Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 211/2019-T
Data da decisão: 2019-11-19  IRS  
Valor do pedido: € 31.798,37
Tema: IRS – Liquidação adicional de rendimentos obtidos no estrangeiro.
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DECISÃO ARBITRAL

                                                                                                                                                                        

I – Relatório

               

                1. A... e B..., respetivamente com os NIF´s ... e ..., casados, residentes na Rua de ..., n.º..., ...-..., Estoril, notificados da liquidação adicional de IRS - Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares, do ano de 2014, n.º 2018..., no montante total a pagar de € 31.798,36, incluindo juros compensatórios (cf. demonstração de acerto de contas, de liquidação de IRS e de juros compensatórios), vêm, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 15.º e seguintes do RJAT - Regime Jurídico da Arbitragem, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, deduzir impugnação arbitral. 

 

A - Antecedentes históricos

A AT procedeu a 3 liquidações relativamente à declaração de IRS do ano de 2014, que os sujeitos passivos apresentaram oportunamente, nos termos que se seguem.

 

2. Em 28 de maio de 2015 apresentaram a sua declaração mod. 3 de IRS, relativa a 2014, onde alegam ter incluído a totalidade dos rendimentos efetivamente auferidos, incluindo, portanto, também os obtidos no estrangeiro (Doc. 2 anexo à PI).

3. Esta declaração foi objeto de uma primeira liquidação de IRS, com o n.º 2015..., de 22 de julho de 2015, no valor de € 145.956,15, com data limite de pagamento em 31 de agosto de 2015, que foi oportunamente paga pelos Impugnantes.

4. Em 14/11/2015, a AT- Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma segunda liquidação, relativa ao mesmo ano de 2014, no valor de € 147.582,98, o que originou uma 1.ª liquidação adicional de € 1.626,83 (147.582,98 - 145.956,15), também paga oportunamente pelos Impugnantes.

5. Os sujeitos passivos requereram e obtiveram resposta da AT, informando-os de que esta correção resultou da circunstância de os juros de fonte bermudense se encontrarem sujeitos, em sede de IRS, à taxa especial de 35%, em vez de 28%, o que foi aceite.

6. Nenhuma outra correção foi feita à declaração de rendimentos em causa, nem efetuada qualquer outra liquidação adicional nos anos de 2016 e 2017.

7. Porém, em 27/04/2018 foram os ora Requerentes surpreendidos com o projeto de decisão proferido pela Diretora de Finanças Adjunta de Lisboa, em que se propõe corrigir os valores declarados no campo 408 do Quadro 4 do Anexo J à Declaração Mod. 3 de IRS de 2014, de juros de poupanças, por alegadamente não ter sido declarada a totalidade dos referidos juros na totalidade, no montante de € 621.991,85, comunicados à AT pela Administração Tributária Suíça, em conformidade com o Acordo celebrado entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, que estabelece medidas equivalentes às da Diretiva da Poupança.

8. O sujeitos passivos, face a informação do seu contabilista e fiscalista, confirmaram à AT que a totalidade dos juros relativos à Diretiva da Poupança, que em 2014 obtiveram no estrangeiro, foram de € 520.235,55, integralmente declarados no campo 408 do Quadro 4 do referido Anexo J à sua Declaração Mod. 3 de IRS, respeitante a 2014.

9. E procederam desta forma, face aos valores creditados na conta bancária dos Requerentes n.º..., no Banco C... e porque sabem que os juros declarados são provenientes de obrigações cujos diferentes emitentes estão sedeados em diferentes países, devidamente identificados no quadro 6 do Anexo J à sua declaração Modelo 3 e no mapa de apuramento que constitui o Doc. 7.

10. Os sujeitos passivos não entenderam os fundamentos de tais divergências, tanto mais que a AT não junta o reporte de juros que lhe terá sido enviado pelo Banco C... ou pela Administração Fiscal Suíça.

10. Assim sendo, presumiram os sujeitos passivos, ora Requerentes, que a diferença entre o valor de € 520.235,55 que declararam e o de € 621.991,85, que o projeto de decisão antes referido identifica, corresponderia a reembolso do capital investido, sem natureza remuneratória, nem, portanto, qualificação de juro.

11. Daí terem conferido mandato ao seu advogado para os representar perante a AT e para exercer o seu direito de audição prévia ao referido projeto de decisão, o que fez em 10/05/2018, sob registo postal, juntando documentos, designadamente procuração forense (Doc.8).

12. Em consequência, em 14/11/2018, os sujeitos passivos e apenas estes, foram notificados, no seu domicílio pessoal, da decisão final do procedimento da AT, que rejeitou os termos da audição prévia subscrita pelo seu mandatário (Doc.9), prosseguindo com a 3.ª liquidação de IRS (2.ª adicional), no valor de € 176.074,75, acrescida de juros compensatórios de € 3.306,60, de que resultou no IRS adicional a pagar de € 31.798,37, também liquidado oportunamente pelos impugnantes em 24/12/2018, e que constitui o objeto da presente impugnação.

13. A rejeição da audição prévia pela AT fundamentou-se no facto de das 33 páginas que constituem o extrato bancário emitido pelo Banco C... faltarem "a primeira e todas as seguintes à décima terceira" e porque, se o montante reportado à AT não estivesse correto, então "o agente pagador não o teria comunicado".

14. Perante esta controvérsia e por inconformados, tomaram as seguintes medidas para prova do que defendem.

 

B - Fundamentação da impugnação arbitral

 

15. Os Requerentes solicitaram, desde logo, ao Banco C... que lhes fosse dado acesso ao reporte de juros comunicado à AT para procederem à análise das divergências em causa.

16. Por declaração subscrita em 20/11/2018 por dois Diretores do Banco C..., foram-lhes remetidos dois documentos, intitulados, respetivamente, "EU Taxes: Disclouse report 2014" e "Demonstração de Rendimentos e Transações 2014" (Doc.10), correspondendo o primeiro ao reporte de juros enviado pelo Banco C... à Administração Tributária Suíça, e por esta à AT, e o segundo correspondente ao extrato bancário emitido pela C..., na sua versão integral, a que faltavam "a primeira e todas as seguintes à décima terceira".

17. Pelos documentos recebidos, concluíram que as páginas seguintes à décima terceira respeitam aos ganhos e perdas realizados pelos ora impugnantes na venda ou no reembolso de obrigações, e, por isso, por não ser essa a matéria em causa em sede de audição prévia, os ora impugnantes apresentaram apenas a parte dos extratos que respeita aos juros obtidos.

18. Não obstante, esses ganhos e perdas foram igualmente declarados na sua Mod. 3 de IRS de 2014, especificamente no quadro 4B do Anexo J (Doc. 2).

19. De realçar que os Diretores do Banco C... declararam que os extratos "detalham, entre outras coisas, os rendimentos reais obtidos durante o ano de 2014, que não correspondem ao que foi reportado à administração fiscal portuguesa através do EU Taxes: Diclouse report 2014". (Doc.10)

20. Face ao referido e do confronto entre o reporte de juros comunicado pelo Banco C... e o extrato bancário relativo a 2014, aos Impugnantes foi possível extrair a seguinte matéria de facto:

21. Que "o reporte do Banco C... regista 74 movimentos, no total de € 747.883,25 Francos Suíços que, de acordo com o câmbio implícito na decisão da AT, corresponde a € 621.991,85".

22. E que "entre as páginas 2/33 a 13/33, o extrato bancário da C... regista 67 movimentos, no total de € 569.025,69".

23. E ainda que "entre as páginas 2/33 a 13/33 o extrato contempla 63 movimentos que, sob a designação «interest payment», representam os juros de obrigações obtidos pelos ora impugnantes, que totalizando € 520.235,55, que foram por eles declarados no campo 408 do quadro 4 do Anexo J da sua Modelo 3", respeitante a juros de obrigações referidos no n.º 5 do artigo 72.º do CIRS, sem retenção em Portugal, com os diferentes Códigos dos países da fonte.

24. E também que "entre as mesmas páginas 2/33 a 13/33 o extrato contempla ainda 4 movimentos que, sob designação «premium», representam o ganho de capital resultante da diferença positiva entre o valor do reembolso da obrigação e o seu valor de subscrição ou capital investido", que respeitam a mais-valias realizadas quando do resgate do título no decurso da sua maturidade.

25. Mais refere que "estes 4 movimentos "vertidos quer no «reporte» , quer no extrato, representam ganhos no total de € 48.790,14, também declarados, mas no quadro 4B do mesmo Anexo J", cujos parciais resultam dos valores constantes dos artigos seguintes.

26. E que "o prémio de € 11.626,02 (página 2/33 do extrato e 2/7 do reporte) concorreu para o apuramento das mais-valias resultante do reembolso das obrigações da D... Ltd. - capital de € 200.000 (pág. 16/33 do extrato), acrescido de € 11.626,02, perfazendo assim o valor de realização declarado de € 211.626,02 (linha 451 do quadro B, pág. 16/22 da Mod. 3".

27.Que "o prémio de € 4.242,12 (3/33 do extrato e 3/7 do reporte) concorreu para o cômputo relativo às obrigações emitidas pela E...- capital de € 109.473,97 (pág. 16/33 do extrato), acrescido de € 4.242,12, perfazendo um total de realização de € 113.716,09, a que se soma o reembolso de obrigações canadianas F... e G..., nos valores parciais de € 92.284,30 e € 101.475,99, a pág. 16 e 17/73 do extrato, no total de € 307.407,38 (linha 450, quadro B, p. 19/22 da Modelo 3)".

                28. Que o "premium de € 16.250.00 (página 4/33 do extrato e 2/7 do reporte") concorreu para o apuramento da mais-valia resultante do reembolso das obrigações da H... - capital de € 325.000 (página 17/33 do  extrato), acrescido de € 16.250 perfazendo assim o  valor de  realização declarado de € 341.250.00 (linha 450 do quadro 4B, página 18/22 da Modelo 3)".

                29. E que "O premium de € 16.672,00 (6/33 do extrato e 4/7 do "reporte" ) concorreu para o cômputo relativo às obrigações emitidas pela I...- capital de € 200.000 (p. 18/33 do extrato), acrescido de € 16.672, perfazendo um valor de realização de€ 216.672, a que se soma o reembolso de obrigações da alemã J..., no valor de€ 243.594,22, de p. 18/33 do extrato, total de € 460.266.22 (linha 451, quadro 4B, p. 15/22 da Modelo 3)".

                30. Mais esclarecem os Requerentes que "do atrás exposto resulta que, dos 74 movimentos sinalizados no reporte do Banco C... à administração tributária suíça, e por esta à AT, 67 acham-se igualmente discriminados nos extratos bancários de 2014 e foram devidamente declarados pelos ora impugnantes na sua Modelo 3 de 2014".

                31. Porém, relativamente à diferença de 7 movimentos, a sua proveniência e justificação, referem os Requerentes que "foram igualmente sinalizados no reporte do Banco C..., mas não nos extratos".

                32. E ainda que "o reporte do Banco C... contempla 5 movimentos que, ao contrário dos demais, não se apresentam sob as designações "interest" ou "premium" - de que cuidámos mais atrás - mas sob a designação "interest/discoun"t ou simplesmente "discount".

                33.  E que "as importâncias assim sinalizadas não constam do extrato bancário como juros obtidos, pois representam apenas um juro latente incorporado no preço de venda da obrigação no mercado de capitais, de que igualmente resulta um ganho ou uma perda para o alienante".

                34.  Donde concluem que "os juros latentes incorporados no preço das obrigações da K... (cf. linhas 4 a 6 de página 2/7 do "reporte"), nas importâncias de € 4.953,77, € 4.821,92 e € 4.821,92, integraram, conjuntamente com o valor de mercado dos respetivos títulos de € 33.000, € 51.000 e € 53.000 (doc.º n.º 11 que juntam e aqui dão por reproduzido),

                35. E que "o valor de realização de € 151.597,61 (cf. pág. 19/33 do extrato), que, somado ao valor de realização das obrigações da luxemburguesa L... Ltd, de € 120.980 (pág. 15/33 do extrato), totaliza os € 272.577.61 declarados pelos ora impugnantes (linha 450, quadro 4B, p. 17/22 da Modelo 3)".

                36. Porém, "para além destes 3 casos relativos à alienação dos títulos da K..., há depois, entre os 5 movimentos descritos no reporte da C... sob a designação "interest/discount ", dois que não correspondem pura e simplesmente a qualquer rendimento obtido, conforme aliás o Banco já assumiu (cf. doc.º n.º 10)".

                37. Desses dois casos, segundo os Requerentes, "o primeiro é o caso da venda das obrigações da norte-americana M..., ao preço de € 112.334,03, que incorporou juros latentes de € 3.184,03 (cfr. doc.º n.º 12 que juntam e aqui se dá por reproduzido, bem como pág. 20/33 do extrato, na última linha)".

                38. Contudo, esclarecem os Requerentes, que "o reporte do Banco C... regista um valor de juros latentes de € 8.850,09 (!), o que, naturalmente, só se pode atribuir a um lapso do Banco (cf linha 8 de página 1/7 do " reporte" )".

                39. Assim, continuam na senda do esclarecimento da situação, que "o valor de realização de € 112.334,03, somado ao valor de realização das obrigações da norte-americana First Data, de € 27.139,89 (pág. 20/33 do extrato), totaliza justamente os € 139.527,92 declarados pelos ora impugnantes (linha 450, quadro 4B, pág. 18/22 da Modelo 3)".

                40. E que "O segundo caso respeita às obrigações da croata H..., que, vimos mais acima, foram totalmente resgatadas (cf. artigo 31°, supra, bem como página 17/33 do extrato), dando azo a um ganho declarado e tributado (cf. linha 11 de página 2/7 do "reporte" ).

                41. Contudo, dizem os Requerentes, "o reporte do Banco C... regista um segundo valor de € 9.854,00 jamais obtido, que só se pode atribuir a novo lapso do Banco (cf. linha 12 de página 2/7 do "reporte" )".

                42. Faltando ainda a justificação de dois dos sete movimentos atrás referidos, referem o seguinte: "que foram sinalizados no reporte do Banco C..., mas não nos extratos, que nos falta apurar", mas cuja justificação dada é a seguinte:

                43. "Na linha 3 de pág. 4/7 do "reporte", a C... identifica juros de € 12.750,00 de obrigações da N... que foram pagos ainda em 2013. Portanto, não só não constam do extrato de 2014, como não teriam de constar da Modelo 3 de 2014".

                44. E, prosseguindo o esclarecimento, mais referem que: "Na linha 5 de pág. 5/7 do "reporte", a C... identifica juros efetivos de 2.168,60 Francos Suíços, provenientes de obrigações da canadiana F..., que configuram antes juros latentes de € 1.788,96 que integraram o respetivo preço de venda, que perfez € 92.284,30 (cf. doe.º n.º 13 que aqui juntam, bem como p. 16/33 do extrato, na última linha)".

                45 E, assim sendo, "O valor de realização de € 92.284,30, somado aos valores de realização das obrigações das igualmente canadianas E... e O..., totaliza os € 307.476.38 declarados pelos ora impugnantes (linha 450, quadro 4B, pág. 19/22 da Modelo 3), conforme mais atrás já tínhamos visto (cf. artigo 30°, supra)".

                46. Com vista ao esclarecimento dos factos, juntaram os Requerentes, como se depreende, entre outros elementos os seguintes, referidos nos artigos anteriores:

                a) A Declaração Mod. 3 de IRS relativa ao ano de 2014, entregue em 28/5/2015, com a qualificação de residentes em território português, juntamente com 2 Anexos B, um Anexo G relativo a alienação onerosa de partes sociais de entidades residentes, 1 Anexo H relativo a Benefícios Fiscais, 1 Anexo J respeitante a rendimentos obtidos no estrangeiro (com as pág.s 16 a 20 de 22) e 2 Anexo SS relativos à Segurança Social.

                b) Um Anexo 2 com a discriminação dos juros de obrigações obtidos no estrangeiro, com o valor global de € 520.235,55 (cf. campo 408 do Q4 do Anexo J e discriminados por países da fonte pagadora no Q. 9)) e de € 29,24 de dividendos também obtidos no estrangeiro (cf. campo 420 do mesmo Q. 4).

                c) Um Anexo 3 com Extrato de fls. 2 a 13 de 33, com detalhes do tipo e valor dos investimentos, bem como dos rendimentos obtidos em euros;

                d) Um Anexo 10 com carta do C..., de 20 de novembro de 2018, confirmando ao cliente e ora Requerente A..., que o documento que também integra este anexo, (de fls. 1 a 7, com 74 registos), denominado "EU Taxes : Disclosure Report 2014", comunicado às autoridades correspondentes, foi realizado exclusivamente para efeitos da Diretiva 2003/48/CE do Conselho de 3 de junho de 2003 em matéria de fiscalidade dos rendimentos da poupança, e do acordo estabelecido entre a Comunidade Europeia e a Confederação Helvética, relativo ao estabelecimento de medidas consideradas equivalentes às previstas na Diretiva 2003/48/CE do Conselho em matéria de fiscalidade dos rendimentos da poupança sob a forma de juros pagos" corresponde aos rendimentos efetivamente pagos.

                Na mesma carta é também referido que "o relatório apresenta todas as transações sujeitas a troca de informação segundo a Norma EU (…)pelo que a informação disponibilizada no relatório não poderá ser qualificada ao abrigo de qualquer interpretação fiscal ou jurídica, assim como associada a consequências que possam resultar da sua aplicação no seu país de residência".

                E mais é referido na mesma carta que também anexam que "os documentos da «Demonstração de Rendimentos e Transações 2014» assim como os comprovativos das compras para as vendas realizadas em 2014 (…) e que detalham, entre outras coisas, os rendimentos reais obtidos durante o ano de 2014, que não correspondem ao que foi reportado à administração fiscal portuguesa através do «EU Taxes : Disclosure report 2014», pelas razões acima mencionadas".

                               e) Um extrato de 7 pág.s, com 74 registo, denominado "EU Taxes : Disclosure Report 2014", comunicado às autoridades correspondentes, que foi realizado exclusivamente para efeitos da Diretiva 2003/48/CE do Conselho de 3 de junho de 2003 em matéria de fiscalidade dos rendimentos da poupança", em anexo à carta referida na alínea anterior, cujo total de em francos suíços é de 747.883,25", que, de acordo com o câmbio implícito na decisão da AT, corresponde a € 621.991,85.

 

                               f) E também junta uma nova carta do C..., com o título de Demonstração de Rendimentos e Transações 2014, que, embora "meramente informativa", contém a demonstração em anexo (de 1 a 26 pág.s de 33) que "sumariza os rendimentos obtidos e as transações realizadas na sua conta principal no C... AG entre o período de reporte de 1 de janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2014" e que "a demonstração contém uma apresentação geral das receitas, transações e juros acumulados durante o período reportado (…)"

 

 C - Posição da Requerida AT  

                A esta parte dos factos e dos esclarecimentos que os Impugnantes tentaram esclarecer, a Requerida vem, em sede de RESPOSTA, referir em síntese e na parte controversa o seguinte:

                               1. Em 14/11/2015, a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma segunda liquidação, relativa ao mesmo ano de 2014, no valor de € 147.582,98, o que originou uma 1.ª liquidação adicional de € 1.626,83 (147.582,98 - 145.956,15), também paga oportunamente pelos Impugnantes, que ficou a dever-se ao facto de os juros de fonte bermudense se encontrarem sujeitos, em sede de IRS, à taxa especial de 35%, em vez de 28%.

 

                               2. E que em 27/04/2018, a AT, através da Diretora de Finanças adjunta de Lisboa foi proferido projeto de decisão "no qual a AT se propõe corrigir os valores declarados no campo 422 do quadro 4 do anexo J da declaração modelo 3 de IRS, relativamente ao ano de 2014, porquanto os atrás referidos juros na quantia de € 621.991,85, terem sido comunicados pela administração tributária suíça, em conformidade com o Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça que estabelece medidas equivalentes às da designada Diretiva da Poupança".

 

3. Que, segundo a Requerida, a discordância dos Requerentes reside no facto de, "em sede de audição prévia relativamente ao projeto de decisão, em que juntaram documentos e constituíram mandatário, sendo que, (conforme confirma a AT) esta decisão final apenas foi notificada aos requerentes, bem como a liquidação final, pelo que o ato de liquidação, no entender dos sujeitos passivos, não se pode entender como validamente notificado, pelo que em consequência é ineficaz para fazer operar o termo final do prazo de caducidade do direito à liquidação".

4. Desta decisão resultou que em 14/11/2018, a AT, prosseguindo a marcha do procedimento, emitiu uma 3.ª liquidação de IRS (2.ª adicional), no valor de € 176.074,75, acrescido de juros compensatórios de € 3.306,60, de que resultou no IRS adicional a pagar de € 31.798,37, também pago oportunamente pelos impugnantes em 24/12/2018, o que constitui exclusivamente o objeto da presente impugnação.

                               5. Que, em consequência, os Requerentes não se conformaram com esta liquidação, primeiramente porque, tendo constituído mandatário , a referida liquidação adicional apenas foi notificada aos ora Requerentes, o que, no entender dos mesmos "o ato de liquidação adicional não se pode entender como validamente notificado, pelo que, em consequência, é ineficaz para fazer operar o termo final do prazo de caducidade do direito à liquidação"

 

6. A rejeição da audição prévia pela AT fundamentou-se no facto de, das 33 páginas que constituem o extrato bancário emitido pelo Banco C..., faltarem "a primeira e todas as seguintes à décima terceira" e porque, se o montante reportado à AT não estivesse correto, então "o agente pagador não o teria comunicado".

7. Esclarece a Requerida que "a questão controvertida incide apenas relativamente aos valores de aquisição declarados no quadro B do anexo J da declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2014", ou seja sobre os valores de aquisição das partes sociais e dos valores mobiliários, e que

8. Por isso, "em 24/05/2019, a AT informou o Tribunal, nos termos do artigo 13.º do RJAT, relativamente à revogação parcial do ato de liquidação objeto do presente pedido, estribado no despacho da Senhora Subdiretora Geral da área de Gestão tributária - Impostos sobre o Rendimento, de 20/05/2019".

9. Mais refere a Requerida que "tendo os Requerentes sido notificados da revogação parcial supra referida, vieram por requerimento de 28/05/2019 solicitar o prosseguimento dos autos".

10. "Relativamente à invocada falta de notificação do mandatário, verifica-se que os requerentes reagiram com o meio próprio e dentro do prazo, pois que validamente notificados e com os elementos constantes no artigo 36.º, n.º 2 do CPPT, pelo que nunca poderia ser suscetível aquela mera irregularidade, de anular a decisão final".

11. Mais entende a Requerida que "a mera irregularidade supra referida encontra-se já sanada, caindo assim por terra a argumentação dos requerentes relativamente à ineficácia da notificação da decisão final e muito menos relativamente à notificação da liquidação do imposto".

12. Mais argumenta a Requerida que, para além do mais, "a notificação da liquidação do imposto diz apenas respeito aos sujeitos passivos, sendo que, da própria procuração, não se vislumbram poderes para recebimento de uma liquidação de imposto".

13. Quanto ao ónus da prova dos valores declarados, entende a Requerida que "referente aos valores de aquisição declarados no quadro 4-B do anexo J da declaração modelo 3 de IRS, do ano de 2014, estipula o artigo 74.º e 75.º da LGT, que transcreve:"

 

" Artigo 74.º

Ónus da prova

1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. (Redacção dada pela Lei n.º 50/05, de 30 de Agosto)

2 - Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária.

3 - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.

(Redacção anterior)

Artigo 75.º

Declaração e outros elementos dos contribuintes

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. (Redação da Lei  n.º 80-C/2013 de 31 de Dezembro)

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na presente lei.

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A.

3 - A força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar. (Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro)"

 

14. E conclui a Requerida que "por conseguinte, sobre a declaração do Requerente existe a presunção da veracidade e de boa-fé, princípio este consagrado no artigo 75.º da LGT, sendo que, o afastamento da presunção ocorre nos termos do artigo 75.º, no seu n.º 2 e nas alíneas a) e b)".

15. Daí referir que, assim sendo, "cabe ao Requerente nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT o ónus de comprovar e documentar as operações em causa, podendo recorrer a meios como a prova documental ou testemunhal".  

 

                D - Alegações dos Requerentes

 

 

                1. Em sede de Alegações, apenas apresentadas pelos Requerentes, vêm realçar que "A AT tomou conhecimento do pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem aos presentes autos no dia 01 de abril de 2019 ".

 

                2. E que, por isso, "dispunha de prazo até ao dia 16 de maio de 2019, inclusive, para revogar, ratificar, reformar ou converter a liquidação adicional de IRS de 2014, no montante de € 31.798,37, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT".

 

                3. Porém, sucede que apenas "Por despacho de 20 maio de 2019, ou seja, já depois do prazo de 30 dias que fixa a dita norma do RJAT, a Subdiretora-geral da AT revogou a liquidação impugnada".

 

                4. Mas a autora do ato em causa, não se limitou a anulá-lo, propondo-se "emitir uma nova liquidação de IRS com base na não aceitação dos valores de aquisição declarados no quadro 4-B do anexo J", pelo que, face à posição da AT, "os Impugnantes requereram que o procedimento prosseguisse relativamente à nova liquidação nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do RJAT".

 

                5. E isto porque, segundo os Requerentes "trata-se de uma matéria inédita, que procede de fundamentação nova que põe em causa a presunção de veracidade de declaração, sobre a qual os requerentes nunca foram ouvidos".

 

                6. E esclarecem os Requerentes que "vieram a juízo discutir a legalidade de uma liquidação adicional de IRS que tem por base exclusiva juros de fonte suíça que a AT lhes imputou por alegadamente terem sido omitidos na sua declaração de rendimentos".

 

                7. E a divergência está no facto de "os impugnantes declararem juros obtidos no estrangeiro de € 520.235,55 e a AT entendeu que o montante efetivamente recebido ascenderia a € 621.991,85" e que essa foi "a exclusiva fundamentação contextual do ato de liquidação adicional (doc.s 6 a 9 juntos com a petição)". 

 

                8. E que a liquidação adicional impugnada resultou, portanto, da diferença entre os referidos € 621.991,85 que a AT diz terem recebido em 2014 e os € 520.235,55, no valor de € 101.756,30, que à taxa de 28% resulta o IRS adicional de € 28.491,77, que acrescido dos respetivos juros compensatórios de € 3.306,60, totalizam € 31.798,37.

 

                9. Mais alegam os Requerentes que, face à posição assumida pela AT, "o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedida de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocadas a posteriori na pendência do meio impugnatório (cf. a abundante jurisprudência do STA de que é exemplo o Acórdão de 20.12.2018, proc. 0559/18.BEALM)".

 

                10. E os Requerentes invocam uma tripla razão para que a AT possa pronunciar-se e decidir sobre a questão dos valores de aquisição de partes socias ou outros valores mobiliários declarados, porque, "findo o prazo fixado no artigo 13.º/1 do RJAT, fica-lhe vedado o poder de dispor sobre a relação (jurídico-tributária) material controvertida".

 

                11. Ou seja, porque "os n.ºs 1 e 3 do artigo 13.º devem assim ser interpretados no sentido em que a AT está impedida de, para além do prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do Tribunal, praticar novo ato relativamente ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos ".

 

                12. E que, em segundo lugar, "o motivo por que a correção impugnada foi avante não foi o da falta de demonstração de quaisquer comprovativos dos valores de aquisição, mas apenas e tão só a divergência da AT relativamente ao valor de juros efetivamente recebidos no estrangeiro".

 

                  13. Mais alegam os Requerentes que "a leitura das decisões do procedimento (que levou à liquidação adicional em causa), a preliminar e a final (doc.s 6 a 9), revela que não foi com aquele fundamento (da divergência) que a AT prosseguiu com a emissão do ato de liquidação adicional", mas "exclusivamente com base na divergência referente ao valor dos juros (…)", situação que "já não há, aparentemente, qualquer óbice do lado da AT (como consta do ato de revogação da 3.ª liquidação de IRS de 2014, 2.ª liquidação adicional, a que está em causa e foi objeto da presente impugnação.

 

                14. E em terceiro lugar, alegam os Requerentes que "finalmente, porque a notificação do ato de liquidação ora impugnado, relativo que é a 2014, jamais poderá por isso ser repetida, caducado que está o respetivo direito da AT a liquidar IRS de 2014".

 

                15. E a terminar as suas Alegações, os Requerentes, vêm defender que "ao contrário do que defende a AT na sua Resposta, a notificação feita na pessoa dos ora impugnantes, desprezando a AT o seu mandatário, é ineficaz para fazer operar o termo final do prazo de caducidade do direito à liquidação (cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pág. 394 e seg.)".

 

E - Do saneamento

1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo CAAD em 25/3/2019, tendo sido e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares, na mesma data.

 

2. Nos termos do disposto n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

3. As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 6 de junho de 2019, o que foi comunicado às Partes na mesma data.

 

5. O tribunal arbitral foi, assim, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

6. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

7. O processo não enferma de nulidades e não foi invocada qualquer exceção.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

1. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.

 

a) - Em 28/5/2015, entregaram os Requerentes na AT a sua declaração modelo 3 de IRS de 2014, com 2 Anexos B, respeitantes aos contribuintes A e B, com 1 Anexo F, 1 Anexo G, 1 Anexo H e 1 Anexo J (este relativo a rendimentos obtidos no estrangeiro, que constituem as pág.s 15 a 22 da Declaração), e 1 Anexo SS.

b) Na sequência da apresentação da referida declaração, a AT procedeu às seguintes liquidações de IRS:

                b).1 - Uma 1.ª liquidação em 22 de julho de 2015, no valor de € 145.956,15, com data limite de pagamento em 31-08-2015, que foi oportunamente paga, com respeito pelos valores declarados pelos ora Requerentes, pelo que não foi objeto de reclamação ou de impugnação;

                b).2 - Uma 2.ª liquidação em 14 de novembro de 2015, no valor de € 147.582,98, face a uma primeira análise interna da declaração dos sujeitos passivos, de que resultou um valor a pagar adicionalmente da importância de € 1.626,83, que teve a ver com a circunstância de constarem no referido Anexo J, juros de fonte bermudense, que, ao contrário dos restantes de fonte estrangeira, estão sujeitos à taxa especial de 35%, em vez de 28%. Esta liquidação adicional também não foi objeto de reclamação ou impugnação e foi também oportunamente paga.

                b).3 - Em 22 de novembro de 2018 foi efetuada uma terceira liquidação de IRS relativa ao mesmo ano, (a 2.ª liquidação adicional), no valor de € 176.074,75, acrescida de juros compensatórios no valor de € 3.306,60, no total de € 179.381,35, de que foram notificados os Requerentes, em novembro de 2018, para pagamento no valor de € 31.798,37, até 24 de dezembro de 2018, o que satisfizeram também oportuna e integralmente.

                b).4 - Esta liquidação teve como fundamento o alegado facto, segundo a AT, de terem sido omitidos pelos Requerentes na sua declaração de IRS de 2014, rendimentos abrangidos pela Diretiva da Poupança, cuja entidade pagadora foi a C... AG, porquanto foram declarados juros no quadro 4, campo 408, da declaração em causa, no valor de € 520.235,55, quando deveriam ter sido declarados juros no valor de € 621.991,85.

b) - Esta liquidação foi precedida de notificação dos sujeitos passivos A... e B..., pelo Ofício n.º..., de 24/04/2018, para efeitos de audição prévia nos termos do artigo 60.º da LGT, sobre o Projeto de Decisão constante de Informação anexa com o n.º .../2018, da qual consta que, caso não seja apresentada declaração de substituição corrigindo os valores declarados de juros de poupança para € 621.991,85, auferidos pelos sujeito passivo A..., com o NIF..., em 2014, será promovida a correção oficiosa da declaração pela AT.

c) - O sujeito passivo A..., com o NIF..., havia emitido procuração ao advogado Dr. P..., em 27/11/2015 , do seguinte teor: "a quem confere os mais amplos poderes forenses em direito permitidos para, individualmente o representar perante qualquer Tribunal bem como perante qualquer serviço ou órgão da Administração Pública, incluindo a Administração Tributária, podendo em seu nome, designadamente, prestar declarações, solicitar informações, apresentar requerimentos de qualquer natureza, intentar e prosseguir qualquer impugnação judicial, interpor recurso de decisões proferidas em processos judiciais, deduzir oposição a qualquer execução fiscal e requerer a sua suspensão, bem como reclamar quaisquer atos tributários ou deles recorrer hierarquicamente ou para os tribunais, no que concerne ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) dos anos de 2012 a 2014".

d) - Foi assim que em 11/05/2018, foi apresentada pelo referido advogado, em nome dos sujeitos passivos, resposta no uso do direito de audição prévia, informando a AT, em síntese, que a importância total declarada no quadro 6 do Anexo J e no mapa de apuramento que ora junta, pelos sujeitos passivos, de € 520.235,55, corresponde rigorosamente ao valor dos juros auferidos e que lhe foram creditados em 2014 na sua conta n. ... do Banco C..., cfr. Doc. 3.      

e) A AT, numa segunda análise aos seus elementos, afirma que os juros de obrigações creditados foram da importância de € 621.991,81, respeitantes a 2014, sem prova junta ao processo da comunicação das Autoridades Fiscais da Suíça e, por isso, procederam à referida 3.ª liquidação de IRS de 2014 em 12/11/2018, (2.a adicional), com valor para pagamento de € 31.798,37, em que se incluem juros compensatórios de € 3.306,60, com prazo limite de pagamento até 24 de dezembro de 2018, que os Requerentes satisfizeram oportuna e integralmente.

f) Não foram postos em causa pela AT quaisquer outros valores declarados, para além do montante dos referidos juros abrangidos pela Diretiva da Poupança, recebidos fora do território português.

g) Os Requerentes fizeram prova dos valores auferidos, juntando quer documento "reporte", quer "extrato", bem como carta também junta aos autos, do Banco C..., onde se refere que os valores constantes da Demonstração de Rendimentos e Transações são os corretos e justificaram, em pormenor, cada um dos valores em causa.

h) A RESPOSTA da Requerida, de 4/7/2019, vem referir que a questão ora controvertida, incide apenas relativamente aos valores declarados do quadro 4B do anexo J, da declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2014, ou seja, sobre os valores de aquisição de partes sociais e outros valores mobiliários, sujeitos a mais-valias.

i) A Requerida AT, por despacho de 15/05/2019, da Subdiretora-Geral da área da gestão do IRS, revoga o ato tributário contestado , ou seja a 3.ª liquidação de IRS de 12/11/2018 (2.ª liquidação adicional), por aceitar os fundamentos invocados pelos serviços, que, em síntese, nos n.ºs 9 e 10 da Informação de suporte à decisão, refere o seguinte:

                "(…)

                9. Da análise de todos os elementos probatórios apresentados, conclui-se que foram 74 os movimentos registados, que, somados, perfazem os referidos €          621.991,85/CHF 747.883,25.

                10. Desses movimentos, 63 correspondem ao pagamento de juros (interest       payment), totalizando € 520.235,55, que o impugnante declarou no quadro 4 do anexo J, e que, da leitura cruzada da sua discriminação (constante do quadro 6 do anexo J) com os extratos bancários apresentados, se verifica corresponderem à verdade.

                (…)

                Conclusão (da AT):

                Os € 621.991,85 comunicados pelas autoridades fiscais suíças e que foram          inscritos como juros, no campo 408 do quadro 4 do anexo J da declaração           oficiosa que originou a liquidação impugnada, devem ser decompostos e             declarados do seguinte modo:

                - € 520.235,55, a inscrever no campo 408, mas assim no 422 (relativo a                rendimentos da Diretiva da Poupança (Diretiva 2003/48/CE).

                - No que toca à diferença entre os € 621.991,85 comunicados pelas autoridades fiscais suíças e os referidos juros no montante de € 520.235,55, o respetivo valor já está incluído nos diversos valores de realização decorrentes da alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários declarados no quadro 4B do anexo J.

                - Os € 29,24 declarados a título de dividendos no campo 420 do quadro 4 do      anexo J correspondem aos constantes nos documentos bancários, pelo que              devem ser aceites.

                Deste modo, após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos   que a liquidação n.º 2018..., do período de tributação de 2014, no valor de € 31.798,37, deve ser revogada, devendo ser emitida uma nova , considerando, em termos práticos, na declaração que lhe estará na génese, as conclusões acima indicadas.

                Note-se, porém, que não foram apresentados elementos que permitam comprovar os valores de aquisição declarados no quadro 4B do anexo J, pelo que, sem a respetiva comprovação, não se revela possível aceitá-los".

                Pelo que é proposta proposto na Informação suporte que:

                "A ser sancionada superiormente, deve remeter-se esta informação e o processo à DSJC, devendo igualmente proceder-se à notificação do sujeito passivo nos termos do n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, e remeter a informação também à DF respetiva para execução da decisão".

j) Os Requerentes apresentaram as sua ALEGAÇÕES em 1/10/2019, e apesar de conhecerem que a Requerida concordou com os valores de juros da Diretiva da Poupança declarados desde logo pelos Requerentes (embora no campo 408 em vez do campo 422 do anexo J), requereram o prosseguimento dos autos.

k) Isto porque foi levantada outra questão, agora relativa à falta de prova do valor de aquisição dos valores declarados no quadro 4B do anexo J (mais-valias), que segundo a Requerida determina a emissão de uma nova liquidação de IRS.

l) Daí os impugnantes requererem que o procedimento prosseguisse.

m) Para além do mais, levantam algumas questões de direito, que serão analisadas em sede própria.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária.

Todos os documentos juntos foram considerados idóneos pelo Tribunal.

 

 

III - Matéria de direito

 

a) Os Requerentes A... e B..., são casados, residentes em território português em todo o ano de 2014, tendo cumprido oportunamente a sua obrigação de entrega da declaração mod. 3 de IRS, em 28/05/2015, com os anexos legalmente exigíveis, portanto, nos termos e prazo previsto no artigo 57.º do Código do IRS.

b) Foi efetuada uma 1.ª liquidação de IRS pelos valores declarados, de que nada há a referir.

c) Foi efetuada uma 2.ª liquidação de IRS, corretiva da primeira, que também foi aceite e paga oportunamente, por reconhecerem terem sido declarados juros de poupança de fonte Bermudense, sujeitos à taxa de 35% em vez de 28%, de que também nada há a referir.

d) Posteriormente, foi efetuada uma 3.ª liquidação, a 2.ª adicional, por a AT não concordar com os valores de juros declarados de € 520.235,55 abrangidos pela Diretiva da Poupança, auferidos no estrangeiro, quando, no seu entender, deveriam ter declarado € 621.998,85, pondo em causa o princípio da verdade declarativa, referido no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, sem que a Requerida AT fizesse prova nos autos de outros valores. 

e) Esta liquidação adicional, efetuada pela AT em 12/11/2018, constitui o objeto único da impugnação em apreciação, tendo por fundamento exclusivo a divergência de valores da Diretiva da Poupança inscritos no campo 408 do anexo J, embora devessem constar do campo 422 do mesmo anexo, mas sem qualquer influência do resultado da liquidação.

f) Esta liquidação adicional, no valor a pagar de € 31.798,37, em que se incluem juros compensatórios de € 3.306,60, foi notificada apenas aos Requerentes, que havia constituído como seu mandatário o advogado Q..., tal como constava da procuração que foi oportunamente junta quando da resposta em audição prévia.

g) Argumentam os Requerentes que o ato de liquidação em causa não pode considerar-se como validamente notificado, por não integrar os respetivos fundamentos nos termos do n.º 2 do artigo 36.º do CPPT e por contrariar a Jurisprudência do STA de 04/05/2011, recurso n.º 0927/10 e Ac. do TCAS de 10/04/2014, recurso n.º 07443/14.

h) A Requerida argumenta, na sua Resposta, que a Procuração junta não refere com clareza que o mandatário referido tinha poderes para receber notificações da liquidação de IRS e que, de qualquer forma, os Requerentes, através do seu mandatário, reagiram em tempo útil, pelo que entende que a mera irregularidade, a existir, se mostra sanada.

i) De facto, a procuração não refere expressamente poderes de receber notificação de liquidações de IRS, mas os poderes conferidos são suficientemente amplos para que o mandatário devesse ser notificado.

j) A relevância deste facto, que, por si só, tornaria o ato tributário inválido, teria relevância se a Requerida AT não viesse, ela própria, a proferir decisão de revogação do mesmo ato tributário, por despacho de 15/05/2018, da Subdiretora-Geral de Gestão do IR, por ficar convencida, na informação de suporte, que os rendimentos declarados abrangidos pela Diretiva da Poupança, se encontravam corretos, apenas declarados em campo errado, mas sem que isso ponha em causa a liquidação.

k) O referido Despacho de revogação do ato tributário objeto do presente recurso arbitral, dava por esgotado o presente recurso e não se poderá sequer invocar que este ato de revogação foi praticado fora do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, face ao que dispõe o n.º 3 do mesmo artigo.

l) De facto, a AT decidiu concordar com a Proposta dos Serviços de que seria de proceder a uma nova liquidação de IRS relativa ao mesmo ano de 2014 e aos mesmos sujeitos passivos ora Requerentes, mas agora relativamente à necessidade de os sujeitos passivos comprovarem os valores de aquisição das partes sociais e outros valores mobiliários alienados e constantes do quadro 4-B do Anexo J da mesma declaração de IRS de 2014.

m) A assim suceder, essa matéria ora controvertida estará fora do âmbito do presente processo, por o seu objeto se ter esgotado, apesar de os Impugnantes requerem o prosseguimentos dos autos para este efeito.

n) A verdade é que, o impulso para uma nova liquidação e a prévia notificação dos sujeitos passivos é da competência exclusiva da Autoridade Tributária e Aduaneira, do que este Tribunal não tem qualquer conhecimento, até esta data, apesar de o Despacho de revogação da liquidação objeto do presente Recurso Arbitral, ter sido proferido em 28/05/2019.

o) E apesar de o Tribunal reconhecer que, nos termos do artigo 128.º do Código do IRS, a obrigação de comprovar os elementos constantes das declarações de IRS, na redação dada pela Lei n.º 82.º-E/2014, de 31 de dezembro, é da responsabilidade dos sujeitos passivos, compete, no entanto, à Autoridade Tributária, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, notificar os sujeitos passivos para apresentarem os respetivos documentos comprovativos - o que se desconhece tenha sido feito.

p) E porque, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 128.º do CIRS, a obrigação de comprovação só é exigível durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitam os documentos, ou seja, do ano de 2014, o limite para comprovação terminou, portanto, em 2018.

q) Donde, por todo o referido e porque o presente processo arbitral cumpriu a sua função de contestação da liquidação impugnada entretanto revogada pela AT, verifica-se a inutilidade superveniente da presente lide, na ausência de mais quaisquer outros elementos.

Termos em que se profere nesta data, a decisão que a seguir se refere.

 

IV. Juros compensatórios

Em 24/12/2018, os Requerentes pagaram a quantia de € 31.798,37 de IRS, em que se incluem juros compensatórios de € 3.306,60, relativamente ao ano de 2014.

Como consequência da anulação da liquidação, os Requerentes têm direito ao reembolso das quantias indevidamente pagas, nos termos do artigo 100.º da LGT e porque requerem ainda o pagamento dos juros ocorridos desde 24/12/2018, sem se referirem a juros indemnizatórios, subentendendo-se que assim seja.

E no que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Reconhece o Tribunal que no decurso dos autos, a AT determinou a revogação do ato tributário impugnado, mas somente o fez face à petição de recurso e à prova produzida, pelo que não pode deixar de reconhecer-se que, por um lado, houve erro imputável aos serviços, como os impugnantes comprovaram e, por outro, foi nos autos de impugnação e em razão destes, que tal foi reconhecido.

Nestes termos e com os fundamentos referidos, há lugar, na sequência da reconhecida ilegalidade da liquidação, a reembolso do imposto indevidamente pago, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

Mais se refere que o regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 "Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

\\1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 O erro que afeta a liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi elaborada por sua iniciativa".

Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, como já foi antes referido.

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde 24-12-2018 (data do pagamento) até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 V – Decisão

Termos em que este Tribunal decide julgar o presente Recurso Arbitral, nos termos seguintes:

                a) Julgar extinto o presente pedido de impugnação arbitral, decidindo, em consequência, remover da ordem jurídica a liquidação adicional de IRS de 2014, n.º 2018..., de 12/11/2018, no valor de € 179.381,35 e Demonstração de Acerto de Contas, de 14/11/2018, com valor de IRS a pagar de € 31.798,37, em que se incluem juros compensatórios de € 3.306,60.

                b) Determinar o reembolso do IRS indevidamente pago no referido valor de €   31.798,37, em 24/12/2018;

                c) Determinar o pagamento dos juros indemnizatórios aos Requerentes, desde a data   do pagamento do IRS indevidamente liquidado até á data do reembolso do mesmo.   

 

 

VI - Valor da causa

 

O valor da causa corresponde ao montante de € 31.798,37, e respeita ao valor da liquidação indevidamente efetuada e revogada pela AT, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

 

VII - Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 19 de novembro de 2019

 

O Árbitro Singular do Tribunal Arbitral

José Rodrigo de Castro