Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 212/2021-T
Data da decisão: 2021-09-22  IVA  
Valor do pedido: € 1.510.406,77
Tema: IVA – Isenção. Locação de imóveis. Cessão de exploração de estabelecimento hoteleiro. Princípios da boa fé e da confiança.
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DECISÃO ARBITRAL  (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Cristina Coisinha e Dr. Henrique Nogueira Nunes (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23-06-2021, acordam no seguinte:

               

                1. Relatório

 

A..., S.A., doravante designada por “Requerente”, com o número de identificação fiscal ... e com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., doravante referida como «Requerente», veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação de liquidações de IVA e juros compensatórios o montante total a pagar de € 1.510.406,77.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 14-04-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 02-06-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 23-06-2021.

A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 13-09-2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           Foi efectuada uma acção inspectiva interna com as Ordens de Serviço n.º OI 2020..., OI 2020..., OI 2020..., OI 2020..., OI 2020..., respeitantes ao exercício do direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de serviços prestados pelo B... S.A.;

B)           A Requerente encontra-se inscrita como sujeito passivo de IVA, desde 07-01-1988, com enquadramento no regime normal de periodicidade mensal, para o exercício da atividade de “Estalagens com restaurante”, CAE 55113;

C)           A Requerente procedeu à reconstrução do Hotel C..., localizado em ..., para exploração hoteleira tendo, para o efeito, recorrido a um financiamento junto do B... S.A;

D)           No decurso da sua actividade de exploração de empreendimentos turísticos e hoteleiros, a Requerente formulou um pedido de reembolso de IVA, no valor de € 560.000,00, aquando da entrega da Declaração Periódica do IVA para o período de Fevereiro de 2020;

E)            Na sequência do pedido de reembolso, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente, ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI 2020..., OI 2020..., OI 2020..., OI 2020..., OI 2020..., relativa aos anos 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020;

F)            No procedimento de inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

Conforme referido anteriormente, a empresa A... informou que, no decurso da sua atividade, procedeu à reconstrução do Hotel C..., localizado em ..., para exploração hoteleira, tendo para o efeito, recorrido a um financiamento junto do B... S. A.

No entanto, face à conjuntura económica de 2008, a empresa confrontou-se com dificuldades no pagamento do financiamento obtido, tendo, em 2009, acordado com o B... a venda do imóvel construído e, de seguida, a celebração de um contrato de locação financeira imobiliária ("sale and leaseback").

E acrescentou que, quer para a operação de venda do imóvel, como para o subsequente arrendamento, acordaram as partes pela renúncia à isenção do IVA.

Referiu ainda que desde a abertura da unidade hoteleira, a exploração da mesma foi cedida inicialmente a outra entidade e, posteriormente, após resolução desse contrato de cessão de exploração, foi efetuado novo contrato com uma sociedade do grupo no qual se insere.

Relativamente à alienação do imóvel em 2009 ao B..., notificada para o efeito, a empresa A... exibiu o Certificado de Renúncia à Isenção do IVA na transmissão do imóvel em causa, emitido pela Direcção-Geral dos Impostos em 2009-06-04 (Anexo f).

Após a venda do imóvel, a A... e o B... celebraram a 5 de Junho de 2009, um Contrato de Locação Financeira Imobiliária (Anexo ti), com o nº..., relativo a esse mesmo imóvel (imóvel que constitui prédio urbano composto de edifício de 8 pisos e logradouro sito na Rua ... nº ... e Rua ... nºs ... a ... em Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...).

O financiamento total do Contrato de Locação Financeira foi fixado em € 36.562.00,00.

No contrato ficou prevista a possibilidade de realização de amortizações extraordinárias de capital (cláusula VII), bem como a opção de compra antes do termo do contrato ou no termo do contrato (cláusulas 14a e 15a). Na cláusula X do contrato consta a seguinte menção "As partes declaram optar pela sujeição presente operação ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado'.

Através da análise à contabilidade da A..., verificou-se que o B... procedeu à emissão de faturas relativas às rendas do Contrato de Locação Financeira Imobiliária celebrado entre as partes, que foram emitidas com IVA à taxa normal (23%) e que foi deduzido pela locatária (no Anexo III juntam-se algumas faturas exemplificativas).

No que respeita à Locação Financeira Imobiliária, importa começar por fazer uma breve caracterização desta figura jurídica e o seu enquadramento para efeitos fiscais, no sentido de analisar o tratamento que a empresa A... e o B... deram ao contrato que celebraram.

O regime jurídico do contrato de locação financeira vem consagrado no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, sucessivamente atualizado pelos DL nº 265/97, de 2/10 e 285/2001, de 3 de Novembro e, mais recentemente, pelo DL 30/2008, de 25 de Fevereiro. De acordo com o seu artigo 1.º, o contrato de locação financeira ou de leasing é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.

Podem ser objeto de financiamento todos e quaisquer bens móveis ou imóveis suscetíveis de serem dados em locação.

A locação financeira é assim um tipo de contrato que é utilizado pelos operadores económicos para financiar aquisições, que são pagas faseadamente, dado que a retribuição acordada não só contempla a remuneração acordada para se obter o direito de gozo do bem, mas também o valor da opção de compra no final do contrato.

Tendo o contrato por objeto um imóvel, estamos perante uma locação financeira imobiliária.

Por norma, as locadoras não dispõem de qualquer parque imobiliário para locar os imóveis aos seus clientes. Por isso, adquirem-nos a quem os tenha ou construa para esse efeito, para de seguida os locar.

No presente caso estamos perante um contrato de locação financeira com a particularidade de a locadora comprar o bem à entidade que passará a ser a sua locatária ("leaseback").

Esta aquisição está sujeita a IMT nos termos gerais, sendo que, em sede de IVA, porque se trata de uma transmissão de bens imóveis, esta beneficia da isenção constante do n.º 30 do artigo 9.º do CIVA. Porém, o vendedor e futuro locatário, e a locadora, poderão renunciar à isenção do IVA, nos termos do Decreto-Lei nº 21/2007, de 29 de Janeiro, desde que reunidas as condições impostas, designadamente, pelos artigos 2.º e 3.º do mesmo Decreto5.

A atual regulamentação do regime de renúncia à isenção do IVA nas operações sobre bens imóveis, que entrou em vigor em Abril de 2007, consubstancia um regime mais restritivo do que aquele que vigorava ao abrigo do Decreto-Lei nº 241/86, pretendendo dar resposta e prevenir "algumas situações de fraude, evasão e abuso" (como referido no preâmbulo do Decreto-Lei nº 21/2007).

A renúncia à isenção passou a estar sujeita à verificação cumulativa de um conjunto de condições objetivas (referentes aos imóveis) e subjetivas (em relação aos sujeitos passivos que podem intervir nessas operações).

i) Condições objetivas e subjetivas da renúncia

Em concreto, e com pertinência para o caso, passamos a transcrever os artigos 2.º e 3º do regime de renúncia:

(...)

i) Formalidades da renúncia

O exercício do direito à renúncia depende, ainda, da submissão de um pedido de certificado à Autoridade Tributária (antiga Direção-Geral dos Impostos), conforme disposto no art.º4º do referido Decreto-Lei:

"Artigo 4.º Formalidades para a renúncia à isenção

1 - Os sujeitos passivos que pretendam renunciar à isenção devem dirigir à Direção-Geral dos Impostos, por via eletrónica, um pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, do qual conste os seguintes elementos:

a) O nome ou designação social do sujeito passivo transmitente ou locador e do sujeito passivo adquirente ou locatário do imóvel, bem como os respetivos números de identificação fiscal;

b) A identificação do imóvel;

c) Se se trata de uma operação de transmissão do direito de propriedade do imóvel ou de uma operação de locação do mesmo;

d) A atividade a exercer no Imóvel;

e) O valor da venda do imóvel ou o valor mensal da renda;"

 

Procurando esclarecer as dúvidas que pudessem surgir na interpretação das normas constantes do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, a Direção de Serviços do IVA divulgou o Ofício-Circulado n.º 30 099, de 09-02-2007.

Nesse Ofício é informado que os sujeitos passivos que pretendam renunciar à isenção devem solicitar um certificado, cujo pedido deve ser efetuado, prévia e obrigatoriamente, por via eletrónica.

Depois da confirmação dos dados constantes do pedido por parte do sujeito passivo locatário ou adquirente do imóvel, e caso se verifiquem todos os requisitos necessários à emissão do mesmo, o certificado será, desde logo, disponibilizado. Caso contrário, a emissão do certificado ficará dependente de despacho do Chefe de Finanças da área da sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, do domicílio do transmitente ou do locador do imóvel.

Após a validação, automática ou pelo serviço de finanças, dos dados referentes aos sujeitos passivos e à identificação do imóvel, o certificado fica disponível, podendo ser impresso.

iii) Produção de efeitos

Por fim, refere o artigo 5º:

Artigo 5.º

Momento em que se efetiva a renúncia à isenção

1 -A renúncia à isenção só opera no momento em que for celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, ou, no caso de contrato de locação financeira relativo a imóvel a construir, no momento em que o locador tome posse do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válidos e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à Isenção estabelecidas no presente regime.

2 - Deixando de se verificar as condições de renúncia à isenção antes da celebração do contrato referido no número anterior, ou tendo decorrido o prazo de validade do certificado de renúncia sem que tal contrato haja sido celebrado, deve o sujeito passivo que solicitou a emissão do mesmo comunicar, por via eletrónica, esse facto à administração tributária.

3 - O exercido da renúncia à isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos."

Resulta das normas mencionadas que o legislador fez depender a tributação destas operações:

(i) do prévio exercício de uma opção expressa por parte do sujeito passivo locador, sujeita a confirmação adicional por parte do locatário, e

(ii) do cumprimento de diversos requisitos objetivos, subjetivos e formais que cumprem a finalidade eminente de controlo e anti abusiva que consta das considerações preambulares do Regime de Renúncia.

O exercício da renúncia à isenção do IVA sem que estejam reunidas as respetivas condições constitutivas previstas no Regime de Renúncia, ou sem que o locador disponha de um certificado válido para a operação concreta (que, convém salientar, caduca, no prazo de seis meses da data da sua emissão se não for utilizado -cf. artigo 4.º, n.º 5 do Regime de Renúncia) simplesmente não produz efeitos jurídico-tributários.

Por último consideramos importante fazer uma última observação com pertinência para o caso em análise, especificamente por estarmos perante uma operação de leaseback (transmissão do imóvel no dia 2009-06-04; contrato de locação dia 2009-06-05).

Nestes casos, as partes poderão renunciar à isenção do IVA, nos termos do DL 21/2007, de 29 de Janeiro, desde que reunidas as condições impostas, designadamente, pelos artigos 2.º e 3.º do mesmo Decreto.

Analisado o quadro legal em vigor, tal como acabado de expor, foi solicitado ao Sujeito Passivo A... a apresentação do Certificado de Renúncia à Isenção do IVA emitido pela Direcção-Geral dos Impostos relativo ao Contrato de Locação Financeira Imobiliária nº..., celebrado a 5 de Junho de 2009. A empresa informou que não possui tal documento, mas que, no entanto, o Contrato de Locação indica que "as partes declaram optar pela sujeição presente operação ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado".

Neste seguimento, foi efetuada consulta ao sistema informático da AT sobre a renúncia à isenção, tendo sido apenas extraído o Certificado de Renúncia à isenção relativo à transmissão do imóvel (que já havia sido apresentado pela empresa).

Pelo que, foram efetuadas diligências adicionais, tendo sido solicitado ao Serviço de Finanças Lisboa-... os seguintes documentos, com referência ao imóvel situado na freguesia com o nº ... e artigo da matriz...:  CERTIFICADO DE RENÚNCIA À ISENÇÃO DO IVA NA TRANSMISSÃO DE BEM IMÓVEL, e  CERTIFICADO DE RENÚNCIA À ISENÇÃO DO IVA NO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA N.º... .

Em resposta ao solicitado (Anexo IV), o Serviço de Finanças informou que o único certificado em que a entidade A... foi interveniente foi emitido em Junho de 2009 e se trata do Certificado de renúncia à isenção do IVA na transmissão de bem imóvel (que remeteu em anexo). Tratando-se, portanto, do Certificado já apresentado pela empresa relativo à transmissão do imóvel a favor do B..., inexistindo qualquer Certificado relativo ao Contrato de Locação Financeira.

Importa realçar que a renúncia à isenção, tanto na locação, como na transmissão, é efetuada caso a caso e, para produzir efeitos, as partes têm de ter na sua posse o certificado de renúncia à data da transmissão ou do respetivo contrato de locação.

Ora, sabendo que a renúncia à isenção apenas produz efeitos no momento em que for celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do Imóvel, não produzindo efeitos se não estiverem reunidas as condições prescritas na lei, por consequência se impõe concluir que, no caso vertente, não tendo sido requerido e aprovado o certificado de renúncia à isenção do IVA no Contrato de Locação Financeira Imobiliária em causa, não se encontram verificados os requisitos para que pudesse operar a liquidação de IVA nas faturas referentes às rendas do contrato.

IVA deduzido:

O direito à dedução do imposto, como garantia da neutralidade do mesmo, não é absoluto, pois em face de determinadas circunstâncias, tal direito não é reconhecido ao operador económico. Com efeito, se atentarmos nos artigos 19º, 20º e 21º, todos do CIVA, verificamos a existência de condições, limitações e exclusões, que condicionam a legitima dedução do imposto exercida pelos operadores económicos.

O direito à dedução do IVA, que constitui um direito inerente ao mecanismo do IVA, instituído pelo sistema comum do IVA, baseia-se na existência de um imposto devido.

Sobre a questão da dedução do imposto indevidamente mencionado na fatura, o Tribunal de Justiça da União Europeia já por diversas vezes se pronunciou no sentido de que tal parcela deve ser objeto de correção, Com efeito, no processo C-454/98, o tribunal, decidiu em sintonia com o já defendido no processo C-343/87 (acórdão GENIUS HOLDING), quando se pronunciou no sentido que o exercício do direito à dedução previsto na Sexta Diretiva, não abrange o imposto devido exclusivamente porque foi mencionado na fatura. Mais defendeu aquele tribunal, ponto 17 do aresto, que se todo o imposto faturado pudesse ser deduzido, mesmo quando não corresponde ao imposto legalmente devido, a fraude fiscal resultaria facilitada.

Por isso, o direito à dedução do IVA encontra-se balizado pelo enquadramento jurídico tributário da operação que lhe é subjacente, ou seja, deduz-se o imposto que legalmente corresponde à operação em causa (imposto devido de acordo com as regras de incidência e aplicado à taxa que legalmente se impõe à operação) e não o imposto que o operador económico por desconhecimento ou incauto aplicou.

Pelos factos descritos anteriormente, não se verifica o cumprimento das condições exigidas para que opere a renúncia à isenção, pelo que não é de aceitar o imposto deduzido pela A... relativo às rendas do Contrato de Locação Financeira, faturadas pelo B... S.A. e que seguidamente se relacionam:

 

•2016

Relativamente aos períodos de 2016, verificou-se a dedução indevida de IVA (na conta 2432300000), contido nas seguintes faturas:

 

•2017

Relativamente aos períodos de 2017, verificou-se a dedução indevida de l VA (na conta 2432300000), contido nas seguintes faturas:

 

•2018

Relativamente aos períodos de 2018, verificou-se a dedução indevida de l VA (na conta 2432300000), contido nas seguintes faturas:

 

•2019

Relativamente aos períodos de 2019, verificou-se a dedução indevida de IVA (na conta 2432300000), contido nas seguintes faturas:

 

 •2020

Relativamente aos períodos de Janeiro e Fevereiro de 2020, verificou-se a dedução indevida de IVA (na conta 2432300000), contido nas seguintes faturas:

 

(...)

VIII.1 - Justificação do crédito de imposto

A análise do pedido de reembolso realizou-se através da elaboração de uma amostragem, com base nos documentos de valor mais significativo, que comprovam a origem do crédito de imposto, referente ao IVA dedutível, bem como mediante a confrontação com o IVA liquidado.

As deduções de IVA tiveram por base sobretudo a aquisição de bens e serviços, tributados à taxa normal, necessários à atividade prosseguida, consistentes nas rendas debitadas pelo B... relativamente ao Contrato de Locação Imobiliária.

No presente caso, o crédito de imposto foi gerado sobretudo à reestruturação na locação financeira ocorrida em 2019, com uma amortização extraordinária no leasing, com um elevado montante de IVA suportado.

VIII.2 - Reflexo das correções no pedido de reembolso

A declaração onde foi efetuado o pedido de reembolso (2020/02) calculou um crédito de imposto a favor do contribuinte no montante de € 568.018,59, que foi parcialmente solicitado (€ 560.000,00).

No decorrer do procedimento inspetivo foram detetadas irregularidades em termos da falta de liquidação de IVA no montante de € 1.936.866,90. O valor das correções, bem como os Acertos de contas/liquidações adicionais irão originar a inexistência de crédito acumulado do período de 2020/02.

 

G)           Em virtude da conjuntura económica de 2008, a Requerente confrontou-se com dificuldades no pagamento do financiamento obtido, tendo, em 2009, acordado com o B... S.A. vender-lhe o imóvel construído e, de seguida, celebrar com o mesmo um contrato de locação financeira imobiliária (vulgue-se, uma operação de sale and leaseback);

H)           Foi intento e acordo das partes tributar em IVA as operações acima referidas, não as subsumindo às isenções consagradas no artigo 9.º, n.ºs 29) e 30), do Código do IVA;

I)             No que respeita à operação de alienação do imóvel ao B... S.A., ocorrida em 5 de Junho de 2009, a Requerente exibiu – a pedido da AT – o correspondente Certificado de Renúncia à Isenção do IVA na transmissão do imóvel em causa, emitido pela Direcção-Geral dos Impostos em 4 de Junho de 2009;

J)            Em simultâneo à operação de venda do imóvel, a Requerente e o B... S.A. celebraram, a 5 de Junho de 2009, um contrato de locação financeira imobiliária relativamente a esse mesmo imóvel;

K)           Desde essa data, o B... S.A. tem facturado à Requerente as rendas devidas no âmbito do contrato supra com liquidação IVA à taxa normal de 23%, imposto esse que foi, por sua vez, deduzido pela Requerente;

L)            No âmbito da acção inspectiva levada a cabo pela AT, foi solicitado à ora Requerente que apresentasse o certificado de renúncia à isenção do IVA emitido pela Direcção-Geral dos Impostos relativo ao contrato de locação financeira imobiliária celebrado a 5 de Junho de 2009;

M)          A Requerente não apresentou durante a inspecção o certificado de renúncia a isenção relativo ao contrato de locação financeira imobiliária;

N)           A AT considerou que as rendas cobradas pelo B... S.A. foram incorrectamente facturadas com liquidação de IVA e que, assim, o direito à dedução do imposto suportado pela Requerente lhe estaria coarctado;

O)           Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IVA e juros compensatórios e respectivas demonstrações de acerto de contas que constam do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que se sintetizam no quadro que segue:

 

P)           Depois da inspecção, a Requerente apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira o certificado de renúncia à isenção de IVA na operação de locação financeira imobiliária supra referida, certificado esse que foi emitido no dia 25 de Junho de 2009, que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

Q)           A Requerente já tinha sido alvo de uma acção inspectiva realizada pela AT, com referência aos anos 2015 e 2016, no âmbito da qual foi analisado o enquadramento em IVA da operação em análise e, em específico, a questão da legitimidade da Requerente para proceder à dedução do IVA associado às rendas debitadas pelo B... , S.A., em que foi elaborado o RIT que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

No ano de 2011, o sujeito passivo cedeu a exploração do Hotel "C..." (em 2011-06-01), por contrato de cessão de exploração designado de Contrato de Gestão Hoteleira, à empresa D..., S.A. (NIF...). Até essa data, a exploração do hotel incumbia à empresa E..., Lda. (NIF...), nos termos do contrato de cessão de exploração celebrado em 2007-07-16.

A totalidade dos rendimentos auferidos pelo sujeito passivo corresponde às rendas pagas pela empresa D..., SA, acordadas no referido contrato de cessão de exploração, posteriormente alterado pelo aditamento datado de 2012-01-01.

(...)

Já no que se refere ao IVA dedutível, da análise aos documentos de suporte contabilístico e à informação constante do e-fatura, concluiu-se que o mesmo corresponde na sua maioria ao IVA constante das faturas emitidas pelo B..., referentes às rendas acordadas pelo Contrato de Locação Financeira Imobiliário. Refira-se que, aquando da transmissão do imóvel ao F... (atual B...) e subsequente locação financeira, ocorreu a renúncia à isenção de IVA, em conformidade com o estipulado nos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º do CIVA. Analisada a conformidade legal dos documentos, verificou-se que os mesmos cumprem o preceituado no artigo 36.º do CIVA e estão inerentes à prossecução da atividade desenvolvida pela empresa, pelo que assiste ao sujeito passivo a possibilidade do direito à dedução do IVA suportado nos termos dos artigos 19.º e 20.º do CIVA.

R)           A Requerente dispunha de uma licença de utilização de empreendimentos turísticos (com o n.º 35) emitida em 19-06-2007 relativa à exploração do hotel (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

S)            Em 16-07-2007, a Requerente celebrou com a empresa E..., Lda, contrato de cessão da exploração do hotel que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

T)            No contrato de cessão de exploração celebrado com a empresa E..., Lda, refere-se, além do mais, que a Requerente «é dona e legítima possuidora dos prédios sitos em Cascais, na ..., nº..., registados na ... Conservatória do Registo Predial de Cascais sob as fichas nº ... e ..., nos quais está instalado um estabelecimento hoteleiro, inteiramente mobilado e equipado, com a classificação turística de cinco estrelas e designado  C...»;

U)           Este contrato de cessão de exploração foi resolvido tendo sido celebrado em 2011 novo contrato de cessão de exploração do hotel com a empresa D..., S.A. (RIT);

V)           O hotel referido encontrava-se em funcionamento desde 2007 (balancetes e declarações IES da Requerente que constam do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

W)          Em 13-04-2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto relevante para a decisão da causa.

 

3. Matéria de direito

 

O artigo 135.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

                «1. os Estados–Membros isentam as seguintes operações:

                 (...)

l) A locação de bens imóveis.

                2.  Não beneficiam da isenção prevista na alínea l) do n.º 1 as seguintes operações:

a)  As operações de alojamento, tal como definidas na legislação dos Estados-Membros, realizadas no âmbito do sector hoteleiro ou de sectores com funções análogas, incluindo as locações de campos de férias ou de terrenos para campismo;

b) A locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos;

c)  A locação de equipamento e de maquinaria de instalação fixa;

d)  A locação de cofres-fortes.

 

O artigo 137.º da mesma Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho permite aos Estados-membros conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação da locação de bens imóveis, fixando as regras do exercício da opção.

Na linha desta Directiva, o n.º 29) do artigo 9.º do CIVA estabelece uma isenção de IVA para a locação de imóveis, mas, o n.º 4 do artigo 12.º do CIVA permite a renúncia à isenção, estabelecendo que «os sujeitos passivos que procedam à locação de prédios urbanos ou fracções autónomas destes a outros sujeitos passivos, que os utilizem, total ou predominantemente, em actividades que conferem direito à dedução, podem renunciar à isenção prevista no n.º 29) do artigo 9.º».

No n.º 6 deste artigo 12.º estabelece-se que «os termos e as condições para a renúncia à isenção prevista nos n.ºs 4 e 5 são estabelecidos em legislação especial» o que veio a ser concretizado pelo Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, depois revogado e substituído pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, que veio a ser alterado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

Os artigos 4.º e 5.º deste Decreto-Lei n.º 21/2007 estabelecem formalidades para renúncia à isenção estabelecendo o seguinte:

 

Artigo 4.º

Formalidades para a renúncia à isenção

1 - Os sujeitos passivos que pretendam renunciar à isenção devem dirigir à Direcção-Geral dos Impostos, por via electrónica, um pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, do qual conste os seguintes elementos:

a) O nome ou designação social do sujeito passivo transmitente ou locador e do sujeito passivo adquirente ou locatário do imóvel, bem como os respectivos números de identificação fiscal;

b) A identificação do imóvel;

c) Se se trata de uma operação de transmissão do direito de propriedade do imóvel ou de uma operação de locação do mesmo;

d) A actividade a exercer no imóvel;

e) O valor da venda do imóvel ou o valor mensal da renda;

f) A declaração de que se encontram reunidas todas as condições para a renúncia à isenção, previstas no Código do IVA e no presente regime.

2 - A Direcção-Geral dos Impostos, após a recepção do pedido de emissão de certificado, deve, por via electrónica, dar conhecimento do mesmo ao sujeito passivo adquirente ou locatário do imóvel, para efeitos de confirmação por este, pela mesma via, dos elementos que lhe dizem respeito.

3 - Não obstante o disposto no número anterior, quando a informação disponibilizada no pedido não corresponder aos elementos na posse dos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, a decisão de emissão do certificado é tomada pelo chefe do serviço de finanças da área da sede, do estabelecimento estável ou, na sua falta, do domicílio do transmitente ou locador, após a apreciação da conformidade dessa informação.

4 - O certificado para efeitos de renúncia é emitido no prazo de 10 dias a contar da data da confirmação a que se refere o n.º 2.

5 - O certificado emitido é válido por seis meses e tem exclusivamente por efeito titular que os sujeitos passivos intervenientes na operação manifestaram à Direcção-Geral dos Impostos a intenção de renunciar à isenção do IVA nessa operação e que declararam estar reunidas as condições legalmente previstas para que a renúncia se efectivasse.

 

Artigo 5.º

Momento em que se efectiva a renúncia à isenção

1 - A renúncia à isenção só opera no momento em que for celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, ou, no caso de contrato de locação financeira relativo a imóvel a construir, no momento em que o locador tome posse do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no presente regime. (Redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31-12)

2 - Deixando de se verificar as condições de renúncia à isenção antes da celebração do contrato referido no número anterior, ou tendo decorrido o prazo de validade do certificado de renúncia sem que tal contrato haja sido celebrado, deve o sujeito passivo que solicitou a emissão do mesmo comunicar, por via electrónica, esse facto à administração tributária.

3 - O exercício da renúncia à isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos.

 

                Do artigo 4.º deste diploma decorre que a renúncia à isenção depende da prévia emissão de um certificado, obtido obrigatoriamente, por via electrónica, através do Portal das Finanças.

                Nos termos do artigo 5.º, a renúncia opera quando for celebrado o contrato de locação do imóvel e o exercício de renúncia sem que estejam reunidas as condições não produz efeitos.

                Como resulta da matéria de facto fixada, a Requerente celebrou um contrato de locação financeira de um imóvel, não possuindo ainda o respectivo certificado de renúncia à isenção relativamente a esse contrato, pois ele só veio a ser emitido alguns dias depois.

                Nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/2007, «a renúncia à isenção só opera no momento em que for celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, ou, no caso de contrato de locação financeira relativo a imóvel a construir, no momento em que o locador tome posse do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido».

                Este requisito de ordem formal não estava preenchido, pois a Requerente no momento em que foi celebrado o contrato de locação financeira não estava na posse do certificado de renúncia, que só veio a ser emitido alguns dias depois.

                Porém, os vícios que a Requerente imputa às liquidações impugnadas não se reportam especificamente à interpretação e aplicação deste regime do Decreto-Lei n.º 21/2007, reportando-se, outrossim, à violação do princípio da verdade material e violação dos princípios da boa fé e da protecção da confiança e à não aplicação da isenção de IVA ao caso em apreço, por se tratar de um hotel já completamente apetrechado que era objecto de exploração hoteleira antes da operação de venda e locação financeira.

                A Requerente defende que «ainda que se venha a considerar que o IVA foi indevidamente liquidado pelo B... S.A. (...) a liquidação indevida dá início à cadeia de liquidação e dedução do imposto, constituindo, a respectiva factura, um verdadeiro “cheque sobre o tesouro”, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido».

 

3.1. Ordem de conhecimento de vícios

               

                O artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) estabelece o seguinte:

 

Artigo 124.º

 

Ordem de conhecimento dos vícios na sentença

 

                1 – Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

                2 – Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

 

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.

 

                Este artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

                No caso de vícios geradores de anulabilidade, a alínea b) do n.º 2 daquele artigo 124.º estabelece que se deve se deve atender prioritariamente à ordem indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade.

                No caso em apreço, a Requerente não imputa os vícios numa relação de subsidiariedade, pelo que poderá seguir-se a ordem que o Tribunal arbitral entender mas adequada.

                No caso em apreço, afigura-se adequado começar pela apreciação do vício de desnecessidade de renúncia à isenção, pois a não aplicação da isenção independentemente de renúncia prejudica o conhecimento dos restantes vícios.

                Por outro lado, a questão da violação dos princípios da boa fé e da protecção da confiança está conexionada como o entendimento administrativo que a Autoridade Tributária e Aduaneira vinha fazendo do âmbito da isenção, pelo que se justifica que se aprecie concomitantemente.

               

                3.2 Questão da não aplicação da isenção de IVA

               

                A Requerente defende que não era aplicável à locação financeira em apreço a isenção de IVA relativa a locação de imóveis, pelo que é irrelevante o não cumprimento dos requisitos de renúncia à isenção e que esse era o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira.

                Naturalmente que, se não se tratar de uma situação a que seja aplicável a isenção prevista no artigo 9.º, n.º 29) do CIVA, o IVA era devido independentemente da renúncia e a Requerente tinha o correspondente direito a dedução.

                A Requerente refere, em suma, que não se está perante a locação de um imóvel, mas sim da cessão de exploração de um hotel, que já anteriormente funcionava como tal e estava completamente equipado para a actividade hoteleira.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira nada diz sobre esta questão, na sua resposta.

                Afigura-se ser claro que a Requerente tem razão inclusivamente à luz da interpretação que a própria Autoridade Tributária e Aduaneira, defendia, pelo menos à data dos factos em apreço.

                Com efeito, o TJUE tem restringido a aplicação da isenção em causa às situações em que

há uma mera locação do imóvel, consubstanciada na sua colocação passiva à disposição do locatário, «um direito precário de ocupação do mesmo imóvel em contrapartida do pagamento de uma retribuição fixada principalmente em função da superfície ocupada» (   ).

                Como se refere no n.º 18 do acórdão do TJUE de 28-02-2019, processo C-278/18, «o Tribunal de Justiça definiu em numerosos acórdãos a locação de bens imóveis, na aceção desta disposição, como o direito conferido pelo proprietário de um imóvel ao locatário de, mediante remuneração e por um período acordado, ocupar esse imóvel como se fosse o proprietário e de excluir qualquer outra pessoa do benefício desse direito (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de outubro de 2001, «Goed Wonen», C-326/99, EU:C:2001:506, n.º 55, e de 6 de dezembro de 2007, Walderdorff, C-451/06, EU:C:2007:761, n.º 17 e jurisprudência referida)».

Por outro lado, neste aresto esclarece-se que a justificação desta isenção para a locação está no facto de se tratar de uma actividade relativamente passiva, que não gera um valor acrescentado significativo, e que é aplicável independentemente da forma como o locatário utiliza o bem em causa.

É perfeitamente elucidativo o n.º 19 deste aresto em que se refere o seguinte:

 

“19 O Tribunal de Justiça também precisou que a isenção prevista no artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Diretiva se explica pelo facto de a locação de bens imóveis, embora sendo uma atividade económica, constituir habitualmente uma atividade relativamente passiva, que não gera um valor acrescentado significativo. Tal atividade deve assim distinguir-se de outras atividades que têm quer a natureza de negócios industriais e comerciais, como as abrangidas pelas exceções referidas nos n.ºs 1 a 4 desta disposição, quer um objeto que se caracteriza melhor pela realização de uma prestação do que pela simples colocação à disposição de um bem, como o direito de utilizar um campo de golfe, o direito de atravessar uma ponte mediante o pagamento de uma portagem ou ainda o direito de instalar máquinas de venda automática de tabaco num estabelecimento comercial (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de outubro de 2001, «Goed Wonen», C-326/99, EU:C:2001:506, n.ºs 52 e 53, e de 18 de novembro de 2004, Temco Europe, C-284/03, EU:C:2004:730, n.º 20).

 

                Não ocorre essa mera colocação do imóvel à disposição do locatário imóvel nas situações em que é disponibilizada ao locatário a exploração de um hotel completamente equipado e preparado para funcionar como tal, o que se reconduz à cessão de exploração de um estabelecimento comercial.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira tem vindo a delimitar o âmbito da isenção utilizando

o conceito "paredes nuas", explicitado desta forma:

 

15 - Daqui resulta que esta isenção, prevista na al. 29) do Art. 9.º, aplica-se à locação de imóveis "paredes nuas", não se restringindo este conceito ao facto de o espaço locado estar dotado ou não de móveis e equipamentos, estando antes relacionado com o facto de o imóvel locado não estar preparado para o exercício de uma atividade comercial, industrial ou de serviços, ou de a locação não ser acompanhada de outro tipo de prestações de serviços.  (   )

 

que «não se limita ao facto de a locação ser acompanhada ou não de determinados bens de equipamento, mobiliário ou utensílios. Está intrinsecamente relacionado com a aptidão produtiva do Imóvel, ou melhor, a preparação para o exercício de uma atividade empresarial». 

                No mesmo sentido, refere-se na ficha doutrinária n.º 4369, sancionada por despacho do Sub-Director Geral IVA de 04-02-2013:

“ O conceito de "paredes nuas" não se limita ao facto de a locação ser acompanhada, ou não, de bens de equipamento, mobiliário ou utensílios, estando intrinsecamente relacionado com a aptidão produtiva do imóvel, ou seja, a preparação para o exercício de uma actividade empresarial.”

 

                Ainda na mesma linha, refere-se na ficha doutrinária emergente do processo n.º 1587, sancionada por despacho do Sub-Director Geral dos Impostos de 23-03-2011:

“Por outro lado, a própria noção exige o estabelecimento de uma fronteira entre a mera disponibilização do imóvel nas condições referidas e uma eventual disponibilização do mesmo acompanhada outros elementos, constitutivos do contrato ou contratados complementarmente, sob pena de, a pretexto da criação de condições favoráveis à concretização do negócio, se desvirtuar a caracterização da operação, assimilando nesta locações de natureza comercial ou industrial que não se enquadram no objectivo da isenção. Efectivamente, o assunto ganha especial relevo quando em causa está, não o arrendamento para fins habitacionais, mas para fins industriais, comerciais ou de serviços.

O estabelecimento do critério de paredes nuas (que engloba em si várias  noções, como seja a inexistência de serviços associados à disponibilização do imóvel, tendo em vista um determinado fim, ou do apetrechamento do mesmo com mobiliário para um uso determinado) como forma de materializar essa fronteira é conhecido das requerentes e foi mesmo referido na sua argumentação, sem que tenham cuidado de demonstrar a sua inaplicabilidade ou desconformidade com o direito europeu.

 

                Também no mesmo sentido, refere-se na ficha doutrinária extraída do processo n.º 11829, sancionada por despacho de 2017-12-22, da Diretora de Serviços do IVA:

33. Verifica-se, pois, que o conceito de "paredes nuas", não se limita ao facto de a locação ser acompanhada ou não de determinados bens de equipamento, mobiliário ou utensílios. Está, também, intrinsecamente relacionado com a aptidão produtiva do imóvel, ou seja, a sua preparação para o exercício de uma atividade empresarial.

34. Este conceito permite-nos, desde logo, limitar a isenção da locação de imóveis às situações em que cedência do gozo do imóvel não é acompanhada de quaisquer bens de equipamento instalados no imóvel ou acompanhada do fornecimento de mobiliário e/ou de outros utensílios.

35. Tratando-se de uma locação de espaços devidamente preparados para o exercício de uma atividade, apetrechado com um mínimo de condições que vão para além do conceito, necessariamente restrito de "paredes nuas", ou se for acompanhado de outras prestações de serviços, a isenção já não se verifica, ficando sujeita a imposto sobre o valor acrescentado.

 

                À luz desta jurisprudência e doutrina administrativa, é manifesto que a cessão da exploração de um hotel preparado para funcionamento constitui uma actividade de natureza comercial que não se enquadra no conceito de locação de imóvel, para efeito da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.

                Por isso, c0mo defende a Requerente, a renúncia à isenção terá sido uma «cautela» adoptada para assegurar a sujeição ao regime de tributação em IVA, sujeição esta que é obrigatória, independentemente de renúncia. 

 

                3.3. Violação dos princípios da boa-fé e da protecção da confiança

 

O artigo 55.º da LGT estabelece que «a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários».

Esta norma é concretização no âmbito tributário do princípio geral da actividade administrativa enunciado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP de que «os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé».

                O princípio da boa-fé, que é corolário do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático,  tem eficácia autónoma invalidante de actos tributários mesmo quando é confrontando com o princípio da legalidade específica prevista para determinada situação, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo, à luz do artigo 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo de 1991 (a que corresponde o artigo 10.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo de 2015):

 

I – O princípio da boa fé, na sua vertente de tutela da confiança, visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra actuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem.

                II – No âmbito da actividade administrativa são pressupostos da tutela de confiança um comportamento gerador de confiança, a existência de uma situação de confiança, a efectivação de um investimento de confiança e a frustração da confiança por parte de quem a gerou.

                III – A violação pela administração tributária dos deveres procedimentais de colaboração e de actuação segundo as regras da boa fé, pode consistir em vício autónomo de violação de lei (acórdão de 21-09-2011, processo n.º 0753/11). (    )

               

                No caso em apreço, verificam-se os pressupostos gerais de que a referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo faz depender a relevância do princípio da boa-fé com fundamento de vício autónomo de violação de lei.

                Na verdade, ao tempo em que a Requerente celebrou o contrato de locação financeira havia um comportamento público da Administração Tributária, materializado em várias decisões administrativas publicadas, gerador da confiança no sentido de a actividade de locação de estabelecimentos completamente apetrechados para o exercício de uma actividade estar sujeita a IVA, não lhe sendo aplicável a isenção prevista para a locação de  imóveis.

Apenas nos casos em que se configurasse uma cessão de exploração de estabelecimento, que está expressamente excepcionada da isenção, o arrendamento era considerado sujeito a IVA. (   )

                Está-se, assim, à luz da referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo perante um «comportamento gerador de confiança, a existência de uma situação de confiança, a efectivação de um investimento de confiança», pelo que a alteração desse entendimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira nas inspecções tributárias subjacentes às liquidações impugnadas consubstancia «a frustração da confiança por parte de quem a gerou» que implica vício autónomo de violação de lei.

                Por isso, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei por violação do princípio da boa-fé, que é corolário do princípio da confiança.

 

                3.4. Conclusão

 

                Do exposto conclui-se que as liquidações de IVA impugnadas enfermam de vícios de violação do artigo do n.º 29) do artigo 9.º do CIVA bem como violação do princípio da boa-fé e do princípio da confiança que lhe está subjacente.

                Por isso, a falta de certificado de renúncia no momento da celebração do contrato de locação financeira, não é obstáculo à tributação das rendas e ao consequente direito à dedução.

                Nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, estes vícios justificam a anulação das liquidações de IVA impugnadas e também das liquidações de juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas, que têm como pressupostos as respectivas liquidações de IVA e, por isso, enfermam dos mesmos vícios.

 

3.5. Questões de conhecimento prejudicado

 

                Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

                 Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

                Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.

 

                4. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Anular as liquidações de IVA e juros compensatórios, bem como as respectivas demonstrações de acerto de contas, indicada na alínea o) da matéria de facto fixada.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, fixa-se ao processo o valor de € 1.510.406,77, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 20.196,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.          

 

Lisboa, 22-09-2021

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Cristina Coisinha)

(Henrique Nogueira Nunes)