridas na lei, mais concretamente à limitação de dedutibilidade dos encargos financeiros, conforme referido no ponto II.4.1.4.1 do presente procedimento».

 

Com estes pressupostos essenciais, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações impugnadas com base na cláusula geral antiabuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT, que, na redacção da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro (   ), estabelece o seguinte:

 

                2. São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.

 

                A aplicação da cláusula geral antiabuso tem de se efectuar com observância do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT.

                A Requerente imputa às liquidações impugnadas os seguintes vícios:

A) caducidade do direito à aplicação da cláusula geral antiabuso;

B) o incumprimento do dever de fundamentação especial para efeitos de instauração do procedimento de aplicação da CGAA;

C) incumprimento do ónus da prova;

D) não verificação dos pressupostos legais de aplicação da CGAA;

E) Inaplicabilidade da CGAA por inverificação do elemento meio;

F) inaplicabilidade da CGAA por inverificação do elemento resultado;

G) inaplicabilidade da CGAA por inverificação do elemento intelectual;

I) inaplicabilidade da CGAA por inverificação do elemento normativo;

J) erro na aplicação do elemento sancionatório;

K) violação da liberdade de estabelecimento ou da liberdade de circulação de capitais.

            

3.1. Fundamentos do acto de liquidação atendíveis

 

O regime de contencioso previsto no RJAT é de mera legalidade, visando-se apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º.

Por isso, tem de se aferir da legalidade dos actos impugnados tal como foram praticados, com a fundamentação que neles foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional. (   )

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca no presente processo arbitral que o aditamento ao contrato de suprimentos de 2016 e a fusão de 2018 fariam parte de um plano da Requerente para diminuir a tributação, mas nada referiu sobre isso nos relatórios das inspecções efectuadas e, por outro lado, considerou que desde 2009 a 2016 se produziram os efeitos do planeamento fiscal abusivo que entendeu ter sido criado, como comprovam, desde logo, as liquidações relativas aos exercícios de 2014 e 2015 que são objecto de impugnação no presente processo.

Por isso, tem de se considerar assente que não há negócios efectuados em 2016 e 2018 que relevem para efeitos da aplicação da cláusula geral antiabuso.

 

3.2. Ordem de conhecimento de vícios

 

                O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

                No caso de vícios geradores de anulabilidade (como são os imputados pela Requerente, que pede a anulação e não a declaração de nulidade das liquidações), a alínea a) do n.º 2 daquele artigo 124.º estabelece, no que aqui interessa, que a «a apreciação dos vícios é feita pela ordem (...) indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade» e, se assim não suceder, a apreciação é feita conhecendo prioritariamente «dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos» [parte final da alínea b) do n.º 2 do artigo 124.º, com referência à alínea a do mesmo número].

                No presente processo, para além de a ordem pela qual são imputados os vícios apontar no sentido de a Requerente pretender apreciação prioritária da questão da caducidade por decurso do prazo para instauração do procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso e, depois, a do incumprimento do dever de fundamentação, o facto de lhes atribuir a designação de «questões prévias» revela manifestamente pretende que se aprecie prioritariamente essas questões.

Para além disso, a Requerente refere no artigo 109.º do pedido de pronúncia arbitral, a terminar as alegações sobre a referida questão da caducidade, que o que alega «determina a respetiva ilegalidade, impondo-se a respetiva anulação, o que desde já se requer, para todos os devidos efeitos legais» (negrito nosso), o que mostra que pretende uma decisão destas questão antes da apreciação das restantes.

Está-se, assim, perante uma arguição subsidiária dos vícios invocados após a questão da caducidade, permitida pelo artigo 101.º do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Por isso, uma vez que «diz-se subsidiário o pedido que é apresentado a tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior» [art. 554.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT], só haverá que tomar conhecimento dos vícios invocados após a questão da caducidade se for de julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto a esse vício.

 

3.3. Questão da caducidade do direito à aplicação da cláusula geral antiabuso

               

3.3.1. Posições das Partes

 

A Requerente defende, em suma, o seguinte:

– os actos ou negócios que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que foram concretizados de forma abusiva são, de acordo com o parecer da Chefe de Equipa, «atos e negócios jurídicos ocorridos durante os exercícios de 2006 e 2007 designadamente a decisão de constituição de duas sociedades e a concretização dessa decisão (constituição da e da B...), a transmissão de 95% das ações da A... PORTUGAL por parte da entidade espanhola A... SA e a celebração de vários contratos de suprimentos, assim como, a constituição do GRUPO C... e a opção de tributação pelo RETGS (Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades)»,

– o artigo 63.º do CPPT, na redação que se encontrava em vigor no ano de 2007, estabelecia que o procedimento próprio para aplicação da cláusula geral antiabuso podia ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições antiabuso;

– neste caso, o procedimento só foi aberto em 2017;

– com a entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, deixou de existir esse prazo, mas quando ela entrou em vigor já tinha decorrido o prazo, pelo que não se pode aplicar a nova lei, por ser proibida a retroactividade (artigo 103.º da CRP).

Sobre esta questão, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende, na sua Resposta o seguinte, em suma:

– estamos perante uma sequência encadeada de actos que, no entender da AT, foram praticados tendo sempre em vista o não pagamento de IRC;

– tendo em conta que estamos perante actos ou negócios jurídicos que, do ponto de vista civil, são válidos, quer analisados individualmente, quer no seu conjunto, que para se estar perante uma situação subsumível à aplicação da CGAA, torna-se necessário que essa sucessão de actos ou negócios jurídicos apresentem carácter unitário, assim, o prazo para o início do procedimento começará a contar da realização do último acto ou negócio jurídico relevante que integre essa unidade estruturada;

– a situação aqui em apreço refere-se a um conjunto complexo de actos sujeitos a uma arquitectura global, nos quais se encontram eventos preparatórios e outros com características complementares;

– estamos perante uma situação denominada “step by step transaction” na qual se encontrou uma “facti species” complexa, envolvendo uma sucessão de actos ou negócios totalmente coordenados entre si, embora tenham ocorrido em momentos temporais diversos, porém sempre com um objectivo comum que foi conseguir uma vantagem fiscal;

– se é verdade que essa sequência de actos teve início em 2006, também é verdade que os actos continuaram a ser praticados até 2016 (data em que a C... e a B... viriam a celebrar um aditamento ao contrato de suprimentos no âmbito do qual acordaram, na sequência da Deliberação Unânime por Escrito aprovada pela C... e A... Espanha com vista à contribuição com o valor de € 440.226.000,00 para cobertura de prejuízos registados, a redução do montante da Tranche I, do montante inicial de € 57.226.000,00 para € 17.000.000,00 – cfr. ponto 59º da PI);

– os últimos negócios jurídicos não ocorreram em 2007, mas sim em 2016;

– se tivermos em conta a fusão por incorporação da B..., C... e D... na A... PT, em 31 de Outubro de 2018, diríamos mesmo que último acto jurídico praticado foi este;

– era impossível, para a AT, afirmar em 2006 ou 2007 ou mesmo em 2010 que os negócios jurídicos praticados em 2006 e 2007, vistos isoladamente, tinham em vista a fuga ao pagamento dos impostos;

– só o conjunto de negócios jurídicos e actos (designadamente a constituição das sociedades C... e B..., a aquisição por parte da B... de 95% do capital da A... Portugal, a celebração dos contratos de suprimentos, a opção de tributação pelo RETGS e os aditamentos aos contratos de suprimentos – em 2016, tal como a fusão por incorporação – em 2018 – foram essencialmente dirigidos à obtenção de vantagens fiscais a nível de IRC, as quais no período de 2009 a 2016, totalizaram €6.970.923,39) formam uma unidade lógica, sequencial e indivisível que levaram a AT a formular a conclusão a que chegou e que permite dizer que a AT está a fazer uma aplicação correcta do artigo 63º do CPPT ou do artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

 

3.3.2. O momento relevante para determinar o início do prazo para instauração do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT

 

O artigo 63.º do CPPT, na redacção inicial, estabelecia o seguinte, no que aqui interessa:

 

1 - A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.

2 - Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.

3 - O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso.

 

A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, alterou o n.º 3, que passou a ter a seguinte redacção:

 

3 – O procedimento referido no n.º 1 pode ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições antiabuso.

 

Com a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, deixou de ser feita qualquer referência a prazo para a abertura do procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso.

Antes de mais, na análise da questão da caducidade, há que ter em conta que, no caso em apreço, a tributação com aplicação da CGAA apenas é viável com o afastamento da relevância fiscal dos negócios celebrados em 2006 e 2007, de constituição de sociedades, aquisição e transmissão de participações sociais.

Por outro lado, como resulta do teor expresso do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, nas redacções anteriores à da Lei n.º 64-B/2011, os factos relevantes para a contagem do prazo de três anos eram «a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso» (na redacção originária) e passou a ser «o início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições antiabuso» (na redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro).

Isto é, à face destas redacções anteriores à Lei n.º 64-B/2011, não se permitia a liquidação com base na CGAA mesmo que as vantagens fiscais fossem obtidas no 4.º ano a contar daquele em que foi celebrado o negócio do negócio, ainda dentro do prazo de caducidade do direito de liquidação.

Não havia, assim, no nosso direito vigente até à redacção dada ao artigo 63.º do CPPT pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, suporte legal para entender que o prazo para instauração do procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso apenas se iniciava com a possibilidade de conhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira dos negócios abusivos, ou com a consumação desses efeitos, pois esse início ocorria no próprio momento da realização do acto ou negócio, na redacção inicial, ou no início do ano civil seguinte ao da realização do negócio, a redacção de 2008.

Efectivamente, como se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 420/2014-T «se o legislador mantendo-se na terminologia do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, pretendesse que o prazo em questão tivesse como referência a consumação da vantagem fiscal almejada com o acto ou negócio jurídico cuja ineficácia é visada pela aplicação da cláusula antiabuso, tê-lo-ia dito. A referir-se ao negócio jurídico, e não à vantagem fiscal, fica claro, crê-se, que o legislador pretendeu – bem ou mal – reportar-se àquele, e não a esta, para determinar o início do prazo que consagrou no artigo 63.º, n.º 3 do CPPT, através da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro».

A “step transaction doctrine”, invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, consiste na consideração do conjunto complexo de actos ou negócios jurídicos que surgem numa arquitectura global, planeada, composta por actos ou negócios jurídicos preparatórios e complementares, para além do acto ou negócio jurídico que é objectivamente censurado, na medida em que somente através da sua visão completa se detecta o desenho elisivo (   ).

Porém, não desconsiderando totalmente a tal teoria da “step transaction doctrine”, a mesma não é compaginável, na sua totalidade, com a letra do artigo 63.º, n.º 3 do CPPT, quer na redacção inicial, quer na introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que fazem referências explícitas à realização do negócio como momento relevante para determinar o início do prazo de três anos, imediatamente (na redacção inicial) ou a partir do início do ano civil subsequente (na redacção de 2008). A letra da lei encontra-se centrada no acto ou negócio jurídico, tendo o legislador optado por utilizar a expressão “realização do negócio” (art. 63.º, n.º 3 do CPPT) (   ) em vez de outras como “efeito do negócio” ou “finalidade do acto” ou «produção de vantagens fiscais».

Nem mesmo se pode considerar relevante para influenciar o início do prazo para abertura do procedimento o momento em que o negócio entra na esfera de conhecimento da Administração Tributária, pois, pelo contrário, impõe-se a contagem do prazo desde o início do ano civil posterior ao da realização do negócio, apesar de as declarações de rendimentos nos impostos periódicos só devam ser apresentadas vários meses depois e, antes da sua apresentação não ser viável a Administração Tributária aperceber-se de efeitos fiscais de negócios.

É certo que o início do prazo para instauração do procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso contado nos termos previstos no artigo 63.º, n.º 3, do CPPT (nas redacções referidas) se afigura demasiado curto, tendo em conta que se iniciava antes do momento em que devem ser cumpridas obrigações declarativas que permita à Autoridade Tributária e Aduaneira aperceber-se do negócio abusivo, mas é esse o prazo que decorre do que está estabelecido na lei, e terá, decerto, sido o reconhecimento da sua insuficiência que terá estado subjacente à alteração legislativa de 2011, que eliminou o prazo. (   )

Assim, o entendimento de que o início do prazo se deva contar da produção de efeitos do negócio ou conjunto de negócios ou do seu conhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira não tem na letra do artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, imprescindível para a admissibilidade de uma interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 2 do CC) (   ).

Por isso, à face das redacções do artigo 63.º do CPPT que vigoraram antes de a Lei n.º 64-B/2011 ter eliminado o prazo especial para instauração de procedimento antiabuso com base no momento da realização do negócio jurídico, a doutrina das "step by step transactions", a que se refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, apenas poderia ter aplicação, no nosso direito, para efeitos de apurar a caducidade, quando um negócio, só por si, não tivesse potencialidade de criar as condições para obtenção de vantagens fiscais que não advinham de outro negócio alternativo (   ) e essas condições só ficarem reunidas com a conjugação de vários negócios ou actos, nomeadamente aqueles em que um negócio fosse repartido em várias etapas com o propósito de alterar os efeitos fiscais que lhe corresponderiam se lhe fosse dada a qualificação cível adequada.

Para além disso, há que atender a que à face da redacção de 2008, ao contrário do que sucedia com a inicial, apenas os «negócios» (e não também os «actos», como sucedia na redacção inicial) relevam para determinação do início do prazo para abertura do procedimento para aplicação de disposições antiabuso. Na verdade, havendo na redacção inicial uma referência expressa aos «actos», cumulativamente como os «negócios», como factos relevantes para determinação do início do prazo de caducidade de aplicação da cláusula geral antiabuso, a supressão da referência aos «actos» na redacção de 2008 exprime claramente uma intenção de legislativa de afastar a relevância daqueles para determinar o prazo referido.

No caso em apreço, os «negócios» referidos pela Administração Tributária como fundamento da aplicação cláusula geral antiabuso realizaram-se em 2006 e 2007, com a constituição de sociedades, transmissão de acções e contratos de suprimentos.

Posteriormente, em 2009, apenas ocorreu a opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, que não é relevante para determinar o início do prazo para instauração do procedimento à face da redacção então vigente (de 2008), que apenas atribuía tal efeito aos «negócios». Aliás, a opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades nem pode ser considerada um meio artificioso ou fraudulento para obter efeitos fiscais favoráveis, pois é um tipo de acto permitido por lei precisamente para obtenção de efeitos fiscais. 

É a esta luz que há que apreciar a questão da caducidade suscitada pela Requerente.

 

3.3.3. Análise da questão da caducidade

 

Como se refere no acórdão arbitral de 09-05-2013, proferido no processo n.º 123/2012-T (   ), nas redacções que vigoraram até à entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, resultava do n.º 3 do artigo 63.º para o sujeito passivo a “garantia” de que o procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso não poderia ser aberto decorrido o prazo previsto.

Assim, o decurso do prazo previsto extinguia o direito potestativo de que gozava a Autoridade Tributária e Aduaneira de instaurar o referido procedimento.

Refere-se no processo arbitral n.º 363/2016-T, sobre questão idêntica:

Delimitando temporalmente o direito potestativo do sujeito activo, o prazo estabelecido no artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, naquelas redacções, era um prazo de caducidade: “caducidade ou preclusão é um instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não-exercício prolongado por certo tempo” (   ); “caducidade, também dita preclusão, é o instituto pelo qual os direitos, que, por força da lei ou de convenção se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo” (   ).

O sujeito activo tem o direito potestativo – dir-se-á, noutra óptica, que tem um poder-dever – de abrir o procedimento até um certo momento. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado relativo ao exercício do direito sujeito ao prazo de caducidade. (   )

O artigo 12.º, n.º 3, da LGT, ao estabelecer que «as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes», tem como efeito, relativamente à aplicação da lei no tempo da Lei n.º 64-B/2011, que, relativamente aos direitos de instaurar procedimento para aplicação de cláusula geral antiabuso que ainda não tinham caducado à data da sua entrada em vigor, deixa de se verificar a caducidade, pois a nova lei não prevê prazo para a referida instauração.

Na verdade, quando está a decorrer o prazo de extinção de um direito, está-se perante uma situação jurídica em curso de extinção, que se extingue quando esse prazo se esgotar.

Perante uma sucessão de leis reguladoras de uma situação jurídica em curso de extinção, se essa situação não se extinguiu durante a vigência da lei antiga, a lei competente para determinar o regime da sua extinção (inclusivamente a sua não extinção) é a lei nova.

Mas, para a lei nova a que não seja atribuída eficácia retroactiva poder regular essa situação jurídica é necessário que ela ainda subsista à data da entrada em vigor da lei nova, isto é, que o direito em causa não se tenha já extinto, antes desta entrada em vigor. Se o direito se extinguiu na vigência da lei antiga, a lei nova não lhe pode ser aplicável, sem retroactividade, pois não tem qualquer conexão temporal com a situação já extinta, não se colocando sequer um problema de aplicação da nova lei no tempo, se esta não for retroactiva.

O artigo 297.º do Código Civil, que contém normas especiais para a aplicação no tempo das leis sobre prazos, evidencia o suporte legal para este entendimento, ao condicionar a sua aplicação aos prazos que estiverem em curso, no momento da entrada em vigor da lei nova.

A lei que elimina um prazo constitui, à face deste artigo 297.º, mesmo por interpretação meramente declarativa, uma lei que estabelece «um prazo mais longo», pois a inexistência de um prazo é equiparável a um prazo de duração infinita.

Assim, a nova lei é aplicável aos prazos que estejam em curso, mas apenas a esses, não se aplicando a prazos que já decorreram integralmente.

Por outras palavras, a certeza e a segurança jurídica conferida com a caducidade do direito apenas se constitui se o prazo transcorrer na totalidade sem que o direito potestativo seja exercido, mas, após o seu decurso integral, estar-se-á perante uma situação em que deixa de haver o direito de instaurar o procedimento, não havendo qualquer suporte legal para se entender, sem retroactividade, que ele renasça pelo facto de a nova lei vir eliminar o prazo.

No caso em apreço, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, não atribui eficácia retroactiva à nova redacção que introduziu no artigo 63.º do CPPT, designadamente a eliminação do prazo para instaurar procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso, pelo que tem de se entender que esta eliminação apenas se verifica para prazos que estivessem em curso à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 01-01-2012 (artigo 215.º daquela Lei).(   )

 

Aplicando este regime jurídico ao caso dos autos, constata-se que, como defende a Requerente, o direito de a Administração Tributária instaurar procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso, retirando eficácia fiscal aos negócios celebrados em 2006 e 2007, extinguiu-se por caducidade.

Na verdade, como se referiu, a opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, ocorrida em 2009, para além de não se poder considerar um acto abusivo, pois a lei admite a sua prática com finalidades exclusivamente fiscais (são estas precisamente as finalidades que visa), não tem relevo para determinar o início da contagem do prazo para instauração do procedimento pois, como se referiu, constitui um «acto» jurídico e não um «negócio» jurídico e só a este a lei vigente em 2008 atribuiu relevância para determinar o início do prazo para instauração do procedimento.

Assim, o prazo de três anos previsto no artigo 63.º, mesmo contado «do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições antiabuso» (como se estabelece na redacção do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro), terá terminado em 31-12-2010, pois todos os negócios de constituição de sociedades, transmissão de acções e financiamento foram celebrados em 2006 e 2007.

Por outro lado, como se referiu, os actos praticados em 2016 e 2018, referidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta, para além de serem invocados a posteriori como fundamento da aplicação da cláusula geral antiabuso e não se ter provado que tivessem sido previstos em 2006/2007, não podem considerar-se relevantes para efeito da obtenção de vantagens fiscais, pois, como a Autoridade Tributária e Aduaneira defende nos relatórios das inspecções, estas vantagens ocorreram logo a partir de 2009 e até 2016.

Assim, estando integralmente decorrido esse prazo extintivo do direito de a Autoridade Tributária e Aduaneira instaurar procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso à data em que foi eliminado o prazo, em 01-01-2012, com a entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, esta nova lei não tem com aquele prazo qualquer conexão temporal, pelo que não pode ser aplicada à situação jurídica a que se reporta a extinção do direito.

Por isso, tendo o procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso sido instaurado em 2017, conclui-se que a instauração ocorreu depois de estar extinto o prazo aplicável, pelo que esta foi ilegal, por violação do artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, na redacção da Lei n.º 64-A/2008.

Consequentemente, as liquidações impugnadas, que têm como pressuposto o referido procedimento, enfermam do mesmo vício, que justifica a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 2015, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

As liquidações de juros compensatórios incluídas nas liquidações impugnadas têm como pressupostos as respectivas liquidações de IRS, pelo que enfermam do mesmo vício e se justifica também a sua anulação.

 

3.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

O vício das liquidações que constitui a caducidade da instauração do procedimento para aplicação da CGAA assegura eficaz e estável tutela dos interesses dos Requerentes, pelo que fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC) o conhecimento dos restantes vícios que são imputados às liquidações.

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

Os Requerentes prestaram garantias bancárias para suspensão de processos de execução fiscal instaurados para cobrança coerciva das quantias liquidadas (documentos n.ºs 18, 19 e 20 juntos com o pedido de pronúncia arbitral) e pedem indemnizações pelos encargos suportados, nos termos do artigo 53.º da LGT.

O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

 

Garantia em caso de prestação indevida

 

                1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

                2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que os erros subjacentes às liquidações, quanto à possibilidade de aplicação da cláusula geral antiabuso, são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois essa aplicação e as subsequentes liquidações de IRC e juros compensatórios foram da sua iniciativa.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pelas despesas que suportou com as  garantias prestadas.

Provou-se que, com a prestação de garantias, a Requerente despendeu, até à data em que apresentou o pedido de pronúncia arbitral a quantia de € 18.478,48 e suportou ainda a despesa de € 27.715,03 com o pagamento do Imposto do Selo.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto das indemnizações, a condenação terá de ser efectuada com referência aos valores pagos já comprovados (€ 46.193,51), além do que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2.º, alínea d) da LGT].

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular as seguintes liquidações de IRC e juros compensatórios, referentes às seguintes sociedades:

 

 

 

A... PT   2018...

A... PT   2018...

A... PT   2018...

C...         2018...

C...         2018...

C...         2018...

B...         2018...

B...         2018...

B...         2018...

D...         2018...

D...         2018...

D...         2018...

 

c)            Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 46.193,51, além da quantia que for liquidada em execução do presente acórdão relativa a outras despesas que a Requerente tenha suportado com a prestação das garantias.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 4.436.223,85.

 

 

Lisboa, 26-11-2019

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Rogério M. Fernandes Ferreira)

(Carla Castelo Trindade)