Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 197/2020-T
Data da decisão: 2020-12-04  IRC  
Valor do pedido: € 483.110,75
Tema: IRC/2015 – Qualificação jurídico-contabilística de imóvel - Reinvestimento - Artigo 48º, do CIRC - Aplicação e vigência do nº 10, do citado artigo 48º.
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Sumário:

I.             À luz do Decreto-Lei nº 36-A/2011 e demais legislação complementar para as micro entidades as propriedades de investimento devem considerar-se como ativos fixos tangíveis.

II.            O artigo 48º do CIRC faculta a aplicação do regime de reinvestimento e, consequentemente, de tributação por 50% das mais-valias à transmissão dos ativos fixos tangíveis.

III.          O novo nº 10 do artigo 48º- aliás, não revestindo a natureza da norma interpretativa que permitiria a sua aplicação retroativa (e ainda assim ter-se-ia de ver se sob a capa de uma mera norma interpretativa o Estado não estaria a “furar” o princípio da irretroatividade da lei fiscal por essa via) - só foi aditado com efeitos a partir de 2017.

IV.          À data de 2015 estava em vigor a norma que considerava tais propriedades como sendo ativo fixo tangível para as micro entidades e, como tal, suscetíveis de as mais-valias poderem gozar do regime de isenção parcial em caso de reinvestimento.

V.           Pelos motivos supra, padece de violação de lei a liquidação adicional de IRC referente a 2015 quando a fundamenta em regime legal não vigente à data.

 

*

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Profa. Doutora Maria do Rosário Anjos e Prof. Doutor Vasco Valdez, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 23-03-2020, A..., Lda., pessoa coletiva n.º..., com sede na..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, abrangida pelo serviço periférico local de Lisboa-... (doravante, “Requerente”), veio, ao abrigo dos artigos 10.º e 2.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que institui a arbitragem como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária (de ora em diante “RJAT”), e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, para impugnação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao período de 2015, identificado com o n.º 2018..., de 19.12.2018 e de Demonstração de Liquidação de Juros, identificado com o n.º 2018..., da os quais, de acordo com a Demonstração de Acerto de Contas, identificada com o n.º 2018..., de 21.12.2018, da autoria da AT, Área da Cobrança, deram origem a imposto a pagar no valor de € 483.110,75 (quatrocentos e oitenta e três mil, cento e dez euros e setenta e cinco cêntimos), com fundamento na sua ilegalidade

 

2.            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

3.            A Requerente fundamenta o seu pedido, em síntese alegando que:

 

- a questão decidenda prende-se com a qualificação jurídico - contabilística de um imóvel detido pela Requerente durante cerca de 40 anos;

- dúvidas não restam que o imóvel em causa deve ser contabilizado como ativo fixo tangível, como aliás o foi, não sendo aplicável – sequer supletivamente – a NCRF 11;

- assim, as mais-valias decorrentes da sua alienação são suscetíveis de beneficiar do regime do reinvestimento previsto no artigo 48.º do CIRC e consequente deferimento parcial da tributação do ganho em sede de IRC;

- a AT vem defender que, não obstante a Requerente ser uma microentidade, o imóvel em causa se deverá contabilizar como propriedade de investimento, de acordo com a NCRF 11, pelo que a Requerente deveria ter reclassificado o imóvel como propriedade de investimento, o mais tardar em 2010, com a entrada em vigor do SNC;

- a AT faz ainda breve referência ao disposto no novo n.º 10 do artigo 48.º do CIRC introduzido pelo OE para 2017 – i.e., 2 anos após a verificação do facto tributário – o qual aparentemente considera aplicável, pese embora ser uma norma posterior sem natureza interpretativa;

-  a Requerente não pode concordar com o entendimento adotado pela AT, por considerar que o mesmo não tem qualquer acolhimento legal, devendo, como tal, as liquidações emitidas ser anuladas, com as demais consequências legais.

 

4.            A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese que:

- quanto à matéria de facto, remete para o Relatório da Inspeção Tributária, bem como para a Informação que sustenta a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

- a Requerente encontra-se, à data dos factos, coletada com o código de atividade empresarial (CAE) principal n.º 68200 (arrendamento de bens imobiliários), sendo tributada, em sede de IRC, pelo regime geral de tributação;

- a Requerente foi sujeita à ação inspetiva externa ao IRC do exercício de 2015, titulada pela Ordem de Serviço n.º OI2018..., no âmbito da qual foram efetuadas correções à matéria coletável declarada no montante de 1.829.327,14 €;

- no seguimento deste procedimento inspetivo foram emitidas as liquidações adicionais de imposto e juros impugnadas nos presentes autos arbitrais, após indeferimento de RG apresentada pela Requerente, cujos fundamentos apenas aplicam a lei de acordo com a correta interpretação das normas em vigor, aplicáveis ao caso concreto, pelo que reitera todos os fundamentos vertidos no RIT e na decisão da RG, aos quais adere na íntegra, sustentando a legalidade de todos os atos tributários praticados, pugnando, por isso, pela improcedência do pedido arbitral.

 

5.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 23-03-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 29-03-2020. Em 06-07-2020, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes devidamente notificadas dessa designação, em 06-07-2020, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, pelo que o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 06-07-2020.

 

6.            Por força da legislação introduzida pela Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei 4-A/2020, de 06.04 (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais judiciais e arbitrais, a qual se suspendeu, apenas, com a entrada em vigor da Lei 16/2020, de 29.05.2020. Esta última Lei veio, nomeadamente, dar por finda a suspensão dos prazos judiciais e administrativos e regular a realização presencial ou através de meios de comunicação à distância de diligências judiciais ou procedimentais, alterando o regime que havia sido fixado pelo artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei 4-A/2020, de 06.04. Como resultado do regime previsto no artigo 7º da supra referida Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei 4-A/2020, de 06.04, os prazos estiveram suspensos, o que justifica o decurso de tempo entre a notificação da aceitação dos Árbitros designados e a constituição do Tribunal arbitral coletivo a qual teve de aguardar o prazo para pronúncia das partes sobre a nomeação.

 

7.            O tribunal arbitral coletivo ficou, assim, constituído em 05-08-2020. Em 16-08-2020 foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 30-09-2020 e em 08-10-2020 juntou o respetivo Processo Administrativo (PA).

Na sua resposta veio a AT defender a improcedência do pedido de pronúncia arbitral reiterando a legalidade dos atos de liquidação impugnados pela Requerente.

Não juntou Processo Administrativo (PA).

 

8.            Em 10-10-2020 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

“I - A reunião do Tribunal com as partes (artigo 18º, do RJAT) À luz do disposto nos artigos 16º-c), do RJAT e do princípio da proibição da prática de atos inúteis, fica dispensada, salvo oposição fundada no prazo de 5 (cinco) dias, a reunião do Tribunal com as partes, considerando que (i)se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais (ii) que não há exceções ou questões prévias a apreciar. II – Alegações finais Encerrada que está a fase instrutória do processo, ambas as partes apresentarão, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias [(artigos 29º, do RJAT, 91º-5 e 91º-A, do CPTA, versão republicada em anexo ao DL nº 214-G/2015, de 2-10)], alegações escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito. O mencionado prazo inicia-se após o decurso, silente, do prazo de 5 (cinco) dias mencionado supra, em I. III – Data para prolação e notificação da decisão final.

 Fixa-se o dia 31-1-2021, como data limite previsível para a prolação e notificação da decisão arbitral final.

IV – Taxa de arbitragem remanescente A Requerente deverá dar oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4º-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária [pagamento, antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa arbitral].

V – Apresentação dos articulados em formato “word” CAAD: Arbitragem Tributária Processo n.º: 197/2020-T Tema: IRC/2015 – Qualificação jurídico-contabilística de imóvel - Reinvestimento - Artigo 48º, do CIRC - Aplicação e vigência do nº 10, do citado artigo 48º.

À luz do princípio da cooperação [cfr artigo 7º, do CPC], convidam-se ambas as partes a remeter ao CAAD cópias dos respetivos articulados, em formato editável (de preferência, em “Word”) com vista a facilitar e abreviar a tarefa de elaboração do acórdão final no que respeita sobretudo à fixação da matéria de facto. § Notifiquem-se as partes. Lisboa, 10-10-2020.”

 

9.            Em 29-10-2020 veio a Requerente apresentar alegações escritas. Em 5-11-2020 a Requerida juntou aos autos as suas alegações.

10.          Em 06-11-2020 a Requerente juntou aos autos comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

POSTO ISTO:

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

a.            A Requerente é uma sociedade por quotas constituída em 1974.

b.            Nesse mesmo ano, a Requerente adquiriu o imóvel sito na Av. ... nº..., freguesia de..., Lisboa, no qual estabeleceu a sua sede social;

c.            Em julho de 2007, por ofício n.º ... DCEP, a Câmara Municipal de Lisboa intimou a Requerente para proceder à imediata demolição do prédio (documento n.º 3 junto à resposta audição prévia ao Projeto de Relatório, incluído no processo administrativo), o que a Requerente fez;

d.            Após a referida demolição, o artigo matricial inicial foi eliminado, tendo dado origem a um novo artigo matricial com a descrição de terreno para construção;

e.            Em outubro de 2007, a Requerente procedeu à alteração temporária da sua sede social para um outro imóvel, sito na Rua ..., Lisboa;

f.             Segundo o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) a Requerente suportou custos com obras no Imóvel entre 2007 e 2015;

g.            Em 2015, a Requerente, por não ter conseguido junto da Câmara Municipal obter as licenças necessárias à sua reconstrução, decidiu alienar o imóvel que estava reduzido mero terreno para construção sem projeto de construção aprovado;

h.            Em termos contabilísticos, o Imóvel foi contabilizado, desde a sua aquisição, como ativo fixo tangível (originalmente imobilizado corpóreo);

i.             Nos termos da lei, a Requerente é uma micro entidade, apresentando as suas demonstrações financeiras de acordo com o instituído pelo Decreto-Lei n.º 36-A/2011 de 09 de Março, que aprova o regime de normalização para as micro entidades (NCM);

j.             Através da Ordem de Serviço n.º OI2018..., foi a atividade da ora Requerente objeto de um procedimento de inspeção tributária, que abrangeu o ano de 2015;

k.            A Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária referente ao mencionado período de tributação, e exerceu por escrito, o respetivo direito de audição prévia;

l.             A Inspeção Tributária manteve na íntegra as correções inicialmente constantes do projeto de decisão e as respetivas correções que foram sufragadas pela Direção de Finanças competente e deram origem às liquidações impugnadas;

m.          Os fundamentos para as liquidações emitidas constam do RIT, do qual se destacam os seguintes: “No exercício de 2014, este imóvel encontrava-se classificado em “Activos fixos tangíveis”, na conta 432 – “Edifícios e outras construções”, conforme consta, do balanço constante no ponto III.4.2. e do balancete antes do apuramento de resultados. Desta forma, o sujeito passivo apurou no exercício de 2015, uma mais-valia contabilística, determinada nos termos do art. 43.º do CIRC, no montante de €4.615.668,13 que deduziu (…) na declaração Mod 22 (…) por sua vez acresceu (…) a verba de €1.829.327,14, correspondente a 50% da mais-valia fiscal apurada de (= €3.658.654,28) atendendo a que manifestou a intenção de reinvestir o valor de realização, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 48.º do CIRC.”(…) “Em 2005/02/28, o imóvel sito na Rua ... (…) , correspondia ao artigo ... da freguesia ... descrito na matriz como prédio em propriedade total (…) Em 2012/12/31 aquele artigo matricial é eliminado pelo motivo “eliminação do artigo por demolição do prédio”, dando origem ao artigo ..., com a descrição Terreno para Construção. No exercício de 2007, foram registas as facturas (…) com a designação de auto de medição, relativa a empreitada de demolição de edifício na Rua ... (…). E nos exercícios de 2008, 2011, 2014 e 2015, faturas referentes a “projecto para a ..., n.º..., Lisboa”. Recorde-se ainda que, a sede social do sujeito passivo situava-se no ... andar daquele edifício pelo menos até ao início do ano de 2007 (…). Assim, o que se verifica é, que ao longo dos anos em que esteve na posse do sujeito passivo, o imóvel sob análise teve várias funções e/ou destinos”.

 

n.            Quanto ao enquadramento legal do prédio consta do RIT o seguinte: “A NCFR 7 define activos fixos tangíveis como sendo itens que:

(a) Sejam detidos para uso ou produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento ou para fins administrativos; e

     (b) Se esperam que sejam usados durante mais que um período.

Já a NCFR 11 define que uma propriedade de investimento é um terreno, um edifício ou parte de ambos detida (pelo dono ou pelo locatário numa locação financeira) para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades, e não para:

(a)          Uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas; ou

(b)          Venda no curso ordinário do negócio.

Assim, os imóveis detidos pelas entidades devem ser classificados como itens do activo fixo tangível quando estejam ocupados pela própria entidade, e essa ocupação se destine ao seu uso no processo de produção, fornecimento de bens/ou serviços ou para fins administrativos (…). Situação diferente é, no caso dos imóveis serem adquiridos com o objectivo de se verificar uma valorização do capital investido e cujo destino seja para obter rendas ou para venda, os imóveis devem ser classificados como propriedades de investimento, nos termos da NCRF 11.

Por sua vez, a NCRF 11 determina que os terrenos detidos para uso futuro ainda não determinado devem ser considerados como uma propriedade de investimento (…). Apenas os terrenos detidos para serem utilizados no processo de produção, fornecimento de bens/ou serviços ou para fins administrativos por mais do que um período, e não estejam destinados a venda, podem ser classificados como activos fixos tangíveis. (…) Ora, no caso em análise, trata-se de um terreno para construção, sendo que em 2007 adquiriu serviços relativos a um projecto para o local. Nos exercícios de 2008, 2012, 2014 e 2015 foram registados na contabilidade custos com o projecto para aquele imóvel, porém, não se verificou qualquer construção até ao momento da sua transmissão a terceiros. Portanto o terreno não foi objecto de construção no período em que estava na posse do sujeito passivo e também não estava ocupado pelo mesmo, como tal, não poderia ter sido classificado como Activo fixo tangível, mas sim como Propriedade de investimento”.

 

o.            Desta forma, a AT considerou sufragar as correções propostas pela Inspeção, conforme consta do RIT, assente no pressuposto que o Imóvel foi incorretamente contabilizado, alicerçando as suas conclusões na aplicação supletiva da NCRF 11 à NCRF-PE e que a Requerente deveria ter acrescido o montante total da mais-valia de € 3.656.743,83 (que apenas fora contabilizada em 50%), pelo que efetuou a correção, acrescendo 50% daquele valor ao lucro tributável de 2015;

p.            A AT efetuou a correção proposta no RIT acrescendo à matéria coletável do IRC do exercício de 2015, o montante de € 1.829.327,14:

q.            A Requerente foi notificada das liquidações impugnadas, com data limite de pagamento em 01.02.2019, a saber:

i.             liquidação adicional de IRC, demonstração de acerto de contas e demonstração de liquidação de juros compensatórios, a saber: liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (adiante “IRC”), identificado com o n.º 2018...;

ii.            liquidação de juros compensatórios, identificada com o n.º 2018...;

iii.           demonstração de acerto de contas, identificada com o n.º 2018...;

r.             Em 29.04.2019, a Requerente prestou garantia, sob a forma de hipoteca unilateral sobre prédio urbano sito em ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., a favor da AT, para suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2019..., a correr termos junto do Serviço de Finanças de Lisboa-...;

s.            Em 03-06-2019 a Requerente apresentou reclamação graciosa daqueles atos de liquidação;

t.             Em 29.11.2019 a Requerente foi notificada, através do Ofício n.º..., de 26.11.2019, para o exercício de Audição Prévia sobre a proposta de indeferimento da reclamação graciosa por si interposta;

u.            A requerente apresentou a sua resposta em 03.12.2019, no exercício do seu direito de audição prévia;

v.            Em 19.12.2019 a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa, através do Ofício n.º...;

w.           Em 21-01-2020 o Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal arbitral.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

12.          A matéria considerada comprovada tem suporte documental junto aos autos pelo Requerente e, sobretudo, no Processo Administrativo (PA) junto aos autos, nomeadamente, no Relatório de Inspeção Tributária.

 

13.          Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem e não forem impugnadas”.

 

B. DO DIREITO

 

B.1. Questão a decidir

 

São duas as questões a decidir, de acordo com o pedido formulado pela Requerente, a saber:

 

B1.1- Do vício de violação de lei por errada aplicação do Direito;

B1.2.- Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.

 

B1.1. Do vício de violação de lei

 

Face aos factos descritos anteriormente, o que se verifica é que a Requerente era dona e legítima proprietária de um imóvel sito na Avenida ..., nº ... em Lisboa, onde funcionava a sede da sociedade. Em outubro de 2007, foi esta intimida a demolir o prédio, pelo que se viu forçada a mudar a sua sede para a Rua ..., também em Lisboa, o que acarretou a eliminação da antiga inscrição matricial e o surgimento de novo artigo matricial como terreno para construção. A ora Requerente fez inúmeras diligências junto da autarquia no sentido em ordem a obter as licenças de construção do edifício sito na Av. ..., para lá instalar de novo a sua sede, tendo, aliás, suportado gastos como o mesmo no período compreendido entre 2007 e 2015, tendo neste último ano procedido à alienação do referido terreno, face à não obtenção das competentes licenças camarárias. Sucede que no apuramento do resultado, a Requerente considerou que deveria utilizar o benefício constante do artigo 48º do CIRC que, em caso de reinvestimento, as mais-valias apuradas na venda do prédio devem ser consideradas em 50%.

 

Por seu turno, a AT entende que nunca a Requerente poderia utilizar tal faculdade porquanto A MESMA SÓ É VÁLIDA PARA ATIVOS FIXOS TANGÍVEIS, ATIVOS INTANGÍVEIS E ATIVOS BIOLÓGICOS NÃO CONSUMÍVEIS, mas já não para propriedades de investimento.

 

Ora, do ponto de vista da AT, como à data da venda estávamos perante um terreno para construção, devendo, aliás, a sociedade ter promovido a sua requalificação como propriedade de investimento em 2010, com a entrada em vigor do SNC, o que não fez.

 

Mas será que a lei, tal como estava redigida à data de 2015, permitia à AT chegar a essa conclusão tão inequívoca? Seguiremos de perto a resposta da AT dada à p.i. da Requerente e depois extrairemos as nossas conclusões.

 

Diz-se no artigo 61º da resposta que como vimos, tratando-se de uma sociedade que cumpre os requisitos sobre micro entidades previsto no DL nº 36-A/2011, e tal como consta do § 7.2. da NCM de aplicação a estas entidades, as designadas propriedades de investimento (terrenos e edifícios) são reconhecidos como ativos fixos tangíveis.

 

Não obstante, como supra exposto, a interpretação conjugada das normas contabilísticas que procedem à distinção entre os dois conceitos permitem concluir, afastando a mera literalidade e apontando ao elemento histórico que, mesmo no caso das micro entidades, o facto de as propriedades de investimento serem registadas como ativos fixos tangíveis não retira, materialmente e em substância, às primeira a sua substância (artigo 62º da resposta).

 

Mais adiante a Requerida diz no seu artigo 64º o seguinte: Entende, ainda a Requerente que não é aplicável o disposto no nº 10 do artigo 48º do CIRC, norma que entrou em vigor em 2017, quando o facto tributário ocorreu em 2015, “sob pena de ilegalidade por violação da proibição retroativa da norma fiscal e do princípio da segurança jurídica, previstos no artigo 103º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP”). 

 

E, finalmente, no seu artigo 65º da resposta: Ora, muito embora o nº 10 do mesmo artigo 48º do CIRC tenha sido aditado pela Lei nº 42/2016, de 28 de dezembro (OE para 2017), este preceito legal apenas vem esclarecer os efeitos que tal conceito contabilístico provoca no apuramento da matéria coletável. 

 

Aqui chegados, importa transcrever o nº 10 do mencionado artigo 48º na redação atual e que diz

 

Não são suscetíveis de beneficiar deste regime as propriedades de investimento ainda que reconhecidas na contabilidade como ativo fixo tangível.

 

De tudo o que acabámos de transcrever, que conclusões devemos extrair?

 

O legislador não pode de todo em todo desconhecer a existência do Decreto-Lei nº 36-A/2011 e demais legislação complementar que determina que para as micro entidades as propriedades de investimento devam considerar-se como ativos fixos tangíveis.

 

Por seu turno, o artigo 48º do CIRC faculta a aplicação do regime de reinvestimento e, consequentemente, de tributação por 50% das mais-valias à transmissão dos ativos fixos tangíveis.

 

E, sobretudo, o mais relevante é que, como salienta e bem a Requerente, o novo nº 10 do artigo 48º-  aliás, não revestindo a natureza da norma interpretativa que permitiria a sua aplicação retroativa (e ainda assim ter-se-ia de ver se sob a capa de uma mera norma interpretativa o Estado não estaria a “furar” o princípio da irretroatividade da lei fiscal por essa via) -  só foi aditado com efeitos a partir de 2017, pelo que à data de 2015 estava em vigor a norma que considerava tais propriedades como sendo ativo fixo tangível para as micro entidades e, como tal, suscetíveis de as mais-valias poderem gozar do regime de isenção parcial em caso de reinvestimento.

 

Em conformidade, não pode proceder a liquidação adicional de IRC referente a 2015 por manifesto vício de violação de lei, pelo que se determina a sua anulação, como todas as consequências legais.

 

B.1.2- Face ao que ficou dito acima, deixa de ter razão também tomar posição sobre a pretensa dívida de juros compensatórios que estavam a ser exigidos à Requerente a qual cai face à anulação da liquidação impugnada.

 

C. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

A)           Julgar procedente o pedido arbitral da Requerente e anular, em consequência, o ato de liquidação adicional de IRC no montante de 483.110,75€ referente ao IRC de 2015;

B)           Condenar a Requerida (AT) no pagamento das custas fixadas infra.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €483.110,75, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 7.650,00€ nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 4 de Dezembro de 2020

 

O Árbitro Presidente

Juiz José Poças Falcão

 

O Árbitro Vogal

(Prof. Doutora Maria do Rosário Anjos)

 

O Árbitro Vogal

(Prof. Doutor Vasco Valdez)