Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 20/2020-T
Data da decisão: 2021-01-05  IRS  
Valor do pedido: € 53.202,56
Tema: IRS - diretor executivo de equipa de futebol; categoria de desportistas; coeficiente aplicável em sede de regime simplificado – artigo 31.º, n.º 1, al. b) e c) e artigo 151.º do CIRS e Portaria n.º 1011/2001, de 21.8.
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SUMÁRIO:

I. Nos termos do artigo 31.º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código do IRS, na redação aplicável ratione temporis, em sede de regime simplificado, aplica-se o coeficiente de “0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º” e o coeficiente residual de 0,35 às atividades aí não especificamente previstas (nem na alínea a) do mesmo número).

II. Verificando-se que a tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, constante da Portaria n.º 1011/2001, de 21.8, não prevê especificamente a atividade profissional de diretor executivo de equipa de futebol não é aplicável o artigo 31.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRS, pelo que não pode a determinação do rendimento tributável em sede de regime simplificado resultar do coeficiente de 0,75, sujeitando-se antes ao disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 31.º do CIRS, que estabelece um coeficiente de 0,35.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

a) Partes e pedido de pronúncia arbitral

 

1. A..., contribuinte n.º ... e B..., contribuinte n.º..., casados, residentes na Rua ..., ..., ..., ..., ... (a seguir os Requerentes), apresentaram, em 08.01.2020, em conformidade com os artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.1, com as alterações posteriores (a seguir Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), pedido de pronúncia arbitral (a seguir abreviadamente PI), em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (a seguir, Requerida ou AT), no qual peticionam a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de juros compensatórios relativos aos anos de 2015 (conforme demonstração de liquidação de IRS com o n.º 2019..., demonstração de acerto de contas com as referências ID. DOCUMENTO 2019... e NR COMPENSAÇÃO 2019 ...), no valor total de €13.877,77, de 2016 (conforme demonstração de liquidação de IRS com o n.º 2019 ... e Demonstração de acerto de contas com a referência ID. DOCUMENTO 2019 ... e NR COMPENSAÇÃO 2019 ...), no valor total de €13.966,92, de 2017 (conforme demonstração de liquidação de IRS com o n.º 2019 ...e Demonstração de acerto de contas com a referência ID. DOCUMENTO 2019 ...e NR COMPENSAÇÃO 2019 ...), no valor total de €21.887,63, e de 2018 (conforme demonstração de liquidação de IRS com o n.º 2019 ... e Demonstração de Liquidação de Juros com NR da COMPENSAÇÃO 2019 ...), no valor total de €3.470,24, tudo perfazendo o montante global de €53.202,56.

 

b) Constituição do Tribunal Arbitral

 

2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro singular o signatário, que aceitou o encargo e a cuja designação as partes não apresentaram recusa.

 

3. Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 06.07.2020.

 

c) Cronologia processual

 

4. No pedido de pronúncia arbitral os Requerentes peticionaram a anulação das liquidações adicionais de IRS e de juros compensatórios relativas aos anos de 2015 a 2018 de que foram objecto, com as consequências legais em matéria de devolução das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios, a saber: IRS de 2015 (13.877,77€), acrescida de juros indemnizatórios desde a data de pagamento (6.12.2019) até integral reembolso, IRS de 2016 (13.966,92€), acrescida de juros indemnizatórios desde a data de pagamento (13.12.2019) até integral reembolso, IRS de 2017 (21.887,63€), acrescida de juros indemnizatórios desde a data de pagamento (13.12.2019) até integral reembolso e IRS de 2018 (3.470,24€), acrescida de juros indemnizatórios desde a data de pagamento (18.11.2019) até integral reembolso.

 

5. Em sustentação do assim peticionado, alegaram os Requerentes, em súmula, o seguinte:

I) A..., que foi um conhecido jogador de futebol nacional nos anos 80 e 90 do século passado, é “diretor executivo da equipa A” de futebol do C... (a seguir também C...) , cuja tarefa é a “gestão da estrutura do futebol do C...”, o que compreende designadamente: autonomia em decisões de gestão corrente da operação do C..., ao nível do pessoal (nas necessidades dos jogadores extrafutebol e controlo dos horários, faltas e atrasos nos treinos); autonomia para decisões de gestão corrente da operação do Clube, ao nível da logística (contínua existência de equipamentos e demais material desportivo e nas deslocações aos campos dos adversários; acompanhamento da equipa de futebol em todos os jogos, sendo muitas vezes o delegado do Clube ao jogo; representação institucional do C... em eventos variados, em especial nos vários sorteios para as diversas competições em que está envolvido e em reuniões técnicas junto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (arts. 11, 12 e 14 da PI);

II) O seu trabalho não é “desportivo”, mas de gestão, em execução das decisões da Administração do C...: ao nível do pessoal (cuidar que os trabalhadores se foquem no seu trabalho e não se preocupem com assuntos diversos da família e afins); controlar as faltas e atrasos ao trabalho; ao nível da operação: garantir que os diversos fornecimentos externos necessários à operação estão em bom estado e garantias de prestação: no relvado, equipamentos, bolas e demais material (com supervisão sobre os responsáveis diretos dessas áreas); a logística das deslocações e acompanhamento da equipa, para verificar se tudo está operacional (e resolver pontos que sejam necessários); na representação institucional do Clube, em nome da administração do C... (arts. 43, 44 e 45 da PI);

III) A... não é jogador de futebol nem treinador do plantel, não faz parte da equipa técnica de treinadores, a sua atividade não tem que ver, direta ou indiretamente, com o jogo de futebol, é um trabalho de gestão executiva da operação e atividade do C..., um gestor de operação, pelo que não é um “desportista” para efeitos do Código do IRS (arts. 13, 37, 38, 39, 40 e 63 da PI);

IV) A... trabalha em regime de prestação de serviços, desde 2018 com contrato formalizado por escrito, auferindo uma remuneração cujos rendimentos são integrados na Categoria B do Código do IRS (CIRS), com opção por ser tributado através do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,35 sobre o rendimento bruto, tal como se descreve no art. 31.º, n.º 1, al. c), do CIRS (arts. 20, 22, 23 e 24 da PI);

V) A letra da lei (art. 31.º, 1, b) do CIRS, art. 151.º do CIRS e “desportista” da Portaria n.º 1011/2001) não permite concluir que A... seja um desportista, não se podendo alargar a expressão de tal forma que faça reconduzir esse conceito a situações, como a de A..., que nada têm que ver com desportistas (praticante de atividade desportiva), mas com uma atividade de gestão executiva de futebol (arts. 63 e 67 da PI);

VI) Caso “o conceito de “desportistas” da Portaria 1011/2001 (remetida pelo art. 31.º, n.º 1, al. b) e 151.º CIRS) seja interpretado como abrangendo a atividade do requerente (que exerce uma atividade de gestão e representação de um clube desportivo), então, nessa interpretação, esses preceitos são inconstitucionais, por violação do art. 103.º, n.º 2 e 165.º CRP: a) Em termos orgânicos, na medida em que uma portaria (direito circulatório) está a legislar sobre elemento essencial do imposto (não se limita à interpretação e aplicação da lei), b) E em termos formais e materiais, por violação da determinação e previsibilidade da lei fiscal: um “desportista” elemento recortado pela lei não é um gestor de atividade desportiva” (art. 68 da PI);

VII) Em termos sistemáticos, as leis do desporto distinguem claramente entre os agentes que estão no terreno do jogo (jogadores, e outros intimamente ligados com a pratica desportiva, árbitros, equipa de treinadores…), dos demais agentes que não estão no terreno de jogo, como gestores dos clubes e agremiações ou juízes (dos conselhos de justiça e disciplina); a Lei n.º 5/2007 (lei de bases da atividade física e desporto) distingue claramente entre o praticante desportivo (art. 34.º), o dirigente desportivo (art. 36.º) e o juiz no âmbito desportivo (art. 18.º) (arts. 70, 71, 72 e 73 da PI);

VIII) “O segundo tópico sistemático retira-se da análise das diversas profissões da portaria 1011/2011: assim, por ex., na atividade da tauromaquia o legislador abrangeu não só a profissão de toureiro mas estendeu-a também a “outros artistas tauromáquicos” (código 3); os professores, abrange os “professores” mas também os “formadores” e “explicadores””; “Ou seja: o legislador da Portaria, sempre que quis, teve o cuidado de detalhar e precisar: não se limitou à profissão principal (principal e mais forte), mas estendeu expressamente a outras conexas”; “Mas nada disso sucedeu nos “desportistas”: o legislador não a estendeu a “outros agentes do fenómeno desportivo” ou a “gestores de atividade desportiva”” (arts. 78, 79 e 80 da PI);

IX) Os atos impugnados são ilegais, por errada apreensão e aplicação dos factos relevantes para a decisão, ilegal interpretação dos arts. 31.º e 151.º do CIRS, da Portaria 1011/2001, de 21/8, do art. 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) e dos arts. 18.º, 34.º e 36.º da Lei n.º 5/2007 e por ilegalidade e inconstitucionalidade da informação vinculativa 7/2018, ao considerarem que o Requerente A..., em vez de declarar, como fez, os seus rendimentos da Categoria B do IRS (prestação de serviços como diretor desportivo do C...) no campo 404 do quadro 4 do anexo B da declaração de IRS, os deveria ter inserido no campo 403, por considerar que a atividade exercida de “diretor executivo” do C... faz com que “tratando-se de agente desportivo o código a considerar é o 1323 desportista, conforme resulta da interpretação constante da informação vinculativa 7/2018 com Despacho concordante da Diretora de Serviços de IRS de 2018/01/10” (arts. 10, 29 e 30 da PI).

 

6. A Requerida, na resposta apresentada (a seguir, abreviadamente R.), peticionou que seja julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com absolvição dos pedidos formulados pelos Requerentes, para o que sustentou, em síntese, o seguinte:

I) A Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, Lei n.º 5/2007, de 16.01 integra os titulares de cargos dirigentes desportivos como agentes desportivos, do ponto de vista sistemático estão inseridos na secção II Capítulo IV, Atividade física e prática desportiva, sendo o Requerente, que exerce a atividade de "Diretor Executivo" da equipa "A" do C......- Futebol, SAD, qualificado como um agente desportivo nos termos da Lei 5/2007 (arts. 14 e 15 da R.);

II) A qualificação jurídica dos titulares de cargos dirigentes deve ser feita à luz das normas que regem a atividade desportiva, pelo que a sua atividade, para efeitos de IRS, está enquadrada na alínea b) do n.º 1 do art. 3.° do CIRS e consubstancia uma prestação de serviços especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o art. 151.° do CIRS, sob o código CIRS 1323 – Desportistas, que “é um código abrangente que engloba, para além dos atletas, todos os agentes desportivos envolvidos em atividades desportivas” (arts. 22, 23, 24 e 25 da R.);

III) Tal como consta do seu contrato, o Requerente faz a gestão de equipas de futebol, de acordo com o seu know how de antigo jogador de futebol, sendo que nem só os praticantes podem ser considerados desportistas como se afere pelo estabelecido na Lei n.º 5/2007 e o cargo de diretor executivo é essencial para a atividade desportiva, pelo que não pode considerar-se fora do espectro das atividades desportivas, nem como uma realidade menor face aos outros intervenientes que, direta ou indiretamente, são essenciais para a realização da modalidade desportiva de futebol (arts. 31, 32, 33 e 34 da R.);

IV) Deve considerar-se demonstrada, dentro da atividade de gestão, a especificidade de cariz desportivo própria dos diretores executivos de clubes de futebol, o que os qualifica como agentes desportivos, devendo, ipso factum, ser objeto de inscrição no campo 403 do quadro 4 A da declaração de rendimentos modelo 3, e a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,75, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS, do que decorre que as liquidações impugnadas são legais e não enfermam dos vícios que lhe são apontados;

V) Por outro lado, tal como se entendeu na decisão arbitral n.º 421/2019-T, “seria também manifestamente desigual, desproporcional e destituído de fundamento racional e material bastante a aplicação do coeficiente 0,35 aos rendimentos em causa, o que daria uma dedução automática de 65% do rendimento auferido, quando as restantes prestações de serviço especificamente previstas na tabela de atividades a que se refere o art. 151.° do CIRS, estariam sujeitas à aplicação do coeficiente 0,75”, pelo que “o rendimento obtido no exercício da atividade de "Diretor Executivo", consubstancia uma prestação de serviço especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o art. 151.° do CIRS, sob o código CIRS 1323 Desportistas, devendo ser inscrito no campo 403 do quadro 4-A do anexo B da declaração de rendimentos mod.3, sendo que a determinação do rendimento tributável é obtida através da aplicação do coeficiente de 0,75, previsto na alínea b) do n.° 1 do art. 31.° do CIRS” (arts. 36, 37 e 38 da R.).

 

7. Por despacho de 6.10.2020, o Tribunal, ao abrigo do disposto nas alíneas c) e e) do art. 16.º do RJAT, agendou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, a qual teve lugar, por meios de comunicação à distância disponibilizados pelo CAAD, no dia 12.11.2020, e na qual se procedeu à inquirição da testemunha arrolada pelos Requerentes, D..., Administrador da C...-SAD, tudo conforme ata constante dos autos.

 No final da reunião, o Tribunal notificou os Requerentes e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, o que foi devidamente concretizado, respetivamente, em 24.11.2020 e em 3.12.2020, tendo as partes, no essencial, reportando-se ao depoimento testemunhal prestado, mantido as posições expostas nos seus articulados.

Foi indicado, em cumprimento do art. 18.º, n.º 2 do RJAT, que a decisão arbitral seria prolatada até ao termo do prazo fixado no art. 21.º, n.º 1 do RJAT, ou seja, o dia 6.1.2021.

 

II. Saneamento

 

8. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões suscitadas (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3) e encontram-se devidamente representadas.

 

9. A cumulação de pedidos em relação às diversas liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios que são impugnadas nos presentes autos é admissível nos termos do art. 3.º, n.º 1 do RJAT, porquanto a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

10. Não foram suscitadas nem se descortinam questões que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que cumpre proferir decisão sobre a substância do litígio.

 

III. O thema decidendum

 

11. O thema decidendum respeita à legalidade das liquidações adicionais de IRS e de juros compensatórios relativos aos anos de 2015 (conforme demonstração de liquidação de IRS com o n.º 2019 ..., demonstração de acerto de contas com as referências ID. DOCUMENTO 2019 ... e NR COMPENSAÇÃO 2019 ...), no valor total de €13.877,77, de 2016 (conforme demonstração de liquidação de IRS com o n.º 2019 ... e Demonstração de acerto de contas com a referência ID. DOCUMENTO 2019 ... e NR COMPENSAÇÃO 2019...), no valor total de €13.966,92, de 2017 (conforme demonstração de liquidação de IRS com o n.º 2019 ... e Demonstração de acerto de contas com a referência ID. DOCUMENTO 2019 ... e NR COMPENSAÇÃO 2019 ...), no valor total de €21.887,63, e de 2018 (conforme demonstração de liquidação de IRS com o n.º 2019 ... e Demonstração de Liquidação de Juros com NR da COMPENSAÇÃO 2019 ...), no valor total de €3.470,24, relativamente às quais os Requerentes invocam, como causa de pedir, a ocorrência dos vícios de errada apreensão e aplicação dos factos relevantes para a decisão, de violação de lei, por ilegal interpretação dos arts. 31.º e 151.º do CIRS, da Portaria n.º 1011/2001, de 21.8, do art. 11.º da LGT e dos arts. 18.º, 34.º e 36.º da Lei n.º 5/2007, de 16.1 e de ilegalidade e inconstitucionalidade da informação vinculativa 7/2018 com Despacho concordante da Diretora de Serviços de IRS de 2018/01/10.

 

12. Em substância, a resolução do litígio atinente aos atos de liquidação de IRS e de juros compensatórios impugnados prende-se fulcralmente com a questão de saber se a atividade profissional do Requerente A..., para efeitos da determinação do rendimento tributável, no âmbito do regime simplificado, da categoria B de IRS, se subsume na categoria de “desportistas” (código 1323) da Portaria n.º 1011/2001, de 21.8, para que remetem os arts. 151.º e 31.º, n.º 1, al. b), do CIRS, com a consequente aplicação do coeficiente de 0,75 (art. 31.º, n.º 1, al. b) do CIRS), como sustenta a Requerida, ou deve ser antes reconduzida ao disposto no art. 31.º, n.º 1, al. c) do CIRS, com consequente aplicação do coeficiente de 0,35, como advogam os Requerentes.

 

IV. Decisão da matéria de facto e sua motivação

 

13. Examinadas as alegações formuladas nas peças processuais das partes e a prova documental produzida, quer a que foi apresentada com a PI, quer a que resulta do procedimento administrativo (PA) junto aos autos, e apreciado o depoimento da testemunha D... arrolada pelos Requerentes, o Tribunal julga provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:

 

I. O Requerente A... trabalhou, nos anos de 2015 a 2018, em regime de prestação de serviços, para o C... - Futebol SAD (C...-SAD), inicialmente sem contrato escrito, mas desde 2018 mediante o contrato de prestação de serviços celebrado em 1.7.2018 [vd. cópia do contrato que se mostra junto como doc. n.º 6 à PI e indicações constantes das faturas-recibos conforme informações da AT a pp. 43-44 do PA].

II. Nos termos do referido contrato junto como doc. n.º 6 à PI, o Requerente A... obrigou-se a “no regime de avença, de modo autónomo com independência das orientações [do C...-SAD], sem subordinação jurídica e horário pré-estabelecido, colocando os seus conhecimentos e o produto da sua atividade de assessor do departamento de futebol (Diretor Executivo da Equipa “A”)”  (cláusula 3) e que “aplicará todos os seus conhecimentos e “know how” de acordo com a “legis artis” ao serviço do [C...-SAD], com vista a satisfazer os seus interesses na observação e coordenação de todas as equipas de futebol [do C...-SAD] e do C..., bem como a colaborar e cooperar com todas as equipas técnicas das referidas equipas” (cláusula 4), auferindo como remuneração “a quantia global ilíquida de 70.000,00 € (...), sujeita aos impostos legalmente previstos” (cláusula 8).

III. Nos anos de 2015 a 2018, o Requerente A... prestou serviços como “diretor executivo da equipa A” de futebol do C... (C...), não tendo sido jogador ou treinador de futebol (asserção não controvertida conforme arts. 12, 13 e 16 da PI e 26, 31, 32, 34 e 35 da R.).

IV. As funções desempenhadas nos anos referidos pelo Requerente A..., como “diretor executivo da equipa A” de futebol do C..., que correspondem a diretor do Departamento do Futebol, consistiram na gestão da estrutura do futebol do C..., o que compreende: gestão corrente da operação do C... ao nível dos recursos humanos, de informação e controlo dos horários, faltas e atrasos nos treinos dos jogadores, bem como de outro pessoal necessário para o apoio aos jogadores; gestão corrente da operação do departamento de futebol do C..., ao nível da logística do dia a dia e do secretariado técnico (existência de equipamentos e demais material desportivo, estágios e deslocações aos campos dos adversários [horários, transporte, refeições e estadias]); acompanhamento da equipa de futebol nos jogos; representação institucional do C... em eventos variados, como os sorteios para as diversas competições em que o C... está envolvido, incluindo competições internacionais, e em reuniões técnicas junto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional ou da Federação Portuguesa de Futebol (depoimento testemunhal de D...).

V. No organigrama do C..., o Requerente A...encontra-se colocado imediatamente abaixo da administração, dentro da estrutura de cúpula de gestão da sociedade anónima desportiva (SAD), funcionando como intermediário entre a equipa de futebol e a administração do clube (organigrama publicamente disponível em https://... pt/estrutura/#sad e depoimento testemunhal de D...).

VI. Existe formação académica específica para a atividade profissional de Diretor Desportivo de um clube de futebol, conforme cursos de especialização para diretor desportivo de futebol disponibilizados por universidades e pela Federação Portuguesa de Futebol (cfr. divulgação pública de cursos existentes nos sítios internet indicados no art. 26 da R.).

VII. Nas declarações conjuntas de rendimentos modelo 3 de IRS apresentadas pelos Requerentes relativamente aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, o Requerente A... optou por ser tributado mediante o regime simplificado, tendo inscrito os rendimentos obtidos no âmbito da categoria B no campo 404 do quadro 4A do Anexo B (asserção não controvertida conforme arts. 23, 24 e 29 da PI e 7 da R., bem como informações da AT constantes a pp. 3 e 42 a 44 do PA).

VIII. A AT emitiu a informação vinculativa 7/2018, com despacho concordante da Diretora de Serviços de IRS de 10.1.2018 relativa ao assunto “Enquadramento da atividade de desportista – Treinador de futebol e “Scout””, no qual se consignou o seguinte (cfr. a Informação contante a pp. 50 do PA e igualmente junta como doc. n.º 8 à PI):

“Pretende o requerente que lhe seja prestada informação quanto ao enquadramento da sua atividade de treinador de futebol e “scout” na categoria B.

1. Em sede de IRS, o sujeito passivo está enquadrado no regime simplificado de tributação, pela atividade de “desportista” a que corresponde o código CIRS 1323.

2. Em conformidade com o estipulado no artigo 151.º do Código do IRS, as atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto.

3. Desse modo, os sujeitos passivos de IRS que exercem as atividades de desportistas, árbitros, treinadores desportivos, scouting e demais agentes desportivos, devem estar enquadrados na CAE “93192 - Outras Atividades Desportivas, n.e”, que compreende as atividades de atleta, árbitro, cronometrista e de outros desportistas independentes, ou no código CIRS “1323 – Desportistas”, que engloba, além dos atletas, todos os agentes desportivos participantes em atividades desportivas.

4. Refere-se que na atividade “1519 – Outros prestadores de serviços”, constante na tabela de atividades do artigo 151.º do Código do IRS, devido à sua natureza residual, e tendo em conta que não explicita uma atividade, devem ser inscritos os sujeitos passivos cuja prestação de serviços não se enquadra em nenhuma das atividades classificadas com um código CAE ou com um código CIRS, o que não se verifica no caso em apreço.

5. Assim, o rendimento auferido pela prestação de serviços da atividade de “desportistas”, quer através da CAE 93192, quer do código CIRS 1323, está enquadrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, devendo o referido rendimento ser inscrito no campo “403 – rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na Tabela do art.º 151.º do CIRS”, do anexo B da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS.”.

 

IX.  Os Requerentes foram notificados, pelo Ofício n.º..., de 2019-08-15, da Divisão de Tributação e Cobrança da Direção de Finanças de ..., nos termos do n.º 4 do art. 65.º do CIRS, para, no prazo de 15 dias, corrigir as Declarações de Rendimentos Modelo 3 de IRS dos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, “já que as declarações entregues (...) apresentam o seguinte erro: Declarou rendimentos profissionais, categoria B do IRS, auferidos por A..., incluindo esses rendimentos no campo 404 do quadro 4A do anexo B, quando estes rendimentos deveriam ser incluídos no campo 403 do referido quadro, pois a atividade exercida, conforme resulta da consulta ao descritivo das fatura-recibo existentes consta como "Diretor Executivo", e que o adquirente é o C... SAD, NIPC..., pelo que, tratando-se de agentes desportivos, o código de atividade a considerar será o "1323 - Desportista", conforme resulta da interpretação constante da informação vinculativa n.º 7/2018, com despacho concordante da Diretora de Serviços do IRS, de 2018/01/10. Fica assim notificado para no prazo de 15 (...) dias efetuar as correções acima descritas, ou seja, apresentar declarações de substituição para os anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 retirando, para cada ano, os valores inscritos no campo 404 do quadro 4A do Anexo B, passando a ser declarados no campo 403 do quadro 4A do Anexo B. Findo este prazo, será efetuada a respetiva correção oficiosa de acordo com o supra referido” (cfr. o doc. n.º 1 junto à PI e pp. 40-41 do PA).

X. Na sequência da concretização das correções referidas no ponto anterior, conforme documentos de correção constantes a pp. 4 a 35 do PA, os Requerentes foram notificados das seguintes liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios, conforme docs. n.ºs 2 a 5 juntos à PI que se dão por reproduzidos:

a) Liquidação n.º 2019 ... de IRS e liquidações n.ºs 2019 ... e 2019 ... de juros compensatórios, respeitantes ao ano de 2015, no montante total de €13.877,77 (ID. Documento 2019 ...; NR. Compensação 2019 ...);

b) Liquidação n.º 2019 ... de IRS e liquidações n.ºs 2019 ... e 2019 ... de juros compensatórios, respeitantes ao ano de 2016, no montante total de €13.966,92 (ID. Documento 2019 ...; NR. Compensação 20190...);

c) Liquidação n.º 2019 ... de IRS e liquidações n.ºs 2019 ... e 2019 ... de juros compensatórios, respeitantes ao ano de 2017, no montante total de €21.887,63 (ID. Documento 2019 ...; NR. Compensação 2019 ...), e

d) Liquidação n.º 2019... de IRS e liquidação n.º 2019 ... de juros compensatórios, respeitantes ao ano de 2018, no montante total de €3.470,24 (NR. Documento 2019 ... e NR. Compensação 2019...).

XI. Os Requerentes procederam ao pagamento dos montantes objeto das liquidações acima indicadas nos seguintes termos: i) em 6.12.2019, foi pago o montante de €13.877,77 relativo ao IRS de 2015; ii) em 13.12.2019, foi pago o montante de €13.966,92 relativo ao IRS de 2016; iii) em 13.12.2019, foi pago o montante de €21.887,63 relativo ao IRS de 2017; iv) em 18.11.2019, foi pago o montante de €3.470,24 relativo ao IRS de 2018 (cfr. comprovativos de pagamento juntos agregadamente no doc. n.º 7 à PI).

 

14. Não se descortinam factos alegados relativamente aos quais assuma relevância para a resolução da causa a sua individualização como não provados.

 

15. A decisão da matéria de facto, para além dos elementos não controvertidos reconhecidos pelas partes, resultou, conforme indicado a propósito de cada um dos pontos do probatório, do exame dos documentos apresentados pelos Requerentes e constantes do processo administrativo junto e da apreciação do depoimento prestado pela testemunha arrolada pelos Requerentes, D..., Administrador Executivo da C..., SAD desde Março de 2017 e que já trabalhava desde 2015 no C..., SAD, então no departamento jurídico, que confirmou, em termos reveladores de conhecimento direto e que mereceram credibilidade, a factualidade alegada nos pontos n.ºs IV e V, tendo esclarecido que a designação de diretor executivo por parte do C...-SAD do Requerente A... é utilizada para referir o Diretor do Departamento de futebol.

 

V. Do Direito

 

16. Conforme acima indicado no n.º 12, a questão substancial em apreciação, relativamente à qual se parametrizam os vícios imputados às liquidações sindicadas de errada apreensão e aplicação dos factos relevantes para a decisão e de violação dos arts. 31.º e 151.º do CIRS e da Portaria n.º 1011/2001, prende-se com aferir o enquadramento fiscal dos rendimentos da categoria B (art. 3.º, n.º 1, al. b) do CIRS), em sede de regime simplificado de IRS (arts. 28.º e 31.º do CIRS), provenientes da atividade profissional de “Diretor Executivo da Equipa “A”” de futebol do C... (cfr. factos provados n.ºs II, III, IV e V) desenvolvida pelo Requerente A..., no que concerne à fixação do coeficiente aplicável à determinação do rendimento tributável – em particular, se tem aplicação o coeficiente de 0,75 previsto no artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do CIRS respeitante “aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º” (a que corresponde o campo 403 do quadro 4 A do Anexo B da declaração de rendimentos de IRS) ou o coeficiente de 0,35 previsto no artigo 31.º, n.º 1, alínea c) do CIRS relativo aos “rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores” (a que corresponde o campo 404 do quadro 4 A do Anexo B da declaração de rendimentos de IRS).

 

17. Na verdade, nos termos do art. 31.º, n.º 1 do CIRS, no âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º (al. b) do n.º 1), valendo o coeficiente de 0,35 para os rendimentos de prestações de serviços que não se encontrem previstos nas alíneas a) e b) do mesmo dispositivo (al. c) do n.º 1).

Em consequência, para resolver o caso sub judice torna-se necessário atender ao art. 151.º do CIRS, para que diretamente remete a al. b) do n.º 1 do art. 31.º, no qual se estabelece que: “As atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças”.

A Portaria n.º 1011/2001, de 21.8 (com as alterações posteriores resultantes da Portaria n.º 256/2004, de 09.03 e do art. 48.º da Lei n.º 53-A/2006 de 29.12) aprovou a tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS, conforme consta do seu Anexo I, a que importa atender, destacando-se, no que aqui mais importa quanto aos códigos mencionados nessa tabela, o código específico 1323 – Desportistas e o código residual 1519 – Outros prestadores de serviços.

Por força destes normativos, a aplicação concreta da al. b) do n.º 1 do art. 31.º do CIRS depende, então, de a atividade profissional de cuja qualificação se trata, se encontrar “especificamente prevista”, sob código específico próprio, na “tabela de classificação de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de Agosto” (cita-se o Preâmbulo da Portaria n.º 256/2004), excluindo-se, pois, as atividades (não especificadas) de natureza residual classificadas com o código “1519-Outros prestadores de serviços” (como se entendeu corretamente na Circular n.º 2/2016, de 6.5, da Diretora-Geral da AT, ponto n.ºs 4 e 5: “Estão abrangidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS, os rendimentos provenientes das prestações de serviços de atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não incluindo o código “1519 Outros prestadores de serviços” dado este código não explicitar uma atividade profissional específica, independentemente da atividade estar classificada de acordo com os códigos das atividades especificamente mencionados na tabela de atividade aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de Agosto, ou de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE) do Instituto Nacional de Estatística”; “Aos rendimentos provenientes do código “1519 Outros prestadores de serviços” e demais prestações de serviços de atividades profissionais não especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS (...), e desde que não previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS, aplica-se o coeficiente de 0,35, a que se refere o n.º 1 da alínea c) deste artigo”).

 

18. Cabe então in casu determinar se a atividade profissional desempenhada pelo Requerente A... de “Diretor Executivo da Equipa “A”” de futebol do C..., nos termos das funções concretas que a constituem (cfr. factos provados n.ºs II, III, IV e V), se encontra especificamente prevista na tabela constante do Anexo I da referida Portaria n.º 1011/2001, designadamente se corresponde à atividade com o código específico 1323 – Desportistas.

Pois bem, para a resolução desta questão não é possível deixar de ter em devida atenção, desde logo por força do disposto no n.º 2 do art. 25.º do RJAT, a orientação jurisprudencial desenvolvida pelo recente acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo de 9.12.2020, proc. n.º 092/19.9BALSB, o qual, a respeito desta matéria, começou por estabelecer o seguinte:

“Com a republicação do Código do IRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015, a redação do artigo 31.º daquele Código foi alterada, passando a prever-se no respetivo n.º 1 a aplicação de um coeficiente de “0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º” (...).

Portanto, a partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às atividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às atividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às atividades aí não especificamente previstas”.

Seguidamente, este acórdão uniformizador, pronunciando-se sobre a inclusão no código 1323 – Desportistas da tabela constante do Anexo I da referida Portaria n.º 1011/2001 de um árbitro de modalidades desportivas, afirmou expressamente que: “O envolvimento e a importância dos árbitros para a realização dos eventos desportivos não pode ser considerada como fator determinante para julgar que tais profissionais são, eles próprios, desportistas, sob pena de terem de ser considerados como desportistas todos quanto estão envolvidos no fenómeno desportivo: não só os árbitros, mas também os médicos, os dirigentes, os empresários, e outros agentes desportivos previstos na Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro). Com efeito, mais do que o envolvimento no fenómeno desportivo e a qualificação como agente desportivo, o que releva para incluir um determinado profissional na tabela do artigo 151.º do Código do IRS é a atividade concreta e especificamente por ele exercida”, destacando-se, neste âmbito, como elementos relevantes para a caracterização de desportista, a função de “competir em conjunto os demais elementos da sua equipa e contra a equipa adversária, cumprindo as regras impostas pelo treinador e obedecendo aos critérios definidos pelo juiz do jogo”.

Resulta, assim, desta jurisprudência a clara exclusão e rejeição da perspetiva interpretativa (presente, por exemplo, na informação vinculativa 7/2018, transcrita acima no ponto n.º VIII) de que o código “1323 – Desportistas” engloba, para além de atletas, todos os agentes envolvidos em atividades desportivas – como se conclui no mencionado acórdão, não se podem considerar desportistas “todos quanto estão envolvidos no fenómeno desportivo: não só os árbitros, mas também os médicos, os dirigentes, os empresários, e outros agentes desportivos previstos na Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto”.

E, na verdade, o significado natural e comum da expressão “desportista” é pessoa que pratica desporto. Ora, precisamente, quando se considera, em atenção à diretriz do art. 11.º, n.º 2 da LGT ao enquadramento geral que resulta da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16.1, com as alterações posteriores) verifica-se que, nos arts. 34.º e seguintes, numa secção intitulada “Agentes desportivos”, se distingue entre: i) “Praticantes desportivos”, relativamente aos quais o art. 34.º, n.º 1 refere que: “O estatuto do praticante desportivo é definido de acordo com o fim dominante da sua atividade, entendendo-se como profissionais aqueles que exercem a atividade desportiva como profissão exclusiva ou principal”; ii) “Titulares de cargos dirigentes desportivos”, relativamente aos quais o art. 36.º limita-se a dizer que: “A lei define os direitos e deveres dos titulares de cargos dirigentes desportivos” e “Empresários desportivos”, relativamente aos quais o art. 37.º, n.º 1 refere que: “São empresários desportivos, para efeitos do disposto na presente lei, as pessoas singulares ou coletivas que, estando devidamente credenciadas, exerçam a atividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos de formação desportiva, de trabalho desportivo ou relativos a direitos de imagem”, cabendo, pois, distinguir nitidamente os praticantes desportivos dos demais agentes desportivos, distinção que esta mesma Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto assume ter relevância fiscal como o manifesta o respetivo artigo 48.º que, sob a epígrafe plural “Regimes fiscais”, refere no n.º 1 que: “O regime fiscal para a tributação dos agentes desportivos é estabelecido de modo específico e, no caso dos praticantes desportivos, de acordo com parâmetros ajustados à natureza de profissões de desgaste rápido”.

A conclusão dogmática que assim se impõe é que o código “1323 – Desportistas” da tabela constante do Anexo I da referida Portaria n.º 1011/2001 deve ser aplicado, não de modo amplo, abrangendo todos os “agentes desportivos”, mas em termos estritos, relativamente aos “praticantes desportivos”.

 

19. Esta conclusão, acrescente-se, não se pode reputar, como pretende a Requerida (vd. supra n.º 6), invocando a decisão arbitral n.º 421/2019-T, manifestamente desigual, desproporcionada ou destituída de fundamento, porquanto, precisamente, são materialmente distintas, no seu conteúdo e consistência, as atividades desenvolvidas por praticantes desportivos e pelos demais agentes desportivos, designadamente pelos dirigentes desportivos, como o patenteia a própria disposição legal do art. 48.º da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto ao indicar que o regime fiscal de tributação dos agentes desportivos “é estabelecido de modo específico”.

Questão completamente distinta, que não cabe nas missões jurisdicionais julgar ou opinar, pois pertence ao nível da intervenção normativa, nomeadamente em sede da Portaria n.º 1011/2001, é a adequação material do coeficiente de 0,35 a uma atividade profissional não especificamente prevista na tabela constante do anexo I daquela Portaria, para que remetem o art. 31.º, n.º 1, al. b) e o art. 151.º, ambos do CIRS.

 

20. Retomando agora os dados fácticos, cumpre referir que, conforme provado sub II, III e IV do probatório, a atividade profissional concreta e especificamente exercida pelo Requerente A... de “diretor executivo da equipa A” de futebol do C..., que não envolve a prática de desporto, não se subsume no conceito de “desportista” reportado no código 1323 da lista de atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o art. 151.º do CIRS para que remete o art. 31.º, n.º 1, al. b) do CIRS.

Seguidamente, cabe, apenas, declarar que não se encontra no elenco desta tabela constante do Anexo I da Portaria n.º 1011/2001 qualquer código específico que se refira ou compreenda a atividade profissional do Requerente de “diretor executivo da equipa A”, diretor do departamento de futebol ou dirigente desportivo.

Resulta, assim, do disposto nos arts. 31.º, n.º 1, als. b) e c) e 151.º do CIRS, considerando a tabela constante do Anexo I da Portaria n.º 1011/2001, que ao caso dos autos não tem aplicação, para efeitos de determinação do rendimento tributável, em sede de regime simplificado, da categoria B do Requerente A... o coeficiente de 0,75, mas, ao invés, o coeficiente de 0,35 que é previsto para as atividades profissionais não especificamente mencionadas em código específico na indicada tabela, conforme previsto na al. c) do n.º 1 do art. 31.º do CIRS.

Em consequência, as liquidações adicionais de IRS impugnadas, ao procederem à determinação do rendimento tributável através da aplicação do coeficiente de 0,75, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS, são ilegais, por errónea interpretação e aplicação do disposto nos arts. 31.º, n.º 1, alíneas b) e c), 151.º e na tabela constante do Anexo I à Portaria n.º 1011/2001, o que implica a sua anulação e, na sua decorrência, das correspondentes liquidações de juros compensatórios, que só possuiriam base se ocorresse dilação na liquidação do imposto ou reembolso superior ao devido imputável ao sujeito passivo (art. 35.º, n.º 8 da LGT), o que a verificação do vício de violação de lei afasta.

 

21. Em face do assim decidido, fica prejudicada, por inútil, a apreciação das demais questões suscitadas nos presentes autos (artigo 608.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

22. Peticionam, por fim, os Requerentes a devolução das quantias indevidamente pagas acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal desde a data de pagamento até integral reembolso. 

Resulta do ponto XI do probatório que os Requerentes procederam ao pagamento dos montantes objeto das liquidações de IRS e de juros compensatórios nos seguintes termos: i) em 6.12.2019, foi pago o montante de €13.877,77 relativo ao IRS de 2015; ii) em 13.12.2019, foi pago o montante de €13.966,92 relativo ao IRS de 2016; iii) em 13.12.2019, foi pago o montante de €21.887,63 relativo ao IRS de 2017; iv) em 18.11.2019, foi pago o montante de €3.470,24 relativo ao IRS de 2018.

Determina a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

De igual modo, o artigo 100.º da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

Prescreve, aliás, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT que é devido o pagamento de juros, nos termos previstos na LGT e no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Ora, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, nos termos do referido art. 24.º, n.º 5 e do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Declarada a ilegalidade das liquidações adicionais de IRS e de juros compensatórios objeto do pedido de pronúncia arbitral, pelas razões expostas, procede igualmente o pedido dos Requerentes de reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal, conforme se estatui nos art. 43.º, n.ºs 1 e 4 da LGT e do art. 61.º do CPPT, desde as datas do pagamento indevido do imposto até integral reembolso das quantias indevidamente pagas.

 

VI. Decisão

 

Termos em que se decide:

a)            julgar procedente o pedido objeto da presente pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais e anular os atos tributários de liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios respeitantes aos anos de 2015, no montante total de €13.877,77, de 2016, no montante total de €13.966,92, de 2017, no montante total de €21.887,63, e de 2018, no montante total de €3.470,24, com as legais consequências;

b)           condenar a Requerida na restituição dos montantes indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde as datas dos pagamentos indevidos até integral reembolso;

c)            condenar a Requerida nas custas processuais.

 

VII. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, fixa-se ao processo o valor de €53.202,56 (cinquenta e três mil duzentos e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), que constitui o montante global das liquidações impugnadas cuja anulação é objeto do pedido de pronúncia arbitral.

 

VIII. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência do pedido de anulação dos atos tributários objeto dos autos.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de Janeiro de 2021.

 

O Árbitro

(João Menezes Leitão)