Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 196/2020-T
Data da decisão: 2020-11-12  IVA  
Valor do pedido: € 30.124,93
Tema: IVA – Serviços de Nutrição – Ginásio.
Recurso de Revisão – Decisão arbitral (anexa à decisão)
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DECISÃO ARBITRAL

 

A 7 de Abril de 2021 veio a AT, ou Recorrente, ao abrigo do artigo 29.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributável (“RJAT”), do artigo 293.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e dos artigos 696.º e ss. do Código de Processo Civil (“CPC”), interpor RECURSO DE REVISÃO contra a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral, transitada em julgado em 21.12.2020 que julgou totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela ora Recorrida, com fundamento no disposto na alínea f) do artigo 696.º do CPC.

 

Sobre a admissibilidade do recurso de revisão de sentença dispõe artigo 293.º do CPPT o seguinte:

 

1 -A decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão, com qualquer dos fundamentos previstos no Código de Processo Civil, no prazo de quatro anos, correndo o respetivo processo por apenso ao processo em que a decisão foi proferida.(Redação da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro)

2 - (Revogado.) (Redação da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro)

3 - O requerimento da revisão é apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar dos factos referidos no número anterior, juntamente com a documentação necessária.

4 – Se a revisão for requerida pelo Ministério Público, o prazo de apresentação do requerimento referido no número anterior é de três meses. (Redação da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro)

5 - Salvo no que vem previsto no presente artigo, a revisão segue os termos do processo em que foi proferida a decisão revidenda. (Lei n.º 3-B/2000 de 4 de abril).

 

Por sua vez o artigo 696.º do CPC, sob a epígrafe “Fundamentos do Recurso” determina o seguinte:

A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:

 

a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;

 

b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;

 

c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;

 

d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;

 

e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:

i)             Faltou a citação ou que é nula a citação feita;

 

ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;

iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;

f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;

 

g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.

h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte.

 

Exposto o enquadramento legal aplicável à admissibilidade do recurso de revisão importa verificar se, no caso concreto, estão reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso de revisão de sentença. Assim vejamos:

 

Atento o disposto no artigo 29.º, n.º 1 a) do RJAT e a jurisprudência constante já produzida sobre a questão, é aplicável ao processo arbitral subsidiariamente o disposto no artigo 293.º do CPPT.

 

À luz do disposto na referida base legal, este Tribunal é competente para apreciar o presente recurso.

 

A admissibilidade do recurso de revisão depende, também, nos termos do n.º 1 do artigo 293.º do CPPT do trânsito em julgado da Decisão recorrida. Ora, conforme resulta dos autos, a Decisão recorrida foi proferida a 12.11.2020, tendo transitado em julgado em 21.12.2020.

 

De acordo com o n.º 3 do artigo 293.º do CPPT, O requerimento da revisão é apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar dos factos referidos no número anterior, juntamente com a documentação necessária.

 

De acordo com a Recorrente, o fundamento do Recurso de revisão assenta em decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português proferida a 4.03.2021, notificada na mesma data.

Tendo o recurso sido interposto em 7.04.2021, o recurso de revisão é tempestivo.

 

Por fim, o recurso de revisão interposto tem como fundamento o disposto na alínea f) do artigo 696.º do CPC, segundo o qual a Decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando seja inconciliável com Decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado português.

 

Entende-se que uma decisão é inconciliável com decisão definitiva de uma instância jurisdicional internacional quando o teor material da decisão jurisdicional interna seja desconforme, por acção ou omissão, com uma decisão jurisdicional de uma instituição jurisdicional internacional, em concreto.

 

Para além disso, a admissão do Recurso depende dessa decisão inconciliável ser vinculativa para o Estado Português.

 

No caso em apreço, a Recorrente fundamenta o Recurso de Revisão interposto, na Decisão proferida pelo TJUE, no processo prejudicial C-581/19.

 

A decisão proferida pelo TJUE, no processo prejudicial C-581/19, constitui uma decisão proferida no âmbito do processo reenvio prejudicial, efectuado pelo Tribunal Arbitral Tributário, por Decisão de 22 de Julho de 2019.

 

O pedido de reenvio prejudicial constitui uma faculdade atribuída aos Tribunais nacionais com base no artigo 267.º do TJUE, que determina o seguinte:

“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

a)            Sobre a interpretação dos Tratados;

b)           Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.”

 

O TJUE ao decidir a questão ou as questões colocadas determina por Acórdão a vinculação do tribunal que suscitou a questão e dos restantes tribunais que julgam a causa em sede de recurso às conclusões do acórdão prejudicial, quer quanto aos seus efeitos materiais, quer temporais (assim foi estabelecido no Acórdão Milch-, Fett-, und Eierkontor, acórdão de 24.06.69, processo C – 29/68 quanto a questão prejudicial de interpretação).

 

Como resulta da variada Jurisprudência Europeia, por razões de uniformidade, o tribunal que suscitou a questão e os restantes tribunais nacionais e do espaço da União estão vinculados às conclusões – bem como à fundamentação - do acórdão prejudicial (por exemplo, Acórdão Milch-, Fett-, und Eierkontor, acórdão de 24.06.69, processo C – 29/68).

 

Mais se tem entendido que, nos acórdãos interpretativos, a regra é a produção de efeitos ex tunc, ou retroactividade dos efeitos do acórdão interpretativo. Todavia, o TJ – e apenas este – tem a faculdade, em todos os casos, de limitar os efeitos do acórdão prejudicial, de interpretação ou de apreciação de validade, no tempo.

 

Assim, resulta, claro do processo de reenvio prejudicial que a decisão sobre o pedido de decisão prejudicial apresentado, no âmbito do processo C-581/19, vincula o Tribunal Arbitral Tributário que colocou as questões e os Tribunais que possam vir a julgar a causa em sede de recurso.

 

Por isso, resulta da própria decisão do TJUE, proferida no proc. C-581/19, em sede de reenvio prejudicial, que aquela procede à interpretação da mesma base legal interpretada em decisão interna, “sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio”, impondo-se aos órgãos jurisdicionais nacionais.

 

Está, assim perfeitamente estabelecido na Lei e na Jurisprudência que os efeitos materiais de uma decisão de reenvio prejudicial vinculam os Tribunais.

 

Uma vez que a Recorrente fundamenta o seu pedido de revisão extraordinária na alínea f) do artigo 696.º do CPC, que determina que a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português, verifica-se que, sendo a decisão em discussão apenas vinculativa para os Tribunais e não para o Estado, o fundamento invocado é inaplicável, no caso concreto em análise.

 

Na verdade, no âmbito do direito comunitário, só existe fundamento para a interposição de recurso extraordinário com base na alínea f) do artigo 696.º do CPC, relativamente às decisões que resultem de acções por incumprimento contra o Estado, que constituem o único meio contencioso comunitário expressamente destinado à apreciação do incumprimento dos Estados membros.

 

Destinando-se o recurso extraordinário de revisão a obter uma decisão judicial (revidenda) já coberta pela autoridade do caso julgado, a sua admissibilidade está absolutamente limitada às situações taxativamente indicadas e de tal modo graves que as exigências da justiça e da verdade sejam susceptíveis de ser clamorosamente abaladas, no conflito com a necessidade de segurança ou de certeza, se estas, com a inerente intangibilidade do caso julgado, prevalecessem.

 

“Assim, estamos face a um recurso ou mecanismo processual que não pode deixar de ser encarado como um “remédio” de aplicação extraordinária a uma comprovada ofensa ao primado da justiça, que, de tão gritante, consinta a cedência da certeza e da segurança conferidas pelo princípio do caso julgado.” – Cfr. Acórdão STJ, Proc. 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1, de 13.12.2017.

 

Em face do exposto, o Recurso não pode ser admitido, por falta de fundamento, nos termos legais.

 

23 de Abril de 2021

 

A Árbitro,

Magda Feliciano

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990)

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

A... LDA, com a designação comercial B..., NIPC n.º ... com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... ..., (doravante “Requerente”), vem, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação do indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente aos actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante "IVA") devidamente identificados nos autos relativamente aos anos 2014 e 2015, no valor total de €30.124,93 (Trinta mil cento e vinte e quatro euros e noventa e três cêntimos).

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por AT).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 24.03.2020.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 5.08.2020.

 

A AT apresentou resposta a 30.09.2020, defendendo a improcedência do pedido arbitral.

 

Por despacho de 7.10.2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, sendo fixado prazo para alegações sucessivas.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e é competente.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)            A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, cuja sua actividade principal é “Actividades de ginásio (Fitness)”, CAE 93130 e tem como actividades secundárias Outras actividades de Saúde Humana, NE (CAE 86906), Institutos de Beleza (CAE 96022) e Gestão de Instalações Desportivas (CAE 93110);

b)           A Requerente iniciou a sua actividade em 01.01.2012 sob a designação comercial de “ B... (Vida activa – bem estar e desporto);

c)            A Requerente detém um espaço onde é possível usufruir de diferentes actividades inerentes à adopção de um estilo de vida saudável, designadamente, piscina, sauna, banho turco, spa, terapias espirituais e físicas em grupo, como seja, o shiatsu, pilates, yoga, aulas de grupo de exercício físico, entre outras;

d)           Em 2013, a Requerente deu início à implementação de um novo conceito na sua actividade enquanto centro de bem-estar, aliando à actividade de fitness um plano de nutrição, na prossecução do bem-estar;

e)           Para a frequência do clube, os sócios aderem a um contrato de adesão suportando uma mensalidade, cujo valor depende essencialmente do número de frequências semanais e da sua fidelização por 6 meses;

f)            Segundo o preçário em vigor, as tabelas de preços para clientes com idade superior a 16 anos, eram em 2014 e 2015, os seguintes:

•             1 * semana - €42;

•             2 * semana - €49;

•             Livre utilização - €59.

g)            Os valores da prestação de serviços de “aconselhamento nutricional” considerados pelo Requerente foram, em 2014 e 2015, os seguintes:

•             Serviço Base - €21 – corresponde à prestação, por profissional credenciado, licenciado em nutrição, de acompanhamento mensal online por email para esclarecimento de dúvidas;

•             Serviço Silver - €24,50 – corresponde à prestação, por profissional credenciado, licenciado em nutrição, de acompanhamento online por email para esclarecimento de dúvidas e de uma consulta de 30 minutos de acompanhamento personalizado em dois meses;

•             Serviço Gold - €29,50 – corresponde à prestação por profissional credenciado, em nutrição, de acompanhamento mensal online por email para esclarecimento de dúvidas e de uma consulta de 30 minutos de acompanhamento personalizado mensal;

h)           O valor facturado aos clientes que aderissem conjuntamente à actividade do ginásio

e à prestação de serviços de aconselhamento nutricional era a seguinte:

•             1 * semana + Serviço Base - €42

•             2 * semana + Serviço Silver - €49

•             Livre utilização + Serviço Gold - €59

i)             As consultas de nutrição foram prestadas pela Dra. C..., licenciada em nutrição e inscrita na ordem dos nutricionistas com o n.º de cédula ...;

j)             Para efeitos de IVA, a Requerente enquadra-se no regime normal de periodicidade mensal, por opção, sendo sujeito passivo misto, com afectação real de todos os bens;

k)            A Requerente foi objecto de uma inspecção tributária externa, de âmbito geral, conforme ordens de serviço n.º OI2016... e n.º OI2016..., relativas aos períodos de 2014 e 2015, cujos relatórios finais se dão para todos os efeitos como totalmente reproduzidos;

l)             A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento dos seguintes actos de liquidação adicional de IVA referentes aos anos de 2014 e 2015:

 

•             ID documento 2018..., no montante de €1.646, 97 (mil seiscentos e quarenta e seis euros e noventa e sete cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €293,11 (duzentos e noventa e três euros e onze cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €2627,42 (dois mil seiscentos e vinte e sete euros e quarenta e dois cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €227,60 (duzentos e vinte e sete euros e sessenta cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €1.985,60 (mil novecentos e oitenta e cinco euros e sessenta cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €180,18 (cento e oitenta euros e dezoito cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €1.529,47 (mil quinhentos e vinte e nove euros e quarenta e sete cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €169, 14 (cento e sessenta e nove euros e catorze cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €1.393,02 (mil trezentos e noventa e três euros e dois cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €856,53 (oitocentos e cinquenta e seis euros e cinquenta e três cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €106,81 (cento e seis euros e oitenta e um cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €244,27 (duzentos e quarenta e quatro euros e vinte e sete cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €194,58 (cento e noventa e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €1.859,03 (mil oitocentos e cinquenta e nove euros e três cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €124,15 (cento e vinte quatro euros e quinze cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €1.376,56 (mil trezentos e setenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €858,47 (oitocentos e cinquenta e oito euros e quarenta e sete cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €49,21 (quarenta e nove euros e vinte e um cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €332, 45 (trezentos e trinta e dois euros e quarenta e cinco cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €112,35 (cento e doze euros e trinta e cinco cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €999,92 (novecentos e noventa e nove euros e noventa e dois cêntimos);

•             ID documento2018..., no montante de €51,67 (cinquenta e um euros e sessenta e sete cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €93,97 (noventa três euros e noventa e sete cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €101,46 (cento e um euros e quarenta e seis cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €259,89 (duzentos e cinquenta e nove euros e oitenta e nove cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €1.302,77 (mil trezentos e dois euros e setenta e sete cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €100,08 (cem euros e oito cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €1.229,22 (mil duzentos e vinte e nove euros e vinte e dois cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €104,41 (cento e quatro euros e quarenta e um cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €92,58 (noventa e dois euros e cinquenta e oito cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €1.232,64 (mil duzentos e trinta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €1.053,88 (mil e cinquenta e três euros e oitenta e oito cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €1.110,19 (mil cento e dez euros e 19 cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €119,99 (cento e dezanove euros e noventa e nove cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €1.360,38 (mil trezentos e sessenta euros e trinta e oito cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €133,57 (cento e trinta e três euros e cinquenta e sete cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €1.700, 76 (mil setecentos euros e setenta e seis cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €172,40 (cento e setenta e dois euros e quarenta cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €122,74 (cento e vinte e dois euros e setenta e quatro cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €1.265,85 (mil duzentos e sessenta e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €178,06 (cento e setenta oito euros e seis cêntimos);

•             ID documento 2018..., no montante de €1.171,58 (mil cento e setenta e um euros e cinquenta e oito cêntimos).

 

m)          A 5 de Março de 2018, a Requerente procedeu ao pagamento das referidas liquidações adicionais de IVA e juros;

n)           A 23 de Dezembro de 2019, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento do pedido de anulação dos actos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios.

 

2.2. Motivação da decisão da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos aos autos, tendo sido selecionada de acordo com o disposto no artigo 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

3. Matéria de direito – Argumentos das Partes

 

Defende a Requerente que, contrariamente ao defendido pela AT, o serviço de consultas de nutrição prestados constituem prestações de serviço isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 1 do Código do IVA, considerando o disposto no Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de Agosto e Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Julho. Alega, também, a Requerente que a prestação das consultas de aconselhamento nutricional foram efectivamente prestadas, conforme confirmado pelas testemunhas ouvidas pela AT e que, em qualquer caso, são prestações de meio e não de resultados. Por fim, a Requerente contesta que os serviços de aconselhamento nutricional sejam serviços acessórios da actividade de ginásio e que tenha prestado serviços de consulta nutricional antes de se encontrar inscrita na ERS.

 

Assim, entende a Requerente que, de acordo com o Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de Julho, a actividade de dietética compreende: “Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares”. Deste modo, os serviços prestados por nutricionistas quer sejam prestados directamente ao utente quer sejam prestados a uma qualquer entidade com quem contratualizem os seus serviços, são abrangidos pela isenção de IVA prevista no artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA. Também neste sentido segue a Jurisprudência Europeia, segundo a qual as actividades médicas e paramédicas, ainda que desenvolvidas por sociedades, beneficiam de isenção, desde que sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas (Cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 10 de Setembro de 2002, proferido no âmbito do processo C-141/00 - caso Kugler, Colet. P. I-6833, n.º 26). As consultas de nutrição em discussão foram prestadas pela Dra. C..., licenciada e inscrita na ordem dos nutricionistas.

 

Alega ainda a Requerente que, ao contrário do concluído pela AT, as consultas foram efectivamente realizadas, como resulta da agenda de marcação das consultas (enviada a 29/08/2017), das declarações da própria nutricionista atestando a realização das mesmas e das declarações de alguns dos sócios/clientes da aqui Requerente. Mesmo que assim não fosse, a isenção de IVA não depende da prestação efectiva das consultas de nutrição, mas sim da sua disponibilização. Neste sentido, segue também  Clotilde Celorico de Palma, no seu artigo “Enquadramento em IVA dos serviços de aconselhamento/consultas de nutricionismo prestados pelos ginásios” in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal refere: “A partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e facturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente do utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de actividades físicas).”

 

No que concerne à natureza da prestação de serviço de nutricionismo, entende a Requerente que tal serviço é independente e autónomo da actividade de ginásio, não podendo configurar-se as consultas de nutricionismo como serviços acessórios, visto que os sócios poderiam aderir a pacotes apenas de fitness ou apenas de nutrição ou ainda a pacotes que incluíssem os dois serviços autónomos e distintos. Neste sentido, defende-se na decisão arbitral de 2 de abril de 2018 (processo n.º 454/2017-T) que “Com efeito, dentro das práticas comerciais actuais, não é raro, sendo antes corrente, os operadores económicos diversificarem horizontalmente a sua actividade e aglutinarem prestações de serviços em “pacotes”, cuja subscrição assegura vantagens ao nível do preço para a respectiva clientela, em relação à sua contratação dispersa.”

 

Por sua vez, a AT entende que as prestações de serviços relacionadas com consultas de nutrição não constituem um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar das melhores condições para serem consideradas isentas, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA. Defende, também, a AT que a Requerente já facturava prestações de serviços isentas de IVA desde o início de 2014, quando o registo obrigatório na ERS apenas produziu efeitos a 17.11.2014.

 

Neste contexto, defende a AT que nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de Agosto, as profissões de diagnóstico e terapêutica devem compreender a realização das actividades constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Julho, tendo como matriz a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação.

 

Assim, para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, é essencial que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração directa dos cuidados de saúde ao utente e que os mesmos sejam efectivamente realizados.

 

Ademais, entende a AT que, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar, por um lado, se se está na presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única (Vide Acórdão do TJUE de 25.10.2005, Levob Verzekeringen BV, OV Bank NV contra Staatssecretaris van Financiën- Processo C-41/04).

 

A esta luz considera a AT que o serviço de nutrição, visa, servir de mero apoio à prática desportiva, não partilhando do objectivo terapêutico que é concedido à nutrição como fim único e exclusivo. Defende, por isso, a AT que não se trata, efectivamente, de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão-só à “disponibilização” de um serviço com características de aconselhamento ao cliente o qual apenas ocorre no caso de o cliente “procurar” esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente facturado. Com esse fim, de apoio/complemento à actividade física, estas mesmas sessões de acompanhamento/aconselhamento dietético ou nutricional não são autonomizáveis. 

 

Conclui, assim, a AT que as isenções do artigo 9.º do Código do IVA são de interpretação estrita, pelo que nunca se poderão aplicar, num caso como o em apreço, em que, por um lado, os destinatários dos serviços, não “procuram” o serviços de nutrição, para os fins terapêuticos previstos na isenção, a que acresce o facto de tal aplicação da isenção, só ser possível através da decomposição artificial de uma operação complexa única e em que existe uma completa desvirtuação da realidade económica verificável nos inputs, para através da facturação como levada a cabo pela requerente, permitir a não liquidação de imposto numa significativíssima parte dos outputs (o que para além de tudo o mais, põe em causa a neutralidade do imposto).

 

4. Decisão

 

Tendo em conta o exposto, cabe a este Tribunal apreciar se os actos de liquidação de IVA subjacentes ao indeferimento da decisão de reclamação graciosa são anuláveis por vício de violação de lei por erro nos pressupostos, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT.

 

Assim vejamos.

 

4.1. Qualificação das prestações de Consultas de Nutricionismo – artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA

 

Os actos de liquidação adicional de IVA subjacentes ao presente processo resultam do entendimento sufragado pela AT de que as prestações de serviços relacionadas com consultas de nutrição, não constituindo um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal do prestador, ou seja, o ginásio, não reúnem as condições para serem consideradas isentas, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA. Neste contexto, defendeu a AT que as consultas de nutrição prestadas não constituem serviços de assistência médica.

 

Sobre a qualificação das consultas de nutrição no quadro do artigo 9.º. n.º 1 do Código do IVA pronunciou-se já diversa jurisprudência, pelo que por clara e elucidativa transcrevemos a que resulta da Decisão n.º 174/2019, de 21.01.2020:

 

“Dispõe o citado artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA que estão isentas do imposto “as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”. A norma correspondente da Diretiva IVA, o artigo 132.º, n.º 1, alínea c) apresenta uma redação similar, referindo-se às “prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”.

A primeira nota a assinalar neste domínio é a da remissão da Directiva IVA para o direito interno relativamente à definição de profissões paramédicas, matéria que fica fora da modelação do direito europeu.

Por outro lado, o Código do IVA não contém uma definição de profissões paramédicas, cuja regulamentação consta de legislação avulsa, especificamente dos Decretos-Lei n.ºs 261/93, de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto, aos quais terá de apelar-se para efeitos de preenchimento dos pressupostos tipificados da norma de isenção de IVA em análise, de acordo com o critério de boa hermenêutica acolhido pelo artigo 11.º, n.º 2 da LGT.

O primeiro diploma acima referido estabelece a lista de atividades paramédicas, “que compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação”, e regula o respetivo exercício (artigo 1.º e lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/93). Nestas atividades inclui-se a “Dietética”, caraterizada como “[a]plicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.” (n.º 5 da lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/93).

O Decreto-Lei n.º 320/99 que define os princípios gerais do “exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica”, em concretização da base I da Lei n.º 48/90, de 20 de agosto (“Lei de Bases da Saúde”), inclui também de forma expressa a profissão de Dietista e estabelece que tais profissões compreendem as atividades constantes do Decreto-Lei n.º 261/93, reiterando novamente como matriz “a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação” (artigos 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 1).

Deste regime extrai-se uma segunda nota com relevo para a questão decidenda, que respeita ao facto de as atividades paramédicas não visarem apenas, ou sequer de forma prioritária, o diagnóstico e tratamento de uma doença, abrangendo igualmente a sua prevenção.

A expressão dietista é considerada, neste âmbito, equivalente a nutricionista. Efetivamente, o exercício da profissão de nutricionista ou dietista está dependente de título profissional atribuído pela Ordem dos Nutricionistas, criada pela Lei n.º 51/2010, de 14 de dezembro, e requer como títulos académicos habilitantes uma licenciatura em Ciências da Nutrição, ou em Dietética, ou ainda em Dietética e Nutrição. A profissão de nutricionista ou dietista pode ser exercida de forma liberal, a título individual ou em sociedade, ou por conta de outrem, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 1 da Lei n.º 51/2010.

De acordo com a definição constante da página eletrónica da Ordem dos Nutricionistas, o “nutricionista é um profissional de saúde que dirige a sua ação para a salvaguarda da saúde humana através da promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença pela avaliação, diagnóstico, prescrição e intervenção alimentar e nutricional a pessoas, grupos, organizações e comunidades, bem como o planeamento, implementação e gestão da comunicação, segurança e sustentabilidade alimentar, através de uma prática profissional cientificamente comprovada e em constante aperfeiçoamento. Incorpora ainda as atividades técnico-científicas de ensino, formação, educação e organização para a promoção da saúde e prevenção da doença através da alimentação.” – cf. http://www.ordemdosnutricionistas.pt/ver.php?cod=0A0D.

Os serviços de nutrição inserem-se, desta forma, na prestação de cuidados de saúde, sendo a sua área de atuação a alimentação humana, com o objetivo de prevenir e tratar as doenças associadas a uma incorreta alimentação, em linha com as políticas de saúde promovidas pelo Governo e pela Organização Mundial de Saúde.”

Assim, atenta a redação da norma de isenção constante do Código do IVA, que abrange as prestações de serviços efectuadas no exercício de profissões paramédicas, e tendo os serviços de aconselhamento nutricional aqui em discussão sido prestados pela Dra. C..., licenciada em nutrição e inscrita na ordem dos nutricionistas com o n.º de cédula ..., isto é, por profissional legalmente habilitado para o efeito, ao abrigo da referida legislação, tendo em vista a promoção da saúde e prevenção dos clientes através da “aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética”, encontram-se preenchidos os pressupostos da previsão do artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA, pelo que tais operações são isentas de IVA.

Na verdade, conforme resulta dos Acórdãos Ygeia, C-394/04, de 1 de Dezembro de 2005; Dornier, C-45/01; Kugler, C-141/00; e D. e W., C-384/98, de 14 de Setembro de 2000, os serviços de nutrição “têm de se configurar como serviços de assistência com uma finalidade terapêutica, i.e. de “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde”, sendo certo que a finalidade terapêutica não tem de ser compreendida numa acepção particularmente restrita, considerando que as prestações efectuadas para fins de prevenção, que visem proteger a saúde humana, também são abrangidas (Cfr. Acórdãos L.u.P., C-106/05, de 8 de agosto de 2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20 de novembro de 2003; D’Ambrumenil, C-307/01, de 20 de novembro de 2003; e Comissão/França, C-76/99, de 11 de janeiro de 2001).

 

No caso concreto, as consultas de nutricionismo disponibilizadas e prestadas pela Requerente consubstanciam prática clínica e foram realizadas por profissional de saúde, nutricionista, por aquela contratada e inscrita na respectiva ordem profissional, com observância das regras definidas pelo legislador nacional. É inequívoco que tais serviços visam a protecção da saúde dos clientes, numa concepção holística do conceito de saúde que reclama a promoção de estilos de vida saudáveis e uma abordagem multissetorial que conjuga, entre outros fatores, um regime alimentar adequado com actividade física.

Deste modo, contrariamente ao defendido pela AT, nem a jurisprudência comunitária, nem da interpretação das normas em discussão pode resultar o entendimento de que a actividade profissional de nutricionismo não é uma actividade paramédica ou que, apenas por não ter apenas em vista elaborar diagnósticos ou tratar sintomas e não as suas causas, não é uma prestação de serviço extremamente importante para a promoção da saúde, do ponto de vista do Homem como um todo.

 

Acresce ao exposto que, em face do artigo 9.º do Código do IVA e da legislação complementar aplicável (Decreto-Lei n.º 261/93, de 24.07 e Decreto-Lei n.º 320/99, de 11-08) não é possível sustentar o ponto de vista da AT de que a aplicação do artigo 9.º, n.º 1 do Código do IVA implica que os serviços se consubstanciem na administração directa de cuidados de saúde ao cliente em qualquer base legal/norma.

 

Conclui-se assim que o artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA deve ser interpretado, no sentido de considerar isenta a prestação, por parte da Requerente, de serviços de nutrição, por profissionais habilitados, aos seus clientes, tendo em vista a saúde e bem-estar destes últimos, que são, por conseguinte, isentos deste imposto.

4.2. Qualificação das prestações de serviços de nutricionismo – Realização

Segundo a Requerida constitui requisito da isenção de IVA aplicável à prestação de serviços paramédicos que os serviços de nutrição, concretizados em consultas e sessões de acompanhamento, sejam prestados, pelo que, perante a constatação de que tal não sucedeu em múltiplos casos, entende que não se verifica o pressuposto exigível – a efectiva realização dos serviços de nutrição – devendo os serviços cobrados ser tributados. Preconiza a Requerida que o reduzido número de consultas de nutrição, por comparação com os serviços de nutrição cobrados nas mensalidades não logra demonstrar a existência de uma efectiva prestação de serviços de natureza paramédica.

Analisados os factos relevantes sobre a disponibilização e realização das consultas de nutricionismo verifica-se que, conforme resulta do RIT, a Requerente disponibilizou os serviços aos sócios/clientes, contratou uma nutricionista devidamente habilitada para o efeito, dispôs de um espaço próprio nas suas instalações para a prestação dos serviços e ofereceu pacotes de “fitness” com nutrição e sem nutrição e ainda pacotes que incluem apenas os serviços de nutrição sem fitness.

Na verdade, conforme resulta provado, a Requerente oferecia três pacotes de serviços só de fitness, que varia, essencialmente, mediante o número de frequências semanais: 1 X por semana €42,00, 2 X por semana €49,00 e livre utilização €59,00 mensais. Oferecia ainda três pacotes de serviços só de aconselhamento nutricional: serviço base no valor de €21,00, serviço silver no valor de €24,50 e o serviço gold no valor de €29,50 mensais (em vigor desde 01/01/2014). E ainda três pacotes conjunto (fitness +nutrição): 1 X por semana com serviço base de nutrição no valor de €42,00; 2 X por semana com serviço silver no valor de €49,00 e, por fim, livre trânsito com serviço gold de nutrição no valor de €59,00 mensais.

Ora, tem sido defendido pela jurisprudência europeia, que acompanhamos, que a prestação de serviços se considera efectuada a partir do momento em que o prestador coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma prestação. A contrapartida do preço pago pela disponibilização dos serviços é constituída pelo direito que o adquirente retira de beneficiar da execução das obrigações que derivam do contrato celebrado e não depende do exercício desse direito, que constitui uma prerrogativa do adquirente – Acórdãos do Tribunal de Justiça, de 23 de dezembro de 2015, Air France – KLM, processo C-250/14, e de 22 de novembro de 2018, MEO, C-295/2017.

Mesmo que se entendesse que o serviço só fosse prestado quando efectivamente utilizado, a falta de utilização do serviço não permite recaracterizar a prestação de serviços de modo a torna-la sujeita a IVA. Assim, atente-se a este propósito na Decisão do CAAD n.º 373/2018-T:

“Relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção. Conforme assinalado por CLOTILDE CELORICO PALMA no parecer supra citado «[a] partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de atividades físicas).”

Na verdade, na hipótese de no caso concreto, as consultas só serem devidas se prestadas, isso significaria que, no caso de não serem, deixaria de existir operação tributável em IVA. Tal não conduziria à tributação à taxa normal da operação.

Em todo o caso, no caso em análise, a contratualização das consultas de nutrição dá-se pela disponibilização desse serviço, conforme as ofertas “em pacotes” identificadas e acompanhamento periódico, pelo que os serviços se consideram prestados com essa disponibilização, tal como sucede, entre outros, com os serviços de ginásio, telecomunicações ou de transporte aéreo (Cfr. TJUE acórdãos Air France-KLM, C-250/14, de 23 de dezembro de 2015, e MEO, C-295/17, de 22 de novembro de 2018).

Conclui-se, desta forma, seguindo a Decisão do CAAD n.º 159/2019-T sobre esta questão, que o facto de os clientes por vezes não usufruírem dos serviços contratados não implica que se considere que a prestação de serviços não foi realizada pelo prestador e/ou que a qualificação desses serviços e respectivo regime de IVA sofram modificações.

4.3. Qualificação das prestações de serviços de nutricionismo – Independência ou acessoriedade

Em matéria de IVA vigora o princípio de que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente, sem prejuízo de puder ser entendido que existe uma única operação quando não sejam independentes, isto é, quando deva seguir-se o velho princípio accessorium sequitur principale.

Para averiguar se as prestações de ginásio e as prestações de nutrição constituem várias prestações independentes ou uma prestação única para efeitos do IVA deve considerar-se os elementos característicos da operação em causa.

No caso em análise, em face dos factos provados e atentas as regras de ónus da prova, entende-se que a prestação dos serviços de nutricionismo constitui um fim em si mesmo, existindo inclusive oferta comercial pela Requerente de apenas serviços de nutricionismo, sem obrigatoriedade ou complementaridade da actividade no ginásio. Assim os sócios podem praticar apenas actividade física ou utilizar apenas serviços de nutrição ou ambos. A prestação de serviços de ginásio não é indispensável para a realização dos serviços de nutrição e vice-versa. Deste modo, tais prestações de serviços existem independentemente uma da outra.

Assim, seguindo mais uma vez o douto parecer de Clotilde Celorico Palma, já citado, entende-se que na situação sub judice não estamos perante uma prestação única. “E diga-se que o facto de o ginásio eventualmente incluir num pacote único ambas as prestações de serviços em nada poderá alterar tal conclusão. Nem tão pouco, no caso de o utente não usufruir das consultas de nutricionismo se poderá concluir que os serviços não foram prestados recusando-se a aplicação da isenção. A partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e facturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de actividades físicas).”

Conclui-se assim, em face da prova documental e testemunhal produzida, que as prestações de serviço de nutricionismo por profissional habilitada e de ginásio foram prestadas de forma autónoma e independente, não se podendo configurar como uma única operação. Do exposto resulta, também, que contrariamente ao defendido pela AT, não se entende que os serviços de nutrição tenham um carácter acessório ou instrumental relativamente aos serviços do ginásio, uma vez que resulta provado que os serviços de nutrição podiam ser adquiridos independentemente dos serviços de ginásio, dada a existência de um pacote de oferta apenas destinado a obter serviços de nutrição.

 

4.4. Outros Argumentos - Prejudicados

Em face do exposto, entendem-se prejudicadas as questões respondidas pelas conclusões enunciadas.

Não obstante, ainda se clarifica, por um lado que o alegado desdobramento do preço e da decomposição dos serviços prestados só podia ser declarado ilegal, se a AT invocasse factos demonstrativos da aplicação cláusula geral anti-abuso, constante do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, o que não sucedeu. E, por outro lado, que em face do regime de IVA e da qualificação das prestações de serviços de nutricionismo efectuada no caso sub judice para efeitos da aplicação da isenção de IVA, a data do registo na ERS não assume relevância (Vide, entre outras, a Decisão do CAAD n.º 454/2017-T, de 2.04.2018), visto que a prestadora de serviços de nutrição estava habilitada à data da prestação daqueles serviços, não tendo sido esse facto contestado. O incumprimento ou cumprimento tardio do registo da Requerente na ERS poderá, no entanto, ter relevância, num quadro contra-ordenacional.

4.5. Sobre o pedido de reenvio prejudicial

Compete ao Tribunal de Justiça, de acordo com o disposto no artigo 267.º do TFUE decidir sobra a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições e órgãos da União Europeia, pelo que sempre que se suscite uma questão de interpretação e aplicação do direito europeu (da União), os Tribunais nacionais devem suspender a instância e colocar a questão ao Tribunal de Justiça, procedendo ao reenvio prejudicial.

A obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode, todavia, ser dispensada quando, conforme conclui o Acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit, processo 283/81:

a) A questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;

b) O Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma;

c) O juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente. 

Na situação vertente, afigura-se não ser devido o reenvio, seja porque tais questões já se encontram esclarecidas pelo Tribunal de Justiça (acto aclarado), seja por serem questões de facto e não de interpretação da Directiva IVA, pelo que a competência para a sua apreciação é do órgão jurisdicional nacional.

 Nestes termos, não se justifica no caso sub judice o pedido de reenvio prejudicial relativamente às questões colocadas pela Requerida.

4.6. Juros Compensatórios e de Mora

 A ilegalidade das liquidações de IVA implica a anulação dos correspondentes juros compensatórios.

Dispõe nesta matéria o artigo 35.º, n.º 1 da LGT que determina que os juros compensatórios são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

Na situação vertente, os actos tributários de liquidação de IVA que originaram valor de imposto a pagar são parcialmente inválidos por vício de violação de lei por erro nos pressupostos, gerador de anulabilidade, pelo que não se verifica o requisito constitutivo da obrigação de juros compensatórios, dado que não foi retardada a liquidação de imposto que fosse devido.

Relativamente aos juros de mora, previstos nos artigos 44.º da LGT e 86.º do CPPT, ao contrário dos juros compensatórios (artigo 35.º da LGT) e dos juros indemnizatórios (artigo 43.º da LGT), não fazem parte das realidades que, nos termos do elenco do artigo 30.º, n.º 1 da LGT, integram a relação jurídica tributária. Dito de outro modo, incidem sobre a dívida tributária, mas não partilham da natureza desta.

Considerando que os juros de mora incidem sobre a dívida tributária e que, na situação sub iudice, esta dívida foi anulada, os actos de liquidação de tais juros partilham, em consequência, dos mesmos vícios e, por isso, devem ser também parcialmente anulados.

 

5. Decisão

 

Termos em que o Tribunal Arbitral decide:

 

A)           Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando-se, em consequência, os actos de liquidação sub judice;

 

B)           Condenar a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida e ter dado causa ao presente processo.

 

6. Valor do Processo

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €30.124,93.

 

7. Custas

Custas a cargo da Requerida no montante de €1.836, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa a este último.

 

Lisboa, 12.11.2020

 

A Árbitro,

(Magda Feliciano)

 

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990)