Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 211/2020-T
Data da decisão: 2020-11-05  IRC  
Valor do pedido: € 14.331,71
Tema: IRC - Associação. Determinação da matéria coletável.
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SUMÁRIO:

I - As entidades sem fins lucrativos que prossigam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, são tributadas pelo lucro, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, sendo-lhes aplicáveis as regras contidas nos artigos 17.º a 52.º, do Código do IRC.

II – Apesar da sua constituição como associação sem fins lucrativos, tendo-se concluído que a Requerente exerce, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não beneficiando de qualquer das isenções previstas na lei fiscal, daí resulta que a sua tributação deva ser feita com base no lucro, sendo este, de acordo com o disposto no artigo 17.º, do Código do IRC, “constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.

III - Ainda que o subsídio atribuído à Requerente no exercício de 2015 se tivesse destinado a financiar a realização dos seus fins estatutários, sendo esta tributada com base no lucro, não pode o respetivo valor deixar de concorrer para a formação do lucro tributável do período, não se enquadrando na norma do n.º 3 do artigo 54.º, do Código do IRC.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.             RELATÓRIO

Em 31 de março de 2020, o A..., associação com sede  no ..., ..., ...-..., ..., com o NIPC ... (adiante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea ), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

A.           Objeto do pedido:

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., referente ao exercício de 2015, no valor de € 14 331,71, com data de pagamento voluntário até 03.02.2020, por errónea qualificação do facto tributário.

 

B. Síntese da posição das Partes

a. Da Requerente:

São os seguintes, em síntese, os fundamentos aduzidos pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral:

1.            A Requerente é uma associação civil sem fins lucrativos, que, de acordo com os seus estatutos, tem por objeto o ensino de línguas estrangeiras, tendo em vista a formação de especialistas e professores de línguas, no âmbito da formação cultural da população da cidade e concelho da sua área de influência;

2.            Em 2015, a Câmara Municipal de ... atribuiu à Requerente um subsídio no valor de € 72 000,00, destinado ao ensino de línguas aos alunos carenciados do município e ao funcionamento do apoio a iniciativas culturais, desportivas, turísticas e empresariais promovidas pela Câmara Municipal;

3.            O subsídio não constituiu apoio ou subsidiação de preços de prestação de serviços de natureza comercial, destinando-se ao exercício e concretização dos fins sociais da Requerente, enquanto associação sem fins lucrativos;

4.            Nem esse subsídio representa o pagamento de qualquer serviço, tendo sido atribuído para o prosseguimento do exercício da atividade estatutária da Requerente, não lucrativa e de âmbito comunitário;

5.            Destinando-se o subsídio a financiar a realização dos fins estatutários da Requerente, é subsumível ao disposto no n.º 3 do artigo 54.º, do Código do IRC, devendo ser considerado um rendimento não sujeito a IRC;

6.            Ao incluir o valor do subsídio no apuramento da matéria coletável do exercício de 2015, a AT incorreu em erro na qualificação jurídica daquele proveito, violando o n.º 3 do artigo 54.º, do Código do IRC, o que determina a anulação da liquidação impugnada;

7.            Esta questão não tem nada a ver com o enquadramento da Requerente no regime geral de IRC, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4, do Código do IRC, que não se contesta;

8.            Apesar de a Requerente exercer a título principal uma atividade de prestação de serviços, estamos perante a não inclusão na matéria coletável de rendimentos recebidos a título de subsídio para cumprimento dos fins estatutários, nos termos do n.º 3 do artigo 54.º, do Código do IRC;

9.            A liquidação impugnada viola o princípio da legalidade, por errónea qualificação do facto tributário.

 

b. Da Requerida

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta e fez juntar o processo administrativo (PA), em que veio defender a legalidade e a manutenção do ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

1.            Dá-se como integralmente reproduzida a factualidade assente no Relatório de Inspeção Tributária, de acordo com o qual os rendimentos auferidos pela Requerente no exercício de 2015, são maioritariamente provenientes da atividade do ensino de línguas, nomeadamente mensalidades, vendas de livros, inscrições, exames e cursos intensivos, representando 72% do seu total, sendo os restantes rendimentos provenientes do subsídio atribuído pela Câmara Municipal de ... (27%) e, a parte restante de quotas dos associados, sendo os custos maioritariamente relacionados com o quadro de pessoal;

2.            Exercendo a Requerente, a título principal, uma atividade comercial e não beneficiando de qualquer isenção em sede de IRC, a sua matéria tributável é apurada com base no lucro contabilístico (artigo 15.º, n.º 1, alínea a), do CIRC);

3.            O n.º 3 do artigo 54.º, do Código do IRC, invocado pela Requerente, não tem aplicação à sua situação tributária, por se tratar de uma norma relativa à determinação do rendimento global das pessoas coletivas e outras entidades residentes que não exerçam, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola;

4.            A Requerente, sendo uma associação de direito privado, é sujeito passivo de IRC, nos termos do artigo 2.º, n. º1, alínea a), do CIRC, prevendo o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, que, no caso dos sujeitos passivos que exercem a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola, o imposto incida sobre o lucro tributável, apurado nos termos do art.º 17º do CIRC;

5.            O artigo 3.º, n.º 4, do CIRC, prevê que as prestações de serviços estão incluídas no conceito de atividade comercial, industrial ou agrícola;

6.            A Requerente encontra-se enquadrada no código CAE 85.592 - Escolas de Línguas, e a sua atividade reconduz-se claramente a prestações de serviços de ensino de línguas, devendo ser considerada uma entidade que exerce a título principal uma atividade comercial;

7.            As atividades de caráter social invocadas pela Requerente têm um caráter meramente acessório da atividade principal e não poderiam ser prestadas sem aquela atividade principal;

8.            O artigo 3.º, do CIRC, apenas distingue os sujeitos passivos entre entidades que exercem a título principal atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola e as que não exercem estas atividades a título principal;

9.            Os SP que exerçam tais atividades a título principal, como é o caso da Requerente, devem fazer incidir o IRC sobre o lucro tributável, apurado nos termos do art.º 17.º do CIRC, conforme disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. a) do CIRC:

10.          A Requerente não beneficia de nenhuma das isenções referidas nos artigos 9.º a 11.ª, do CIRC, (i) Por se tratar de uma associação de direito privado, não lhe é aplicável o art.º 9.º do CIRC; (ii) Por não lhe ter sido reconhecido o estatuto de utilidade pública, nem ser uma instituição de solidariedade social, não lhe são aplicáveis as isenções previstas no art.º 10.º; (iii) Dado exercer uma atividade de ensino de línguas, não se aplica a isenção para as associações sem fins lucrativos que exercem atividade culturais, recreativas e desportivas;

11.          Não é possível enquadrar a atividade exercida pela Requerente no âmbito das atividades culturais, recreativas e desportivas, pois de acordo com a classificação das atividades económicas (CAE) do Instituto Nacional de Estatística (INE) a atividade de ensino de línguas é classificada com o código 85.592 – Escolas de Línguas, incluído na secção P – Educação (código 85), enquanto as atividades culturais, recreativas e desportivas se encontram reunidas na secção R (códigos 90 a 93);

12.          Nestes termos, deve ser julgado improcedente por não provado o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.

 

 

Pelo despacho arbitral 28.09.2020 foi dispensada a realização da reunião a que se refere

o artigo 18.º, do RJAT, determinando-se que o processo prosseguisse com alegações escritas, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias, indicando-se a data de 30 de outubro de 2020 para prolação da decisão arbitral e advertindo-se a Requerente de que deveria, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

Ambas as Partes apresentaram Alegações escritas no prazo designado, nas quais vieram reiterar as respetivas posições iniciais.

 

II. SANEAMENTO

1.            O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 6 de agosto de 2020, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;

3.            O processo não padece de vícios que o invalidem;

4.            Não foram invocadas exceções que ao tribunal arbitral cumpra apreciar e decidir.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as

suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral

tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e ao processo administrativo (PA), fixa-se como segue:

 

1.            Através do ofício n.º ... da Direção de Finanças de ..., Serviços de Inspeção Tributária (DIT II), de 04.12.2019, remetido à Requerente a coberto de carta registada com aviso de receção, foi esta notificada do relatório final do procedimento de inspeção externa aberto com a ordem de serviço n.º OI 2018..., referente ao exercício de 2015 (cfr. o PA, que se dá como reproduzido);

2.            De acordo com o Relatório da Inspeção Tributária (RIT), a Requerente carateriza-se por ser uma associação de direito privado, constituída por escritura pública de 03.06.1991 e registada na mesma data, que tem por objeto social, de acordo com o artigo 2.º do seus Estatutos, o “Ensino de línguas estrangeiras, segundo os programas oficiais, visando a formação de especialistas e professores em línguas, no âmbito da formação cultural da população da cidade de ..., seu concelho e área de influência”, prosseguindo a sua atividade com o CAE 85592 – Escolas de línguas (cfr. pág. 3 do RIT);

3.            Consta ainda do RIT, além do mais, o seguinte (Cfr. págs. 6 a 9 do RIT):

“II. 3.6.2 Atividade

(…)

De seguida, procede-se a uma análise da atividade do A... a partir da demonstração de resultados elaborada com base na contabilidade do contribuinte:

DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADOS DE 2015

RENDIMENTOS

Prestações de serviços                  175.765,12

   Inscrições        17.754,50            

  Mensalidades 136.832,99         

  Cursos intensivos          10.785,00           

  Exames             9.356,00              

 Traduções         1.036,63              

Subsídios à exploração                 72.000,00

Outros rendimentos e ganhos                   16.927,88

  Vendas de livros            16.102,83           

  Quotas dos Associados               192,00  

  Outros               633,05  

TOTAL   264.693,00

GASTOS

Custo das Vendas                           12.604,71

Fornecimentos e serviços externos                        38.068,59

  Professores     17.276,63            

  Inscrições e exames     8.881,00              

  Outros FSE       7.482,96              

  Contabilidade 4.428,00              

Gastos com o pessoal                    155.779,19

Depreciações                    925,76

Outros gastos e perdas                 3,62

Gastos de Financiamentos                          13.279,81

  Juros de mora à segurança social           13.279,81           

TOTAL   220.661,68

LUCRO  44.031,32

Da análise desta demonstração de resultados, verifica-se que os rendimentos são maioritariamente provenientes da atividade do ensino de línguas, nomeadamente mensalidades, vendas de livros, inscrições, exames e cursos intensivos, representando 72% dos rendimentos. A outra grande fonte de rendimentos é proveniente da Câmara Municipal de ..., sob a forma de subsídio à exploração, que no ano de 2015, atingiu o montante de € 72.000,00, ou seja, 27% dos rendimentos. Por fim, a Associação tem ainda rendimentos provenientes das quotas dos seus associados, que neste ano foram de € 192,00, ou seja, um valor residual, tendo em conta o total dos rendimentos.

Em termos de gastos, destaca-se o facto de a Associação dispor de um quadro de pessoal, que no ano de 2015 foi, em média, de 6 trabalhadores dependentes (4 professores, 1 administrativo e 1 auxiliar) e 5 trabalhadores independentes, ligados à área de ensino. Este quadro de pessoal representa uma grande parcela dos gastos da Associação:

                2015

Gastos com pessoal        155.779,19

Professores (Conta 62241            17.276,63

Ou seja, os gastos com trabalhadores dependentes e professores prestadores de serviços representam 78% do total de gastos do ano.

Neste ano, também pagou rendimentos à Contabilista B...– NIF..., que presta serviços em regime de trabalhadora independente, no montante de € 3.600 (2% do total dos gastos).

Outro dos valores que se destaca na estrutura de gastos é o valor contabilizado na conta 6913 – JUROS DE MORA – SEG SOCIAL, no montante de € 13.279,81, respeitante a juros associados ao pagamento em prestações das dívidas à segurança social, por contribuições não entregues em anos anteriores. Este gasto representa 6% do total dos gastos.

Suportou também gastos com inscrições em exames, pagos a entidades certificadas (F..., Ministério G..., H... e I...), no montante de € 8.881 (4% dos gastos), tendo estes montantes sido faturados aos alunos.

Outro dos principais gastos da Associação relaciona-se com a aquisição de livros (contabilizados na conta 61 – Mercadorias) para venda aos alunos. Neste ano, os gastos com aquisição de livros foram de € 12.604,71 (6% dos gastos), que resultaram em rendimentos com a sua venda no montante de € 16.102,83 (contabilizados na conta 781 – Rendimentos suplementares).

Os restantes gastos são de valores mais reduzidos e inerentes ao normal funcionamento de uma entidade deste tipo.

(…)

II.3.6.4. Enquadramento em sede de IRC

Sendo a A... uma associação de direito privado, é sujeito passivo de IRC, nos termos do art. 2.º, n.º 1, al. a) do CIRC: “São sujeitos passivos de IRC: a) As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português;”.

Por outro lado, o art. 3.º, n.º 1, al. a) do CIRC prevê que, no caso dos sujeitos passivos que exercem a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola, o IRC incida sobre o lucro tributável, apurado nos termos do art. 17.º do CIRC. O art. 3.º, n.º 4 do CIRC prevê ainda que as prestações de serviços estão incluídas no conceito de atividade comercial, industrial ou agrícola. Assim, dado que o A... exerce uma atividade de prestação de serviços de ensino de línguas, deve ser considerado uma entidade que exerce a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola, pelo que deve ser tributado pelo lucro apurado nos termos do CIRC.

O Código do IRC, prevê isenções para algumas entidades e atividades, nos termos dos art. 9.º, 10.º e 11.º:

•             Artigo 9.º - Estado, Regiões Autónomas, autarquias locais, suas associações de direito público e federações e instituições de segurança social

•             Artigo 10.º - Pessoas coletivas de utilidade pública e de solidariedade social

•             Artigo 11.º - Atividades culturais, recreativas e desportivas

No caso do A..., não existe enquadramento em nenhuma das isenções pelos seguintes motivos:

•             Por se tratar de uma associação de direito privado, não lhe é aplicável o art. 9.º do CIRC;

•             Por não lhe ter sido reconhecido o estatuto de utilidade pública, nem ser uma instituição de solidariedade social não lhe dão aplicáveis as isenções previstas no art, 10.º;

•             Exerce uma atividade de ensino de línguas, pelo que não se aplica a isenção para as associações sem fins lucrativos que exercem atividades culturais, recreativas e desportivas.

Sobre a impossibilidade de enquadrar a atividade exercida no âmbito das atividades culturais, recreativas e desportivas, veja-se que de acordo com a classificação das atividades económicas (CAE) do Instituto Nacional de Estatística (INE) a atividade de ensino de línguas é classificada com o código 85.592 – Escola de línguas, incluído na secção P – Educação (código 85), enquanto as atividades culturais, recreativas e desportivas encontram reunidas na secção R (códigos 90 a 93).

Em termos cadastrais, o A... encontra-se enquadrado no código CAE 85.592 – Escolas de línguas, resultante daquilo que constava da sua declaração de início, de atividade entregue em 26-04-1991, na qual declarou exercer uma atividade de ensino de línguas, enquadrável no código 931.900 da CAE revisão 1, em vigor àquela data, que é o equivalente do código 85.592 da CAE revisão 3 em vigor desde 01-01-2008.

Assim, constata-se que em termos de atividade exercida, o cadastro do A... encontra-se correto, estando enquadrado no âmbito das atividades de prestação de serviços de ensino, sendo por isso uma entidade que exerce a título principal uma atividade comercial, não lhe sendo aplicável qualquer isenção em sede de IRC, por não reunir as condições previstas no CIRC, conforme anteriormente descrito.

(…)

Quanto ao enquadramento do sujeito passivo, como sendo uma entidade que exerce a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola, veja-se a informação vinculativa n.º 733_2017 da Subdiretora-Geral do IR, na qual consta que: “… Refira-se que, para efeitos do Código do IRC, o exercício, a título principal, de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, não está necessariamente associado a um fim lucrativo…”

Assim, apesar do contribuinte não ter declarado na Modelo 22 de 2015 qualquer resultado tributável, por considerar que a sua atividade estava isenta de IRC nos termos do art. 11.º, constata-se tratar-se de um enquadramento errado, pelo que o contribuinte deveria ter apurado o lucro tributável de acordo com o disposto nos art.s 17.º a 52.º do CIRC.”

4.            Nas págs. 11 e 12 do RIT são indicadas as correções aritméticas que determinaram o apuramento da matéria coletável da Requerente, no exercício de 2015:

“III.2.1.1.  Apuramento da matéria coletável

Conforme descrito no ponto II.3.6.4., o Sujeito Passivo encontra-se enquadrado no regime geral de tributação em IRC, exercendo a título principal uma atividade comercial, não beneficiando de qualquer isenção em sede de IRC, assim, a sua matéria tributável é apurada com base no lucro contabilístico (art. 15.º, n.º 1, al. a) do CIRC).

(…) o resultado líquido do exercício a considerar no apuramento da Matéria Coletável de 2015 é de € 46.060.25.

Para apuramento da Matéria coletável, prevê o art. 18.º do CIRC que o resultado líquido do exercício seja corrigido de acordo com o Código do IRC. Da análise à contabilidade do contribuinte detetaram-se os seguintes gastos fiscalmente não aceites, devendo ser acrescidos no quadro 07 da Modelo 22 de IRC;

•             Multas, coimas e demais encargos, incluindo juros compensatórios e moratórios, pela prática de infrações: O contribuinte contabilizou na conta 6913 gastos no montante de € 13.279,81 relativo a juros de mora de um acordo de pagamento em prestações de dívidas à Segurança Social. Estes valores enquadram-se na regra de não dedutibilidade prevista no art.º 23.º-A, n.º 1, al. e) do CIRC, pelo que devem ser acrescidos ao lucro para apuramento da matéria coletável.

Assim, o apuramento da matéria coletável é efetuado da seguinte forma:

Lucro     € 46.060,25

Gastos a acrescer:

Juros de mora   € 13.279,81

Lucro tributável de 2015               € 59.340,06

5.            Na sequência das correções aritméticas efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., refletidas no RIT, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2019..., de 13.12.2019, compensação n.º 2019..., referente ao exercício 2015, no valor de € 14 331,71 em que se incluem € 1 758,22 de juros compensatórios, com data limite de pagamento em 03.02.2020 (Doc. anexo ao PPA, que se dá como reproduzido);

6.            A Requerente presta colaboração a diversas entidades, designadamente à C... (Declaração datada de 11.04.2018), ao Agrupamento de Escolas D... (Declaração datada de 26.02.2018), ao Município de ... (Declaração datada de 22.02.2018), à Cruz Vermelha Portuguesa – Delegação de ... (Declaração datada de 11.04.2018) e à Associação E... (Declaração datada de 11.04.2018), conforme dos Docs. 1 a 5 juntos ao PPA, que se dão como reproduzidos.

 

B – Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorrem da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, do processo administrativo e da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

III.2 DO DIREITO

1.            A questão decidenda

A liquidação de IRC emitida em nome da Requerente para o exercício do ano de 2015, objeto da presente ação arbitral, teve por base o lucro tributável apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária com base nos elementos da contabilidade, de acordo com os quais esta foi enquadrada no regime geral de tributação.

 

Embora a Requerente não conteste o enquadramento no regime geral de tributação em sede de IRC, vem invocar a sua qualidade de associação de direito civil sem fins lucrativos, não se conformando com o facto de, na determinação da matéria coletável do exercício em análise, ter sido incluído o valor do subsídio atribuído pelo Município de ..., considerando que o mesmo, destinado a financiar a realização dos seus fins estatutários, é um rendimento isento, nos termos do n.º 3 do artigo 54.º, do Código do IRC.

 

Cabe então questionar sobre a inclusão, ou não, do subsídio de que a Requerente beneficiou no exercício de 2015, na determinação da matéria coletável sujeita a imposto naquele período de tributação.

 

É pressuposto da tributação em IRC a existência, num determinado período temporal, em regra coincidente com o ano civil, de rendimentos auferidos pelos respetivos sujeitos passivos, as entidades como tal qualificadas pelo artigo 2.º, do Código do IRC, incidindo a tributação sobre as realidades enunciadas no artigo 3.º do mesmo Código, segundo a teoria do rendimento acréscimo (ponto 5 do preâmbulo do Código do IRC).

 

Os sujeitos passivos residentes são agrupados em duas grandes categorias: os que exercem, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, tributados com base no lucro, entendido este como consistindo “na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código”  (artigo 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código do IRC) e os que não exercem, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relativamente aos quais o imposto incide sobre o “rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito” (artigo 3.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC).

 

Como observou Saldanha Sanches, esta distinção acentua, no que respeita às sociedades comerciais, “o lado pessoal da factispécie fiscal”, presumindo-se que “todos os seus rendimentos são potencialmente tributáveis”, ao passo que, nas associações, é “o lado material da factispécie (certos rendimentos), que se torna determinante”, valendo “o princípio segundo o qual é da natureza dos rendimentos que decorre a sua tributação ou não tributação, com a sede da decisão situada no IRS”; por isso, se distingue entre “rendimentos associativos” (por exemplo, as quotas dos associados) e “rendimentos não associativos”, sendo apenas tributados estes últimos (de natureza comercial, industrial ou agrícola) .

 

No entanto, as entidades sem fins lucrativos que prossigam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, são tributadas pelo seu lucro, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC , sendo-lhes aplicáveis as regras contidas nos artigos 17.º a 52.º, do Código do IRC.

 

O conceito de atividade económica segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), reporta-se ao “Resultado da combinação dos fatores produtivos (mão de obra, matérias-primas, equipamento, etc.), com vista à produção de bens e serviços” , estatuindo o n.º 4 do artigo 3.º, do Código do IRC, que “Para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as atividades que consistam na realização de operações económicas de caráter empresarial, incluindo as prestações de serviços”.

 

Como bem se refere no Relatório da Inspeção Tributária, “…para efeitos do Código do IRC, o exercício, a título principal, de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, não está necessariamente associado a um fim lucrativo”. Disso é exemplo o caso das cooperativas, organizações de tipo associativo, cujo objeto principal não é o de gerar ganhos especulativos a partir do capital investido.

 

Já o conceito de exercício, “a título principal”, de uma atividade daquela natureza, só poderá ser preenchido perante cada caso concreto ; porém, face à contabilidade da Requerente e à comprovação de que 72% dos seus rendimentos provêm de uma atividade de prestação de serviços, terá de concluir-se ser de natureza comercial, industrial ou agrícola a atividade por si prosseguida, o que, de acordo com o PPA, a Requerente aceita.

 

No entanto, alega a Requerente que o subsídio que lhe foi atribuído no exercício de 2015 não representa o pagamento de qualquer serviço ou subsídio à exploração, destinando-se tão só a financiar a realização dos seus fins estatutários e, como tal, subsumível ao disposto no n.º 3 do artigo 54.º, do Código do IRC, devendo ser considerado um rendimento não sujeito a IRC.

 

Não está provado que a Requerente beneficie de qualquer das isenções previstas nos artigos 9.º a 11.º, do Código do IRC, por se tratar de uma associação de direito privado, não lhe ter sido reconhecido o estatuto de utilidade pública (nos termos do Decreto-Lei n.º 460/77, de 07.11, republicado pelo Decreto-Lei n.º 391/2007, de 13.12), nem ser uma instituição de solidariedade social (de acordo com o Decreto-Lei n.º 119/83, de 25.02), e  por exercer uma atividade de prestação de serviços não enquadrável na secção R – Atividades culturais, recreativas e desportivas (códigos 90 a 93) da Classificação das Atividades Económicas do INE (CAE, revisão 3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14.11.

 

Apesar da sua constituição como associação sem fins lucrativos, tendo-se concluído que a Requerente exerce, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não beneficiando de qualquer das isenções previstas na lei fiscal, daí resulta que a sua tributação deva ser feita com base no lucro, sendo este, de acordo com o disposto no artigo 17.º, do Código do IRC, “constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.

 

Por isso, ainda que o subsídio atribuído à Requerente no exercício de 2015 se tivesse destinado a financiar a realização dos seus fins estatutários, sendo esta tributada com base no lucro, não pode o respetivo valor deixar de concorrer para a formação do lucro tributável daquele período, não se enquadrando na norma do n.º 3 do artigo 54.º, do Código do IRC, aplicável na determinação da matéria coletável das entidades tributadas com base no rendimento global.

 

Termos em que improcede a pretensão da Requerente, devendo manter-se a liquidação de IRC do exercício de 2015, por nada haver a censurar às correções que lhe serviram de base.

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando totalmente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, manter a liquidação de IRC n.º 2019..., referente ao exercício de 2015, no valor de € 14 331,71, e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 14 331,71 (catorze mil, trezentos e trinta e um euros e setenta e um cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de novembro de 2020.

 

O Árbitro,

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.