Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 204/2021-T
Data da decisão: 2022-02-08  ISP  
Valor do pedido: € 234.226,79
Tema: ISP - Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos. Venda de gasóleo colorido marcado, art.º 93º, n.º 5 do Código dos Impostos Especiais Sobre o Consumo (CIEC).
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

  • RELATÓRIO

 

  1. Requerente

A..., S.A., pessoa coletiva nº..., com sede na ..., ..., ...-... Almeirim.

 

  1. Requerida

AUTORIDADE TRIBUTÁRIA (AT) representada pela dr.ª ... e pela dr.ª ... .

 

  1. Tramitação e constituição do tribunal

1.1.O pedido foi apresentado a 9 de abril de 2021 e aceite a 12 desse mês.

1.2.Nenhuma das partes indicou árbitro, pelo que o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os  signatários, por despacho não contestado, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído a 22 de junho de 2021.

1.3.Em 10 de setembro a AT apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo (doravante também PA).

1.4.A 2 de novembro teve lugar a inquirição de testemunhas.

1.5.A Requerente apresentou alegações a 16 de novembro de 2021

1.6.A Requerida apresentou alegações a 26 de novembro de 2021

 

 

  1. Pedido

A Requerente pede a apreciação das liquidações realizadas no âmbito do processo de Conferência Final n.º PCF 23/2020, que foram as seguintes:

  • de Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) no montante de €158.273,58;
  • de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) no montante de €47.892,80;
  • de Taxa do Adicionamento Sobre as Emissões de CO2, no montante de € 7.146,60;
  • de juros compensatórios  no montante de €20.913,81.

 

  1. POSIÇÃO DAS PARTES
    1.  da Requerente

A Requerente reage às liquidações resultantes da ação inspetiva a que foi sujeita, alegando quanto passa a expor-se.

Não existe omissão de elementos contabilísticos na sua contabilidade, pois esta reflete todas as operações realizadas, de modo a permitir que os resultados destas e as variações patrimoniais, sujeitas ao regime geral de IRC, possam claramente distinguir-se das restantes.

Os Revisores Oficiais de Contas que auditaram as contas da Requerente, nos anos de 2016, 2017, 2018, e 2019, têm as mesmas aprovadas sem reservas.

A Requerente logrou apurar uma quantidade substancial de incorreções de que padece a notificação de dívida em causa nos autos, conforme se explana.

  1. Em relação ao gasóleo colorido e marcado (GCM)

 

  1. Vendas de GCM a clientes não titulares de cartão microcircuito válido (Quadro 1 do RIT)

Conforme consta das cópias de faturas já juntas em sede de direito de audição prévia (anexo 1 da audição prévia), constata-se (Quadro nº 1 do RIT) que a Requerente procedeu à venda e faturação de, pelo menos, um total de 1.452,80 litros de GCM, a clientes titulares de cartão microcircuito válido, com inclusão do respetivo NIF nos documentos de venda, melhor identificados no referido Quadro n.º 1 apresentado pela Requerente.

Resulta assim evidente segundo a Requerente, que não vendeu 3.020,76 litros de GCM a clientes que não possuem cartão, razão pela qual esta dívida deverá ser corrigida em conformidade com as vendas irregulares efetivadas de facto, ou seja, para 1.567,99 litros de GCM.

 

  1. Vendas de GCM a clientes com cartão microcircuito válido, sem certificação (Quadro 2 do RIT)

Resulta evidente deste quadro, face à documentação apurada pela Requerente e junta em sede de audiência prévia, que esta não vendeu 10.716,04 litros, mas sim 5.512,58 litros de GCM a clientes possuidores de cartão, mas sem certificação, razão pela qual esta dívida deverá ser corrigida em conformidade.

 

  1.  Vendas de GCM sem inclusão de NIF na fatura (Quadro 3 do RIT)

Não é verdade o que consta da notificação do RIT relativamente à alegação de que a Requerente vendeu 11.280 litros de GCM sem a inclusão do NIF do respetivo comprador na fatura. Conforme consta das cópias de faturas já juntas em sede de direito de audição prévia, constata-se que, do Quadro 3 do RIT a Requerente procedeu à venda e faturação de, pelo menos, um total de 3.072,22 litros de GCM a clientes titulares de cartão microcircuito válido, com a inclusão do respetivo NIF do cliente nas faturas correspondentes, de acordo com o Anexo 3.

Nestes termos, a dívida imputada à Requerente deverá ser objeto de correção, considerando-se um total de 8.207,92 litros de GCM a clientes sem inclusão de NIF na fatura.

  1.   Registos nos POS-TPA para os quais não foi emitida fatura (Quadro 4 do RIT)

Também não é verdade o que consta do RIT relativamente a alegados registos nos POS/TPA, para os quais não teriam sido emitidas faturas, no valor total de 66.429 litros de GCM. Confrontada tal alegação com os documentos contabilísticos da Requerente, constata-se que esta apurou, conforme se prova e consta das cópias de faturas já juntas em sede de direito de audição prévia, a existência de faturas no montante total de 60.181,95 litros de GCM vendidos a clientes titulares de cartão microcircuito válido, com inclusão de NIF nos documentos de venda, relativamente a este combustível que a Requerida alega não existirem.

Nestes termos, a dívida imputada à Requerente deverá ser objeto de correção, considerando-se um total de 6.246,45 litros de GCM a clientes sem inclusão de NIF na fatura, ou NIF incorreto.

Conclui a Requerente que, assim, no que toca às conclusões do RIT, segundo as quais lhe é imputada a venda global de 91.445 litros de GCM, sem a devida prova da sua regular introdução no consumo, fica demonstrada a incorreção do valor obtido, importando desta forma proceder à devida correção, subtraindo 70.113,38 litros de GCM, aos 91.445 litros de GCM incorretamente apurados e indevidamente quantificados, designadamente:

Efetuada a referida correção (ou seja, 91.445 – 70.113,38), encontra-se, somente, um total de 21.331,62 litros de GCM irregularmente vendidos pela Requerente.

  1. Em relação às existências de gasóleo rodoviário e a gasolinas

As conclusões da Requerida enfermam de erro manifesto, pelo que o imposto exigido daí decorrente não é devido. As alegadas quantidades de combustíveis (358.3372 litros de gasóleos e 57.775 litros de gasolinas) nunca foram adquiridas pela Requerente, nos termos invocados pela Requerida, ou seja, sem que a respetiva origem se encontre documentada, logo, sem que a Requerente possua a devida prova da sua regular introdução no consumo.

A entrada dos produtos petrolíferos nos mercados dos países incluídos no quadro comunitário europeu é regulada por diversa legislação europeia, entre outras, pela diretiva 2003/96/CE do Conselho, a qual veio restruturar o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e de eletricidade. Nos termos do disposto neste diploma, todos os Estados que integram a União Europeia vincularam-se às mesmas regras que determinam a forma de tributação dos combustíveis líquidos aquando da sua entrada no mercado e, bem assim, da sua comercialização entre os vários sujeitos económicos.

Tal uniformização revelou-se imperiosa para efeitos de regulação e funcionamento dos respetivos mercados, uma vez que a densidade dos combustíveis líquidos é alterada em função da sua temperatura ambiente, temperatura essa que apresenta diferenças relevantes, principalmente entre os Estados Membros da União Europeia do Norte da Europa e os do Sul. Designadamente, quando a temperatura ambiente reduz, a densidade dos combustíveis líquidos aumenta, diminuindo em consequência o seu volume em litros. Diminuindo essa densidade, e aumentando consequentemente o seu volume em litros, quando também aumenta a temperatura ambiente.

Neste pressuposto, em sede do referido diploma, e para efeitos de uniformização do mercado de combustíveis líquidos, e da sua taxação fiscal, a autoridade comunitária atribuiu a estes produtos uma temperatura referência de 15ºC, à qual corresponde um volume de 0,820 litros.

É sobre este critério referencial que as empresas refinadoras e vendedoras de combustíveis líquidos são taxadas em termos de impostos, aquando da introdução dos combustíveis no mercado, e é sobre a conversão destes produtos para a temperatura referência de 15ºC que as mesmas se encontram legalmente obrigadas a comercializá-los.

Revela-se fácil compreender que, num país como Portugal, onde a temperatura média anual, compreendida entre as 9:00 horas e as 20:00 horas, supera largamente os 20ºC, a introdução dos combustíveis líquidos no mercado, e a sua comercialização, impõe que se efetue, obrigatoriamente, uma redução do volume do produto efetivamente fornecido, face à conversão para a temperatura referência de 15ºC.

A República Portuguesa efetuou a transposição da Diretiva suprarreferida, encontrando-se o seu conteúdo reproduzido em diversa legislação nacional, de que é exemplo o artigo 91º, n.º 1, do decreto-lei n.º 73/2010, de 21 Junho, o qual prescreve que a unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos é de 1000 litros, convertidos para a temperatura de referência de 15°C.

Era esta densidade do combustível em litros convertidos para a temperatura ambiente de 15ºC, que a Requerida deveria ter equacionado na análise dos documentos contabilísticos da Requerente, que estavam disponíveis para consulta, mas que, contudo, nunca vieram a ser solicitados, limitando-se a Requerida à análise de todas as faturas relativas às aquisições de combustíveis efetuadas pela Requerente, bem como às correlativas vendas, ocorridas durante o período compreendido entre 2016 e 10 de julho de 2019.

Para um correto apuramento da realidade atinente à quantidade de combustíveis comprados e vendidos, a Requerida deveria ter procedido – e não o fez – à análise conjunta dos seguintes documentos, particularmente no que respeita às compras de combustíveis efetuadas à fornecedora da Requerente C..., Lda.:

- Faturas de aquisição;

- Notas de carga de Produtos Brancos emitidas pela B..., S.A. quando os fornecimentos eram carregados no parque de ..., ou em alternativa, as Notas de Carregamento emitidas pela C..., quando os fornecimentos eram carregados nas instalações da D... .

É este o fundamento real para a diferença existente entre a quantidade de litros de combustível adquiridos pela Requerente e vendidos por esta, fundamento este que não integra a prática de introdução irregular no consumo, ao inverso do que alegam as conclusões constantes do relatório de inspeção.

A temperatura dos combustíveis carregados é, em média, superior a 15º, o que implica uma correlativa diminuição da sua densidade, e o aumento do seu volume, originando assim um número superior de litros.

Tomando somente em consideração os fornecimentos constantes da fatura n.º 4110131521,  obtém-se uma variação entre litros de combustíveis faturados e vendidos de 2.286 litros, conforme demonstram, além daquelas já juntas aos autos, as restantes Notas de carga de Produtos Brancos emitidas pela B... em relação a tais fornecimentos – Docs ns.º_5 a 14.

Assim se demonstra a existência da variação entre os combustíveis comprados e vendidos pela Requerente, não se vislumbrando como foi possível tal enquadramento ter sido desconsiderado pela inspeção tributária, aquando da ação inspetiva.

A Requerente não logrou, no prazo legalmente previsto para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral, reunir toda a documentação atinente a quatro anos de aquisições de combustíveis à C..., de forma a apurar a diferença total entre as quantidades fornecidas e faturadas, o que facilmente se entende, sobretudo tendo em consideração que a inspeção desenvolvida pela Administração Tributária durante largos meses não logrou sequer analisar um único documento respeitante a esta matéria.

Todavia, defende a Requerente que, levando em linha de conta, que a C... faturou à Requerente, durante todo o período em análise, a quantidade total de 70.575.867  litros de combustíveis, dos quais, efetuada a respetiva conversão em função da temperatura de 15º, resulta um acréscimo perfeitamente compatível com os 358.337 litros de gasóleos e 57.775 litros de gasolinas, que a Administração Tributária concluiu, erroneamente, não possuírem origem documentada, sem a devida prova da sua regular introdução no consumo.

Aliás, seria sempre impossível apurar documentalmente a diferença entre as quantidades (em litros) efetivamente adquiridas e posteriormente vendidas pela Requerente, tomando em consideração que a temperatura do combustível não se mantém, sendo que, ainda no próprio dia, entre a aquisição e a venda, poderá sofrer alterações de densidade / volume, devido à natureza física e química deste produto.

Para defesa da sua posição a Requerente faz juntar faturas (n.ºs  e o que alega serem os respetivos diferenciais em litros):

 

 

     Faturas                                                                                                          Diferenciais

n.º 4110130509, emitida em 30 de junho de 2016---------------------------       4298

n.º 4110131522, emitida em 14 de julho de 2016----------------------------        2.505

n.º 4110130510, emitida em 30 de junho de 2016----------------------------       2.524

n.º 4110162964, emitida em 7 de agosto de 2017-----------------------------      3.277

n.º 4110162965, emitida em 7 de agosto de 2017------------------------------     3.150

n.º 4110191198, emitida em 7 de agosto de 2018------------------------------     2.622

n.º 4110190627, emitida em 31 de julho de 2018-------------------------------     2.696

n.º 4110189372, emitida em 16 de julho de 2018-------------------------------     1.612

n.º 4110191695, emitida em 14 de agosto de 2018-----------------------------     1.954

n.º 4110191696, emitida em 14 de agosto de 2018----------------------------       1.326

n.º 4110213380, emitida em 31 de maio de 2019-------------------------------      1.844

n.º 4110212608, emitida em 21 de maio de 2019-------------------------------      1.224

 

Depois, a Requerente junta os números relativos às quantidades de combustível que a C... lhe forneceu em cada ano, conforme extrato contabilístico de compras por fornecedor. A Requerente reconhece que tem outros fornecedores, mas não apresentou nem a sua identificação e nem os respetivos números no pedido de pronúncia arbitral.

Acrescenta ainda a Requerente que todas as aquisições de combustíveis efetuadas por si são obrigatoriamente comunicadas, previamente ao carregamento respetivo, à Autoridade Tributária, através da respetiva guia de transporte, nos termos legais. Alega que a este respeito cumpre referir que as quantidades de combustíveis refletidas nas guias de transporte dizem respeito às quantidades carregadas em “LO”, ou seja, sem tomar em consideração a respetiva conversão à temperatura referência de 15º.

A Requerente pretende evidenciar, assim, que a Autoridade Tributária teve, ab initio, o acesso formal à informação relativa à totalidade real das aquisições de combustíveis realizadas por aquela, pelo que não se equaciona como a inspeção ocorrida não analisou tais dados, que comprovam, irrefutavelmente, que a Requerente não efetuou vendas superiores às aquisições.

Em conclusão, a Requerente considera que está a ser tributada pelos acréscimos, em volume, resultantes da variação da temperatura, que aliás decorre de imposição legal. A inspeção da Autoridade Tributária presumiu, sem a devida análise, que todos os ganhos obtidos pela Requerente em vendas de combustíveis resultantes da dilatação térmica constituem introduções indevidas no consumo. Ora, tomar a valoração da variação volumétrica do combustível como hipótese de incidência de ISP, CSR, e CO2, viola o princípio de legalidade, porquanto esta variação não representa uma real circulação de mercadorias.

A liquidação e cobrança dos tributos encontra-se sujeita ao princípio da legalidade tributária, atento o disposto no artigo 8º, n.º 2, a), da LGT.

A inspeção tributária levou em conta, apenas, as quantidades de litros faturados, sem realizar um levantamento analítico, por meio do qual, deveria ter confrontado as quantidades adquiridas e as quantidades vendidas, apurando a real variação volumétrica. Tal análise, assim efetuada, presumiu que todos os ganhos comercializados em vendas de combustíveis, não obstante serem resultantes da dilatação térmica, constituem introduções ilegais no consumo. O volume de combustíveis, aumentado em razão da dilatação térmica, foi assim indevidamente tributado em sede de ISP, CSR e CO2.

A inspeção efetuada violou, além do mais, o disposto no artigo 91º, n.º 1, do Código dos Impostos Especiais Sobre o Consumo (CIEC) - Decreto-Lei nº 73/2010, de 21 de Junho.

Nas alegações a Requerente defende que duas das suas testemunhas provaram que na maior parte do ano, mesmo no Inverno, os combustíveis que compra são carregados nos entrepostos da ... e de ..., a temperaturas superiores a 15º.

Por outro lado, um inspetor tributário ouvido confirmou que a ação inspetiva não teve em consideração as alterações da densidade do combustível em função da variação da temperatura.

Em relação à violação do n.º 5 do art.º 93º do CIEC a Requerente veio invocar a sua inconstitucionalidade por violação dos artigos 18º, n.º 2 e 61º, n.º 1 da Constituição, que diz ser jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional.

         5.2  da Requerida

Na resposta da Requerida, esta alega  que:

A ação inspetiva realizada à Requerente considerou que no período em análise (compreendido entre 01/01/2016 e 10/07/2019), a Requerente comercializou 358.337 litros de gasóleos e 57.775 litros de gasolinas para os quais não existe origem documentada, logo sem a devida prova da sua regular introdução no consumo (conforme quadro n.º 12 do Relatório de inspeção Aduaneira), na aceção do conceito constante no artigo 9.º, n.º 1, alínea b) do CIEC, dando lugar à constituição da dívida no montante total de 203.842,65 €, a título de ISP, CSR e adicionamento sobre as emissões de CO2.

Foram ainda detetadas irregularidades na venda de 91.445 litros de GCM abastecidos (conforme quadro n.º 5 do Relatório de inspeção Aduaneira), violando o disposto nos pontos 5.º, 6.º e 8.º da Portaria nº 361-A/2008, de 12 de maio e no nº 5 do artigo 93.º do CIEC, situações que deram lugar à constituição da dívida no montante total de 9.470,33 € a título de ISP e CSR. Àqueles montantes acresce o ainda o montante de 20.913,81 €, a título de juros compensatórios.

O procedimento inspetivo da Divisão Operacional do Sul teve início em 10/07/2019, com a realização de um varejo às existências dos produtos detidos para comercialização pela empresa. Para realização dos controlos inerentes à inspeção, foram analisados os seguintes elementos: ficheiros SAFT relativos ao período em análise, entregues pela empresa; extratos-conta de fornecedores de combustíveis; balancetes de dezembro de 2015, 2016, 2017 e 2018; plano de contas; inventários fiscais de dezembro de 2015, 2016, 2017 e 2018.

No que se refere especificamente aos ficheiros informáticos entregues à inspeção pela  Requerente, segundo o RIT, foram ainda analisados os seguintes elementos: listagem de artigos A...; existências 2019-junho e julho; clientes de gasóleo agrícola (revendedores); compras de combustíveis; relatórios mensais dos postos; vendas de combustíveis.

Relativamente  à comercialização de GCM, a ação inspetiva procedeu: à análise dos ficheiros SAF-T faturação da empresa, tendo confrontado os registos das vendas de GCM, por NIF de cliente, com os registos que constam da base de dados da Direção-Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), relativos aos POS/TPA utilizados pela empresa; à consulta na base de dados da DGADR,  por número de identificação fiscal do beneficiário, relativamente aos utilizadores de cartões microcircuito, com o objetivo de verificar a validade dos cartões, assim como os casos de “suspensão temporária por dívidas”, não se tendo detetado irregularidades no que a este ponto diz respeito.

Foi também efetuada a reconstituição de existências dos combustíveis comercializados pela empresa (GSC 95, GSC 98, GRS, GRA, GCM, GA), desde 01/01/2016 até 30/06/2019. Segundo o RIT, para esta reconstituição de existências foi utilizada a informação constante dos Inventários Fiscais de dezembro de 2015, 2016, 2017 e 2018, bem como a informação constante do ficheiro enviado pela empresa relativamente às existências de combustíveis no dia 30 de junho de 2019.

Foi ainda utilizada a informação constante de vários ficheiros, entregues pela empresa, onde se encontram discriminadas as quantidades de combustíveis compradas e vendidas, confrontadas com as contas correntes de fornecedores disponibilizadas pela empresa.

 

Quanto à argumentação jurídica, diz a Requerida, em síntese:

O legislador pretendeu que o benefício fiscal da aplicação de taxas reduzidas ao GCM estivesse sujeito às seguintes exigências:

- O GCM só pode ser fornecido ou vendido por titulares de postos de abastecimento devidamente licenciados que sejam detentores de terminais de pagamento automático - point of sale, TPA-POS (Terminais TPA);

-  O GCM só pode ser vendido nos postos de abastecimento aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito/eletrónico, que são pessoais e intransmissíveis e através dos quais são registadas todas as transações de GCM no sistema informático gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS);

- Tais cartões eletrónicos foram instituídos para efeitos de controlo da afetação do GCM aos destinos legalmente previstos;

- Tais vendas são obrigatoriamente registadas no sistema informático, através dos Terminais TPA, no momento em que ocorram;

- O registo no sistema informático, através dos Terminais TPA, de cada abastecimento efetuado, não dispensa a emissão da respetiva fatura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respetivo cartão de microcircuito;

-  Em caso de erros de digitação ou outras anomalias verificadas na utilização dos Terminais TPA, devem os mesmos ser imediatamente comunicados;

-  O proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda de GCM, é responsável pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao GCM:

i) Em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo;

ii) Bem como em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas com o nome / identificação fiscal do titular de cartão.

A Requerente deve cumprir as regras de comercialização do GCM, na sua qualidade de revendedor de GCM a clientes finais. Enquanto proprietária ou responsável legal pela exploração de posto autorizado de venda ao público, encontra-se sujeita à norma de exigibilidade de imposto, prevista no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC.

Atento este regime legal, alega a AT,  improcedem os argumentos da Requerente.

2.1. Em relação às vendas realizadas a clientes não titulares de cartão de microcircuito válido

A Requerente remete para faturas já entregues em sede de direito de audição prévia para invocar que procedeu à venda e faturação de 1.452 litros de GCM a clientes titulares de cartão microcircuito válido. Apresenta o “Quadro n.º 1” onde constam números e datas de faturas de venda de GCM.

Relativamente às faturas identificadas nas linhas 1, 2, 3, 4, 5, 10, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 21 e 27 a Requerente identificou o POS e número do cartão microcircuito “descontado”, concluindo assim, que do total de 3.020,76 litros apurados pela inspeção, apenas 1.567,99 litros correspondem a vendas irregulares a não titulares de cartão microcircuito. Ora, no que se refere às 29 irregularidades apuradas pela AT correspondentes a vendas de GCM a clientes não titulares de cartão microcircuito válido, no anexo 5 do Relatório de Inspeção Aduaneira está referido de forma individualizada, por irregularidade, as razões subjacentes à não aceitação da argumentação da Requerente em sede de audição prévia, as quais se dão aqui por reproduzidas e para as quais se remete. Nestes casos, encontra-se comprovado através das faturas emitidas, nomeadamente, do NIF delas constante, que o GCM foi vendido a quem não era um beneficiário reconhecido.

Estando em causa adquirentes que não são beneficiários reconhecidos, por inerência tais vendas não ficaram nem poderiam ficar devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo. O facto de terem sido efetuados registos no POS com cartões eletrónicos pertencentes a outra pessoa reconhecida como beneficiário não torna o adquirente do GCM constante das faturas um beneficiário reconhecido, nem comprova o destino dado ao produto.

Nos termos da Portaria n.º 117-A/2008, de 8 de fevereiro, relativa aos procedimentos aplicáveis ao reconhecimento e controlo das isenções e taxas reduzidas de ISP, a redução de taxa em causa depende, desde logo, conforme previsto no número 56.º da Portaria, de pedido de reconhecimento do benefício fiscal apresentado junto das direções regionais de agricultura e pescas. Trata-se de um reconhecimento que tem em conta o estatuto do adquirente e as suas condições legais para poder beneficiar dessa redução de taxa, nomeadamente, a existência de atividade declarada, situação tributária e contributiva regularizada, a identificação dos equipamentos a serem abastecidos com o GCM, bem como a prova da titularidade ou legítima detenção destes equipamentos (cfr. números 58.º e 59.º da Portaria n.º 117-A/2008).

Visa-se assegurar através de um eficiente controlo da atribuição e utilização dos cartões eletrónicos que o consumo do GCM se concretize nas atividades legalmente elencadas, através dos equipamentos identificados, evitando-se assim um aproveitamento indevido do benefício fiscal, que seria estranho às finalidades de interesse económico-social que se encontram na origem da concessão do mesmo.

Tendo em conta a diferente identidade dos adquirentes constantes das faturas de compra, por um lado, e dos titulares de cartão microcircuito identificados pela Requerente como utilizados a esse propósito, por outro, não resulta de modo algum provado que aquelas faturas de compra se encontrem relacionadas com estes registos do POS.

 

  1. Relativamente a vendas de GCM a clientes com cartão microcircuito válido, sem certificação

No que se refere às 51 irregularidades apuradas pela AT referentes a vendas de GCM a clientes com cartão microcircuito válido, sem certificação, no anexo 6 do relatório final do procedimento inspetivo está referido de forma individualizada, por irregularidade, as razões subjacentes à não aceitação da argumentação da Requerente em sede de audição prévia. Na análise então efetuada pela inspeção concluiu-se que no caso das faturas identificadas nas linhas 1, 4, 5, 6, 7, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 24, 47, 49, 50 e 51 (portanto, as mesmas que as agora referidas pela Requerente) as justificações apresentadas pela Requerente não procediam uma vez que se verificou, consoante os casos:

- As quantidades constantes das faturas divergem das quantidades registadas no POS, não sendo assim possível estabelecer uma relação inequívoca entre os dois elementos (fatura-registo POS) (linha 1, 6);

- O talão dos POS apresentado é ilegível, não sendo assim possível estabelecer qualquer relação com a fatura em questão (linhas 4, 5, 19);

- Não existe coincidência entre o adquirente do produto identificado na fatura através do NIF e o titular do cartão eletrónico indicado pela Requerente, pelo que não se encontra comprovado uma relação inequívoca entre os dois elementos e consequentemente não se encontra cumprido o disposto no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC (linhas 7, 20);

- O talão do POS apresentado pela Requerente encontra-se relacionado com outra fatura, pelo que não possui ligação com a fatura de venda em questão (linhas 11, 12, 13, 24);

- O talão do POS apresentado pela Requerente reporta-se a uma data posterior, inclusive, respeitando ao ano fiscal seguinte, pelo que não foi demonstrada uma relação inequívoca com a fatura em questão (linhas 14, 15, 16, 17, 49, 50 e 51).

Deste modo, não se encontra comprovado que as vendas respeitantes às faturas em questão foram objeto do correspondente registo no sistema de controlo do posto, pelo que deve operar a norma de exigibilidade prevista no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, sendo a Requerente responsável pelo pagamento do montante de imposto, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que vendeu e que não ficaram devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo.

 

  1. Relativamente a vendas de GCM sem inclusão do NIF na fatura.

No final do mapa denominado anexo apresentado pela Requerente, esta conclui que do total de 11.280 litros apurados pela inspeção, apenas 8.207,92 litros correspondem a vendas a clientes sem inclusão de NIF na fatura. Porém, quanto a esta matéria, (também ela já objeto de argumentação pela Requerente em sede de procedimento inspetivo), veio a inspeção a concluir que a Requerente não apresentou factos novos, limitando-se a repetir o que já havia dito e sem mencionar as justificações apresentadas pela inspeção para considerar não proceder o alegado.

Deste modo, não se pode aceitar a justificação apresentada pela Requerente, nem se compreende a sua afirmação de que as faturas incluem a indicação do NIF do adquirente, já que apenas contêm a indicação “C.F.” ou “999999990”, conforme pode ser confirmado: pela cópia das faturas; no próprio mapa apresentado pela Requerente e por esta designado “Anexo 3”; e - no anexo 7 do RIT.

Assim, a Requerente deve ser responsabilizada, nos termos do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC pelo pagamento do montante de imposto, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado em relação às quantidades para as quais não emitiu as correspondentes faturas com a identificação do titular de cartão. Com efeito, este é, como já referido, um elemento da máxima importância no controlo do benefício fiscal associado ao GCM, pois o registo no POS não comprova por si só que ocorreu uma venda ao titular do cartão utilizado. De facto, o registo no POS não constitui título adequado para comprovar que existiu uma transmissão de bens. Tal título é constituído pela fatura (cfr. artigos 3.º e 29.º do CIVA).

Os dois elementos (fatura com identificação do adquirente e registo no POS) são complementares e encontram-se interligados como duas faces da mesma moeda: a emissão de fatura com a identificação do adquirente comprova quem adquiriu o produto; o registo do abastecimento no POS, realizado com o cartão eletrónico do beneficiário demonstra que o adquirente está habilitado, e pode naquele momento fazê-lo (por exemplo, o cartão poderia estar suspenso por dívidas, não podendo nesse caso ter acesso ao benefício fiscal, nos termos da lei).

 

  1. Relativamente a Registos no POS-TPA para os quais não foi emitida fatura

Segundo o quadro n.º 4 do RIT, para 66.429 litros de GCM registados nos POS-TPA não teriam sido emitidas faturas. Alega a Requerida que segundo a Requerente, de acordo com a cópia das faturas por si entregues em sede de audição prévia, existem faturas correspondentes a 60.181,95 litros de GCM vendidos a titulares de cartão microcircuito válido, com inclusão de NIF.

Ora, diz a Requerida que no que se refere às 354 irregularidades apuradas pela AT referentes a registos nos POS-TPA para os quais não foi emitida fatura, no anexo 8 do relatório final do procedimento inspetivo está já referido, de forma individualizada por irregularidade, as razões subjacentes à não aceitação da argumentação da Requerente apresentada em sede de audição prévia.

De facto, verifica-se que este “Anexo 4” da Requerente contém as situações incluídas no anexo 8 do Relatório de Inspeção Aduaneira e para as quais esta entendeu não serem de aceitar as explicações apresentadas em sede de audição prévia do procedimento inspetivo. Estas justificações podem ser agregadas como respeitando às seguintes situações: fatura apresentada como justificação do abastecimento registado no POS/TPA, foi passada sem inclusão de NIF, não é possível estabelecer uma correspondência com a irregularidade detetada (várias linhas); irregularidade não justificada pelo operador (várias linhas); a fatura apresentada como justificação do abastecimento registado no POS/TPA é desconhecida da AT, não foi submetida em ficheiro SAFT (várias linhas); o documento apresentado como justificação do abastecimento registado no POS/TPA, não é uma fatura ou fatura simplificada, não consta do ficheiro SAFT submetido (várias linhas); a fatura apresentada como justificação do abastecimento registado no POS/TPA é referente a um abastecimento de Gasóleo Rodoviário (linhas 64, 347); não foram entregues cópias dos documentos, alegadamente justificativos do abastecimento registado no POS/TPA (linha 66, 74, 79, etc); Fatura apresentada como justificação do abastecimento registado no POS/TPA, tem data anterior à do abastecimento registado (linha 69); a fatura apresentada como justificação do abastecimento registado no POS/TPA, foi anulada pelo operador (linha 73, 82, 292, etc); NIF que consta na fatura apresentada como justificação do abastecimento registado no POS/TPA é diferente do titular do cartão microcircuito validado (linha 80 e outras); fatura apresentada como justificação do abastecimento registado no POS/TPA, tem data anterior ao abastecimento a qual quitou um dos abastecimentos de 15-7-16 (linha 83); O documento apresentado como justificação do abastecimento registado no POS/TPA, só por si não permite estabelecer ligação com o abastecimento registado. As datas são diferentes, não foi anexado o DC referente ao abastecimento (linha 112); fatura apresentada como justificação do abastecimento registado no POS/TPA, foi relacionada com outro abastecimento (linhas 117, 281, 297); fatura com data anterior ao fornecimento. Fatura e talão TPA com datas de anos civis distintos (linhas 212 a 215); a cópia da fatura apresentada como justificação do abastecimento registado no POS/TPA está incompleta, faltam dados importantes para verificar a sua existência (linha 306, etc.); a quantidade de GCM referida na fatura apresentada como justificação para o abastecimento é diferente da quantidade de GCM registada no POS/TPA (linha 354).

Mais uma vez se verifica que nos casos identificados no anexo 8 ao RIT não foi possível estabelecer uma relação inequívoca entre os movimentos de registo no POS e as faturas de venda de GCM indicadas pela Requerente. Aliás, grande parte dos documentos que a Requerente designou de “faturas” e apresentou à inspeção como tratando-se de faturas relacionadas com os movimentos do POS em questão, são documentos desconhecidos pela AT, não constando dos ficheiros SAFT. Noutro elevado número de casos, as faturas apresentadas como justificação do abastecimento registado no POS/TPA não identificam o adquirente, pelo que não é possível estabelecer uma correspondência com o registo no POS.

Na prática, em todos os casos identificados no anexo 8 do Relatório de Inspeção aduaneira, temos um registo efetuado no POS que não apresenta relação com uma fatura. Ora, deste modo, não se encontra comprovado se o GCM em questão foi adquirido pelo titular do cartão utilizado. Essa transmissão de bens é comprovada através da emissão da fatura que identifique o adquirente, o que não sucedeu.

Deste modo, não se encontra comprovado que estes registos no sistema de controlo do posto se encontram relacionados com uma transmissão de bens – venda – ao titular do cartão utilizado. Assim, deve operar a norma de exigibilidade prevista no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, sendo a Requerente responsável pelo pagamento do montante de imposto, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades para as quais não foram emitidas as correspondentes faturas com o nome do titular de cartão ou com a identificação fiscal do titular de cartão (consoante o período temporal em questão).

 

  1. Relativamente à reconstituição de existências de gasóleos e gasolinas

A defesa que a Requerente apresenta com a alegação de que a AT não teve em conta a variação da densidade dos combustíveis líquidos em função da temperatura ambiente é contestada pela Requerida, em síntese, nos termos que passam a expor-se.

Durante o procedimento inspetivo, incluindo a fase de audição prévia, a Requerente nunca informou os inspetores da AT de que existiam variações significativas nos registos contabilísticos por si entregues referentes às quantidades de combustíveis adquiridos decorrentes da variação da densidade dos mesmos por influência da temperatura ambiente.

No ponto 48.º da PI, a Requerente afirma, sem qualquer tipo de fundamentação, que em Portugal a temperatura média anual, compreendida entre as 9H00 e as 20H00 horas, supera largamente os 20.ºC (…).

Ora, a Requerida consultou os Boletins Climatológicos Anuais de Portugal Continental, para os anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, emitidos pelo IPMA-Instituto Português do Mar e da Atmosfera e apurou o valor médio anual da temperatura média do ar em Portugal, conforme  discrimina:

• Ano de 2016 – Valor médio anual da temperatura do ar 15,91.ºC;

• Ano de 2017 – Valor médio anual da temperatura do ar 16,33.ºC;

• Ano de 2018 – Valor médio anual da temperatura do ar 15,37.ºC;

• Ano de 2019 – Valor médio anual da temperatura do ar 15,58.ºC.

Salienta que a Requerente apenas se refere aos combustíveis que lhe foram fornecidos pela C..., não se referindo aos provenientes dos seus outros fornecedores (E..., Lda; F..., Lda; G..., Lda; H...-Unipessoal, Lda; I..., Lda; J..., Combustíveis, Lda.

Uma vez que a Requerente afirma, no ponto 50.º da PI, que tem disponível para consulta toda a documentação, isso denota que a não junção à PI de todos os comprovativos da variação de densidade por influência da temperatura dos combustíveis adquiridos à C... (faturas e notas de carga), limitando-se a juntar comprovativos correspondentes a 13 das 407 faturas emitidas pela  C... durante o período em análise no procedimento inspetivo OI2019..., foi estratégica e intencional.

Acresce, ainda, que essas 13 faturas apresentadas pela Requerente a título de exemplo, correspondem todas a aquisições de combustíveis efetuadas nos meses mais quentes do ano, logo onde a variação de densidade poderia ter mais efeito para demonstrar a sua tese:

2016 – Junho (2 faturas) e Julho (2 faturas)

2017 – Agosto (2 faturas)

2018 – Julho (2 faturas) e Agosto (3 faturas)

2019 – Maio (2 faturas)

Sucede porém, que nos meses de Outono, Inverno e Primavera a temperatura ambiente se situa mais próximo e com bastante frequência abaixo dos 15ºC, provocando a conversão das quantidades para a temperatura de referência o efeito contrário ao que a Requerente pretende demonstrar.

A  Requerente apenas enfatiza situações que podem conduzir à comprovação da sua tese de que a quantidade de combustíveis que adquiriu, se convertidas para a temperatura ambiente, justificariam a quantidade de combustíveis que se concluiu que foram vendidas sem terem sido adquiridas. Omitindo que inúmeras situações existem, correspondentes a aquisições efetuadas nos meses mais frios, em que a temperatura ambiente se situou em valores próximos dos 15ºC e em valores inferiores, o que é suscetível de tornar as quantidades mencionadas nas faturas de aquisição ainda menores, conduzindo ao aumento das quantidades cuja origem se mostra injustificada.

As conclusões explanadas pela Requerente estão suportadas somente por 13 das 407 faturas emitidas pela C... durante o período em análise no procedimento inspetivo, o que representa apenas 3,19% do total de faturas. Considerando que a Requerente adquiriu 83.673.393 litros de combustíveis durante o período analisado pela AT, as 13 faturas suprarreferidas, que titulam a compra de 3.388.886 litros de combustíveis, correspondem a 4,80% do total das aquisições à C... e a 4,05% da totalidade das aquisições a todos os fornecedores. Não se trata, portanto, de uma amostra capaz de ser tomada como representativa do universo em questão.

Importa ainda referir que a Requerente pretende inferir, através da argumentação apresentada na PI, que existe uma diferença positiva linearmente constante entre combustível fornecido e faturado. No entanto, é possível verificar através da análise dos quadros n.º 6 a 11 do relatório final do procedimento inspetivo, que se dão por reproduzidos, referentes à reconstituição dos combustíveis, que não existe nenhuma evidência de diferenças sempre positivas e linearmente constantes, ou sequer proporcionais às quantidades de combustíveis adquiridas, facto que compromete por completo a argumentação apresentada pela Requerente.

A argumentação da Requerente fica ainda comprometida quando, por escolha própria, não considera nem refere na PI que com temperaturas ambientes inferiores a 15.ºC, a variação volumétrica dos combustíveis líquidos foi negativa, o que implicou perdas de volume, realidade que certamente verificou nas notas de carga dos combustíveis adquiridos à C... nos meses de Inverno, Primavera e Outono. Ora, nestes meses, em que as temperaturas médias são inferiores a 15.ºC, ocorre precisamente o inverso daquilo que a Requerente pretende demonstrar na PI: o volume de combustível baixa devido às baixas temperaturas. Situação que vai anular o aumento de volume provocado pelas temperaturas mais elevadas ocorridas nos meses de Verão. Note-se que a tributação dos produtos em causa é realizada a 15.ºC e que no caso de Portugal, em termos globais anuais, as temperaturas médias ambiente não se desviam significativamente desse valor.

Importa ainda referir que a Requerente contradiz toda a sua argumentação, quando afirma no ponto 74.º da PI que: - “Aliás, seria sempre impossível apurar documentalmente a diferença entre quantidades (em litros) efetivamente adquiridas e posteriormente vendidas pela Requerente (…)”.

Se considera que esse apuramento é impossível documentalmente, também não pode considerar que a AT o não fez por displicência. Antes pelo contrário, a AT efetuou a sua análise com base nas quantidades que a Requerente tem registadas nos seus registos e que forneceu, as quais foram tomadas como certas e exatas.

E, ao contrário do que a Requerente afirma no ponto 74.º da PI, foi efetivamente possível à AT apurar, através dos documentos contabilísticos entregues durante o procedimento inspetivo, a diferença entre quantidades (em litros) efetivamente adquiridas e posteriormente vendidas, tendo sido detetadas diversas irregularidades relativamente às quais a Requerente não logrou apresentar justificação válida, por falta de prova fidedigna

Finalizando, as quantidades de combustíveis encontram-se evidenciadas nos registos da Requerente sem que contenham a indicação da temperatura que foi tomada como referência para esse registo e assim foram fornecidas à equipa inspetiva para as finalidades do procedimento inspetivo. Ou seja, sem a indicação de temperaturas de referência. Sendo que, nessa ausência, foi seguido o esclarecimento acerca da matéria prestado pela Divisão do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos da então DSIEC da DGAIEC em 29/06/2005, através da Informação nº 234/05-Pº 3.9.1/55-1/2005.

 

II- Saneamento 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2 do RJAT e 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  2. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer o pedido (art.º 2º, n.º 1, a) do RJAT).
  3. O processo não enferma de nulidades;
  4. A Requerente não suscitou qualquer questão prévia que deva ser   conhecida de início pelo Tribunal.

 

  • Fundamentação

 

  1. Da Matéria de Facto

Com base nos documentos juntos pelas partes e no testemunho prestado neste Tribunal Arbitral, consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.A Requerente é uma sociedade anónima, com o NIF ..., que tem como atividade principal o comércio a retalho de combustíveis para veículos a motor, em estabelecimentos especializados, cujo código CAE é 47300.

2.A Requerente tem dois CAEs secundários: 056301 (cafés) e 055111 (hotéis com restaurante).

3.A Requerente comercializa:  gasolina sem chumbo 95 octanas (GSC95); gasolina sem chumbo 98 octanas (GSC98); gasóleo rodoviário simples (GRS); gasóleo rodoviário aditivado (GRA); gasóleo colorido e marcado (GCM) e gasóleo de aquecimento (GA).

4. A Requerente possui postos de abastecimento de combustíveis em Almeirim, Pombal, Golegã, Azambuja e Torres Vedras e também efetua entregas de combustíveis ao domicílio.

5. A Requerente foi submetida a uma ação de natureza inspetiva (ANI) em obediência à Ordem de Serviço 48/2019, de 20 de maio, que correu  os seus termos na Divisão Operacional do Sul da AT  com o n.º OI2019..., dirigida à atividade comercial de compras e vendas de combustíveis da Requerente, tendo por objeto o controlo do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) incidente sobre os combustíveis referentes ao período compreendido entre 01/01/2016 e 10/07/2019.

6. O principal fornecedor da Requerente é a C... .

7. A Requerente tem outros fornecedores, cuja identidade não indicou.

8. A Requerente, no período abrangido pela ação inspetiva, comercializou 358.337 litros de gasóleos e 57.775 litros de gasolina para os quais não existe origem documentada.

9. Nos anos abrangidos pela ação inspetiva, os valores médios anuais das temperaturas do ar foram: em 2016, 15,91.ºC; em 2017, 16,33.ºC; em  2018 15,37.ºC e em  2019,  15,58.ºC.

10. A Requerente juntou, a título de exemplo, 13 faturas para justificar a variação da densidade dos combustíveis por influência da temperatura do ar,  todas  referentes a abastecimentos ocorridos nos períodos mais quentes dos anos analisados pela Requerida: 2016 – junho (2 faturas) e julho (2 faturas); 2017 – agosto (2 faturas); 2018 – julho (2 faturas) e agosto (3 faturas) e 2019 – maio (2 faturas).

11. No período abrangido pela ação inspetiva, a Requerente realizou 29 vendas, num total de 3020,76 litros, de GCM a entidades não beneficiárias de cartão eletrónico microcircuito.

12. As faturas do anexo 5 do RIT com os n.ºs 1 a 5, 10, 13 a 16, 18 a 21 e 27 foram emitidas  a entidades não beneficiárias de cartão eletrónico microcircuito.

13. No período abrangido pela ação inspetiva, a Requerente comercializou 10.716,04 litros de GCM, em 51 vendas, a beneficiários de cartão eletrónico microcircuito, mas sem certificação.

14.  As faturas do anexo 6 do RIT com os n.ºs 1 a 7, 11 a 17, 20, 24, 47,49, 50 e 51 foram emitidas a entidades  beneficiárias de cartão eletrónico microcircuito, mas sem certificação.

15. No período abrangido pela ação inspetiva, a Requerente realizou 108 vendas, num total de 11.280 litros de GCM, sem a inclusão do NIF dos compradores nas respetivas faturas.

16. No período abrangido pela ação inspetiva, a Requerente comercializou 66.429 litros, em 354 vendas de GCM, registadas no POS-TPA sem emissão das correspondentes faturas.

17. A Requerente foi notificada pela Alfândega de Peniche para proceder ao pagamento da dívida no montante total de 234.226,79 €, através do ofício AP/.../2020, de 29/09/2020, daquela alfândega.

18. A Requerente não efetuou o pagamento da dívida apurada e decorridos os prazos procedeu-se à extração da certidão de dívida, a fim de se proceder à cobrança coerciva em sede de execução fiscal.

 

  1. Do Direito

 

Quanto às vendas de gasóleo colorido marcado

a) Quanto ao GCM, há desde logo que realçar ser este  um produto petrolífero e energético que beneficia, relativamente ao ISP (Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos) de  taxas mais reduzidas, em virtude de com a redução se prosseguirem objetivos de promoção económica, que justificam que o Estado abdique de arrecadar a totalidade da receita fiscal que de outro modo arrecadaria, de acordo com o consignado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 93º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).

Estão em causa benefícios fiscais que se traduzem na diminuição de impostos a arrecadar, o justifica que o Estado crie mecanismos especiais de controlo da verificação dos requisitos a observar para a venda dos produtos aos beneficiários da redução. Assim, a Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio (e outras antes dela)  estabelece as regras de comercialização do GCM e os respetivos mecanismos de controlo tendo em vista a correcta afectação do produto aos destinos que beneficiam de isenção ou de aplicação de taxas reduzidas do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos.

Como foi dito no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 130/2020, de 3 de março, é através do regime de venda de gasóleo colorido e marcado que, como se afirma na Portaria n.º 361-A/2008, «são concretizadas parte substancial das isenções e das reduções de taxa do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP)». Trata-se de um «produto de venda condicionada», que só pode ser vendido em postos de abastecimento autorizados «aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito (…) através dos quais são registadas todas as transações de gasóleo colorido e marcado no sistema informático gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS)» (artigos 3.º e 5.º da Portaria).

Ao Estado incumbe receber, manter e verificar esses registos (artigos 9.º e 15.º), bem como emitir os cartões de microcircuito a conceder aos beneficiários do regime fiscal privilegiado, nos termos previstos na Portaria n.º 117-A/2008. A emissão dos cartões é precedida de uma verificação pela Administração dos pressupostos de concessão do benefício, sendo certo que, nos termos do artigo 6.º da Portaria n.º 117-A/2008, os cartões «são pessoais e intransmissíveis, sendo os respetivos titulares responsáveis pela sua regular utilização». Os detentores dos cartões encontram-se ainda obrigados a comunicar qualquer situação de extravio ou anomalia, bem como a devolver o cartão no prazo de cinco dias úteis caso cessem os pressupostos de atribuição do benefício fiscal (artigo 8.º da Portaria).

 

Aquela Portaria define, como se viu, os requisitos que devem ser observados pelos vendedores de GCM nas vendas deste produto, a fim de os adquirentes beneficiarem da redução da taxa e os proprietários ou  responsáveis legais pela exploração dos postos de venda autorizados não incorrerem na obrigação de ressarcir o Estado pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido marcado (n.º 5 do art.º 93º do CIEC).

 

Nesta matéria há que ter presente que se trata de um procedimento enquadrado nos deveres de cooperação dos particulares com a Administração Tributária. Como escreve Saldanha Sanches (in Manual de Direito Fiscal, 2007, pag 248) foi criado um complexo de actuações exigidas pela lei (actos devidos) e a cuja violação corresponde uma sanção autónoma (autónoma no sentido de que esta pode surgir mesmo que eventualmente se não venha a verificar a existência de uma dívida de imposto). Falamos, nomeadamente, de deveres de liquidar e cobrar a outrem o imposto, com posterior entrega à Administração (no Imposto sobre o Valor Acrescentado, como vimos), de deveres de calcular o imposto em dívida e de o entregar no prazo da lei (no IRC) ou de declarar todos os rendimentos tributáveis e assim permitir à Administração o cálculo do imposto devido por qualquer pessoa singular (no IRS).

 

O princípio da colaboração está afirmado na Lei Geral Tributária no art.º 59º, n.ºs 1 e 4 e é reforçado quando a adesão ao sistema de faturação foi requerido pelo próprio sujeito passivo.

 

b)  No caso dos presentes autos e em relação a transações de GCM, esses deveres de colaboração/cooperação são particularmente importantes nos casos de vendas: (1) a clientes não titulares de cartão microcircuito válido (Quadro 1 do RIT); (2) a titulares de cartão microcircuito válido sem certificação (Quadro 2 do RIT); (3) sem inclusão do NIF do adquirente na fatura (Quadro 3 do RIT) e (4) com registos POS-TPA para as quais não foi emitida fatura (Quadro 4 do RIT).

 

Importa salientar que o Acórdão do Tribunal Constitucional não tem eficácia erga omnes, uma vez que foi interposto no âmbito de um recurso de um acórdão, nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 280º da CRP. Por essa mesma razão, pronunciou-se apenas em relação à questão concreta que lhe foi colocada, que foi a da venda de GCM sem a emissão de fatura. Assim, não se pronunciou sobre as situações identificadas no parágrafo anterior em (1), (2) e (3).

 

Analisando cada uma das referidas situações especificamente, contata-se quanto se segue.

 

(1) Em relação às vendas a clientes não titulares de cartão microcircuito válido o pedido de pronúncia arbitral é improcedente porque nas 29 irregularidades apuradas pela Requerida encontra-se comprovado, através das faturas emitidas, nomeadamente dos NIF delas constantes, que o GCM foi vendido a quem não era um beneficiário reconhecido.

Dúvidas não podem restar, portanto, de que esta situação é violadora do disposto no n-º 5 do art.º 93º do CIEC. Estando em causa adquirentes que não são beneficiários reconhecidos, por inerência tais vendas não ficaram nem poderiam ficar devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo. O facto de terem sido efetuados registos no POS com cartões eletrónicos pertencentes a outra pessoa reconhecida como beneficiário não torna o adquirente do GCM constante das faturas um beneficiário reconhecido, nem comprova o destino dado ao produto.

Visa-se assegurar, através de um eficiente controlo da atribuição e utilização dos cartões eletrónicos, que o consumo do GCM se concretize nas atividades legalmente elencadas, através dos equipamentos identificados, evitando-se assim um aproveitamento indevido do benefício fiscal, que seria estranho às finalidades de interesse económico-social que se encontram na origem da concessão do mesmo.

Tendo em conta a diferente identidade dos adquirentes constantes das faturas de compra, por um lado, e dos titulares de cartão microcircuito identificados pela Requerente como utilizados a esse propósito, por outro, não resulta de modo algum provado que aquelas faturas de compra se encontrem relacionadas com estes registos do POS.

(2) Em relação às vendas a adquirentes com cartão microcircuito válido sem certificação,  também improcede o pedido de pronúncia arbitral porque esta tipologia de situações é caracterizada pela emissão de faturas divergentes ou não comprováveis, o que significa que a Requerente não conseguiu provar que as vendas foram efetivamente objeto do correspondente registo no sistema de controlo POS do posto.

Assim, consoante os casos, verificaram-se os seguintes casos inaceitáveis:  as quantidades constantes das faturas divergem das quantidades registadas no POS, não sendo assim possível estabelecer uma relação inequívoca entre os dois elementos (fatura-registo POS) (linha 1, 6); o talão dos POS apresentado é ilegível, não sendo assim possível estabelecer qualquer relação com a fatura em questão (linhas 4, 5, 19); não existe coincidência entre o adquirente do produto identificado na fatura através do NIF e o titular do cartão  eletrónico indicado pela Requerente, pelo que não se encontra comprovado uma relação inequívoca entre os dois elementos e consequentemente não se encontra cumprido o disposto no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC (linhas 7, 20);o  talão do POS apresentado pela Requerente encontra-se relacionado com outra fatura, pelo que não possui ligação com a fatura de venda em questão (linhas 11, 12, 13, 24); o talão do POS apresentado pela Requerente reporta-se a uma data posterior, inclusive, respeitando ao ano fiscal seguinte, pelo que não foi demonstrada uma relação inequívoca com a fatura em questão (linhas 14, 15, 16, 17, 49, 50 e 51).

(3) Quanto ás vendas sem inclusão do NIF dos adquirentes nas faturas, assiste razão à Requerida ao defender que  não se pode aceitar a justificação apresentada pela Requerente, nem se compreende a sua afirmação de que as faturas incluem a indicação do NIF do adquirente, já que apenas contêm a indicação “C.F.” ou “999999990”, conforme pode ser confirmado: pela cópia das faturas; no próprio mapa apresentado pela Requerente e por esta designado “Anexo 3”; e - no anexo 7 do RIT.

A inclusão do NIF na fatura constitui um elemento da máxima importância no controlo do benefício fiscal associado ao GCM, pois o registo no POS não comprova por si só que ocorreu uma venda ao titular do cartão utilizado. De facto, o registo no POS não constitui título adequado para comprovar que existiu uma transmissão de bens. Tal título é constituído pela fatura (cfr. artigos 3.º e 29.º do CIVA).

Como muito bem afirma a AT na sua Resposta, os dois elementos (fatura com identificação do adquirente e registo no POS) são complementares e encontram-se interligados como duas faces da mesma moeda: a emissão de fatura com a identificação do adquirente comprova quem adquiriu o produto; o registo do abastecimento no POS, realizado com o cartão eletrónico do beneficiário demonstra que o adquirente está habilitado, e pode naquele momento fazê-lo.

(4) Por fim, relativamente às vendas sem emissão de fatura, mais uma vez se verifica que nos casos identificados no anexo 8 ao RIT não foi possível estabelecer uma relação inequívoca entre os movimentos de registo no POS e as faturas de venda de GCM indicadas pela Requerente. Aliás, grande parte dos documentos que a Requerente designou de “faturas” e apresentou à inspeção como tratando-se de faturas relacionadas com os movimentos do POS em questão, são documentos desconhecidos pela AT, não constando dos ficheiros SAFT. Noutro elevado número de casos, as faturas apresentadas como justificação do abastecimento registado no POS/TPA não identificam o adquirente, pelo que não é possível estabelecer uma correspondência com o registo no POS.

Na prática, em todos os casos identificados no anexo 8 do Relatório de Inspeção aduaneira, temos um registo efetuado no POS que não apresenta relação com uma fatura. Ora, deste modo, não se encontra comprovado se o GCM em questão foi adquirido pelo titular do cartão utilizado. Essa transmissão de bens é comprovada através da emissão da fatura que identifique o adquirente, o que não sucedeu.

Em relação a estas vendas a Requerente invoca o Acórdão do Venerando Tribunal Constitucional, já antes mencionado, com o  n.º 130/2020, de 3 de março, que decidiu   Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e  61.º, n.º 1, da Constituição, o segmento normativo do n.º 5 do artigo 93.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, na redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que determina ser responsável pelo pagamento do montante de imposto, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades vendidas a portador de cartão eletrónico para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular do cartão.

 

Fundamenta-se este acórdão, além do mais, no Acórdão do Tribunal da União Europeia de 2 de Junho, C-418/14, o qual, porém, assentava num pressuposto que não se verifica no caso presente: o acórdão do TJUE aplica-se a um caso de “falta de entrega de tal extrato no prazo fixado, é aplicável ao combustível vendido de imposto especial de consumo prevista para os carburantes, mesmo que se tenha constatado que não há dúvida de que esse produto se destinava a aquecimento (sublinhado nosso).

 

Com todo o respeito por outras opiniões, o acórdão do Tribunal Constitucional exige uma interpretação  cum grano salis . O único critério objetivo, seguro, que o TC nos indica, através da sua remissão para o acórdão do TJUE é de que o princípio da necessidade se deve aplicar em casos como o presente, quando for possível determinar o destino dado ao combustível.

 

Ora, no nosso caso concreto, há dúvidas razoáveis de que essas vendas fossem feitas para os fins previstos no n.º 5 do art.º 93º do CIEC e da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio. Faltando nalguns casos por completo as faturas  e noutros a titularidade de cartão, a respetiva certificação ou a omissão do NIF, é justificada e bem fundada a dúvida sobre quem e como adquiriu e utilizou esse combustível.

 

Sobre este ponto específico da importância dos elementos contabilísticos, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo por acórdão de 19 de março de 2009, no âmbito do processo n.º 0836/08, nos seguintes termos: IV- A alínea e) do n.º 2 do artigo 3º do CIEC e o n.º 7 da Portaria n.º 234/97, de  4 de Abril, não são  material nem organicamente inconstitucionais, na parte em que prevêem a  responsabilidade dos proprietários ou dos  responsáveis  legais pela exploração  dos postos autorizados para a venda ao público  do gasóleo colorido e marcado pela diferença entre o  montante do ISP liquidado e pago e a que seria devida se se tratasse  de gasóleo rodoviário , em relação às quantidades vendidas  e não devidamente registadas  no sistema informático subjacente  aos cartões com microcircuito atribuído.  V- Nos termos do n.º 7 da Portaria  n.º 234/97, de 4 /4,  a venda do gasóleo colorido e marcado só pode ser efectuada  a titulares de cartão com microcircuito  e tem que ficar documentada no  movimento contabilístico do posto. VI- Aquela  titularidade constitui  uma formalidade essencial, atenta a intenção do legislador  de evitar a fraude fiscal. (disponível em www.dgsi.pt).

 

Esta doutrina mantém toda a sua atualidade. Com efeito, dispõe o n.º 8 da atual Portaria

n.º 361-A/2008, de 12 de maio, que O registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efectuado, não dispensa a emissão da respectiva factura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respectivo cartão de microcircuito.

 

Por isso mesmo,  parece-nos  correta a demonstração da constitucionalidade do n.º 5 do artigo 93º do CIEC  feita no ponto 3.4 da Decisão do CAAD proferida no processo n.º 459/2018-T, nos seguintes termos:

Aquela obrigação de emitir fatura, apesar do registo no TAP/POS, existe desde 2008, quando foi emitida a Portaria n.º 361-A/2008 e não a partir do Orçamento do Estado para 2015, ao contrário do que diz a Requerente. Com este Orçamento, através da nova redacção dada ao n.º 5 do artigo 93º, apenas se estendeu a estas situações de falta de emissão de factura a responsabilidade do proprietário ou responsável legal pela exploração do posto.

Por outro lado, aquelas obrigações especiais impostas na comercialização de GCM destinam-se a possibilitar à Autoridade Tributária e Aduaneira o controlo efectivo da utilização do benefício sem necessidade do “trabalho decerto aturado” que a Requerente reconhece que seria necessário para apurar a correspondência de cada uma das facturas aos registos informáticos.

Visando aquela obrigação de emitir facturas com identificação dos adquirentes facilitar o controlo da correcta utilização do benefício, através do cruzamento da informação em posse do vendedor e do adquirente, possibilitando a detecção de fraudes e a evasão fiscal, não se pode considerar aquela obrigação uma formalidade inútil ou desproporcionada, inclusivamente porque é manifesta a facilidade de lhe dar cumprimento pelo vendedor. Por isso, não se pode considerar que a exigência dessa formalidade e consequências para a sua omissão sejam incompatíveis com o princípio constitucional da proporcionalidade.

Por outro lado, esta formalidade da emissão de factura com identificação do adquirente tem precisamente em vista a mesma finalidade de evitar evasão fiscal que se prossegue com a exigência de registo no cartão da aquisição do adquirente, pelo que não se pode considerar injustificado que a omissão desta formalidade tenha a mesma consequência que tem a falta de registo no cartão.

Como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, “mesmo que se verificasse a exacta coincidência de todos os dados – quantidades, valores, dia e hora – da factura com os do registo do cartão no TPA, tal coincidência não é meio de prova suficiente e adequada de que a venda foi efectivamente feita ao titular daquele cartão, porquanto, a experiência demonstra que pode ocorrer a venda a uma pessoa, mediante a utilização abusiva do cartão de outrem”. É a comprovação de que o adquirente foi o titular do cartão que se pretende reforçar com a exigência de identificação do adquirente na factura.

Sendo a exigência cumulativa um reforço das possibilidades de controle pela Autoridade Tributária e Aduaneira, facilitando-lhe a fiscalização que, sem essa formalidade, seria “trabalho decerto aturado” (como reconhece a Requerente), e sendo uma formalidade cujo cumprimento não se afigura apreciavelmente mais oneroso que o registo electrónico da transacção, não se pode considerar desajustada a imposição da mesma consequência para a omissão dessa formalidade, que é a responsabilização do proprietário ou responsável legal pela exploração do posto. A utilização abusiva de cartões de terceiros nos registos nos sistemas de controlo, podendo reconduzir-se à aquisição de GCM com benefício por quem a ele não direito, não é uma situação de evasão fiscal substancialmente distinta da aquisição por quem nem sequer é titular de cartão com microcircuito.

Por isso, o n.º5 do artigo 93º do CIEC não ofende os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade, invocados pela Requerente.

 

Fundamenta-se ainda o acórdão do Venerando Tribunal Constitucional no artigo 61º da Constituição da República, considerando tratar-se de uma intromissão constitucionalmente proibida na iniciativa económica privada.

 

Permitimo-nos recordar, com todo o respeito pelo aresto em análise, que estamos no quadro dos deveres de cooperação livremente aceites pela Requerente quando requereu ser inscrita como vendedora de GCM.

 

Ao inscrever-se para vender aquele combustível, a Requerente voluntariamente assumiu que cumpriria todas as obrigações acessórias que necessariamente conhecia, uma vez que as mesmas, no essencial, vigoram há muitos anos.

 

Não há intromissão abusiva na vida das empresas quando elas próprias solicitam a participação num programa cujas características bem conhecem e cujas consequências, em termos de responsabilidade tributária, são facilmente compreensíveis.

 

Assim, pelo exposto, não consideramos aplicável ao caso concreto objeto dos presentes autos a doutrina do acórdão do Venerando Tribunal Constitucional.

 

Embora a Requerente haja, como se viu, apresentado documentos para fazer prova de que em alguns casos apontados pela AT não teria havido violação dos requisitos identificados, o certo é que não logrou fazer a pretendida prova.

 

Para avaliar a prova apresentada pela Requerente o Tribunal teve em atenção a metodologia seguida pela AT na ação inspetiva e descrita no RIT: Relativamente  à comercialização de GCM, a ação inspetiva procedeu: à análise dos ficheiros SAF-T faturação da empresa, tendo confrontado os registos das vendas de GCM, por NIF de cliente, com os registos que constam da base de dados da Direção-Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), relativos aos POS/TPA utilizados pela empresa; à consulta na base de dados da DGADR,  por número de identificação fiscal do beneficiário, relativamente aos utilizadores de cartões microcircuito. E, nestes termos, dúvidas não restaram ao Tribunal da ilegalidade dos factos imputados pela AT à Requerente na venda de GCM.

 

Em síntese, o Tribunal confirma as conclusões do RIT e considera que a Requerente procedeu à venda de 91.445 litros de GCM com violação do disposto no n.º 5 do art.º 93º do CIEC e dos pontos 5º, 6º e 8º da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio.

 

Quanto às existências de gasolinas e gasóleos

Para a realização do levantamento das existências de gasolinas e gasóleos comercializados pela Requerente (GSC 95, GSC 98, GRS, GRA, GCM, GA), desde 01/01/2016 até 30/06/2019, a AT utilizou, como se disse:

- a informação constante dos Inventários Fiscais de dezembro de 2015, 2016, 2017 e 2018;

- a informação constante do ficheiro enviado pela Requerente relativamente às existências de combustíveis no dia 30 de junho de 2019 e

- a informação constante de vários ficheiros, entregues também pela Requerente, onde se encontram discriminadas as quantidades de combustíveis compradas e vendidas, confrontadas com as contas correntes de fornecedores.

Da análise realizada aos elementos identificados no parágrafo anterior, a AT concluiu que no período em que incidiu a ação inspetiva, a Requerente comercializou 358.337 litros de gasóleos e 57.775 litros de gasolinas cuja origem não se encontra documentada, logo sem a devida prova da sua regular introdução no consumo (conforme quadro n.º 12 do RIT, que se dá aqui por reproduzido). Importa dizer que o ónus da prova incidia sobre a Requerente que não trouxe aos autos elementos que pusessem em causa as conclusões da AT (vd. art.º 74º, n.º 1 e 75º, n.º 2, b) da LGT).

A Requerente defendeu-se longamente, como supra se deixou exposto, com a alegação de que a diferença das existências  é causada pela influência da temperatura ambiente na densidade dos combustíveis.

De acordo com as normas europeias a entrada dos produtos petrolíferos nos mercados dos países incluídos no quadro comunitário europeu é regulada por diversa legislação europeia, entre outras, pela diretiva 2003/96/CE do Conselho. Portugal transpôs esta diretiva em vários diplomas, nomeadamente através de normas contidas no Código dos Impostos Especiais de Consumo, que no n.º 1 do art.º 91º determina que a temperatura de referência para a conversão dos produtos petrolíferos para a respetiva unidade de referência (1000litros) é de  15 graus centígrados.

A Requerente alega, como se viu, que a temperatura média em Portugal é superior a 15ºC durante a quase totalidade do ano, considerando mesmo ser de 20ºC, pelo que o cálculo do volume de gasolinas e gasóleos realizado apenas em função das faturas emitidas pela Requerente (que não tiveram em conta esta temperatura de referência) teria necessariamente que ser superior à que consta das faturas, que foram emitidas pela fornecedora de acordo com a temperatura referencial.

Para justificar a sua posição, a Requerente fez juntar várias faturas emitidas pela sua principal fornecedora, a C..., com indicação dos diferenciais resultantes da conversão das quantidades de combustíveis a que se referem, à temperatura de 15ºC.

Sucede, porém, que todas aquelas faturas titulam aquisições que tiveram lugar em meses de Verão, com omissão das faturas emitidas nos meses mais frios do ano. Com efeito, foram apresentadas: 2016 – junho (2 faturas) e julho (2 faturas); 2017 – agosto (2 faturas); 2018 – julho (2 faturas) e agosto (3 faturas) e 2019 – maio (2 faturas).

Para além disso, não obstante  a Requerente haver reconhecido que a C... é a sua principal fornecedora mas não a única, não forneceu qualquer indicação  das quantidades de combustível que no período de tempo objeto de análise  teria adquirido aos restantes fornecedores.

Em relação à temperatura média de Portugal, a Requerente limitou-se a apresentar opiniões, sem que as haja alicerçado em qualquer justificação científica, ou seja, não logrou a Requerente provar o que alegou, sendo que, nos termos do consignado no art.º 74º da Lei Geral Tributária o ónus da prova era seu.

A AT, por seu turno, apresentou na sua resposta os resultados da consulta dos Boletins Climatológicos Anuais de Portugal Continental, para os anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, emitidos pelo IPMA-Instituto Português do Mar e da Atmosfera e apurou o valor médio anual da temperatura média do ar em Portugal, conforme  discriminou: em 2016 –  15,91.ºC; em  2017 – 16,33; em 2018 – 15,37.ºC e em 2019 – 15,58.º, que foram juntos como anexos à resposta.

Assim, com médias de temperatura  como as indicadas no parágrafo anterior, considera este o Tribunal  não poder a variação de temperatura ser considerada justificação para a diferença das existências dos volumes de gasolinas e de gasóleos detetados na ação inspetiva.  O mesmo é dizer-se, não encontrou este Tribunal uma razão válida que provasse a entrada regular no consumo de 358.337 litros de gasóleos e 57.775. Tanto mais quanto, diga-se mais uma vez, a Requerente apenas apresentou faturas emitidas para fornecimentos ocorridos durante o Verão.

Acresce que considera também o Tribunal não ser de atender ao argumento invocado pela Requerente, de que a AT poderia (e deveria) ter consultado o acervo das faturas que as fornecedoras lhe terão passado. Com esta alegação não se compreende qual a razão justificativa para a  Requerente não ter apresentado as faturas em falta (a existirem), sendo certo que a Requerida identificou as demais fornecedoras da Requerente, o que esta  nunca fez.

Violou, assim, a Requerente o disposto no art.º 9º, n.º 1, alínea b) do CIEC (Código dos Impostos Especiais de Consumo). Dispõe o referido normativo que Para efeitos do presente Código considera-se introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto: b) A detenção fora do regime de suspensão do imposto desses produtos sem que tenha sido cobrado o imposto devido. Esta violação, determina a exigibilidade do imposto, de acordo com o determinado no n.º 1 do art.º 8º do mesmo diploma legal, segundo o qual O imposto é exigível em território nacional no momento da introdução no consumo dos produtos referidos no artigo 5.º ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o presente Código.

A referida violação deu lugar à constituição da dívida no montante total de €203.842,65, correspondendo: €151.894,26  a  ISP; €44.801,79 a CSR e€7.146,60 ao adicionamento sobre as emissões de CO2.

 

Conclusões

Em síntese, relativamente às pretensões da Requerente apresentadas no seu pedido de pronúncia arbitral  o Tribunal considera-as totalmente improcedentes

 

IV - Decisão

 

Termos em que, o Tribunal decide considerar  legais as liquidações realizadas no âmbito do processo de Conferência Final n.º PCF 23/2020:

  • de Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) no montante de €158.273,58;
  • de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) no montante de €47.892,80;
  • de Taxa do Adicionamento Sobre as Emissões de CO2, no montante de € 7.146,60;
  • de juros compensatórios  no montante de €20.913,81.

 

 

V - Valor do processo

 

 Fixa-se o valor do processo em € 234.226,79 ( duzentos e trinta e quatro mil, duzentos e vinte e seis euros e setenta e nove cêntimos ), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT)

 

 

VI - Custas

Custas a suportar pela Requerente,  no montante de €4.284,00 (quatro mil, duzentos e oitenta e quatro euros), calculadas nos termos do disposto nos  artigos 12º, n.º 2 e 22º, n.º 4 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), dos artigos 3º, n.º 1, a) e 4º, n.ºs 1 e 5 do RCPAT (Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária)  e  na Tabela I anexa ao mesmo Regulamento.  

Notifique-se

 

Lisboa, 8 de fevereiro de 2022

 

Os árbitros

 

Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, Presidente

 

Dr. José Nunes Barata, Vogal

 

Dr. Luís M. S. Oliveira, Vogal

(Vencido, conforme declaração anexa)

 

 

Voto de vencido

Votei vencido, nas partes em que a decisão arbitral não declara a ilegalidade da liquidação dos impostos em causa – ISP, Adicionamento sobre as Emissões de CO2 e Contribuição de Serviço Rodoviário – sobre as transações que corresponderam a vendas de gasóleo colorido e marcado feitas pela Requerente a portadores de cartões eletrónicos (‘cartão gasóleo verde’), automaticamente registadas no sistema pelo uso dos referidos cartões, para as quais não foram emitidas faturas em nome dos titulares dos cartões, ou foram estas emitidas mas sem indicação do número de identificação fiscal (Quadros 3 e 4 do RIT).

Acompanho, nesta matéria, o juízo de inconstitucionalidade do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, no segmento em que estatui ser responsável pelo pagamento do ISP – com o corolário da tributação, mutatis mutandis, no Adicionamento sobre as Emissões de CO2, em aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 92.º-A do CIEC, e na Contribuição de Serviço Rodoviário, em aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 4.º e n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto – o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, pela diferença resultante da aplicação da taxa específica do gasóleo colorido e marcado, em vez da taxa referente ao gasóleo rodoviário (no regime geral de tributação deste), quando não são emitidas faturas (Acórdãos n.ºs 130/2020 e 329/2020, do Tribunal Constitucional).

As razões pelas quais julgaria verificar-se a referida inconstitucionalidade, por violação do n.º 2 do artigo 18.º e do n.º 1 do artigo 61.º da Constituição – razões que entendo válidas, a fortiori, para anular a liquidação sobre as transações em que foram emitidas faturas mas sem indicação do número de identificação fiscal, porquanto o juízo de violação do princípio da proibição do excesso é ainda mais impressivo – são as formuladas pelo Tribunal Constitucional no primeiro dos referidos arestos e reafirmadas no segundo.

«Embora a exigência de identificação do titular dos adquirentes na fatura não seja evidentemente adequada a prevenir, por si só, a utilização irregular de gasóleo colorido e marcado, concede-se que seja útil para sancionar e reprimir os comportamentos abusivos, na medida em que facilita o controlo pelas autoridades dos consumos efetuados pelos titulares dos cartões. Em consequência, não pode considerar-se desadequado o sancionamento do incumprimento da obrigação.

Acontece que o incumprimento é sancionado, nos termos do RGIT, com a aplicação de uma coima que pode atingir um valor expressivo (a fixar entre os 250€ e os 165.000€). Mostra-se por isso desnecessária a exigência adicional de suportar os impostos que seriam devidos se fosse efetuada venda a quem não era titular do direito ao referido benefício fiscal.

Nesse exato sentido argumentou o Tribunal de Justiça da União Europeia, no seu Acórdão de 2 de junho de 2016, C-418/14 ROZ‑ŚWIT (disponível em eur-lex.europa.eu), que respeita a matéria com inegável parentesco com a do presente recurso, desde logo por se tratar da proporcionalidade de medidas de combate à fraude e evasão fiscal em domínio de impostos especiais de consumo harmonizado pelo direito da União Europeia.

Nesse aresto, o Tribunal de Justiça foi confrontado com a questão de saber se contraria o princípio da proporcionalidade «uma regulamentação nacional nos termos da qual, por um lado, os vendedores de combustível são obrigados a submeter, no prazo estabelecido, um extrato mensal das declarações dos compradores, segundo as quais os produtos comprados se destinam a aquecimento, e, por outro, na falta de entrega de tal extrato no prazo fixado, é aplicável ao combustível vendido a taxa do imposto especial de consumo prevista para os carburantes, mesmo que se tenha constatado que não há dúvida de que esse produto se destinava a aquecimento.»

O Tribunal começou por afirmar que, «constitui um instrumento de controlo que tem por objetivo a prevenção da evasão e da fraude fiscais a obrigação de entregar, junto das autoridades competentes, um extrato das declarações dos compradores», concluindo que a imposição de tal obrigação «não reveste um caráter manifestamente desproporcionado». Já no que diz respeito à consequência associada ao incumprimento da obrigação, entendeu que, «a aplicação automática da taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes em caso de incumprimento da obrigação de entregar um extrato desse tipo viola o princípio da proporcionalidade.» Com efeito, «o facto de aplicar aos combustíveis de aquecimento em causa no processo principal a taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes em razão da violação da obrigação, imposta pelo direito nacional, de apresentar um extrato das declarações dos compradores nos prazos fixados, quando se constatou que não havia dúvida de que esses produtos se destinavam a aquecimento, vai além do que é necessário para prevenir a evasão e a fraude fiscais.» O Tribunal de Justiça esclareceu ainda que, «nada impede um Estado‑Membro de prever a aplicação de uma coima pela violação de uma obrigação como a que consiste na entrega às autoridades competentes de um extrato das declarações dos compradores do combustível de aquecimento vendido.» O que o princípio da proporcionalidade proscreve é que seja aplicada a taxa normal de imposto especial sobre o consumo a situações em que nada «indica que essas vendas foram realizadas com o objetivo de beneficiar de modo fraudulento da taxa de imposto especial de consumo preferencial atribuída aos combustíveis destinados a aquecimento».

Estas considerações aderem perfeitamente ao problema de constitucionalidade que se coloca nos autos. A obrigação de o vendedor pagar a diferença entre a taxa de imposto normal e a aplicável ao gasóleo colorido e marcado, nos casos em que não é emitida fatura em nome do titular do cartão, «vai além do necessário para prevenir a fraude e evasão fiscal». A função sancionatória é plenamente assegurada no plano contraordenacional, perfilando-se a sanção adicional imposta pela norma sindicada – com a estrutura de uma norma de incidência fiscal, ainda que servindo uma finalidade sancionatória − como um corpo estranho e funcionalmente redundante.

A medida seria razoável – porventura até indispensável − caso se pudesse presumir a utilização abusiva do regime da venda do gasóleo colorido e marcado nos casos em que é registada a operação no sistema eletrónico de controlo, não sendo emitida fatura em nome do titular do cartão. Porém, essa presunção – como vimos – não tem justificação alguma, razão pela qual a responsabilidade pelo pagamento da diferença entre o imposto devido com e sem benefício fiscal não tem natureza propriamente tributária. Nada no mero facto de não ter sido emitida a fatura em nome do titular do cartão, sendo apresentado o cartão e não sendo exigida demonstração de identidade, «indica que essas vendas foram realizadas com o objetivo de beneficiar de modo fraudulento da taxa de imposto» aplicável ao gasóleo colorido e marcado.

Assim, é de concluir que a norma sindicada reprova no teste da necessidade, consubstanciando uma restrição excessiva (artigo 18.º, n.º 2) da liberdade de iniciativa económica, consagrada no artigo 61.º, n.º 1, da Constituição.»

 

 

Dr. Luís M. S. Oliveira, Vogal