Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 199/2021-T
Data da decisão: 2022-01-09  ISV  
Valor do pedido: € 746,60
Tema: ISV – Admissão de veículo usado – Incidência sobre a componente ambiental.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 8 de abril de 2021, A... contribuinte n.º..., com residência na Rua ..., ..., ...-... Vale de Cambra, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade parcial dos atos de liquidação de Imposto sobre veículos (ISV), n.º 2020/... no valor total de €4.311,44 (quatro mil, trezentos e onze euros e quarenta e quatro cêntimos).

 

2.            Para fundamentar o seu pedido a Requerente, alega, em síntese, a ilegalidade do artigo 11.º do Código do Imposto sobre os Veículos (CISV), norma que sustenta a liquidação, por violação do artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (UE), pelo que requer a correção da liquidação do ISV, na parte do imposto que incide sobre a componente ambiental, devendo ser restituído o montante de € 746,60, acrescido dos juros indemnizatórios.

 

3.            Em reposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira alega, em síntese, que a liquidação do ato impugnado foi feita de acordo com o direito nacional e comunitário, pelo que não enferma de qualquer vício, devendo manter-se na ordem jurídica a liquidação impugnada.

 

4.            No dia 08-04-2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

5.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

6.            Em 25-05-2021, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

 

7.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 16-06-2021.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

9.            O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir decisão.

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            Foi apresentada na Alfândega de Aveiro, em 15/10/2020, por transmissão eletrónica de dados, a Declarações Aduaneira de Veículos (DAV) n.º 2020/..., para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca ..., modelo ..., movido a gasóleo, com a matrícula definitiva ...;

2-            Da referida DAV consta a informação de que a primeira matrícula foi atribuída em 22-07-2016, tendo sido percorridos 119.086 kms;

3-            De acordo com o quadro E da DAV, a emissão de gases CO2 é de 115g/km e de emissão de partículas é de 0.0001g/km.

4-            O cálculo do ISV foi feito, nos termos descritos no campo R da DAV, com o valor de € 4.311,44 (quatro mil, trezentos e onze euros e quarenta e quatro cêntimos), sendo a parte correspondente à componente ambiental de € 1.736,29.

5-            A Requerente procedeu ao respetivo pagamento.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

B. DO DIREITO

 

A Requerente solicita a anulação parcial da liquidação e reembolso do imposto pago em excesso, com fundamento na violação do artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

Ora, o artigo estabelece que “Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.”

 

Acrescenta ainda que nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções.”

 

Analisemos, por isso, o regime legal para aferir da eventual violação do princípio da não discriminação ínsito no artigo 110.º do TFUE, nomeadamente no que concerne à componente ambiental, expressamente alegada pela Requerente a título subsidiário.

 

A questão da conformidade com o direito comunitário das normas nacionais relativas à tributação de veículos usados “importados” de outro Estado Membro já foi objeto de apreciação no Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

Na vigência do revogado imposto automóvel, o Tribunal considerou que “A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.° do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.” (Ac. de 09-03-1995, proc. C-345/03, Nunes Tadeu).

 

No mesmo sentido, em 2001, o TJUE declarou que “A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.° do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional” (Ac. de 22-02-2001, proc. C-393/98, Gomes Valente).

 

 Relativamente aos critérios, incluindo a componente ambiental, o Tribunal de Justiça da UE considerou também que: “No âmbito de um regime relativo ao imposto automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em considerações ambientais constituem critérios objetivos. Daí poderem ser utilizados num regime desses. Em compensação, não é exigível que o montante do imposto esteja relacionado com o preço do veículo.

Contudo, o imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros EstadosMembros do que os produtos nacionais similares.

(Ac. de 05-10-2006, processos pensos C-290/05 e C-33/05, Akos Nadasdi).

 

Sobre o sistema nacional de tributação automóvel, nomeadamente a norma do artigo 11.º do CISV, na redação em vigor até à alteração introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, o Tribunal de Justiça decidiu:

“26 Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar-se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).

 

27 No caso em apreço, o artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos.

 

28 Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos.

 

29 Ora, é facto assente que o valor de mercado de um veículo automóvel começa a diminuir a partir da data da sua compra ou da sua entrada em circulação e que esta diminuição continua para além do quinto ano da sua utilização (v., neste sentido, acórdão de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C-101/00, EU:C:2002:505, n.° 78).

 

30 Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos.

 

31 Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro Estado-Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.° TFUE”. Em conclusão, viria o Tribunal a declarar que “1) A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE.”(Ac. de 16-06-2016, proc. C-200/15, Comissão Europeia vs República Portuguesa).

 

Em consequência, pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, foi alterada a redação do citado artigo 11.º, passando considerar-se a desvalorização do veículo a que a mesma se refere mas tão-somente quanto à componente cilindrada, ficando agora, de todo, excluída qualquer redução no tocante à componente ambiental.

 

Deste modo, é claro que a tributação automóvel pode assentar em critérios objetivos, como sejam o tipo de motor, a cilindrada e, inclusivamente, uma classificação assente em considerações ambientais. Porém, quando aplicados a veículos usados importados de outros Estados-Membros, o montante de imposto cobrado não pode exceder o montante que se contém no valor residual de veículos usados similares já registados no Estado-Membro de importação. É, pois, constante a orientação do Tribunal de Justiça, no que concerne à interpretação daquele artigo 110.º quando referido a tributação automóvel: um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros EstadosMembros do que os produtos nacionais similares.

 

A desconformidade do direito nacional, na sua atual redação, com a norma comunitária conduziu já ao início de procedimento de infração. Conforme comunicado de 24-01-2019, a Comissão Europeia deu início a ação judicial contra o Estado Português “por este Estado-Membro não ter em conta a componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação. A Comissão considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta. Se Portugal não atuar no prazo de dois meses, a Comissão poderá enviar um parecer fundamentado sobre esta matéria às autoridades portuguesas.”

 

Não o tendo feito, em comunicado de 27 de novembro de 2019, a Comissão refere:

A Comissão decidiu hoje enviar um parecer fundamentado a Portugal por tributar veículos usados importados de outros Estados-Membros mais do que os automóveis usados adquiridos no mercado português. Atualmente, a legislação portuguesa não tem plenamente em conta a depreciação de veículos importados de outros Estados-Membros, pelo que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE. O Tribunal de Justiça Europeu tinha já concluído, em 16 de junho de 2016 (Acórdão C-200/15), que uma versão anterior deste imposto português era contrária ao direito da UE. Se Portugal não atuar no prazo de um mês, a Comissão pode decidir remeter o processo para o Tribunal de Justiça da UE.

 

Na sequência deste entendimento, a Comissão Europeia deu início, em 23/04/2020, junto do TJUE, a uma ação por incumprimento contra o Estado português - processo n.º C-169/20.

 

No dia 2 de setembro de 2020, o TJUE veio a proferir decisão no processo C-169/20, tendo concluído que:

“Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro EstadoMembro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.”

 

Assim, subscrevendo a posição que o TJUE tem expressamente assumido, e que foi recentemente reiterada no processo C-169/20, não se nos afiguram dúvidas quanto à incompatibilidade do artigo 11.º do CISV, na redação em vigor à data da emissão das liquidações em crise, com o artigo 110.º do TFUE, ao fazer impender uma carga tributária agravada sobre os veículos usados provenientes de outros Estados Membros, comparativamente com os nacionais que não tinha em conta a necessária redução do montante do imposto na componente ambiental.

 

Conforme supra referido,  esta matéria foi já objeto de detalhada análise nas decisões arbitrais proferidas nos processos 346/2019-T, 474/2020-T, 457/2020-T e 572/2018-T, tendo-se concluído que o artigo 11º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE porquanto aquele artigo não pode, em conformidade com o que este artigo dispõe, calcular o imposto sobre veículos usados oriundos de outro EM sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, neste caso, o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no EM de importação.

 

Acompanhando, sem reservas, aquelas decisões, considera este Tribunal que, face à reiterada e constante posição do Tribunal de Justiça a que acima se fez referência, não se suscitam dúvidas quanto a incompatibilidade com o direito comunitário da norma aplicada à liquidação impugnada, concluindo-se pela desnecessidade de reenvio prejudicial.

 

Nestes termos, julga-se incompatível com o direito comunitário a norma do artigo 11.º do Código do ISV, na medida em que sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional.

 

Defende, afinal, a Requerida que a questão da desconformidade do direito nacional, em concreto das normas dos artigos 7.º e 11.º do CISV, aplicáveis às liquidações impugnadas, deve ser suscitada junto do TJUE, conforme já decidido pelo Tribunal Constitucional.

 

Subscrevemos, em resposta, o decidido no Processo 183/2021-T:

 

“O instituto do reenvio prejudicial, previsto no artigo 267.º do TFUE, pode ser utilizado por este Tribunal Arbitral como, aliás, já foi reconhecido pelo TJUE no processo C-377/13, de 12 de junho de 2014.

 

Nestes termos, e de acordo com o referido artigo 267.º, sempre que uma questão sobre a interpretação dos Tratados ou sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

 

Dito de outra forma, os tribunais nacionais – onde se inclui, naturalmente, este Tribunal – devem proceder ao reenvio de questões prejudiciais, conforme previsto no artigo 267.º do TFUE - em consequência de questões ou dúvidas relativas à validade ou interpretação de normas de direito da União Europeia.

 

Tal significa que, não se suscitando quanto às normas em questão quaisquer dúvidas ou tendo as mesmas sido já esclarecidas pelo TJUE – considerando, nomeadamente a chamada “teoria do acto claro” (cfr. acórdão do TJUE CILFIT, de 6 de outubro de 1982, processo C-283/81) –, não devem os tribunais nacionais proceder ao reenvio prejudicial.

 

Assim, se já existir (i) jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou (ii) quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco, um órgão jurisdicional nacional pode “decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece”.

 

No caso sub judice, e em face da decisão proferida pelo TJUE no dia 2 de setembro de 2020 no processo C-169/20, não se considera necessário proceder ao reenvio ao TJUE de supostas dúvidas sobre interpretação de normas de Direito da União Europeia.

 

Na verdade, entende-se que a jurisprudência existente e disponível do TJUE, em particular a formulada no âmbito do processo C-169/20, que tem por objeto matéria de facto essencialmente idêntica, é suficientemente esclarecedora em termos de se poder decidir da interpretação correta do Direito da União Europeia e da sua aplicação à situação factual que se conhece.”

 

No presente caso, a liquidação do ISV sobre viatura proveniente de outro Estado Membro da União Europeia foi efetuada com observância da norma do artigo 11.º do CISV, sendo considerada uma redução de 43% na componente cilindrada. Na componente ambiental não foi considerada qualquer redução em função do número de anos de uso do veículo, em conformidade com o disposto naquele preceito.

 

Consequentemente, o ato de liquidação em causa, desconsiderando a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV, encontra-se ferida de ilegalidade devendo ser anulado apenas quanto àquele. Ou seja, restringindo-se a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, pelo que o ato de liquidação objeto de impugnação deve ser parcialmente anulado.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

A par da anulação dos atos de liquidação, e consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, os Requerente solicitam ainda que lhes seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade parcial do ato de liquidação do ISV, pelas razões que se apontaram anteriormente, a Requerente efetuou o pagamento de importâncias manifestamente indevidas.

 

Reconhece-se, assim, à Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre os montantes indevidamente cobrados, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, art.43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, determinar a anulação parcial da liquidação de ISV identificada no pedido arbitral, ordenando-se o reembolso à Requerente da quantia paga em excesso, no valor de €746,60;

b)           Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais, em conformidade com o peticionado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 746,60, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifiquem-se as partes, bem como o Ministério Público para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 17.º do RJAT.

 

Lisboa, 9 de janeiro de 2022

 

O Árbitro

(Amândio Silva)