Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 197/2013-T
Data da decisão: 2014-03-02  IRC  
Valor do pedido: € 511.834,50
Tema: IRC – Benefício Fiscal; Art.º19º EBF; Criação de empregos.
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 197/2013 – T

Tema: IRC – Benefício Fiscal; Art.º19º EBF; Criação de empregos.

 

I – RELATÓRIO

A. Tramitação processual 

1. Em 8 de Agosto de 2013, a A, Lda, NIPC …, doravante designada por “Requerente”, ou “A” veio requerer a constituição de tribunal arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante o RJAT) e apresentar o pedido de pronúncia arbitral.

2. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro.

3. Nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.

4. O Tribunal Arbitral ficou constituído em 9 de Outubro de 2013.

5. Em 26 de novembro de 2013 realizou-se a reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e com os objetivos previstos no artigo 18.º do RJAT (acta junta aos autos). A Requerente prescindiu da inquirição das testemunhas arroladas no pedido de pronúncia arbitral. O Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerida decorreu, sucessivamente, a contar da notificação da junção das alegações da Requerente. Em cumprimento do disposto no artigo 18.º n.º 2 do RJAT, o Tribunal indicou que seria proferida decisão arbitral até ao dia 10 de fevereiro de 2014.

6. As alegações escritas da Requerente e da Requerida foram juntas em 12 de dezembro de 2013 e em 10 de janeiro de 2014, respetivamente.

7. Em 9 de fevereiro de 2014, o prazo para prolação de decisão foi prorrogado por um mês.

8. Em 24 de fevereiro o Tribunal pediu informações complementares sobre a Requerente, a que esta respondeu em 27 de fevereiro de 2014.

 

 

B. Posição das Partes

 

9. Como fundamentação do pedido, a Requerente disse, em síntese, que:

- Na declaração Modelo 22 de IRC, entregue em 03/09/2010 e referente ao exercício de 2009 (iniciado em 01/04/2009 e terminado a 31/03/2010), apurou lucro e matéria tributável no montante de € 6.056.472,33, tendo pago IRC no valor de € 824.803,73;

- Em análise interna posterior detetou a omissão do benefício fiscal relativo à criação líquida de emprego de jovens e de desempregados de longa duração, previsto no art. 19º do EBF, pelo que apresentou reclamação graciosa da autoliquidação, nos termos do artigo 131º do CPPT;

- Com essa reclamação pretendia demonstrar a criação líquida de 334 postos de trabalho, com base no levantamento de todas as admissões e desvinculações de colaboradores, ocorridas desde 1 de Abril de 2004 até 31 de Março de 2010, e pedia o reconhecimento de um benefício fiscal no montante de € 1.937.699,00, a devolução do imposto pago a mais e dos correspondentes juros indemnizatórios; 

- A AT concordou com o número de saídas elegíveis, mas não com o número de entradas elegíveis, deferindo parcialmente a reclamação;

 - A dedução a que a Requerente tem direito no exercício de 2009 refere-se à criação líquida nos exercícios de 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, pelo que dever-se-ão ter em conta as diferentes redações do EBF relativas ao benefício em questão, assim como o disposto no art.º 12º do EBF, acerca da aplicação da lei em vigor no momento da verificação dos pressupostos;

- Os trabalhadores admitidos antes de 1 de janeiro de 2007 deverão ser considerados como encargos para efeitos do cálculo da majoração aplicável, o “vencimento bruto ou ilíquido (onde se incluirá o IRS suportado pelo trabalhador mas pago pela entidade patronal) e os encargos sociais obrigatórios;

- Nos casos dos autos não existe cumulatividade de benefícios (artigo 19º, nº 5), nem problemas de aplicação do nº 6 do artigo 19º do EBF, que estabelece que o benefício da criação líquida “só pode ser concedido uma vez em relação ao mesmo trabalhador, qualquer que seja a entidade patronal”, porque no caso em apreço, nenhum colaborador selecionado para o benefício em apreço foi considerado para efeitos do cálculo do benefício à criação líquida em outra empresa;

- Tendo em conta a evolução legislativa, defendia a ora Requerente e então Reclamante, que o benefício fiscal à criação de emprego foi apurado, relativamente aos colaboradores admitidos para os quadros da empresa antes de 1 de Janeiro de 2007, considerando encargos elegíveis todos os custos aceites fiscalmente e, depois de 1 de Janeiro de 2007, apenas os encargos suportados pela Reclamante com os trabalhadores a título de remunerações fixas e contribuições para a Segurança Social a cargo da entidade patronal, tendo chegado ao montante de benefício fiscal relativo à criação líquida de emprego para jovens, aplicável ao exercício de 2009, de € 1.937.699,00, valor que deverá ser considerado no apuramento do IRC devido, corrigindo-se um lucro tributável de € 6.056.472,33, para o montante de €4.118.773,33, reembolsando-se a Requerente de imposto indevidamente pago no valor de € 512.946,21;

- Na apreciação da reclamação graciosa da autoliquidação, a AT rejeitou o apuramento de criação líquida de 334 postos de trabalho para efeitos do disposto no artigo 19º do EBF, tendo apenas reconhecido esse benefício em relação a 1 trabalhador; 

- A análise da AT coincide com a da Requerente quanto ao número de saídas elegíveis, mas não quanto às entradas elegíveis: concluiu que do total das 389 entradas apenas 16 trabalhadores não transitaram da B, Lda. para a A, Lda. e ao não aceitar 356 por considerar que se trata de uma mera transferência de trabalhadores da B para a Impugnante, deixa por explicar 13 entradas, em relação às quais nem apresenta qualquer justificação.

- Quanto aos 356 trabalhadores, transferidos da B para a A já com contrato por tempo indeterminado, a AT considera que a transferência dos trabalhadores em resultado de um contrato de transmissão de estabelecimento celebrado entre aquelas entidades, não qualifica para efeitos da atribuição do benefício da criação líquida de postos de trabalho, visto que este obedece “à condição sine qua non de um aumento efectivo do número de trabalhadores admitidos ao serviço da entidade empregadora no respectivo período, o que significa que só haverá benefício fiscal no exercício em que houve um real aumento do número global de trabalhadores jovens admitidos na empresa”, não concorrendo, por si só, a simples transferência de trabalhadores;

- O artigo 19º do EBF não exclui a possibilidade da admissão de trabalhadores por força de uma transmissão de estabelecimento industrial ser relevante para efeitos da atribuição de benefício já que esse caso também constitui uma efectiva criação líquida de postos de trabalhos, criação efetiva quando se verifica, num determinado exercício fiscal, um aumento do número global de trabalhadores elegíveis (entendimento consagrado na Jurisprudência do STA - Acórdãos nº 0248/09, de 23/09 e Ac. do STA de 11/10/2006, proc. 0723/06); 

- A situação dos autos não deve ter solução diferente da que resultaria se a B não tivesse procedido à transmissão do estabelecimento, optando por pura e simplesmente encerrar a sua atividade, despedindo os seus trabalhadores, que posteriormente seriam contratados pela A, tendo então direito a acesso ao benefício porque todos os trabalhadores seriam contratados ab initio pela A e a AT, numa situação como a supra exposta, não teria dúvidas quanto a criação líquida de postos de trabalho;

- A solução deve ser a mesma independentemente da forma jurídica através da qual a mesma é concretizada, relevando a substância económica – criação efetiva de postos de trabalho.

- A situação dos autos não se confunde com a transmissão de um estabelecimento industrial por fusão ou cisão porque no presente caso não se pode beneficiar do regime da neutralidade fiscal e a sociedade transmissária jamais pode deduzir os prejuízos fiscais da sociedade transmitente.

- A transmissão definitiva de estabelecimento industrial importa a transmissão não só do estabelecimento comercial per si, e das várias relações jurídicas que o alienante mantinha nesse estabelecimento, incluídos os vínculos laborais com os colaboradores que aí desempenhavam a sua atividade, mas isto significa modificação substancial do contrato de trabalho, que habilitará o trabalhador a resolver o contrato segundo doutrina e jurisprudência comunitária, e jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que têm vindo a defender um direito à oposição art.º 377.º, n.º 1, alínea b) do CT 2003, que permitiria resolver o contrato com justa causa;

- Alterando-se o empregador, altera-se o vínculo, o posto de trabalho, o contrato de trabalho não permanece imutável a esta transferência de empregador, cabendo a este novo empregador a responsabilidade, quer o pagamento da remuneração fixa, quer o pagamento dos impostos e contribuições para a segurança social que incidam sobre essa remuneração, com custos tanto mais elevados quanto o número de trabalhadores admitidos, independentemente do título jurídico dado à sua proveniência.

- A decisão pela AT da reclamação graciosa da autoliquidação do IRC de 2009 fez, assim, uma incorreta interpretação e aplicação do disposto no artigo 19º do EBF, devendo ser anulado o despacho de deferimento parcial, na parte do indeferimento, por vício de violação de lei, com reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de € 511.834.50, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º da LGT.

 

10. A AT respondeu, em síntese, que:

-          A matéria de facto invocada respeita ao benefício a que a Requerente tem direito no período compreendido entre 01/04/2009 a 31/03/2010 (exercício fiscal de 2009);

-          Tendo em conta o disposto no art.º 19º do EBF, nas redações vigentes antes e depois de 2007, o número de postos de trabalho cessados e que preenchiam os requisitos de elegibilidade daquele normativo foi em cada um daqueles exercícios de 2004, 2005, 2007 e 2008, superior ao número de entradas elegíveis, com excepção do exercício de 2006, onde não foi apurada qualquer saída elegível, e que no período de 01/04/2004 a 31/03/2010 apenas existiu, no exercício de 2006, a criação líquida de um posto de trabalho, referente à admissão a termo incerto do trabalhador C, com encargos suportados e majorados em 2009 no montante total de € 6.300,00;

-          Discorda, por conseguinte, do cálculo da criação líquida de emprego apresentada pela Requerente, na parte referente ao número de entradas elegíveis, concluindo pela existência de 1 entrada elegível em 2004, 2 entradas elegíveis em 2005, 1 entrada elegível em 2006, 4 entradas elegíveis em 2007 e 12 entradas elegíveis em 2008;

-          Pelo contrato de transmissão definitiva de estabelecimento industrial, celebrado em 28/11/2008, foi transmitida para a ora Requerente a posição jurídica nos contratos de trabalho celebrados com os trabalhadores afetos ao referido estabelecimento, sem perda de quaisquer direitos desses trabalhadores, nem constituindo criação de um novo posto de trabalho;

-          Com a transmissão do estabelecimento industrial, dá-se a cessão da posição contratual, mantendo-se a relação jurídica laboral intacta quanto aos direitos dos trabalhadores que lhe estão associados, designadamente a sua antiguidade no posto de trabalho, não fazendo sentido querer aplicar aquele benefício fiscal a situações em que já existe contrato a termo incerto;

-          Por conseguinte, não são elegíveis para efeitos do art.º 19º do EBF os encargos suportados com trabalhadores que em exercícios anteriores constituíram criação líquida de emprego na esfera jurídica de outra entidade patronal, quando a sua transferência para a Requerente decorre de uma operação de transmissão do estabelecimento industrial;

-          Os normativos legais invocados pela Requerente visam proteger o direito do trabalhador à rescisão do seu contrato laboral e não recaracterizar o vínculo laboral;

-          O benefício fiscal consignado no art.º 19º do EBF tem como finalidade incentivar o aumento de postos de trabalho que preencham os requisitos aí descritos, traduzindo-se num direito, conferido à entidade empregadora, de majorar os encargos dedutíveis à matéria colectável de IRC, em contrapartida da criação líquida de emprego no exercício da contratação dos trabalhadores e da manutenção dos correspondentes postos de trabalho nos 4 anos subsequentes;

-          Com a transferência dos trabalhadores, ocorrida por força daquela transmissão de estabelecimento, deixam de estar reunidos os pressupostos legais em que assenta o direito àquele benefício fiscal, pois os seus postos de trabalho nunca corresponderam a criação líquida de emprego na esfera da nova entidade empregadora;

-          A tese da Requerente é suscetível de permitir a majoração de encargos, relativos a trabalhadores que originaram criação líquida de emprego, na esfera de outra entidade patronal, justamente em exercícios fiscais em que a própria Requerente, por hipótese, tivesse registado um saldo negativo na entrada e saída de trabalhadores que preenchem os requisitos do art.º 19º do EBF;

-          O direito ao benefício fiscal em análise constitui-se na esfera jurídica da entidade patronal em cuja esfera ocorre a criação líquida de emprego e esgota-se na sua esfera jurídica, sob pena de desrespeitar a intenção que presidiu à sua previsão;

-          Também não foi intenção subjacente à criação daquele benefício fiscal que uma entidade patronal que pretende despedir trabalhadores cujo posto de trabalho originou criação líquida de emprego e cujo contrato ainda não completou o período de cinco anos desde o seu início, ceda os trabalhadores a terceiros utilizando como contrapartida desse acto entre particulares a majoração dos encargos que venham a ser suportados;

-          Na situação, não se pode deixar de ter em conta as normas que regulam a transmissibilidade dos benefícios fiscais - que consubstanciam uma relação de direito público – sendo que, por regra, o nº 1 do art.º 15º do EBF não admite a transmissibilidade por ato inter vivos entre particulares;

-          De acordo com o art.º 318º do Código do Trabalho e do 119º, alínea p) do Código das Sociedades Comerciais, os vínculos de natureza laboral não se dissolvem em razão da cisão, antes se transmitem em razão da cisão, não podendo constituir, por isso, uma criação líquida de emprego na esfera da sociedade incorporante pois são o mero resultado de uma transferência de postos de trabalho;

-          Para efeitos do previsto no art.º 19º do EBF, é indiferente que a transferência de trabalhadores ocorra por força de uma operação de fusão, com incorporação de uma parte do património cindido na esfera da Requerente, ou por força de um mero contrato de cessão de trabalhadores, pois qualquer destas formas jurídicas é o resultado de um ato inter vivos praticado entre particulares;

-          O facto de a transmissão dos contratos de trabalho em análise decorrer diretamente da lei, e a sucessão universal ser a regra nas operações de transmissão do estabelecimento industrial, em nada contende com o facto de a operação que gerou a transferência de trabalhadores para a Requerente se tratar de um ato inter vivos entre particulares, nos termos do consignado no nº 1 do art.º 15º do EBF;

-          O direito subjetivo aos benefícios fiscais, emergente de uma relação jurídica de direito público, não é transmissível por um ato inter vivos entre particulares, na falta de norma fiscal que expressamente a preveja ou de alguma das exceções previstas no nº 2 e 3 daquele art.º 15º;

-          O regime previsto no art.º 19º do EBF não contempla expressamente qualquer transmissibilidade do benefício fiscal em apreço por força de uma qualquer operação de transmissão de estabelecimento, ou outra;

-          Esta interpretação é confirmada pela ausência no regime especial de neutralidade fiscal previsto nos art.º 67º e seguintes do CIRC (atual art.º 74º do CIRC) de qualquer previsão a acautelar a transmissibilidade do benefício fiscal em causa, numa situação como esta; 

-          Dada a natureza automática do benefício previsto no art.º 19º do EBF também não lhe são aplicáveis as exceções consagradas nos nº 2 e 3 do art.º 15º do EBF;

-          O benefício fiscal não cabe na previsão daquele nº 2 do art.º 15º do EBF, porque sendo um benefício fiscal de natureza mista, modelado também por elementos subjetivos e não um direito “ob rem”, dependente apenas de pressupostos objetivos, que acompanhe a coisa nas suas transmissões;

-          E também não é aplicável o nº 3 do art.º 15º do EBF – que prevê a transmissão, mediante autorização do Ministro das Finanças, de benefício fiscal concedido por ato ou contrato fiscal - porque o caso dos autos é de caráter automático não dependente de reconhecimento por ato administrativo ou contrato fiscal, após apreciação casuística prévia pelos Serviços;

-          A transmissibilidade do benefício fiscal previsto no art.º 19º do EBF para a sociedade que adquiriu o estabelecimento industrial deve subsumir-se ao art.º 15º do EBF, sendo de rejeitar por não se inserir em nenhuma das exceções expressamente admitidas no nº 2 e nº 3 deste normativo;

-          Ainda que o presente pedido de pronúncia arbitral fosse considerado procedente, tendo em conta que a correção pretendida pela Requerente quanto ao benefício fiscal controvertido tem a sua origem em erro por ela praticado na sua autoliquidação de IRC de 2009, por ter omitido a importância de € 1.931.399,00 a deduzir ao lucro tributável (al. c) do nº 3 do art.º 43º da LGT), apenas seriam devidos juros pelo atraso na decisão para reconhecimento da pretensão deduzida em reclamação graciosa, sendo devidos apenas a partir de um ano após a apresentação daquele pedido;

 

 

C. Questões a decidir

 

11.Objecto do litígio

Está em causa a apreciação da legalidade da autoliquidação de IRC relativa ao exercício fiscal de 2009, que para a Requerente decorreu entre 01/04/2009 a 31/03/2010.

 

As posições das partes suscitam as seguintes questões: 

Ø  Como deve ser efetuado o cálculo da criação líquida de emprego, para efeitos do direito ao benefício fiscal previsto (atualmente) no artigo 19º do EBF?

Ø  A sociedade transmissária, através de contrato de transmissão outorgado em 28 de novembro de 2008, de um estabelecimento industrial com centenas de trabalhadores, pode, invocando a criação de novos postos de trabalho decorrente da transferência de trabalhadores operada pelo referido contrato, apurar “criação líquida de empregos”, para efeito de aplicação da majoração de encargos ao abrigo do art. 19º do EBF, considerando que a data de admissão ao quadro dos trabalhadores transferidos é 01/12/2008?

 

 

D. Saneamento

12. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de vícios que o invalidem, nem existem questões prévias para serem decididas

 

 

 

II. Fundamentação

Com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como na documentação junta aos autos, incluindo o processo administrativo (P.A.), fixa-se a seguinte factualidade relevante.

 

13. Factos provados 

a)A Requerente, A, Lda, é uma empresa com sede na Av. …, … de …, que tem como objeto fabricação de fios elétricos e eletrónicos, fabricação de equipamentos elétricos e eletrónicos para veículos automóveis e fabricação de material de distribuição e controlo para instalações elétricas de baixa tensão (P.A. 2, fls. 80 e SS., informação de 01/4/2013, Inspeção Tributária, DF …).

b)      O período de tributação da Requerente não coincide com o ano civil, decorrendo entre 1 de abril a 31 de março, nos termos do art.º 8º, nº 3 do CIRC (art.º 2º do Pedido e P. A. 2, fls. 79);

c)      Por contrato celebrado em 28 de novembro de 2008 foi transmitido à Requerente o estabelecimento industrial que pertencia à B, Lda, com um documento anexo relativo aos trabalhadores;  

d)     Pelo referido contrato, a A transmitiu um estabelecimento industrial de produção de cablagens, instalado e a funcionar num imóvel sito na Avenida …, …, com o valor patrimonial de € 10.564.587,35 (Doc. nº 6, junto pela Requerente);

e)O valor total da transação foi de € 5.936.596,00, em que se incluiu o prédio urbano (valor de € 3.653.048,00), a totalidade dos bens do ativo imobilizado corpóreo, incluindo máquinas industriais, ferramentas e utensílios, embalagens retornáveis, equipamento administrativo, equipamento informático, programas de software e equipamento de transporte (valor de € 1.520.112,00) e a totalidade das existências (€ 1.070.034,00) e adiantamentos efetuados aos trabalhadores (€ 3.862,00). A este valor foi deduzido o montante a pagar aos trabalhadores como “férias e subsídios de férias de 2009”, no valor de € 311.360,00 (Doc. nº 6, junto pela Requerente);

f) A transmissão do estabelecimento foi acompanhada da cessão da posição contratual da cedente em diferentes contratos: de empreitada com a sociedade D, Lda.; de locação financeira e de aluguer relativo a seis veículos automóveis, e na posição de empregador nos contratos de trabalho celebrados com os trabalhadores afetos ao estabelecimento e identificados no documento complementar à escritura, sendo a transmissão sem perda de quaisquer direitos para os trabalhadores, designadamente decorrentes da antiguidade, assumindo a cessionária a responsabilidade por todos os direitos e obrigações resultantes dos referidos contratos de trabalho (Doc. nº 6, junto pela Requerente);

g)      A lista de trabalhadores a transferir com o estabelecimento objeto de contrato de “transmissão definitiva” entre a B, Lda. e a A, Lda. (Doc. nº 6 junto pela Requerente e PA. fls. 80 e ss.) contém 726 nomes (conforme declaração em doc. junto aos autos em 27/02/2014);

h)      Os trabalhadores transferidos da B, Lda para a A, Lda, foram incluídos na lista de “admissões nos quadros em 2008 – entre 1 de Abril de 2008 e 31 de Março de 2009”, e a data de admissão no quadro é indicada como sendo a de 01/12/2008 (doc. 10 apresentado com Pedido);

i)  As duas sociedades entre as quais operou a transmissão definitiva de estabelecimento tinham os mesmos sócios, sendo o capital social de ambas detido, em mais de 99%, pela sociedade de direito japonês E (Esclarecimento em documento junto aos autos pela Requerente em 27/02/2014);

j)  As empresas contratantes, ambas com sede na Avenida …, … de …, possuíam os seguintes montantes de capital social : a B, Lda, vinte milhões e novecentos mil euros e a A, Lda, quatro milhões e quinhentos mil euros (Doc. nº 6, junto pela Requerente);

k)      A transmissão do estabelecimento ocorreu em 28/11/2008 e a sociedade B, Lda. foi dissolvida e liquidada em 31/03/2009, tendo no período intermédio realizado essencialmente operações tendentes à liquidação e ao encerramento (Doc. junto aos autos em 27/02/2014);

l)  Nenhum dos trabalhadores considerados elegíveis na esfera jurídica da Requerente beneficiou do benefício fiscal para criação líquida de postos de trabalho na B (PA 2, fls. 79 a 85 e Doc. junto aos autos em 27/02/2014);

m)    Em 03 de setembro de 2010, a Requerente entregou a declaração Modelo 22 referente ao exercício fiscal de 2009 (decorrido entre 01/04/2009 e 31/03/2010), tendo apurado lucro tributável no montante de € 6.056.472,33, e pago IRC no valor de € 824.803,73. (Doc. nº 1 junto com o Pedido, e P. A. 1, fls. 46 a 48 e PA-2, fl. 49);

n)      Em 09/08/2012, a Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 131º do CPPT, reclamação graciosa contra erro na autoliquidação (doc. nº 2 e P. A. 1, fls. 3 a 27), por não consideração de criação líquida de 334 postos de trabalho, com fundamento no saldo de admissões e desvinculações de colaboradores entre 1 de abril de 2004 até 31 de março de 2010 (docs. 3 e 7, juntos com o Pedido e P. A. 1, fls 3 e ss);

o)      Na reclamação graciosa pedia-se a admissão de uma declaração de substituição, Modelo 22 do IRC, referente ao exercício da Requerente, com inclusão do benefício fiscal relativo a criação líquida de emprego para jovens, de € 1.937.699,00, e reembolso do IRC e derrama municipal pagos em excesso no exercício de 2009, no montante de € 513.490,23 (doc. 2, com Pedido e anexo 7 à reclamação, P. A. 2, fls. 31 a 34);

p)      O fundamento da reclamação graciosa foi o apuramento, no período entre 2004 e 2009, de criação líquida de emprego de 334 postos de trabalho, resultado da diferença entre 389 entradas elegíveis e 69 saídas elegíveis (art. 55º da reclamação, P. A. 1, fls. 21);

q)      Para cálculo de benefício em 2009, a Requerente considerou as entradas e saídas na A, Lda. no período entre 1 de abril de 2004 e 31 de março de 2009 (art. 11º do pedido e art. 42º da reclamação graciosa), indicando todos os elementos relevantes e tendo em conta, quanto às entradas elegíveis, a idade do colaborador à data da conversão do contrato de trabalho em contrato sem termo, e, quanto às saídas, a idade da desvinculação ou da admissão conforme saídas ocorridas até 2006 ou após, respetivamente (arts. 43º a  46º da reclamação, Doc. 2 junto pela Requerente);

r) O chefe do Serviço de Finanças de …, atendendo à especificidade da matéria e ao valor objecto da reclamação, decidiu, em 16/08/2012, sobre informação do mesmo serviço, o envio do processo à Direção de Finanças de … (P.A .2, fls 65);

s) Por despacho de 25/10/2012, proferido em informação técnica da mesma data (referente a Proc…./…, sobre reclamação graciosa nº …, quanto ao IRC 2009, e pedido de revisão oficiosa do art. 78º da LGT, quanto ao IRC de 2007 e 2008), a Direção de Serviços de Justiça solicitou recolha de diversos elementos pelos serviços de inspeção, nomeadamente a confirmação: das datas de contratação e de admissão ao quadro; dos valores considerados para apuramento do benefício; da escolaridade dos colaboradores considerados elegíveis (saídas e entradas) para os exercícios de 2007 e seguintes. (P.A. 2, fls. 67 a 69);

t) Informação datada de 1 de abril de 2013, despachada pela Chefe de Divisão de Inspeção Tributária em 8/04/2013, recolheu os elementos pedidos, tendo em conta que a reclamante referia o período de entradas e saídas desde 1 de abril de 2002, e respondeu às questões identificadas na informação de 25/10/2012, em síntese: quanto às datas de contratação, identificou que a maioria dos colaboradores apontados como elegíveis para determinação de criação líquida de emprego apresentam datas de contratação elegíveis na década de 1990 e datas de admissão ao quadro apenas em 2004 e anos posteriores; em 28 de novembro de 2008, foi celebrado um contrato de transmissão definitiva de estabelecimento industrial  entre a B, Lda e a  A, Lda, com um documento anexo onde são identificados 614 trabalhadores que transitaram de uma entidade para a outra; quanto à confirmação da escolaridade dos colaboradores considerados elegíveis, o número de trabalhadores com menos de 23 anos é apenas 14, sendo que, no ano em que passaram a ter contrato por tempo indeterminado, o art.º 17º do EBF não exigia habilitação de ensino secundário; quanto à confirmação dos valores considerados para apuramento do benefício, e em contraposição aos cálculos aritméticos feitos pela reclamante, de um total de entradas elegíveis para criação de emprego, apenas 22 não transitaram da B; dos 389, 11 transitaram com contrato a termo, e que ainda daquele total de 389, 356 transitaram já com contrato indeterminado. Concluía-se que, quanto aos trabalhadores transferidos não tinha havido criação de postos de trabalho na A e informava-se ainda que das análises à declaração da B se verificava que esta empresa não utilizara o benefício fiscal previsto no art.º 19º do EBF sobre os colaboradores transferidos. (P.A. 2, fls. 79 a 85);

u)      Na apreciação da reclamação graciosa nº …, a Divisão de Justiça Tributária, tendo em conta os elementos recolhidos pela Inspeção, analisou o mapa junto pela reclamante (apontando um saldo de criação de 334 postos de trabalho : 3 em 2004; 64 em 2005; 7 em 2006; 5 em 2007; 255 em 2008 e 0 em 2009) e contrapôs que tendo em conta que do total de 389 entradas indicadas como elegíveis para criação de emprego, apenas 16, no período entre 2004 e  2009, não transitaram da  B para a A; 4, dos elegíveis, transitaram em 2008 com contrato a termo certo; dos 389, 356 foram transferidos da B com o estabelecimento; relativamente ao IRC de 2009, elaborou um projecto de decisão (30 de maio de 2013) no sentido de deferimento parcial da reclamação (doc. nº 3 junto com pedido; P.A. 6, fls.272 e ss.);

v)      O referido despacho de deferimento parcial reconhece apenas um único posto de trabalho cujos encargos suportados em 2009 são elegíveis para efeitos do benefício fiscal em discussão, num montante dedutível ao lucro tributável de € 6.300,00, relativamente a um trabalhador, C, por preencher os requisitos de ter entrado diretamente na A e reunir todos os pressupostos previstos na lei para ser considerado como uma criação líquida de postos de trabalho (P.A. 6, fls. 272 e ss);

w)    O projeto despachado em 30/05/2013 foi enviado à Requerente através do ofício nº …, de 31/05/2013, para audição prévia de acordo com o previsto no artigo 60º, nº 1, b) da LGT (P.A. 6, fls. 272 e SS.);

x)      Sem que tenha havido resposta da Requerente, o projeto de decisão foi convertido em definitivo por despacho de 02/07/2013, do Chefe da Divisão de Justiça Tributária do Contencioso, por delegação do Diretor de Finanças de …, enviado pelo ofício …, de 05/07/2013, notificado à Requerente em 11/07/2013 (doc. 3 anexo ao Pedido e P.A. 6, fls. 299 a 301);

y)      A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 11 de agosto de 2013, requerendo anulação do despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa, a correção da autoliquidação do imposto e o “reembolso do pagamento de € 511.834,50, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º da LGT;

 

 

14. Factos não provados

Apesar de os esclarecimentos juntos pela Requerente aos autos em 27/02/2014 não terem identificado a exata composição societária das duas sociedades envolvidas na transmissão de estabelecimento, nem terem permitido compreender em que medida esse estabelecimento era o local de desenvolvimento da actividade da B, conclui-se que a matéria dada como provada revela-se suficiente para apreciação da questão de direito, inexistindo factos não provados relevantes para a solução do presente litígio.

 

 

 15. Fundamentação da prova

Os factos foram dados como provados com base nos documentos, não impugnados, juntos ao processo e indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto.

 

 

16. Aplicação do direito

16.1. O benefício fiscal em causa – sua caraterização

16.1.1. A evolução do regime jurídico 

A norma jurídica que prevê a majoração de encargos cuja aplicabilidade se questiona é actualmente o artigo 19º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, referente à criação de emprego [1],mas tem sido objeto de diversas alterações, pelo que importa recordar a evolução do respetivo regime e identificar o vigente na altura da ocorrência da situação dos autos.

 

Este incentivo foi inserido no Estatuto dos Benefícios Fiscais em 1998, pela Lei nº 72/98 [2], de 3 de novembro, que aditou ao EBF o artigo 48.º-A, com a epígrafe “Criação de empregos para jovens”.

 

Na redacção inicial, o artigo 48º-A dispunha: 1. Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%. 2. Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o ordenado mínimo nacional. 3. A majoração referida no nº 1 terá lugar durante um período de cinco anos a contar da vigência do contrato de trabalho.[3]

 

Na sequência da reforma introduzida pela Lei nº 30-G/2000, de 29 de dezembro, com alterações aos Códigos do IRS, IRC e no EBF, seguida de revisão global e publicação dos articulados dos referidos Códigos, pelo Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de julho, a matéria veio a constar do artigo 17º do EBF, mantendo a epígrafe “criação de emprego para jovens”, com a seguinte redação: 1-Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.3 - A majoração referida no n.º 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.

 

O nº 2 do referido art.º 17º do EBF foi alterado pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de dezembro, passando a dizer: Para efeitos do disposto no número anterior [4], o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.

 

Esse regime veio a sofrer alterações sensíveis com o Orçamento de Estado para 2007, aprovado pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, em que o art.º 17º passou a ter a epígrafe “Criação de emprego” [5]. O âmbito de aplicação estendeu-se ao desemprego de longa duração, adoptando, quer no caso dos jovens, quer no caso dos desempregados de longa duração, os conceitos utilizados para efeitos de acesso ao benefício na área da segurança social, e, no plano das entidades empregadoras, possibilitando o acesso ao benefício aos empresários em nome individual com contabilidade organizada, mas neste caso excluindo do direito aos benefícios os membros do respectivo agregado familiar que lhe prestem serviço.[6]

 

A nova redação aplicava-se aos períodos de tributação iniciados após a entrada em vigor da Lei que aprovava o Orçamento para 2007 (alínea e) do artigo 88º da Lei nº 53-A/2006).


Posteriormente tiveram lugar ainda as seguintes alterações:  

  • O Decreto-Lei nº 108/2008, de 26 de junho, reconhecendo o elevado número de alterações ocorridas, já depois de 2001, no EBF, aprovado pelo Decreto-Lei nº 215/89, de 1 de julho, veio proceder a uma nova republicação do diploma, com o objetivo de consolidar, atualizar e harmonizar o Estatuto. Aproveitou-se para efectuar correções materiais e foi aprovada uma tabela de equivalências de disposições [7];
  • A Lei nº 10/2009, de 10 de março[8], introduziu alterações no nº 2 do artigo 19º, na alínea a), aumentando o limiar superior de idade na definição de jovens desempregados e, na alínea b), diminuindo o tempo de inscrição no centro de emprego, para definição de desempregado de longa duração;
  • A Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril, que aprovou o OE para 2010, previu, no artigo 115º, sob a epígrafe “Reforço dos benefícios fiscais à criação de emprego em 2010” que Durante o ano de 2010, o benefício fiscal previsto no artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, é cumulável com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho;
  • A Lei nº 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o OE para 2011, alterou o nº 6 “O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.”;
  •  A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, procedendo a um balanço dos benefícios fiscais abrangidos pela cláusula de caducidade (art.º 3º EBF), prorrogou os incentivos fiscais à criação de emprego [9] .

 

Como a Requerente no caso dos autos pretende usufruir de benefício relativamente a 2009, mas por criação líquida de empregos nos exercícios de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008, invoca fundamentalmente dois regimes – o anterior às alterações da Lei nº 53-A/2006 (OE para 2007) e o posterior a essa lei.

 

 

16.1.2. Qualificação do benefício

Na situação sub judice está em causa a aplicação de uma norma que visa, contra a concessão de um desagravamento fiscal, a criação de emprego, de postos de trabalho dotados de estabilidade [10].

 

Trata-se, pois, de um desagravamento fiscal com as caraterísticas de benefício fiscal, ou seja, «medida de carácter excepcional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes superiores aos da própria tributação que impedem» (nº 1 do artigo 2º do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

 

E, por outro lado, configura-se como um benefício fiscal dinâmico, também designado incentivo ou estímulo fiscal, em que “a causa do benefício é a adopção (futura) do comportamento beneficiado ou o exercício (futuro) da actividade fomentada”. Integra-se numa política extra-fiscal, de prossecução de objetivos económicos e sociais por via fiscal. [11].

 

Tem caráter temporário [12] e é temporalmente condicionado[13] – o benefício é concedido por um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho. E é concedido sob a forma de majoração de custos dedutíveis à matéria coletável. 

 

E, segundo a classificação do EBF [14], é um benefício automático porque, desde que verificados os pressupostos, deriva diretamente da lei, não dependendo de atos de reconhecimento da Administração.

 

16.2. A verificação dos pressupostos de benefício

Em qualquer das sucessivas redações relativas a este preceito (quer desde a inserção no EBF como art.º 48º -A ”criação de emprego para jovens”, quer à sua atual configuração como art.º 19º, “criação de emprego”) o benefício consistente na majoração de encargos encontra-se condicionado à criação líquida de postos de trabalho e a que se trate de contratos de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado.

 

 

16.2.1. Criação líquida de postos de trabalho

Quanto à expressão “criação líquida de postos de trabalho”, recorde-se alguma jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a matéria.

 

O Acórdão proferido pelo STA em 11/10/2006, no rec. nº 723/06, concluiu, em síntese, (seleção e sublinhados nossos):

  • Na interpretação do incentivo criado em 1998, com a inserção do art.º 48.º-A do EBF, há que ter em conta a política legislativa de incentivos que vinha sendo seguida com esse fim, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 34/96, de 18 de Abril [15], que visou consagrar uma medida activa de emprego a favor de grupos específicos da sociedade particularmente afectados pelo desemprego e com maiores dificuldades de inserção ou reinserção na vida activa, por razões de idade, inexperiência ou falta de qualificação, desde que a contratação pelas empresas se insira num projecto de investimento gerador de novos postos de trabalho;
  • O conceito de «criação líquida de postos de trabalho» utilizado no art.º 48.º-A do E.B.F. é semelhante ao utilizado no Decreto-Lei n.º 34/96 (não no Decreto-Lei n.º 89/95, que usa «criação líquida de empregos») o que inculca que se pretendeu, em matéria de incentivos fiscais, aplicar um regime semelhante ao adotado para os incentivos financeiros (...)[16];
  • Seria incongruente que, depois de o legislador ter chegado à conclusão de que era inapropriado o regime de incentivos fiscais previsto no Decreto-Lei n.º 89/95, por dar relevo à admissão de trabalhadores com contrato sem termo independentemente do aumento global do número de trabalhadores ao serviço da empresa, viesse a consagrá-lo em matéria de incentivos fiscais, quando se está perante matéria com manifesta afinidade;
  • Apontando o teor literal do art.º 48.º-A no sentido de se ter pretendido adotar um regime idêntico ao previsto no Decreto-Lei n.º 34/96, quanto ao conceito de «criação líquida de postos de trabalho» tem de se concluir que apenas quando houver aumento do número global de trabalhadores da empresa num exercício fiscal há lugar à aplicação do benefício fiscal nele previsto.

 

No proc. 916/08, o STA, por Acórdão de 25/2/2009, apreciou um recurso interposto de sentença que tinha decidido que os trabalhadores com menos de 30 anos que tenham no exercício ficado vinculados à empresa recorrente por contrato de trabalho sem termo, quando tal resulte da conversão de contratos de trabalho a termo ou a termo incerto em contrato de trabalho sem termo, não preenchem os requisitos de elegibilidade para efeitos do benefício fiscal em causa, conforme art.º 17º EBF. O Acórdão do STA decidiu não ser necessário averiguar a existência, ou não, em concreto, da “criação líquida de postos de trabalho”, apurando se os trabalhadores admitidos pela recorrente, com idade não superior a 30 anos, superavam os despedidos no exercício em causa, porque a questão relevante era a de saber se «os trabalhadores inicialmente contratados a termo ou a termo incerto, com menos de 30 anos, relativamente aos quais os respetivos contratos se converteram em contratos sem termo, devem ser considerados elegíveis para efeitos do benefício fiscal a que se refere o art.º 17.º do EBF.

E sobre essa questão decidiu, em síntese:

  • O benefício fiscal, previsto no artigo 48.º-A do EBF (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho), na redação introduzida pela Lei n.º 72/98, de 3 de novembro (a que corresponde o art.º 17.º na redacção do DL n.º 198/2001, de 3 de julho), é atribuído quando houver no exercício «criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos»;
  • A norma exige para aplicação do benefício fiscal a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) resultem da criação líquida de postos de trabalho, o que se traduz num saldo positivo entre o número de admissões (contratações efetuadas) e o número de saídas (despedimentos ou rescisões de contrato ocorridos) em determinado exercício; b) se reportem a contratos efetuados sem termo; c) e a trabalhadores com menos de 30 anos;
  • A aplicação do benefício previsto no artigo 17.º do EBF tem como condição sine qua non um aumento efetivo do número de trabalhadores jovens admitidos ao serviço da entidade empregadora no respetivo período;
  • A conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo concretiza tão-somente uma alteração do estatuto jurídico dos trabalhadores, não cria novos postos de trabalho e, por isso, não provoca criação, líquida ou ilíquida, de quaisquer postos de trabalho;
  • Os trabalhadores inicialmente contratados a termo ou a termo incerto, com não mais de 30 anos, relativamente aos quais os respetivos contratos se converteram em contratos sem termo, não devem ser considerados elegíveis para efeitos do benefício fiscal a que se refere o artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
  • Ou seja, a condição “criação líquida de postos de trabalho” não pode dar-se por cumprida, unicamente e sem mais, pela celebração de contratos sem termo com trabalhadores inicialmente contratados a termo ou a termo incerto;
  • Porque o cumprimento daquela condição legal exige a verificação de acréscimo efetivo do número global de trabalhadores jovens admitidos na empresa em determinado exercício, por contrato sem termo.

 

O Acórdão proferido pelo STA em 23/09/2009 (proc. 0248/09) apreciou em recurso uma decisão que considerara que o direito adquirido pelo cessionário através de acordo de cessão de posição contratual é o mesmo que já pertencia ao anterior titular, pelo que não existia criação líquida de postos trabalho referida pelo artigo 17º do EBF, por não se verificar um “aumento [líquido, interpolação] do número global de trabalhadores da empresa num exercício fiscal”, tal como decidiu o Ac. do STA de 11 de outubro de 2006, no proc. nº 726/06.

 

O recorrente argumentava que a cessão da posição contratual é uma forma de contratar trabalhadores, uma fonte de constituição de relações de trabalho, à semelhança da transmissão de empresa ou estabelecimento, em que o adquirente também assume a posição de empregador em contrato de trabalho anteriormente vigente (artigo 318º, nº 1, do Código do Trabalho), imputando à sentença recorrida confusão entre o conceito de vínculo, de contrato de trabalho e o conceito de posto, que é o que está em causa no artigo 17º do EBF.[17]

 

O referido Acórdão, identificando a questão decidenda como a de “saber se os trabalhadores inicialmente contratados a termo ou a termo incerto, com menos de 30 anos, relativamente aos quais os respectivos contratos se converteram em contratos sem termo, devem ser considerados elegíveis para efeitos do benefício fiscal a que se refere o art.º 17.º do EBF”, reiterou o entendimento de que a «criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos», pressupõe aumento do número global de trabalhadores da empresa admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos em determinado exercício.


E, apoiando-se na doutrina dos Acórdãos de 11/10/06, no rec. nº 723/06, e de 25/2/2009, no rec. nº 916/08, decidiu que:

  • Apenas quando houver aumento do número global de trabalhadores da empresa num exercício fiscal há lugar à aplicação do benefício fiscal nele previsto;
  • A conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo concretiza tão-somente uma alteração do estatuto jurídico dos trabalhadores, não criando novos postos de trabalho, portanto não opera a criação, líquida ou ilíquida, de quaisquer postos de trabalho;
  •  O conceito legal de criação líquida de postos de trabalho aplicável à situação presente corresponde à diferença positiva, em determinado exercício, entre o número de contratações efetuadas, de trabalhadores com idade não superior a 30 anos, e o número de saídas de trabalhadores da mesma faixa etária, fazendo-se a aferição dessa diferença no final de cada exercício.

 

16.2.2. Transmissão de estabelecimento e transferência de trabalhadores

Aquando da transferência dos trabalhadores - ocorrida em 28 de novembro de 2008, com a transmissão definitiva de estabelecimento Industrial - da B, Lda. para a A, Lda, vigorava o Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de agosto, cujo art.º 318º [18], sob a epígrafe “Transmissão da empresa ou estabelecimento”, dispunha, no nº 1: “Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral”, explicitando no nº 4: “Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”.

 

Com o regime consagrado nesta matéria nos arts. 318º a 321º, o Código do Trabalho transpôs a Directiva 2001/23/CE, de 22 de março de 2001 (que revogara a Diretiva 77/187/CEE, alterada pela 98/50/CE), relativa à “aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos” [19].

 

O tema da transmissão de estabelecimento tem levantado diversas dúvidas, para os efeitos previstos no referido art.º 318º, designadamente quanto à definição dos trabalhadores afetos à parte transferida, bem como a saber se os trabalhadores abrangidos são transferidos automaticamente ou se têm direito a opor-se à transferência [20]

 

Sobre o conceito de estabelecimento objeto de transferência, a jurisprudência, interpretando ainda o art.º 37º da LCT, considerava que “por estabelecimento se deve entender “quer a organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria, quer os “conjuntos subalternos”, que correspondem a uma unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de uma autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma unidade produtiva autónoma, com organização específica” (Acórdão de 30/06/1999, proc. 98S390)[21] .

 

Tal interpretação resultaria também do TJCE perante a Diretiva nº 77/187 e seria confirmado pela Diretiva nº 2001/23/CE do Conselho de 12 de março de 2001 [22].


A identificação do universo de trabalhadores a transferir dependerá, no caso concreto, da identificação do estabelecimento objeto da transmissão e dos trabalhadores que lhe estão efetivamente afetos. 

 

Sobre a possibilidade de oposição do trabalhador existe jurisprudência nacional em sentidos divergentes [23].

 

Muito sinteticamente, a tese contra a exigência de acordo do trabalhador defende que a “transferência dos trabalhadores é um efeito ope legis da transmissão do estabelecimento”, em que a posição do empregador na relação laboral é transmissível automaticamente independentemente do consentimento da outra parte[24] e, embora seja “inquestionável que o primeiro e principal objecto do regime comunitário de transmissão de empresa ou estabelecimento é a tutela dos trabalhadores abrangidos, não o é menos que tal vicissitude e, sobretudo, muitas das opções naqueles plasmados afectam relevantes e legítimos interesses dos transmitentes e de adquirentes, dos quais o legislador nacional, vinculado a conformar-se com aquele, não pode alhear-se”[25] . A transmissão não legitimaria só por si a resolução com justa causa”, embora se reconheça o direito do trabalhador poder rescindir (resolver, na atual terminologia) o contrato, invocando justa causa objetiva, motivada por alterações supervenientes às condições de trabalho (art.º 318 CT atual, 441º no CT de 2003).

 

Já os defensores da tese oposta, consideram que “a recusa da possibilidade de, excepto pela via da perda do emprego, os trabalhadores se oporem à mudança de entidade empregadora (...) faz tábua rasa neste domínio específico do direito de o trabalhador escolher livremente a sua entidade patronal, faculdade que é um corolário da liberdade de trabalho e do princípio da interdição do trabalho obrigatório (art.º 4º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).” (Liberal Fernandes) e que uma vez declarada a oposição por parte do trabalhador, o princípio da segurança no emprego impõe que este possa continuar a prestar a sua actividade ao transmitente, desde que tal se afigure possível. (Júlio Gomes). De qualquer modo, era posição pacífica que a falta de previsão da legislação nacional – considerada uma lacuna (Rita Garcia Pereira) – tornava a situação muito fluida e sujeita a decisões contraditórias.

 

Se hoje a doutrina parece ser dominante no primeiro sentido (também António Monteiro Fernandes, in Direito de Trabalho, 16ª edição, admite [26] que o TJCE considera que a Diretiva 2001/23/CE[27] não requer o consentimento do trabalhador para a transferência, embora não se oponha a que os direitos nacionais o prevejam e que a jurisprudência nacional tem entendido não existir um verdadeiro direito de oposição) a primeira década deste século foi atravessada por uma corrente muito forte, doutrinária e jurisprudencial, no sentido da necessidade de não oposição do trabalhador. 

 

16.3. A transmissão de estabelecimento no caso dos autos

16.3.1.A transferência dos trabalhadores e a relação laboral

Baseada em referências doutrinárias e jurisprudenciais referentes à transmissão do estabelecimento comercial (embora omitindo as divergências de interpretação acima citadas), a Requerente defende que a transmissão derivada do disposto no artigo 318.º do Código do Trabalho não significa ausência de alterações dos contratos laborais, quer na esfera jurídica dos trabalhadores, quer na esfera jurídica da própria Requerente, pelo que “não é o óbvio como a AT o quis demonstrar, que não há qualquer alteração no vínculo e que, consequentemente, o posto de trabalho é o mesmo, porque de facto não o é”.

 

Realça a Requerente que a possibilidade de oposição do trabalhador à transmissão da relação laboral provaria que, alterando-se o empregador, obrigatoriamente se altera o vínculo e, consequentemente, o posto de trabalho. E, embora admitindo que não se criam  novos contratos de trabalho, na aceção de serem efetivamente celebrados, ex novo, novos vínculos laborais, defende que os mesmos sofrem mutações derivadas da transmissão do estabelecimento industrial onde laboravam (art.º 178º da Reclamação), aumentando a nova entidade empregadora o volume de custos com os seus colaboradores (179º a 181º da Reclamação).

 

Ou seja, a Requerente parece aderir às teses (acima referidas) que defendem a necessidade de não oposição dos trabalhadores à sua transferência com o estabelecimento, retirando daí a conclusão de que a transmissão de contratos de trabalho sem perda de quaisquer direitos é apenas uma questão de direito laboral, irrelevante em sede fiscal.

 

E põe em causa a fundamentação utilizada pela AT, na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, da doutrina do Acórdão proferido pelo STA no processo 0248/09, porque, neste caso, ter-se-ia tratado de cessão de posição contratual não definitiva [28], ao passo que no caso dos autos houve uma transferência definitiva de estabelecimento.  

 

16.3.2. A transferência de trabalhadores e a criação de emprego

Contudo, a questão continua a ser: significou essa transmissão definitiva de estabelecimento, uma efetiva criação de emprego para efeitos do art.º 19º do EBF? 

 

A Requerente defende que sim, [29] porque a consulta  dos Modelos 10 referentes aos exercícios de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008, permite concluir que houve criação de mais de três centenas de postos de trabalho elegíveis – um real aumento do número global de trabalhadores jovens admitidos na empresa, num total de 334 novos trabalhadores - durante estes cinco exercícios e porque, apesar de as obrigações e os direitos previstos no contrato com a anterior entidade patronal permanecerem inalteráveis, existe um novo vínculo, há uma modificação da entidade empregadora, criando-se novos postos de trabalho que não existiam na Requerente e que foram criados em resultado da entrada dos trabalhadores aqui em causa.

 

Independentemente dos cálculos efetuados pela Requerente e das verificações contrapostas pela AT (acima, em 13) reteremos que com a transmissão do estabelecimento à A. terão sido transferidos 726 trabalhadores e não 614 (como referido no ponto 2 da informação da DF…,de 1 de Abril de 2013).

 

E sabemos, através da informação junta pela Requerente aos autos em 27/02/2014, que após a transmissão do estabelecimento ocorrida em 28/11/2008, a sociedade transmitente passou a realizar essencialmente operações tendentes à liquidação e ao encerramento, sendo dissolvida e liquidada em 31/03/2009.

 

Não se entende bem o alcance da afirmação da Requerente no sentido de que a situação sub judice “não se confunde com a de uma transmissão de estabelecimento industrial por fusão ou cisão, porque, neste caso, a sociedade cindida ou fundida não cessa a sua actividade, que continua a ser desenvolvida pela sociedade incorporante ou beneficiária, enquanto que no caso dos autos não se aplica o regime de neutralidade fiscal e a sociedade transmissária não pode deduzir os prejuízos fiscais da sociedade transmitente”.

 

Na verdade, a situação parece ter, de um ponto de vista estrutural económico, muitas semelhanças com uma modalidade de cisão (artigos 118º e 124º do Código das Sociedades Comerciais [30]). Após esclarecimento junto aos autos no sentido de que a B foi dissolvida e entrou em liquidação após a transferência do estabelecimento e de 726 trabalhadores (ponto 13, k)), a operação efetuada parece ter mais semelhança com uma “cisão dissolução” do que com uma “cisão parcial”, porque ao contrário do que a Requerente parece afirmar (artigos 137º a 140º do Pedido) nas fusões e cisões pode manter-se ou não a atividade da empresa objeto de cisão, se esta não for objeto de dissolução... [31]

 

O que a Requerente terá querido realçar é que, neste processo, não houve recurso às figuras da cisão ou da fusão, com adoção dos procedimentos próprios previstos no CSC (decisões em ambas as sociedades, avaliação de ativos e passivos, atribuição aos sócios da sociedade a incorporar ou cindida de participações nas sociedades beneficiárias [32], etc.), pelo que não foi dispensado o processo de liquidação.

 

Refira-se que o processo de fusão e cisão tem sido invocado em outros processos de aplicação do art. 19º do EBF, com o argumento de que a atividade prossegue (mas querendo com isto dizer-se que a atividade da sociedade fundida ou cindida, transmitindo-se com o estabelecimento, continua na sociedade beneficiária), como fundamento de manutenção do benefício fiscal pela sociedade que recebe o estabelecimento.

 

Neste caso, há um ponto em que assiste total razão à Requerente. É que a argumentação da AT parece pressupor a invocação de transferência de benefício da B para a A, mas isso não aconteceu!

 

A B não usufruiu do benefício por criação de emprego (13) e a A só o veio requerer em 2012 (reclamação graciosa da autoliquidação efectuada em 2010), relativamente ao exercício de 2009, embora invocando condições reunidas em cinco exercícios anteriores. Portanto, nos autos não se discute os efeitos da transmissão de posição relativamente a trabalhadores que tinham sido considerados elegíveis noutra empresa (cedente no âmbito de fusão ou cisão) pelo que o argumento da AT referente à intransmissibilidade do benefício fiscal (art. 15º do EBF) não é pertinente. 

 

Mas a questão fundamental, repete-se, consiste em saber se uma empresa que recebe trabalhadores no âmbito de uma transmissão de estabelecimento comercial está a criar postos de trabalho, para os efeitos consagrados na legislação tributária da criação líquida dos postos de trabalho. 

 

A Requerente critica a desigualdade de tratamento, face a uma situação economicamente idêntica em que a A tivesse contratado trabalhadores despedidos pela B, na sequência do encerramento do estabelecimento, por parte desta, com despedimento de todos os trabalhadores; nesse caso, considera a Requerente, os mesmos trabalhadores seriam considerados contratados ab initio pela Requerente, tendo direito ao benefício nos termos do artigo 19º do EBF. Defende que quer a expansão da sua atividade com aquisição de equipamento, máquinas e contratação de novos trabalhadores, quer a aquisição de um estabelecimento industrial a outra empresa interessada em vender, por constituírem expansão da atividade A, ao nível do equipamento e ao nível dos trabalhadores, devem caber no âmbito de aplicação do art. 19º do EBF.

 

Contudo, este Tribunal considera que não existe a pretendida equivalência entre as duas situações: a extinção da empresa transmitente B com prévio despedimento de trabalhadores teria custos que, na situação dos autos, não se verificaram, além de que garantiu a passagem, neste caso entre sociedades de um mesmo grupo, de trabalhadores experientes que são o suporte pessoal do estabelecimento.  

 

A cessão de estabelecimento entre as empresas (transmissão do estabelecimento - bens, incluindo imóvel e equipamentos, assim como a mão de obra e demais contratos de que a transmitente era titular) correspondeu a uma estratégia de re (organização), não podendo a transferência de trabalhadores no seio de um grupo de empresas deixar de ser vista também nesse contexto global.

 

Num caso como o dos autos, de empresas integradas num grupo de sociedades com direção unitária [33], poderia uma das empresa de um grupo, não podendo usufruir do benefício do artigo 19º do EBF (ou por não reunir os pressupostos cumulativos ou por não poder, na prática, retirar dele proveito por limitação decorrente do nº 1 do art. 86º CIRC) transmitir um estabelecimento com trabalhadores, que, sendo “novos trabalhadores” da sociedade transmissária, permitiriam à nova empregadora a utilização do referido benefício, sem que isso conduzisse a criação líquida de emprego do ponto de vista económico (aquele que a Requerente reivindica para não obter tratamento discriminatório... ).

 

No caso concreto, acrescente-se, a grande maioria dos trabalhadores da B cujos contratos se encontram juntos aos autos, já eram contratados há muitos anos pela referida empresa, pelo que, por essa razão (ver jurisprudência citada acima), não poderiam, mesmo nos casos em que assinaram contratos sem termo com datas mais recentes, ser considerados elegíveis na B.

 

E, tal como não se admite a concessão a uma empresa do benefício previsto no art. 19º do EBF por trabalhador que tenha propiciado já benefício a outra entidade empregadora (nº 6 introduzido pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, no então art. 17º do EBF [34]), não parece aceitável que por cessão de estabelecimento entre empresas, neste caso de um mesmo grupo, uma empresa deste passe a ter direito a benefício por um trabalhador que não propiciava direito ao benefício na empresa (por nela ter contrato de trabalho há vários anos e/ ou por outra razão, como por exemplo a existência do limite do art. 86º do CIRC) onde se situava o estabelecimento transmitido.

 

O que reforça o que acima se disse sobre a inaceitabilidade de considerar trabalhadores novos os que são transferidos com o estabelecimento onde se encontram a trabalhar, mantendo todos os direitos adquiridos no seu posto de trabalho, sem que a laboração noutra empresa, neste caso de um mesmo grupo, corresponda verdadeiramente a um  projeto novo de investimento com criação de postos de trabalho – no estabelecimento continua-se o que já existia, em ação ou em potência!

                                                                                                           

Considera-se que esta leitura é a que reflete a ratio da lei, porque inteiramente se concorda com a afirmação (cf. acórdão proferido pelo STA em 11/10/2006, no rec. nº 723/06) de que “Na interpretação do incentivo criado em 1998, com a inserção do art.º 48.º-A do EBF, há que ter em conta a política legislativa de incentivos que vinha sendo seguida com esse fim, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 34/96”, ou seja, como vimos acima (nota 15), evitar o erro cometido pelo Decreto-Lei n.º 89/95, de 6 de maio, que ao desligar a criação líquida de postos de trabalho da existência de um projeto de investimento e não exigindo a criação de novos postos de trabalho, mas apenas a admissão de trabalhadores, conduziu, em muitas situações concretas, não à redução efetiva do desemprego, mas apenas à substituição, porventura até fictícia, de trabalhadores anteriormente afastados (no caso, era antes da apresentação das candidaturas ao apoio financeiro oferecido pela lei) com ineficiência do sistema, desperdícios financeiros avultados e consequências significativas na promoção da precariedade do emprego.

 

Com efeito, e ao contrário do que afirma a Requerente, a perspetiva de direito laboral e a de direito fiscal não são totalmente indiferentes. Observações feitas por diferentes autores [35] no âmbito do direito laboral são igualmente pertinentes no âmbito do direito fiscal, significando relativamente aos interesses envolvidos a capacidade estratégica de atingir uma maximização do interesse da empresa/empresas envolvidas (fundamentalmente de quem em cada momento aí detém o poder de decisão).

 

Daí que os mesmos autores concluam que “o direito de trabalho deve utilizar uma noção ampla de grupo de empresas para além das formas de coligação de sociedades tipificadas no CSC, como todas as situações em que se detete uma relação de controlo de facto entre duas ou mais empresas, ou, não havendo embora uma relação de controlo, exista, de facto, uma direção económica unitária, por significar uma perda de autonomia para a empresa dominada/subordinada suscetível de afetar o estatuto dos trabalhadores, assim como dever-se-á incluir no conceito de grupo, para os efeitos que ora se analisam, todas as situações em que haja um agrupamento (associação) de duas ou mais empresas que se mostra susceptível de produzir efeitos ao nível do próprio quadro organizativo que serve de base à prossecução da atividade económica do empregador, por ser essa a “única via de alargar o conceito de grupo de empresas de forma a abarcar todas as configurações do fenómeno susceptíveis de criarem riscos suplementares aos trabalhadores face aos riscos normais que suportam genericamente os trabalhadores de uma empresa globalmente autónoma.”[36]

 

Ou, como comentava outra autora já citada [37] “Não é assim por acaso que, em termos comunitários, a noção de empresa tem sido entendida como uma unidade económica, ainda que do ponto de vista normativo seja efectivamente constituída por diversas pessoas jurídicas, numa clara alusão à “opacidade do empregador” que tem motivado o levantamento (ou desconsideração) da personalidade jurídica do empregador formal para se atingir o real” .

 

Esta visão é precisamente a que está presente num caso como o dos autos – a transferência dos trabalhadores conjuntamente com o estabelecimento em que laboravam e que foi transmitido de uma empresa para outra (e num mesmo grupo, com as caraterísticas descritas) não é suscetível de criar novas relações jurídicas de emprego.

 

Assim, concorda-se com a conclusão da AT de que a transferência dos trabalhadores da B para a A, quer em resultado do contrato de transmissão, quer antes disso por contratos de cessão, não qualifica para efeitos da atribuição do benefício da criação líquida de postos de trabalho, visto que este obedece “à condição sine qua non de um aumento efetivo do número de trabalhadores admitidos ao serviço da entidade empregadora no respetivo período, o que significa que só haverá benefício fiscal no exercício em que houve um real aumento do número global de trabalhadores jovens admitidos na empresa”, não concorrendo, por si só, a simples transferência de transferência de trabalhadores.

 

E a conclusão de rejeição de criação de novos postos de trabalho e de apuramento de  “criação líquida de empregos”, para efeito de aplicação da majoração de encargos ao abrigo do art.º 19º do EBF aplica-se não apenas aos trabalhadores transferidos conjuntamente com o estabelecimento industrial pelo contrato outorgado em 28 de novembro de 2008, como aos trabalhadores entrados na B, antes dessa data por aditamentos aos respectivos contratos de trabalho de cessão da A para a B.  

 

 

Segundo o quadro apresentado pela Requerente (art.º 65º do pedido e art.º 55º da reclamação) houve, no período entre 2004 e 2009, 389 entradas elegíveis na A, 10 em 2004 (67 em 2005, 7 em 2006, 10 em 2007, 288 em 2008 e 7 em 2009), ao passo que a inspeção identificou, nesse período, que 356 trabalhadores foram da B para a A já com contrato por tempo indeterminado.

 

 

No âmbito do instituto jurídico da transferência de estabelecimento e no que aos trabalhadores da empresa transmitente para a empresa transmissária se refere, já ficou acima amplamente demonstrado que aquilo que o legislador visou salvaguardar foram os direitos dos trabalhadores enquanto sujeitos de um contrato de trabalho, não podendo considerar-se que por essa salvaguarda ter consagração legal, a mesma possa repercutir-se (também) na esfera jurídica da nova entidade patronal (a empresa transmissária) em termos de esta poder vir a invocar que a mera receção de trabalhadores decorrente de um contrato de transmissão de estabelecimento possa ser considerada para efeitos de criação líquida de emprego e, consequentemente, para aplicação da concessão de benefícios fiscais.

 

A concessão de benefícios fiscais é uma situação jurídico-fiscal excecional, que radica essencialmente na defesa de superiores interesses sociais - a criação de incentivos à criação líquida de emprego. É esta criação líquida de emprego que constitui pressuposto para a concessão do benefício e que a lei, como ficou demonstrado, não acolhe no caso em que há transmissão de estabelecimento.

 

O Tribunal Arbitral considera, pois, que não assiste razão à Requerente, por não se verificarem os pressupostos exigidos no EBF para a concessão de incentivos fiscais pela criação líquida de emprego.

 

Assim o impõe o caráter de excecionalidade dos incentivos fiscais que o nosso ordenamento jurídico consagra. Para ilustração desta afirmação, cita-se o Acórdão do Supremo tribunal Administrativo, de 2-07-2013, proferido no âmbito do proc. n.º 06629/13, segundo o qual: 1. De acordo com a lei os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (cfr. art.º 2º, n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo dec.lei n.º 215/89, de 1/7). 2. Do ponto de vista jurídico e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o art.º 12º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais. 

 

16.4. Dos juros indemnizatórios

Independentemente de quaisquer considerações sobre a inexistência de erro imputável à AT, verifica-se que não tendo sido dado provimento ao pedido da Requerente quanto à ilegalidade da autoliquidação de IRC referente ao ano de 2009, não são devidos quaisquer juros indemnizatórios.

 

III. DECISÃO

17. Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar improcedente os pedidos de anulação do indeferimento parcial da reclamação graciosa e de aceitação da alteração da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2009, de reembolso de valor de imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios,

b)      Condenar a Requerente em custas.

 

18. Valor do processo e custas

18.1Fixa-se o valor do processo em € 511.834,50 (quinhentos e onze mil, oitocentos e trinta e quatro euros e cinquenta cêntimos), nos termos do artigo 97º- A, nº 1, do CPPT, aplicável por força do artigo 29º, nº 1, a) do RJAT e do art. 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

18.2. Fixa-se o montante das custas em € 7.956,00 (sete mil, novecentos e cinquenta e seis euros), a cargo do Requerente e calculado de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, tudo nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, do RJAT e art. 4º do RCPAT.

Notifique-se.

Lisboa, 2 de Março de 2014.

 

Os Árbitros

(Árbitro Presidente) Manuel Luís Macaísta Malheiros

 

(Árbitro Adjunto) Maria Manuela Roseiro

 

(Árbitro Adjunto) José Nunes Barata

 

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.



[1] A actual redacção diz:1.”Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150 % do respectivo montante, contabilizado como custo do exercício“.2. Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se: a) 'Jovens' os trabalhadores com idade superior a 16 e inferior a 35 anos, inclusive, aferida na data da celebração do contrato de trabalho, com excepção dos jovens com menos de 23 anos, que não tenham concluído o ensino secundário, e que não estejam a frequentar uma oferta de educação-formação que permita elevar o nível de escolaridade ou qualificação profissional para assegurar a conclusão desse nível de ensino (redacção dada pela Lei n.º10/2009-/03;) b)'Desempregados de longa duração' os trabalhadores disponíveis para o trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, que se encontrem desempregados e inscritos nos centros de emprego há mais de 9 meses, sem prejuízo de terem sido celebrados, durante esse período, contratos a termo por período inferior a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse os 12 meses; (Redacção dada pela Lei n.º10/2009-10/03) c) «Encargos» os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade; d) «Criação líquida de postos de trabalho» a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respectiva admissão, se encontravam nas mesmas condições. 4.Para efeitos da determinação da criação líquida de postos de trabalho, não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respectiva entidade patronal.3.O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida. 5. A majoração referida no n.º 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho. 6. O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.” (redacção dada pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12).

[2] Para, segundo o artigo 2º da mesma Lei nº 72/98, produzir “efeitos com o início da vigência do próximo Orçamento de Estado”, ou seja, a partir de 01/01/1999.

[3]A redacção do nº3 do art. 48º-A, foi melhorada pela Lei nº 3-B/2000, de 4 de abril: “A majoração referida no nº 1 terá lugar num período de 5 anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho."

[4] O nº 1 mantinha a redacção :”Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.”

[5]O artigo passou a dispor, até à republicação pelo DL nº 108/2008, de 26/05 : “1 - Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos do IRC e dos sujeitos passivos do IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150% do respectivo montante contabilizado como custo do exercício. 2-Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se:a) Jovens os trabalhadores com idade superior a 16 anos e inferior a 30 anos, aferida na data da celebração do contrato de trabalho, com excepção dos jovens com menos de 23 anos que não tenham concluído o ensino secundário e que não estejam a frequentar uma oferta de educação-formação que permita elevar o nível de escolaridade ou qualificação profissional para assegurar a conclusão desse nível de ensino; b) Desempregados de longa duração os trabalhadores disponíveis para o trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, que se encontrem desempregados e inscritos nos centros de emprego há mais de 12 meses, sem prejuízo de terem sido celebrados, durante esse período, contratos a termo por período inferior a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse os 12 meses; c) Encargos os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade; d) Criação líquida de postos de trabalho a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respectiva admissão, se encontravam nas mesmas condições. 3-O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida. 4- Para efeitos da determinação da criação líquida de postos de trabalho não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respectiva entidade patronal. 5 - A majoração referida no n.º 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho. 6 - O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma vez em relação ao mesmo trabalhador, qualquer que seja a entidade patronal.”

[6] Relatório do Orçamento do Estado para 2007, p. 56.

[7] O anterior artigo 17º passou a ser o artigo 19º na nova versão, que manteve conteúdo idêntico, com uma pequena alteração de redação do nº 1.

[8] Lei que criou o programa orçamental “Iniciativa para o Investimento e o Emprego”, incluindo alterações à Lei nº 64-A/2008, de 31/12 (OE para 2009) e criação do Regime Fiscal de apoio ao Investimento realizado em 2009.

[9] Cf. Relatório do OE para 2012, pp. 49-50. O artigo 146º, nº 2, da Lei nº64-B/2011, de 30 de dezembro, dispôs: “São prorrogadas, com as alterações estabelecidas pela presente lei, as normas que consagram os benefícios fiscais constantes dos artigos 19.º, 20.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º e 32.º, dos n.º 4 a 20 do artigo 33.º, para efeitos da remissão do n.º 9 do artigo 36.º, e dos artigos 42.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 58.º, 59.º, 60.º, 61.º, 62.º, 63.º, 64.º e 66.º do EBF”.

[10] A introdução do artigo 49º-A no EBF, em 1998, para vigorar a partir de 1 de janeiro de 1999, ocorreu na vigência do Acordo de Concertação Estratégica, aprovado em 20 de dezembro de 1996. Neste Acordo, identificava-se a criação de emprego como um dos objetivos a ter em conta na revisão global e integrada dos sistemas de incentivos (ponto 1.6.). No capítulo “Reestruturação do sistema fiscal” um dos objetivos era a criação de postos de trabalho e entre as medidas a definir até 1998 encontrava-se “a análise da questão da adopção de créditos fiscais associados a custos salariais resultantes da criação de novos postos de trabalho”.

[11] Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 2012, 7ª ed., p. 390. Também sobre a classificação de desagravamentos fiscais lato sensu, ibidem, p. 391.

[12] “As normas que consagram os benefícios fiscais constantes das partes II e III do presente Estatuto vigoram durante um período de cinco anos, salvo quando disponham em contrário.” (art. 3º do EBF, artigo 2º-A antes da republicação pelo DL 108/2008, de 26/06).

[13] Sobre esta distinção, Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, CTF nº 359, p. 150.

[14]Cf. nº 1 do art. 5º (art. 4º na redação anterior à republicação pelo Decreto-Lei nº 108/2008, de 26/06): “Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento”.

[15] No preâmbulo deste diploma refere-se como, na vigência do Decreto-Lei n.º 445/80, de 4 de outubro (lei quadro da política de emprego, que estabelecera como uma das orientações fundamentais das medidas ativas de emprego que os apoios financeiros contemplassem apenas a criação líquida de postos de trabalho resultante da realização de um projeto de investimento gerador de novos empregos), o Decreto-Lei n.º 89/95, de 6 de Maio, desvirtuara esses objetivos, ao criar um regime específico de incentivos à contratação de jovens à procura de primeiro emprego e de desempregados de longa duração em desconformidade com aquele princípio fundamental. Isto porque o Decreto-Lei n.º 89/95 desligou a criação líquida de postos de trabalho da existência de um projeto de investimento e não exigiu a criação de novos postos de trabalho, mas apenas a admissão de trabalhadores. Esta previsão conduziu, em muitas situações concretas, não à redução efetiva do desemprego, mas apenas à substituição, porventura até fictícia, de trabalhadores afastados antes da apresentação das candidaturas ao apoio financeiro oferecido pela lei. Daí a ineficiência do sistema, envolvendo desperdícios financeiros avultados e consequências significativas na promoção da precariedade do emprego (sublinhado nosso).

 

[17] Defendia que o facto de a cessão de posição contratual manter o vínculo laboral não significa que o cessionário ao admitir ao seu serviço um novo trabalhador não crie um posto de trabalho, conduzindo a cessão de posição contratual a um aumento líquido do número de trabalhadores contratados por tempo indeterminado, a criação líquida de postos de trabalho.

 

 

[18]Anteriormente, a LCT (Decreto-Lei nº49408, de 24 de novembro de 1969) continha disposição equivalente (art.37º). Atualmente, vigora o art.º 285º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº7/2009, de 12 de fevereiro.       

[19] Alínea q) do art.º 2º da Lei nº 99/2003, de 27 de agosto.

[20]Esta última questão foi já objeto de viva discussão na doutrina. Cf. por exemplo, Rita Garcia Pereira, Natureza jurídica da transmissão de estabelecimento comercial, Verbo Jurídico (www.verbojuridico.net. com org), 20 Janeiro 2005, e Rodrigo Serra Lourenço, Sobre o direito de oposição dos trabalhadores na transmissão do estabelecimento ou empresa, Revista da Ordem dos Advogados, 2009, Jan/Junho, ano 69, onde citam as posições fundamentais de Liberal Fernandes,  em Transmissão do Estabelecimento e oposição à transferência do contrato: uma leitura do art.º 37º da LCT conforme o direito comunitário, in  Questões Laborais, Ano VI, n.º 14, Coimbra Editora, 1999, e , Júlio Gomes em O conflito entre a Jurisprudência Nacional e a Jurisprudência do TJ das CCEE em Matéria de Transmissão do Estabelecimento no Direito do Trabalho: o art.º 37º da LCT e a Directiva 77/187/CEE, in Revista de Direito e Estudos Sociais, 1996 e em A jurisprudência recente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias em Matéria de Transmissão de empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento – inflexão ou continuidade?, in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. I, Instituto do Direito do Trabalho, Universidade de Lisboa, Almedina, Janeiro de 2001, assim como referências às jurisprudências nacional e comunitária.

[21] Nas conclusões, dizia: “Desde que uma parte de uma empresa tenha orçamento próprio, com um espaço próprio e utilização de equipamentos próprios e materiais apenas a ela afectos, tem de se considerar que tem um acentuado grau de autonomia, devendo entender-se como constituindo um estabelecimento próprio”. Em sentido idêntico, no Acórdão do STJ de 29/06/2005, proc. 05S164:“o conceito jurídico de transmissão de estabelecimento, tem um sentido amplo, abrangendo a transmissão de "partes" do estabelecimento: o que releva é que a parte destacada e transmitida constitua uma unidade produtiva autónoma, com organização específica”.

[22]Cujo art.º 1º, al.b) considera “transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória”.

[23] Não aceitando a oposição, os Acórdão de 30/06/99 (Proc. 98S390) e de 24/02/2010 (Proc.78/1998.S1) e afirmando a legitimidade da oposição os Acórdãos de 27/05/2004 (Proc.03S2467) [23] e 29/06/2005 (Proc. 05S164).

[24] Luís Menezes Leitão (Direito do Trabalho, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2003), tb. Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, pp.719).

[25]Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 9ª edição, Almedina 2013, pp. 624 e segs.

[26] Embora assinalando (citando Júlio Gomes) que a mera resolução é débil do ponto de vista do interesse do trabalhador (ob. cit p. 217).

[27] Da jurisprudência do TJCE pode concluir-se que dos acórdãos Katsikas de 16/11/1992, Merckx de 7 de Março de 1996, Europiéces de 12 de Novembro de 1998, e Temco Service de 24 de Janeiro de 2002, pode concluir-se pela compatibilidade da Directiva seja com a solução da continuidade, seja com a solução da rescisão do contrato, dependendo da específica legislação nacional. Assim, em nenhuma destas decisões vem o TJCE impor a continuidade da relação com o cedente ao abrigo da Directiva. 

[28] A Requerente parece considerar fundamental para a decisão tomada pelo mesmo Acórdão a transcrição da frase “o acordo de cessão de posição contratual não é um contrato sem termo. Não há verdadeira e total desvinculação do trabalhador em relação à primeira entidade patronal” (art.º 152 do pedido). Contudo, trata-se de um segmento de excerto do Relatório de Inspeção Tributária, reproduzido pela sentença da 1ª instância na fixação da matéria de facto, precedida, aliás, da afirmação “O acordo de cessação de posição contratual não é um contrato sem termo” (ponto 2.2.).

[29] Nas alegações escritas a Requerente reafirma (síntese nossa) que: Há lugar a aplicação do benefício quando existe um aumento efetivo do número de trabalhadores (elegíveis) da empresa em causa e isso acontece no caso dos autos; as declarações de remuneração e Modelo 10 provam que houve um aumento real do número de trabalhadores na Requerente; o facto de os trabalhadores terem sido transmitidos para a Requerente sem perda de quaisquer direitos é uma questão de direito laboral, sem relevância fiscal porque de modo algum colide ou conflitua com os pressupostos da atribuição do benefício fiscal; apesar de as obrigações e os direitos previstos no contrato com a anterior entidade patronal permanecerem inalteráveis, existe um novo vínculo, porque há uma modificação da entidade empregadora, que cria novos postos de trabalho que não existiam na Requerente e que foram criados em resultado da entrada dos trabalhadores aqui em causa; o artigo 19º não exclui o benefício se o trabalhador em causa já tiver tido um contrato de trabalho sem termo com outra entidade empregadora, apenas excluindo o benefício na nova entidade empregadora se a anterior já tiver beneficiado dele, o que não aconteceu neste caso porque embora os trabalhadores tivessem com a B um contrato de trabalho sem termo, não integraram a “criação líquida” da B, pelo menos do ponto de vista do benefício previsto no artigo 19º do EBF, único ponto de vista relevante no caso; a Requerente teria direito ao benefício se tivesse admitido os trabalhadores na sequência de encerramento da B com despedimento dos trabalhadores, pelo que também o deverá ter no caso de transmissão por se tratar de duas operações economicamente equivalentes, não devendo merecer enquadramento fiscal distinto ao nível do benefício do artigo 19º do EBF.

 

 

[30] A alínea c) do nº 1 do artigo 118º do CSC dispõe que é permitido a uma sociedade “Destacar partes do seu património, ou dissolver-se, dividindo o seu património em duas ou mais partes, para as fundir com sociedades já existentes ou com partes do património de outras sociedades, separadas por idênticos processos e com igual finalidade” e a alínea b) do nº 1 do artigo 124º do CSC identifica como activos e passivos destacáveis (embora referindo-se a cisão simples) :“Bens que no património da sociedade a cindir estejam agrupados, de modo a formarem uma unidade económica”.

[31] A fusão de sociedades implica a dissolução de pelo menos uma das envolvidas, assim como há extinção da sociedade original nos casos de cisão-dissolução e cisão total-fusão (Luís Menezes Leitão, Fusão, Cisão de Sociedades e afiguras afins”, Fisco, nº 57, pp. 20 e 23).

[32] Sendo certo que, tratando-se de duas sociedades com os mesmos sócios (não indicados em concreto), com o capital social de ambas detido, em mais de 99%, por uma terceira sociedade (estrangeira) poderia haver simplificações no processo (cf. arts.104º e 116º CSC) apesar da transmissão ser anterior ao Decreto-Lei nº 185/2009, de 12/8, que estendeu a simplificação do processo de cisão e fusão.

[33] “Grupo” é utilizado aqui não propriamente por referência a determinadas normas do sistema jurídico português (designadamente do Código das Sociedades Comerciais ou do CIRC) mas como conceito doutrinal mais genérico, como “l’ensemble formé par plusieurs societés qui conservent leur indépendance juridique, mais se trouvent unies les unes aux autres par des liens financiers, selon des modalités d’ailleurs très variables, de telle sorte que l’une  d’entre elles, qualifiée société mére, se trouve en mesure d’exercer une autorité sur les autres et de faire prévaloir au sein de cet ensemble une unité de décision” (Rodière e Oppetit, Droit Commercial, groupements commerciaux, nº 350, citado por Gérard Farjat, Droit Economique, PUF, 2ª edição, p. 177).

[34] “O regime previsto no nº 1 só pode ser concedido uma vez em relação ao mesmo trabalhador, qualquer que seja a entidade patronal” significava que cada trabalhador só propiciava uma vez benefício fiscal e apenas numa empresa. Na redacção dada pela Lei n.º55-A/2010, de 31/12 (OE para 2011) o regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.

[35] “Por aplicação do instituto sobre o qual se visa ora reflectir, tem-se assistido a autênticas “experiências”, servindo os trabalhadores de meras cobaias - às quais muitas vezes é reservado um mero papel passivo -  conexas à designada “exteriorização” de nichos de actividade (outsourcings que começaram por abranger única e exclusivamente sectores secundários e que nos dias correntes se estenderam a tudo o que não seja considerado o “core business”) ou às já aludidas fusões, cisões, entradas de activos ou criação de “agrupamentos complementares de empresas”, “Na verdade, de norma protectora dos trabalhadores que procura garantir a transmissão dos postos de trabalho e das condições de trabalho, tal norma tem-se convertido frequentemente em fácil expediente para contornar a tutela dos postos de trabalho, permitindo iludir por exemplo a obrigação de pagar uma compensação por um despedimento colectivo ou por uma extinção dos postos de trabalho por razões tecnológicas, conjunturais ou estruturais” . (Cf. Rita Garcia Pereira, in “Natureza jurídica da transmissão de estabelecimento comercial”, 2005, Verbo Jurídico, www.verbojuridico.net|com|org, pp. 7 e 8, e nota 26) .

E também: “Nesta medida é forçoso admitir a possibilidade de a sociedade directora promover a extinção de postos de trabalho da sociedade subordinada (por considerá-los não rentáveis, ou desnecessários),da mesma forma que pode promover o processo de despedimento colectivo, junto da sociedade subordinada, ditado por razões estruturais de reestruturação da empresa, podendo ainda promover a contratação ou despedimento do pessoal dirigente (salvo membros dos órgãos sociais), etc. Inês Morais Arruda y Tito Arantes Fontes, in “Fenómeno de concentração empresarial no âmbito do direito do trabalho”, Actualidad Jurídica Uría Menéndez / 13-2006.

 

 

 

[36] Inês Morais Arruda y Tito Arantes Fontes, in “Fenómeno de concentração empresarial no âmbito do direito do trabalho”, Actualidad Jurídica Uría Menéndez / 13-2006.

[37] Rita Garcia Pereira, in Natureza jurídica da transmissão de estabelecimento comercial”, 2005.