Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 194/2021-T
Data da decisão: 2021-12-07  IRC  
Valor do pedido: € 1.202.465,86
Tema: IRC- Gastos de financiamento. Aquisição de divisas. Preços de transferência.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Martins Alfaro e Dr. João Marques Pinto (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16-06-2021, acordam no seguinte:

              

                1. Relatório

 

A..., S.A., sociedade comercial com sede na ..., ...-... ..., NIPC..., doravante referida como «Requerente», veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”)apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista que seja declarada nula ou pelo menos anulada a liquidação de IRC referente ao período de 2016, com o número 2020..., de 04-11-2020, no valor de € 1.202.465,86 e respectivas demonstrações de liquidação de juros compensatórios e de acerto de contas.

                A Requerente pede ainda a restituição da quantia paga com juros indemnizatórios e indemnização por garantia indevida.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 06-04-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 25-05-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.ºdo RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 16-06-2021.

A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 25-10-2021 e em 08-11-2021, realizaram-se reuniões em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           A Requerente é uma sociedade anónima integrante do grupo económico B...;

B)           A Requerente exerce a actividade de “Fabricação de produtos derivados de arame e outros produtos metálicos diversos”;

C)           O organigrama de participações sociais do grupo é o que se apresenta infra:

 

D)           Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente ao abrigo da Ordem de >Serviço OI2019..., em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III.2.1.6. Encargos Financeiros

Para além do exposto no que à regra gerai de dedutibilidade dos gastos, consagrada no art. 23.º do CIRC diz respeito, há que atender às especificidades do código no que respeita às limitações à dedutibilidade de gastos de uma forma geral e a dedutibilidade dos gastos de financiamento em particular, já que o legislador introduziu várias normas de controlo dos mesmos.

O Direito Fiscal nacional toma o resultado contabilístico como a base geral e o ponto de partida do resultado tributável, o qual submete a correções (art. 17.º do CIRC), de acordo com os interesses específicos da fiscalidade, os quais divergem dos da contabilidade, É no que respeita aos gastos que estas correções mais se impõem contendo o art. 23.º do CIRC a concretização do conceito de gastos e dos requisitos da dedutibilidade daqueles para efeitos fiscais. Isto resulta do modelo de dependência parcial da fiscalidade face à contabilidade, a que já se aludiu, que se caracteriza por aceitar o tratamento contabilístico preconizado nas normas contabilísticas sempre que não estejam estabelecidas regras fiscais próprias.

Da regra geral consagrada no art. 23.° do CIRC resulta, desde logo, que só são "dedutíveis os gastos e perdas incorridos para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC". Ou seja, a norma exige uma ligação de causalidade entre a realização da despesa e a obtenção de rendimentos, de modo a impedir a inclusão de gastos com a prossecução de interesses alheios ao próprio sujeito passivo. Acresce que, o n.º 2 do art. 23.º destina, especificamente, a alínea c) aos gastos de natureza financeira, a qual atende ao destino dado aos financiamentos e restringe a dedutibilidade daqueles gastos aos que resultam de "capitais alheios aplicados na exploração", ou seja, para fazer face aos dispêndios em que uma sociedade incorre para assegurar o exercício da sua atividade, que no caso da A... é a "Fabricação de produtos derivados de arame, e outros produtos metálicos diversos", conforme decorre da Certidão da Conservatória do Registo Comercial da sociedade. Assim, só serão aceites os gastos de financiamento resultantes de empréstimos contraídos para aplicar nesta atividade. nomeadamente, em custos de exploração que dão origem a saídas de fluxos monetários, como salários, matérias-primas, energia, compra de ativos fixos tangíveis, etc.

A análise ao balanço da sociedade permite concluir que o financiamento externo tem um peso considerável no seu passivo, representando os financiamentos obtidos quase 80% do passivo total, quer no final de 2015, quer no final de 2016, data em que o nível de endividamento ronda os 60%, conforme demonstrado na tabela seguinte, o que resulta em elevados gastos de financiamento, que influenciam negativamente o resultado do período e cuja analise se torna pertinente, tendo presente os normativos aplicáveis.

(...)

 

A análise ao balanço da sociedade permite concluir que o financiamento externo tem um peso considerável no seu passivo, representando os financiamentos obtidos quase 80% do passivo total, quer no final de 2015, quer no final de 2016, data em que o nível de endividamento ronda os 60%, conforme demonstrado na tabela seguinte, o que resulta em elevados gastos de financiamento, que influenciam negativamente o resultado do período e cuja analise se torna pertinente, tendo presente os normativos aplicáveis.

 

Antes de passar à análise propriamente dita cumpre realçar que, tal como os indicadores antes apresentados demonstram, a A... não se apresenta numa situação de excedentes de tesouraria, permitindo a análise dos movimentos financeiros constatar que, para fazer face à liquidação das suas obrigações, a sociedade recorre, frequentemente, ao crédito.

Para além da conta "25 - Financiamentos Obtidos", também as próprias contas de DO se apresentam, por vezes, com saldos negativos, correntemente designados de descobertos bancários, o que reforça a dependência da empresa ao recurso a capital alheio para fazer face, não só a investimentos de médio e longo prazo, mas também à sua gestão corrente de tesouraria. Exemplo disso é a conta "1227 – N...- Conta 59S1303", cujos saldos contabilísticos mensais se encontram expressos na tabela seguinte, a qual foi elaborada a partir do ficheiro SAFT-PT fornecido pelo sujeito passivo, e evidenciam que ao longo de todo o ano de 2016 a conta se apresentou, recorrentemente, negativa.

 

Relacionada com a conta de DO antes mencionada está a conta de empréstimos obtidos no N..., com o n.º..., que corresponde na contabilidade à conta "25111108 - Financiamentos Obtidos - Crédito em C/C-Caucionadas-N... " cujos movimentos ocorridos em 2016 vão ser analisados no ponto seguinte.

- Conta 25111108 - Financiamentos Obtidos - Crédito em C/C-Caucionadas-N..

Apesar desta conta apresentar saldo nulo no balancete a 31/12/2016, tem movimento de valor acumulado de €35.456.871,07 resultante, maioritariamente, de uma utilização da conta efetuada em 04/01/2016, no montante de €30.500.000,00 e respetivos encargos associados, que teve como objetivo fazer face ao saldo negativo em que a conta de DO no N... com o n.º 5991303. que corresponde na contabilidade à conta "1227-N... -Conta 5991003", antes referida, se encontrava, o qual decorreu dos movimentos que a seguir se descrevem.

Em 04/01/2016 a A... comprou moeda estrangeira (GBP15.714.000 + USD11514.000) que foi aplicada, na mesma data, em depósitos a prazo em moeda estrangeira, o que deu origem aos movimentos contabilísticos refletidos na tabela seguinte.

 

A data da compra de moeda estrangeira a conta de DO no … com o n.º 5991303 (1227) apresentava um saldo bancário positivo de €1,871.169,79, contudo, decorrente dos referidos movimentos ficou com um saldo negativo de €30.000.149,55, conforme a seguir apresentado (veja-se extrato bancário em anexo 4, 2 folhas);

 

Com data de lançamento de 8/1/2016, mas data valor de 4/1/2016, ou seja, a data da compra de divisas antes referida, a conta registou uma entrada de €30.500.000,00 com origem numa utilização da conta corrente caucionada no N..., com o n.º ..., que regularizou o descoberto bancário causado pela compra das libras esterlinas (GBP) e dos dólares americanos (USD).

Ao longo do mês de janeiro registaram-se na conta 1227 diversos pagamentos e recebimentos relacionados com a atividade da empresa, sendo que a mesma teve ainda movimentos de transferências com origem e destino de/a outras contas, maioritariamente relacionados com a utilização ou liquidação de crédito bancário, conforme observações inscritas na coluna 4 da tabela seguinte. Em 31/01/2016 apresentava-se com um saldo negativo, quer contabilisticamente. quer no próprio banco (€503.707,46), situação que se manteve, praticamente inalterada, ao longo de todo o ano, tal como já foi referido.

 

Para além dos gastos inerentes ao descoberto bancário da conta de DO, o crédito contraído em 04/01/2016, reconhecido na conta 25111108, cuja primeira amortização, de €11.500.000,00, ocorreu apenas em 25/10/2016 (doe. 2-10100) gerou gastos mensais, os quais são identificados na tabela seguinte e assumem o montante total de €356.871,05.

 

Conforme descrito, o financiamento contraído em 04/01/2016, no montante de €30,500,000,00 teve como destino a realização de depósitos a prazo em divisas. Ora, as empresas investirem em depósitos a prazo é uma medida de gestão encarada como perfeitamente normal, na medida em que os mesmos se caracterizam por serem instrumentos de investimento seguro e de muito baixo risco, que permitem obter alguma valorização do capital que resulte de excedentes de tesouraria e não se prevê que seja necessário no curto prazo. Contrariamente, não se vislumbra que, em condições normais, uma sociedade, não financeira, como é o caso da A..., recorra a crédito bancário, gerador de elevados gastos, para realizar depósitos bancários, considerando-se que tal situação extravasa em absoluto a atividade normal da sociedade e só pode ser encarada como uma negociação de cariz extraordinário e puramente especulativo.

Em suma,

Face ao descrito, e tendo patentes as regras da dedutibilidade consagradas pelo CIRC, conclui-se que o financiamento contraído em 04/01/2016, no montante de €30.500.000,00, não teve como objetivo obter ou garantir rendimentos, condição essencial consagrada no n.º 1 do art. 23.º do CIRC, para a dedutibilidade fiscal dos gastos. Tal conclusão decorre, desde logo, das regras normais do sistema bancário que ditam que a banca empreste capital a taxas muito superiores àquelas com que remunera os depósitos bancários, pelo que não se vislumbra como é que as operações antes descritas, realizadas pelo sujeito passivo, tiveram em vista a prossecução dos seus interesses na obtenção de rendimentos.

Acresce que, tal como ficou claramente demonstrado, o montante de €30.500.000,00 com que a sociedade se financiou em 04/01/2016 não foi aplicado em despesas resultantes da sua atividade de exploração, donde decorre que os gastos inerentes a esta conta também não são dedutíveis para efeitos de determinação do resultado tributável por força da al. c) do n.º 2 do art. 23.º do CIRC.

Para além dos gastos financeiros inerentes à conta "25111108- Financiamentos Obtidos - Crédito em C/C-Caucionadas- N... ", associado aos depósitos a prazo está também o reconhecimento de diferenças de câmbio, de valor significativo, que a seguir vão ser analisadas.

- Diferenças de câmbio associadas aos depósitos a prazo A) Enquadramento legal

No que ao tratamento contabilístico das diferenças de câmbio diz respeito, deve atender-se ao preconizado pela NCRF 23. Tendo presente que as diferenças de câmbio aqui em análise decorrem da realização de depósitos a prazo por parte da  A... em moeda diferente da sua moeda funcional, que é o Euro, estamos na presença de "ativos a receber num número fixado ou determinável de unidades monetárias", ou seja, itens monetários, conforme resulta dos parágrafos 7 e 15 da NCRF 23. No tratamento das diferenças de câmbio dos itens monetários, há que atender, designadamente, ao previsto nos parágrafos 19 a 32 da norma, tendo em conta que, ao preparar as demonstrações financeiras uma entidade deve transpor os itens de moeda estrangeira para a sua moeda funcional e relatar os efeitos dessa transposição (§16 da NCRF 23).

No que respeita ao reconhecimento inicial na moeda funcional das transações em moeda estrangeira, determina o §20 da norma que as mesmas devem ser registadas "pela aplicação à quantia de moeda estrangeira da taxa de câmbio entre a moeda funcionai e a moeda estrangeira à data da transação".

No momento da liquidação dos itens monetários, ou do seu relato a taxas diferentes das que foram inicialmente registadas durante o período ou relatadas em demonstrações financeiras anteriores, devem ser reconhecidas as correspondentes diferenças de câmbio nos resultados do período em que ocorram, exceto se resultarem de um item monetário que faça parte do investimento líquido numa unidade operacional estrangeira da entidade (§26 e 30). Prossegue o §27 determinando que, se existir uma diferença entre o câmbio pelo qual foi registado inicialmente o item monetário e o câmbio à data da sua liquidação, essa diferença (positiva ou negativa) deve ser reconhecida nos resultados do período da referida liquidação. Assim, "Quando a transação é liquidada dentro do mesmo período contabilístico em que ocorreu, toda a diferença de câmbio é reconhecida nesse período. Porém, quando a transação é liquidada num período contabilístico subsequente, a diferença de câmbio reconhecida em cada período até à data de liquidação é determinaria pela alteração nas taxas de câmbio durante cada período."

Subsequentemente, conforme decorre da al. a) do §22 da NCRF 23, à data de cada balanço, "os itens monetários em moeda estrangeira devem ser transpostos pelo uso da taxa de fecho", sendo reconhecida a respetiva diferença de câmbio nos resultados do período correspondente. Tal procedimento traduz-se, na prática, em remensurar o saldo final dos itens monetários em moeda estrangeira, existente à data de balanço (31/12), tendo em conta a taxa de câmbio de fecho desse dia (31/12) entre a moeda estrangeira em causa & o euro, reconhecendo a diferença de câmbio nos resultados do período.

No que respeita às taxas de câmbio, definidas como o rácio de troca de duas moedas (§7, NCRF 23), são comummente utilizadas as taxas de câmbio oficiais publicadas pelo Banco de Portugal (BdP), disponíveis em https://www.bportugal.pt/taxas-cambio, página onde é possível descarregar informação sobre taxas de câmbio desde janeiro de 1999 em "ficheiro xlsx" ou "ficheiro csv". Por regra, as taxas de câmbio são publicadas "ao certo", indicando quanto vale em moeda estrangeira uma unidade de moeda nacional, sendo habitualmente representadas pelo símbolo da moeda base seguido do símbolo da segunda moeda. Por exemplo, EUR/USD representa o preço, em dólares americanos, de cada euro, pelo que se a taxa de câmbio EUR/USD for de 1,0541 significa que, para comprar 1 euro são necessários 1,0541 dólares, logo, no reconhecimento inicial de uma transação em moeda estrangeira teremos:

Montante a reconhecer contabilisticamente = Quantia de moeda estrangeira / taxa de câmbio

Em termos fiscais, o CIRC não contempla nenhum regime específico no que a matéria em apreço diz respeito, o que equivale a dizer que, vigorando o modelo de dependência parcial da fiscalidade face à contabilidade, é acolhido o tratamento contabilístico antes enunciado. Assim, deve ter-se em atenção que:

- As diferenças de câmbio favoráveis devidamente reconhecidas, são consideradas rendimentos para efeitos de determinação do lucro tributável por força da al. c) do n.º 1 do art. 20.º do CIRC, que estabelece que "Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:

c) De natureza financeira, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, prémios de emissão de obrigações e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado"; (sublinhado nosso)

- As diferenças de câmbio desfavoráveis devidamente reconhecidas, são consideradas gastos para efeitos de determinação do lucro tributável por força da al. c) dos n.ºs 1 e 2 do art. 23.º do CIRO, que considera que "Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC", nomeadamente, os:

"c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;" (sublinhado nosso)

Logicamente que, no que concerne às diferenças cambiais que originam gastos, para que as mesmas sejam aceites têm que se encontrar cumpridos, relativamente às mesmas, todos os requisitos enunciados no CIRC para a dedutibilidade dos gastos e a que já nos referimos anteriormente, nomeadamente, o serem essenciais para a obtenção ou garantia de rendimentos sujeitos a IRC e o adequado suporte documental. De referir ainda que, uma vez que "As diferenças cambiais constituem componentes da valorização de itens do balanço ou da demonstração dos resultados (...) Em sede de IRC, em termos gerais o tratamento das diferenças cambiais deve atender ao enquadramento do item correspondente", pelo que "se determinado encargo não for dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável, então as correspondentes variações cambiais, enquanto componentes do respetivo valor, devem também estar sujeitas às mesmas limitações que sejam aplicáveis aos gastos a que correspondem", tal como se encontra esclarecido na informação vinculativa, processo n.º 2017 001652, com Despacho da Subdiretora-Geral de 19/07/2017.

B) Diferenças de câmbio reconhecidas contabilisticamente

Conforme decorre da análise ao balancete da sociedade, foram reconhecidos gastos com diferenças de câmbio no montante global de €5.217.507,84 e rendimentos de idêntica natureza, no montante de €1.306.279,58, como melhor se encontra descriminado na tabela seguinte.

 

De realçar que o saldo da conta "78613- Rendimentos e ganhos nos restantes activos-Difer. de câmbio favoráveis-Relativas a depósitos bancários em Moeda Estrang.", está negativamente influenciado por um débito acumulado de €663.591,36, que resultou do lançamento contabilístico inerente ao documento interno n.º 12134 do diário 2, conforme reflete imagem seguinte, extraída do ficheiro SAFT-PT, e, dada a natureza do movimento, indica respeitar a uma diferença de câmbio desfavorável, logo, passível de reconhecimento na conta 6863 e não a débito de uma conta de rendimentos.

 

Tendo em conta o supra exposto, os gastos decorrentes das diferenças de câmbio reconhecidas contabilisticamente assumem o montante de €5.881,099,20 (€5.217.507,84 + €663.591,36), sendo que destes, decorreram da valorização dos depósitos a prazo, designados no piano de contas como "atividades de investimento", por contraposição com as "atividades operacionais", gastos no montante de €4.527.887,73 (€3.864.296,37 + €663.591,36).

Uma vez que no Q07 da Modelo 22 não foi identificada qualquer correção inerente às diferenças de câmbio, o mesmo equivale a dizer que as mesmas contribuíram para a determinação do resultado tributável, pelo que vai proceder-se à sua análise, tendo sempre presente que as mesmas decorrem da valorização de ativos (depósitos a prazo) e o seu correio enquadramento fiscal deve ter em conta esta realidade, nomeadamente se a constituição de tais depósitos é determinante para o sujeito passivo "obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC" (n.º 1 do art. 23.ºdoCIRC). E assim é porque, tal como já referido, o enquadramento das diferenças cambiais deve atender ao enquadramento do item a que as mesmas correspondem.

 

- Depósitos em libras esterlinas (GBP) reconhecidos na conta 13217

Conforme referido, em 04/01/2016, a A... realizou um depósito a prazo em GBP, o qual foi debitado à conta 13217. A tabela seguinte apresenta as taxas de câmbio do euro face às libras, em datas distintas, a qual evidencia uma depreciação do euro face a esta moeda estrangeira, entre o início e o final do ano de 2016.

 

Pela constituição do deposito a prazo de GBP15.720.475,00 a conta 13217 foi debitada (doe. 2-1003) por €21.336.183,69, que resultaram da conversão das libras à taxa de câmbio inerente ao saldo da conta 12927. na mesma data, conforme expressa a tabela seguinte.

 

 

O referido depósito foi liquidado em 01/04/2016, o que deu origem ao movimento contabilístico (doe. 2-4009) expresso na tabela seguinte.

 

 

 

Ao longo do ano foram efetuados depósitos com periodicidade trimestral, nas datas a seguir indicadas, tendo-se constatado que em todos os lançamentos inerentes às liquidações dos depósitos foi devidamente utilizada a taxa de câmbio do BdP da data da operação no reconhecimento dos juros e correspondente imposto:

-Em 06/04/2016 foi constituído depósito bancário de GBP15.727.582,00 (GBP15.720.475,00 + juros de 01/04/2016), que se venceu em 06/07/2016;

- Em 08/07/2016 constituíram novo depósito de GBP15.720 475,00, que foi liquidado em 11/10/2016;

- Em 19/10/2016 foi constituído depósito a prazo de GBP15.728.147.40 (GBP15.720.475.00 + juros de 08/07/2016), que se venceu em 30/12/2016.

A exceção do lançamento contabilístico decorrente do documento n.º 4009 do diário 2, ao longo do ano não voltaram a ser reconhecidas quaisquer diferenças de câmbio inerentes aos depósitos a prazo antes referidos. A análise aos extratos bancários evidencia que a moeda estrangeira (GBP) adquirida em 04/01/2016 manteve-se em contas bancárias expressas em GBP, ora na conta de depósitos à ordem n.º ... em GBP s/ o N..., ora investida em depósitos a prazo no mesmo banco, pelo que, a posição financeira da sociedade nunca se alterou, donde, o reconhecimento da diferença de câmbio negativa de € 79.946,96 em 01/04/2016 não faz sentido.

Para além das entradas de libras na conta 12927 decorrentes do depósito vencido em 30/12/2016 (doe. 2-12122) a conta registou outras entradas no mês de dezembro de 2016. A tabela seguinte expressa todos movimentos ocorridos na conta no último mês do ano, a qual chegou a apresentar, em 30/12/2016, um saldo de GBP 20.795.777,61.

 

Em 30/12/2016 a A... procedeu à venda de GBP20,780.000,00, ao câmbio de 0,854, o que equivale a €24.332.552,69 (GBP20.780.000,00/0,854), tendo efetuado o movimento contabilístico que se encontra expresso na tabela seguinte, o qual reflete o reconhecimento de gastos cambiais no montante de €2.876.542,67, que resultaram do facto do sujeito passivo ter utilizado uma taxa de câmbio EUR/GBP 0,76372, para dar saída das libras da conta 12927, a qual é semelhante à data de entrada das libras em 04/01/2016 (0,7368).

 

De facto, tendo-se verificado a entrada de moeda estrangeira nas contas bancárias em 04/01/2016 ao câmbio EUR/GBP de 0,7368, a qual apenas foi transferida para a conta de depósitos à ordem em euros em 30/12/2016 ao câmbio EUR/GBP de 0,854, é nesta data que se verifica uma perda cambial efetiva, provocada pela desvalorização do euro face à libra esterlina, a qual foi contabilisticamente refletida no movimento anteriormente expresso.

Na data em que o montante de €24.332,552, 69 deu entrada na conta 1227, ou seja, 30/12/2016, saiu da mesma conta, o valor de €23,700,000,00, conforme reflete a figura seguinte, extraída das linhas de movimentos do SAFT-PT.

 

Os créditos ocorridos na conta 1227 evidenciados na figura anterior tiveram como destino a amortização de empréstimos bancários, conforme a seguir se indica:

- O montante de €21.700.000,00 (doe. 2-12127 e 2-12128) foi debitado à conta 25111108, tendo o a mesma ficado saldada. O extrato bancário que se junta em anexo 5 (6 folhas) demonstra que o empréstimo contraído em 04/01/2016 ficou liquidado nesta data;

-O montante de €1.000.000,00 creditado pelo doe. 2-12129 deu entrada na conta de depósitos à ordem 1231 donde saiu na mesma data (doe. 2-12165) para amortizar o empréstimo refletido na conta 25111107;

-O montante de €1.000.000,00 creditado pelo doe, 2-12130 deu entrada na conta de depósitos à ordem 1279 donde saiu na mesma data (doe. 2-12138) para amortizar o empréstimo refletido na conta 25111106.

Em suma,

Apesar de não ter excedentes de tesouraria, recorrendo frequentemente ao crédito para fazer face à liquidação das suas obrigações, quer de médio e longo prazo, quer de gestão corrente, o que expõe a sociedade a níveis de endividamento elevados, a A... investiu em depósitos a prazo em moeda estrangeira, o que agravou ainda mais a sua dependência face ao crédito bancário. Tal investimento gerou gastos financeiros que, embora tenham contribuído negativamente para a determinação do resultado tributável do sujeito passivo, não só não tiveram em vista a prossecução dos seus interesses, como não resultam de empréstimos contraídos para aplicar na atividade da sociedade, aos quais a mesma não teria tido necessidade de recorrer se não tivesse investido em divisas.

Assumindo os depósitos a prazo um caráter absolutamente anormal e especulativo, as diferenças de câmbio negativas relativas à sua valorização, enquanto componentes do seu valor, não são dedutíveis para efeitos de determinação do resultado tributável, pelo que deveria ter sido acrescido ao resultado líquido do período de 2016 o montante de €2.956.489,63 (€79.946,96 +€2.876.542,67).

 

(...)

 

III.2.1.8. Preços de transferência (PT)

Focando-nos no enquadramento legal da temática em referência, em matéria de PT a legislação fiscal portuguesa segue as recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e aplica-se à generalidade dos sujeitos passivos que registam operações vinculadas, ou seja, operações realizadas entre entidades relacionadas. De uma forma genérica, pode definir-se PT como o valor atribuído às transações internas entre várias empresas que pertencem a um mesmo grupo económico.

Relativamente a tal temática, deve atender-se ao art. 63.º do CIRC e à Port. 1446-C/2001, de 21/12, que estabelecem que os preços a adotar em operações vinculadas deverão ser aqueles que seriam estabelecidos se as entidades envolvidas se encontrassem a atuar em condições de plena concorrência, tendo como objetivo assegurar que as receitas fiscais não sofrem diminuições em consequência da transferência de resultados entre entidades pertencentes ao mesmo grupo ou relacionadas em determinado contexto. Ou seja, garantir que os PT adotados sejam aqueles que seriam estabelecidos em condições de mercado, em alinhamento com o princípio de plena concorrência.

A aplicação do princípio de plena concorrência é exigida para todas as operações, independentemente da sujeição destas a imposto sobre o rendimento e da sua localização se encontrar, ou não, em território nacional, praticadas com as entidades com as quais existem relações especiais, nos termos definidos no n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, A aplicação do referido princípio deverá basear-se na comparação dos preços ou margens utilizadas em operações vinculadas, com os preços ou margens praticadas em operações similares realizadas entre entidades não relacionadas (entidades independentes) através da adoção do método considerado mais apropriado, estabelecendo a Port. n.º 1446-C/2001. de 21/12 indicadores a ter em conta para a escolha do referido método.

Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 do art. 63.º do CIRC não sejam observadas, devem ser efetuados ajustes, conforme previsto nos n.™ 8 a 12 do mesmo preceituado. Relativamente a operações com entidades não residentes, determina o n.º 8 que "deve o sujeito passivo efetuar, na declaração a que se refere o artigo 120.º, as necessárias correções positivas na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância".

Quando a administração fiscal "proceda a correções necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo do IRC ou do IRS, na determinação do lucro tributável deste último devem ser efetuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo das correções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro" (n.º 11 do art. 63.º do CIRC), podendo "proceder igualmente ao ajustamento correlativo referido no número anterior quando tal resulte de convenções internacionais celebradas por Portugal e nos termos e condições nas mesmas previstas", conforme estabelece o n.º 12 do art. 63.º do CIRC. Por sua vez, o art.º3.º da Port. n.º 1446-C/2001, de 21/12, dispõe que:

"1 - Sempre que os termos e condições de uma operação vinculada em que intervenha um sujeito passivo e uma entidade não residente em território português difiram dos que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, deve aquele efetuar. na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 112.º do Código do IRC, uma correção positiva correspondente aos efeitos fiscais imputáveis àquele desvio, por forma que o lucro tributável determinado não seja diferente do que se apuraria na ausência de relações especiais.

2 - Quando os termos e condições de uma operação vinculada em que intervenha um sujeito passivo e uma entidade residente em território português difiram dos que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, a Direcção-Geral dos Impostos pode efetuar as correções ao lucro tributável que sejam necessárias para que o respetivo montante corresponda ao que teria sido obtido se a operação se tivesse processado numa situação normal de mercado." (sublinhado nosso)

Do exposto facilmente se conclui que existem dois tipos de procedimentos para efetuar os ajustes, consoante a residência fiscal dos intervenientes nas operações vinculadas. Assim, temos:

- Nas operações vinculadas com entidades não residentes em território português (n.º 8 do art. 63.º do C1RC e n.º 1 do art. 3.º da Por. 1446-C/2001, de 21/12) o sujeito passivo deve efetuar uma correção positiva no apuramento do lucro tributável, na declaração de rendimentos modelo 22, correspondente aos efeitos fiscais imputáveis aos desvios, não estando prevista a possibilidade de efetuar correções negativas;

- Nas operações vinculadas com entidades residentes em território português (n.º 2 do art. 3.º da Port. 1446-C/2001, de 21/12), compete apenas ao Estado avaliar a necessidade de proceder a ajustes, pelo que a AT pode efetuar as correções ao lucro tributável que sejam necessárias para que o respetivo montante corresponda ao que teria sido obtido se a operação se tivesse processado numa situação normal de mercado.

No que aos afastamentos diz respeito, de salientar ainda que, relativamente às entidades residentes estão previstos ajustes automáticos (n.º 11 do art. 63.º do CIRC). Já para os não residentes o sujeito passivo deve solicitar a revisão da sua situação tributária conforme previsto no art. 18.º da Port. 1446-C/2001, de 21/12, cujo n.º 1 estabelece que "Para efeitos do ajustamento previsto no n.º 2 do artigo anterior, o sujeito passivo deve apresentar ao director-geral dos Impostos um pedido de revisão da sua situação tributária com fundamento em correcções efectuadas, ou proposta oficial de as efectuar por autoridade fiscal estrangeira competente, ao lucro tributável de entidades que com ele estejam relacionadas, das quais decorre, ou irá decorrer, uma dupla tributação não conforme às regras de convenção internacional celebrada por Portugal.

Os ajustamentos devidos devem ser concretizados no período em que ocorreram as operações que lhe deram origem, conforme mencionado no n.º 10 do art. 63.º do CIRC e o art. 21.º da Port. 1446-C/2001, de 21/12.

Por forma a justificar que os termos e condições das operações efetuadas entre entidades com relações especiais são estabelecidas em observância do princípio da plena concorrência, determina o n.º 6 do art 63.º do CIRC que "O sujeito passivo deve manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º a documentação respeitante à política adotada em matéria de preços de transferência, incluindo as diretrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros atas jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respetivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados sectoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a selecto do método ou métodos utilizados". Assim, os sujeitos passivos devem elaborar e manter atualizado um Dossier Fiscal de PT (DPT), o qual deve conter os elementos informativos constantes do, já citado, n.º 6 do art. 63.º do CIRC e informação patente no art. 14.º da Port. 1446-C/2001, de 21/12. Refere também o n.º 1 do art. 13º da Port, 1446-C/2001, de 21/12, que o DPT deve conter "informação e documentação respeitantes à política adotada na determinação dos preços de transferência e manter, de forma organizada, elementos aptos a provar:

a) A paridade de mercado nos termos e condições acordados, aceites e praticados nas operações efetuadas com entidades relacionadas;

b) A seleção e utilização do método ou métodos mais apropriados de determinação dos preços de transferência que proporcionem uma maior aproximação aos termos e condições praticados por entidades independentes e que assegurem o mais elevado grau de comparabilidade das operações ou séries de operações efetuadas com outras substancialmente idênticas realizadas por entidades independentes em situação normal de mercado."

O art. 14.º da Port. 1446- C/2001, de 21/12, elenca a informação considerada relevante para a elaboração do DPT, com o suporte na documentação descrita no art. 15.º do mesmo diploma. Assim, o DPT deve conter, designadamente:

"a) Descrição e caracterização da situação de relações especiais em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 58º do Código do IRC que seja aplicável às entidades com as quais realiza operações comerciais, financeiras ou de outra natureza, bem como da evolução da relação societária do vínculo que constitua a origem da relação especial, incluindo, se for caso, o contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente, ou, tem assim, elementos demonstrativos da situação de dependência a que se refere a alínea g) do n.º 4 do mesmo artigo;

b) Caracterização da atividade exercida pelo sujeito passivo e pelas entidades relacionadas com as quais realiza operações e, em relação a cada uma destas, indicação discriminada, por natureza das operações, dos valores das mesmas registados pelo sujeito passivo nos últimos três anos, ou pelo período em que estas tenham tido lugar, se inferior, bem como, nos casos em que se justifique, a disponibilização das contas sociais daquelas entidades;

c) Identificação detalhada dos bens, direitos ou serviços que são objeto das operações vinculadas, e dos termos e condições estabelecidos, quando tal informação não resulte dos contratos celebrados;

d) Descrição das funções exercidas, ativos utilizados e riscos assumidos, quer pelo sujeito passivo, quer pelas entidades relacionadas envolvidas nas operações vinculadas;

e)Estudos técnicos com incidência em éreas essenciais do negócio, nomeadamente nas de investimento, financiamento, investigação e desenvolvimento, mercado e reestruturação e reorganização das atividades, bem como previsões e orçamentos respeitantes à atividade global e à atividade por divisão ou produto;

f)Diretrizes relativas à aplicação da política adotada em matéria de preços de transferência, independentemente da forma ou designação que lhes seja atribuída, que contenham instruções nomeadamente sobre as metodologias a utilizar, os procedimentos de recolha de informação, em especial de dados comparáveis internos e externos, as análises a efetuar para avaliar dag) Contratos e outros atas jurídicos praticados tanto com entidades relacionadas como com entidades independentes, com as modificações que ocorram e com informação histórica sobre o respetivo cumprimento, devendo ainda ser fornecidos, quando não constem expressamente dos instrumentos jurídicos existentes ou quando a prática seguida se afaste do neles acordado, os elementos seguintes:

1) Definição do âmbito de intervenção das partes envolvidas:

2) Condições de entrega dos produtos e atividades acessórias envolvidas, designadamente serviços pós-venda, assistência técnica e garantias:

3) Preço e, se necessário, respetiva forma de cálculo, e, ainda, se esta estiver associada a pressupostos, a indicação dos mesmos e das circunstâncias em que ficam sujeitos a revisão, bem como a discriminação das respetivas regras e a explicação detalhada dos ajustamentos plurianuais de preços, apontando, nomeadamente, os efeitos quantitativos decorrentes de fatores ligados aos ciclos económicos;

4) Duração acordada ou prevista e modalidades de extinção admitidas;

5) Penalidades e o respetivo procedimento de calculo para a mora no cumprimento ou o incumprimento, qualquer que seja a sua forma de manifestação, incluindo designadamente juros de mora;

h) Explicação sobre a aplicação do método ou métodos adotados para a determinação do preço de plena concorrência em relação a cada operação e indicação das razões justificativas da seleção do método considerado mais apropriado;

i) Informação sobre os dados comparáveis utilizados, evidenciando, no caso de recurso a entidade externa especializada em estudos de mercado, a justificação da seleção, nos casos em que se justifique, a ficha técnica dos estudos e, bem assim, uma análise de sensibilidade e segurança estatística ou, sendo interna a fonte dos dados, a respetiva ficha técnica;

j) Detalhes sobre as análises efetuadas para avaliar o grau de comparabilidade entre operações vinculadas e operações não vinculadas e entre as empresas nelas envolvidas, incluindo as análises funcionais e financeiras, e sobre os eventuais ajustamentos efetuados para eliminaras diferenças existentes;

l) Estratégias e políticas do negócio, nomeadamente quanto ao risco, que sejam suscetíveis de influenciar a determinação dos preços de transferência ou a repartição dos lucros ou perdas das operações;

m) Quaisquer outras informações, dados ou documentos considerados relevantes para a determinação do preço de plena concorrência, da comparabilidade das operações ou dos ajustamentos realizados."

A obrigação de elaborar o dossier com toda a informação subjacente a PT apenas se aplica às empresas que tenham atingido um valor anual de vendas líquidas e outros proveitos superior a €3.000.000,00 (n.º 3 do artigo 13.º da Port. 1446- C/2001, de 21/12), determinando o n.º 7 do art. 63.º do CIRC que"0 sujeito passivo deve indicar, na declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se refere o artigo 121.º, a existência ou inexistência, no período de tributação a que aquela respeita, de operações com entidades com as quais está em situação de relações especiais, devendo ainda, no caso de declarar a sua existência:

a) Identificaras entidades em causa;

b) Identificar e declarar o montante das operações realizadas com cada uma;

c) Declarar se organizou, ao tempo em que as operações tiveram lugar, e mantém, a documentação relativa aos preços de transferência praticados."

No que respeita às operações com entidades relacionadas residentes em território nacional, a informação antes referida deve constar do Quadro 10 do Anexo A da IES. Já no que concerne às operações com entidades relacionadas não residentes, tal informação deve ser inscrita no Quadro 3 do Anexo H da mesma declaração. Reproduz-se na imagem seguinte, a informação relativa a operações com entidades relacionadas que o sujeito passivo declarou na IES, constatando-se que apenas fez constar a Informação relativa às operações com entidades relacionadas residentes em território nacional, não tendo procedido à submissão do Anexo H.

 

Do enquadramento legal anteriormente exposto, conclui-se que em matéria de ónus da prova na aplicação das regras sobre PT cabe ao sujeito passivo o ónus de provar que as operações que realizou com entidades relacionadas respeitam o princípio da plena concorrência.

No que à A..., em concreto, diz respeito, tendo-se constatado que a mesma efetuou, no período de 2016, operações com entidades relacionadas, foi solicitado, no ponto 2) do pedido de elementos efetuado em 07/02/2020, o "Dossier dos preços de transferência". A análise que se segue vai incidir sobre o DPT apresentado pelo sujeito passivo no decurso do procedimento inspetivo, o qual se junta em anexo 6 (24 folhas).

- Análise DPT apresentado pelo sujeito passivo

O documento apresentado é composto por vinte e quatro páginas, sendo que na primeira, que serve de capa ao DPT, é identificado e justificado o método utilizado na comparação de operações vinculadas com as não vinculadas, onde se pode ler que "De forma a respeitar o princípio da plena concorrência e da paridade fiscal optou-se pelo Método do preço comparável de mercado (art. 6.º Portaria 1446-C/2001 de 21/12) por se achar que este método permite obter o mais alto grau de comparabilidade,"

Na página que se segue à capa são identificadas as entidades relacionadas, onde é indicado que a "H... é detida a 100% pela A... e a O... é considerada entidade relacionada pela aliena d) n.º 4 art.º 63. Bem como L... e K...". Na página seguinte é exibido um quadro com o montante do volume de vendas efetuado com as entidades relacionadas não residentes, ou seja, a L... UK (L...UK) e a K… (K… France).

O DPT do sujeito passivo integra 19 páginas designadas de "listagem de Preços de Transferência", onde são exibidos os "PMV (que se deduz respeitarem aos preços médios de venda) de uma família de produtos, praticados com cada uma das entidades relacionadas, e o "PMV" da mesma família praticado com outras 9 empresas, designadas pelo sujeito passivo de "Empresas não associadas". Para melhor refletir o que acabou de se descrever, atente-se na imagem seguinte que é exemplo de uma dessas páginas, relativa à família da "Rede Eletrossoldada" e entidade relacionada "K... SARL".

 

 

As restantes duas páginas são referentes à "Análise Resumo de Vendas Anual relativas à L...UK e K...France, onde o sujeito passivo apresenta as quantidades (Kgs) vendidas mensalmente, àquelas entidades, e o respetivo valor em Euros.

Ora, do descrito, facilmente se conclui que o DPT que nos foi apresentado não contém a informação legalmente exigida pelo n.º 6 do art. 63.º do CIRC e artigos 13.º e 14.º da Port. 1446- C/2001, de 21/12, já antes enunciada. De facto, não é efetuada a análise de qualquer operação em concreto, não é explicado o método de seleção das entidades não relacionadas, nem explicada a forma de cálculo dos "PMV" inscritos nas "Listagem de preços de transferência". Acresce que, também não foram anexados os documentos mencionados na legislação, nomeadamente as demonstrações financeiras das entidades relacionadas e os contratos e acordos em vigor com as mesmas, bem como estudos técnicos, análises funcionais e financeiras e diretrizes sobre políticas de PT adotadas.

Apesar das limitações do documento apresentado, vamos proceder à análise das operações com entidades relacionadas praticadas pela A..., tendo por base os dados que constam do SAFT da faturação, por si disponibilizado no decurso do procedimento inspetivo.

 

- Análise das operações com entidades relacionadas praticadas pelo sujeito passivo

No período de 2016 as operações vinculadas representam cerca de 15% do volume de negócios total e encontram-se distribuídas pelas entidades relacionadas da forma a seguir apresentada:

 

 

Conforme já anteriormente referido, para as operações vinculadas entre entidades residentes não estão previstos ajustamentos por parte do sujeito passivo, ou seja, os possíveis ajustes dependem da intervenção da AT, sendo que, o ajuste a realizar na determinação do lucro tributável de um sujeito passivo tem reflexo, no sentido inverso, em outro sujeito passivo, competindo ao estado ponderar os efeitos da eventual correção. A AT poderá considerar necessário proceder é correção se concluir que resulta tributo diferente do esperado se as operações tivessem sido realizadas entre entidades independentes. No caso concreto, relativamente às entidades residentes, H... e O..., dado que ambas as empresas apresentam resultados positivos sujeitos ao mesmo regime de tributação dos do sujeito passivo em análise, o efeito de arrecadação do imposto por parte do Estado é neutro, pelo que não se mostra pertinente desenvolver a análise relativamente às operações efetuadas com estas entidades.

Quanto às entidades não residentes em território português, no caso em que os termos e condições de uma operação vinculada difiram dos que seriam normais entre entidades independentes, o sujeito passivo deve efetuar as correções positivas no apuramento do lucro tributável, na declaração de rendimentos modelo 22, sob pena da AT vir a fazer as correções devidas. Note-se que, quando existe convenção para evitar a dupla tributação (CDT), no que respeita a ajustamentos operados pela AT, consta no n.º 12 do artigo 63.º do CIRC (atual n.º14) que, "Pode a Direcção-Geral dos Impostos proceder igualmente ao ajustamento correlativo referido no número anterior quando tal resulte de convenções internacionais celebradas por Portugal e nos termos e condições nas mesmas previstas." A este respeito, as CDT entre Portugal e a França e entre Portugal e a Inglaterra, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 48497, de 27/03/1968 e pelo Decreto-Lei n.º 105/71, de 26/03 respetivamente, incorporam no seu art. 9.º o princípio de plena concorrência, dispondo que, "Quando:

a) Uma empresa de um Estado Contratante participar, directa ou indirectamente, na direcção, no controle ou no capital de uma empresa do outro Estado Contratante, ou

b) As mesmas pessoas participarem, directa ou indirectamente, na direcção, no controle ou no capital de uma empresa de um Estado Contratante e de uma empresa do outro Estado Contratante e, em ambos os casos, as duas empresas, nas suas relações comerciais ou financeiras estiverem ligadas por condições aceites ou impostas que difiram das que seriam estabelecidas entre empresas independentes, os lucros que, se não existissem essas condições, teriam sido obtidos por uma das empresas, mas não o foram por causa dessas condições, podem ser incluídos nos lucros dessa empresa e, consequentemente, tributados."

Resulta do referido artigo que os Estados devem proceder ao ajustamento correlativo que resultar da correção efetuada noutros Estados. Ou seja, se uma empresa viu os seus resultados fiscais serem aumentados em Portugal em virtude de uma correção originada pelo incumprimento do princípio da plena concorrência em operações realizadas com uma entidade relacionada tributada noutro estado, tem direito a ver o resultado fiscal aí sujeito a tributação diminuído em igual montante. Contudo, estes ajustes não são automáticos, cabendo ao sujeito passivo, caso assim entenda, solicitar a revisão da sua situação tributária conforme previsto no art. 18.º da Port. 1446/C/2001, de 21/12,

Perante o anteriormente exposto, vamos centrar a nossa análise apenas nas operações com as entidades não residentes, ou seja, nas vendas à K...France e à L...UK, começando por analisar os comparáveis indicados pelo sujeito passivo no DPT que nos facultou.

- Análise dos comparáveis utilizados pela A...

Tal como já referido, nas páginas do DPT relativas à "Listagem de Preços de Transferência" o sujeito indica o "PMV" de uma família de produtos, praticado com cada uma das entidades relacionadas, e o "PMV da mesma família praticado com outras 9 empresas, designadas pelo sujeito passivo de "Empresas não associadas", pelo que vamos proceder à análise desses valores para as duas entidades relacionadas não residentes.

 

A) K... SARL

No período em análise a K...France apenas adquiriu ao sujeito passivo produtos da família "rede eletrossoldada", no montante global de €5.041.166,11, tendo o sujeito passivo indicado um PMV para a entidade relacionada de €0,45.

Na tabela seguinte são analisados os dados da faturação relativos à K...France e às "Empresas não associadas" indicadas pelo sujeito passivo na "Listagem de Preços de Transferência" que integra o DPT que nos foi apresentado (ver figura 2), os quais permitiram apurar o PMV praticado com essas entidades (coluna 6) e compará-lo com os PMV inscritos pela A... no DPT.

 

 

 

De referir, desde logo, que de acordo com as faturas que constam no SAFT da faturação do período de 2016, na família de produtos "Rede eletrossoldada" foram identificados 166 códigos de produtos, para os quais o preço de venda por metro quadrado apresentou uma grande amplitude, variando entre €0,3284 por m2, para o produto com o código 0370305000, e €7,62 por m2, para o produto com o código 0390100603, pelo que utilizar um PMV determinado nestas condições não pode ser considerado o melhor comparável. Acresce que, comparando os valores das colunas (6) e (7) facilmente se conclui que os PMV indicados pelo sujeito passivo não são confirmados pelos dados da faturação, não sendo possível aferir da sua origem.

Quanto às "Empresas não associadas" utilizadas como comparativos, verificam-se várias incongruências. Desde logo, foi incluída uma empresa para a qual não foram efetuadas quaisquer vendas da família de produtos em causa, foi incluída uma empresa com a qual existem relações especiais, na medida em que a G... é detida maioritariamente pela A..., são incluídos clientes que operam em mercados muito dispares e, nem tão pouco, foram utilizados os dados dos principais clientes desta família de produtos, os quais são os apresentados na tabela seguinte, elaborada a partir dos dados do SAFT da faturação.

 

 

B) L...  UK

No que respeita à L...UK foram-lhe vendidos produtos de várias famílias, as quais são exibidas na tabela seguinte. Também neste caso, comparando os valores das colunas (5) e (6) se constata que os PMV indicados pelo sujeito passivo não são confirmados pelos dados da faturação.

 

Mais uma vez, o critério de seleção das entidades com as quais é feita a comparação não se revela o mais adequado. O sujeito passivo voltou a selecionar, para efeitos de comparação, empresas sem qualquer transação comerciai da família dos produtos em análise e empresas relacionadas. Veja-se a título de exemplo a imagem seguinte, relativa à família de produtos "Rede Eletrossoldada" vendida à L...UK, que ilustra as duas situações acabadas de descrever.

 

Não dispondo o DPT exibido pelo sujeito passivo de qualquer informação sobre os dados comparáveis utilizados, nem quaisquer detalhes sobre as análises efetuadas para avaliar o grau de comparabilidade entre operações vinculadas e operações não vinculadas e entre as empresas nelas envolvidas, conclui-se que, apesar de tudo indicar que foram utilizados comparáveis internos, os PMV inscritos nas listagens de PT não resultam da faturação emitida aos seus clientes em 2016. Relativamente os critérios e parâmetros que tenham sido utilizados com vista à obtenção da lista final das nove empresas que compõe a amostra de melhores comparáveis, é óbvio que não foram corretamente aplicados.

Em suma,

Os comparáveis utilizados pelo sujeito passivo para justificar a conformidade das operações vinculadas com o princípio de plena concorrência não preenchem os requisitos impostos pelo CIRC e pela Port. 1446-C/2001, de 21/12, não proporcionando assim o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e as não vinculadas. Consequentemente, ocorreu a violação do princípio de plena concorrência nas vendas realizadas às entidades relacionadas, não tendo sido efetuados quaisquer ajustes para efeitos de determinação do lucro tributável.

Sem pôr em causa o método utilizado pelo sujeito passivo, ou seja, o método do preço comparável de mercado (MPCM), previsto no n.º 3 do art. 63.º do CIRC e nos artigos 4.º a 10.º da Port. 1446/C/2001, de 21/12, nem a utilização de comparáveis internos, vai proceder-se à identificação de operações comparáveis recorrendo aos dados da faturação da A... de 2016.

 

- Fundamentação das condições para a determinação dos comparáveis internos

De acordo com o n.º 3 do art.º 77.º da LGT, sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei, a determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve obedecer aos seguintes requisitos:

"a) Descrição das relações especiais;

b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;

c) Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direcção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados susceptíveis de identificaras entidades a quem dizem respeito;

d) Quantificação dos respectivos efeitos."

Ao abrigo do dever de fundamentação que nos está cometido, procede-se de seguida à análise de cada um dos requisitos supra referidos.

a) Descrição das relações especiais

 

Constitui pressuposto essencial à aplicação do regime dos PT a existência de relações especiais entre as partes que, uma vez verificadas, serão qualificadas como partes relacionadas. O conceito de relações especiais, encontra-se previsto no art. 9.º do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE e na n.º 4 do art. 63.º do C1RC, de acordo com o qual, "Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;

d) Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sondo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha recta;

 

Conforme o organigrama de participações sociais do Grupo B... já apresentado na figura 1, concluiu-se que a A... tem relações especiais com as seguintes entidades:O..., H..., L...UK e K...France. Aliás, esse é também o entendimento do sujeito passivo ao referir no DPT que a "H... é detida a 100% pela A... e a O... é considerada entidade relacionada pela alienas d) n.º4art.º 63º, bem como a L... UK e  K...",

Encontrando-se as referidas entidades numa situação de relações especiais, nas operações comerciais praticadas com as mesmas, deveriam ter sido contratados, aceites e praticadas, termos e condições substancialmente idênticos aos que são contratados, aceites e praticados entre entidades independentes, em circunstâncias comparáveis, em obediência ao princípio de plena concorrência vertido no n.º 1 do art. 63.º do CIRC.

 

b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo

Conforme decorre do anteriormente exposto, o DPT exibido pela empresa não cumpre os requisitos legalmente exigidos, não demonstrando qualquer cuidado por parte do sujeito passivo na justificação da sua política de PT de modo a demonstrar a respetiva conformidade dos preços praticados nas operações vinculadas com o princípio de plena concorrência.

Para que se alcance o mais elevado grau de comparabilidade entre operações vinculadas e não vinculadas, conforme imposto pela política de PT, é necessário que as características económicas das operações consideradas sejam suficientemente comparáveis. Na legislação portuguesa, concretamente no n.º 3 do art. 4.º da Port. 1446-CÍ2001, de 21/12, são explicadas e enunciadas as condições necessárias para que se verifique a comparabilidade entre operações. O legislador indica que só de consideram comparáveis as operações que forem "substancialmente idênticas", isto é, em que as principais características económicas e financeiras sejam "análogas ou suficientemente similares" para que as diferenças, caso existam, não possam influenciar de forma significativa os termos e condições que seriam obtidos em caso de operações realizadas entre entidades independentes. O art. 5.º da referida portaria elenca diversos fatores de comparabilidade, nos quais as características especificas dos bens objeto de transação constituem o primeiro dos fatores tido em consideração. Bem se entende que assim seja, pois, a semelhança de produtos fabricados implica forte similitude de ativos, funções, riscos, excedentes obtidos e rentabilidade da atividade.

Os comparáveis utilizados pela A... não quadram com as exigências impostas pelo regime dos PT, apresentando várias desconformidades, designadamente as seguir indicadas:

- Apesar de dispor de todos os dados internos que lhe permitiriam determinar o PMV para cada tipo de produto transacionado, o sujeito passivo optou pela utilização de comparáveis por 'Família de Produtos' as quais integram uma grande diversidade de produtos com preços muito dispares, como é o exemplo, já antes apresentado, da "Rede eletrossoldada" com 166 códigos de produtos, e preços de venda que variam entre €0,324 e €7,6;

-Conforme ficou demonstrado na análise efetuada anteriormente aos comparáveis utilizados pela A..., os PMV por si indicados nas listagens de PT, de modo genérico, sem qualquer explicação dos cálculos efetuados, não correspondem aos efetivamente praticados com as entidades relacionadas, nem tão pouco com as "Empresas associadas";

- As nove empresas que integram cada listagem de PT, para efeitos de comparação com a entidade relacionada não se revelam, de todo, como melhores comparáveis, desde logo porque são incluídas entidades com as quais a A... tem relações especiais e não apenas entidades independentes e empresas para as quais não foram efetuadas quaisquer vendas da família de produtos em causa (veja-se exemplos apresentados nas figuras 2 e 3);

- Ainda no que respeita à seleção das entidades comparáveis, foram incluídas empresas que operam em mercados geográficos diversos, para os quais o sujeito passivo fatura em moeda diferente da faturação à entidade relacionada, que à L..., UK é GBP e à K...France é o Euro, com as implicações que decorrem desse facto no que às diferenças de câmbio diz respeito.

Ora, mais uma vez se sublinha que, os comparáveis apresentados no DPT não são fiáveis, não permitindo o grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e não vinculadas exigido pelo princípio de plena concorrência.

 

c) Aplicação dos métodos previstos na lei

No que a este requisito diz respeito, o método indicado pelo sujeito passivo para determinar os preços de transferência de acordo com o princípio da plena concorrência foi o MPCM, metodologia que vai ser também por nós adotada na análise das operações da sociedade e se encontra vertida no art. 6.º da Port. 1446-C/2001, de 21/12, que estipula;

"1 - A adoção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcionai das entidades intervenientes.

2 - Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:

a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.

3-Semprequeumaoperaçãovinculadaeumaoperaçãonãovinculadanãosejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável."

O MPCM consiste em comparar o preço praticado em operações vinculadas com o preço praticado em operações não vinculadas, desde que essas operações sejam substancialmente idênticas. O referido método aplica-se sobretudo nos casos em que as entidades relacionadas prestam o mesmo serviço ou vendam o mesmo produto que é transacionado entre entidades independentes, no mesmo ou em mercados similares.

 

d) Quantificação dos respetivos efeitos

Tendo por base os requisitos anteriormente enunciados para a aplicabilidade do MPCM vai proceder-se à determinação do PMV para cada código de produto vendido às empresas relacionadas e compará-lo com o PMV praticado com as entidades independentes. Para esse efeito, consideraram-se como fatores de comparabilidade essenciais a seleção de entidades independentes que operam no mesmo mercado geográfico e a comparação do PMV para o mesmo código de produto transacionado, tendo-se seguido a metodologia a seguir descrita:

1) Foram extraídas do SAFT da faturação todas as vendas efetuadas para as entidades relacionadas L... UK e K... France, descriminadas por código de produto, com a indicação da quantidade e respetivo valor, de modo a determinar o PMV efetivamente praticado por código de produto com estas entidades, em que o PMV = Valor total das vendas / Total das quantidades vendidas e se encontra refletido nas colunas 5 e 10 dos mapas em anexo 7;

2) Foram extraídas do SAFT da faturação as vendas efetuadas para os clientes ingleses e franceses, separadamente, que adquiriram à A... os mesmos códigos de produto que as entidades relacionadas L...UK e K...France, respetivamente. Tal procedimento permitiu apurar o PMV efetivamente praticado por código de produto, para as entidades independentes, em que o PMV = Valor total das vendas / Total das quantidades vendidas e se encontra refletido na coluna 15 do mapa em anexo 8 e coluna 11 do mapa em anexo 9;

3) Na medida em que se seguiu a utilização de comparáveis internos, foram selecionados apenas os códigos dos produtos vendidos simultaneamente para as entidades relacionadas e entidades independentes, na medida em que, quando não há vendas para entidades não relacionadas não dispomos daqueles comparáveis, nem a obtenção de comparáveis externos se mostrou viável;

4)Procedeu-se à comparação do PMV determinado conforme descrito no ponto (1) com o apurado nos termos do ponto (2) e sempre que o PMV relativo às entidades relacionadas (1) é inferior ao PMV das entidades independentes (2) determinaram-se os correspondentes ajustes positivos. O cálculo de tais ajustes encontra-se expresso nas tabelas seguintes, onde os montantes inscritos na coluna 9 das mesmas respeitam aos ajustes a efetuar, que resultam da seguinte operação:

 

Ajuste PT - Quantidade vendida às entidades relacionadas x (PMV entidades independentes – PMV entidades relacionadas)

Em que;

Coluna 2; Quantidade vendida às entidades relacionadas Coluna 7: PMV entidades independentes Coluna 4: PMV entidades relacionadas

 

Assente na metodologia descrita, procedeu-se à determinação das correções para as duas entidades relacionadas não residentes, conforme a seguir se apresenta.

 

 

Em suma,

A análise à faturação da sociedade permitiu demonstrar que foram praticadas condições diferentes, nas operações com entidades relacionadas, daquelas que seriam praticadas entre entidades independentes, pelo que é devida uma correção positiva à matéria tributável. Assim, nos termos do preconizado no art. 63.º do CIRC e n.º 1 do art. 3.º da Port. 1446-C/2011, de 21/12, e estando cumpridos os requisitos de fundamentação previstos no n.º 3 do art. 77.º da LGT antes expostos, deve ser acrescido para efeitos de determinação do resultado tributável declarado pelo sujeito passivo o montante de €675.027,50 (€450.221,99 + 224.805,51), relativo ao ajuste de PT inerente às operações efetuadas com as entidades relacionadas não residentes K...France e L...UK no período de 2016.

 

(...)

IX - Direito de audição

 

(...)

III.2.1.6. Encargos Financeiros

Depois de breves considerações quanto à dedutibilidade fiscal dos gastos e perdas, começa a necessários junta do sujeito passivo", ao invés de ter concluído "que o financiamento de no n.º 1 do Art.23.º do C.I.R.C.", conclusão essa repudiada no DA. Neste sentido é alegado que, estando-se na presença de "uma sociedade de cariz vincadamente exportador" recebe pagamentos em divisas estrangeiras dos seus clientes "que mantém numa "Bolsa de Recebimento de Clientes em pontos 44.º a 46º do DA que:

Tal operação, devidamente contratualizada com duas instituições bancárias, nomeadamente com o N...  (aqui em análise), implica um empréstimo bancário, com garantia e caução em que, é facultada à A... a utilização em conta corrente de moeda expressa em C, sem necessidade de conversão das divisas que possui em moeda estrangeira, mas servindo-lhe estas de garantia,

45.º

Ou seja, mediante negociação e contratualização com a Instituição bancária, a A... utiliza um crédito em Conta Corrente, com juros mais rentáveis e favoráveis, atenta a garantia prestada em moeda estrangeira.

46. s Tal decorre dos contratos ora juntos sob Docs. nºs. 12,13,14 e 15.

O exposto nos pontos anteriores induz à existência de uma sequência de operações. Senão vejamos:

- A A... mantém uma "Bolsa de Recebimento de Clientes em moeda estrangeira",

- O que implica a contratualização de um empréstimo bancário,

- Que por sua vez obriga à prestação de garantia e caução.

Decorrente das operações descritas, a sociedade não tem necessidade de converter as divisas que possui em moeda estrangeira, sendo estas que servem de garantia, e são-lhe proporcionadas condições mais favoráveis na utilização do crédito. Considera-se importante referir, desde já, que nas demonstrações financeiras do sujeito passivo não

"Bolsa de Recebimento de Clientes em moeda estrangeira", passando-se então a analisar os contratos juntos ao DA,

O Doc. 12 respeita a um contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado com o N..., SA (N...) em 04/01/2016, pelo prazo de !63 dias, vencendo-se em 15/06/2016,renovável automaticamente por períodos sucessivos de 90 dias, salvo denúncia de qualquer das partes, devidamente comunicada, no montante de €30.500.000,00, destinados ao "financiamento de necessidades pontuais de tesouraria" tal como se encontra expresso no mesmo:

1. Montante e finalidade

1. 1. O Banco, abre nesta data um crédito até ao montante máximo de EUR 30.500.000,00 trinta milhões quinhentos mil Euros) em nome de V.Ex.a(s). Este montante destina-se ao financiamento de necessidades pontuais de tesouraria e é entendido como o valor máximo de crédito a conceder pelo Banco em qualquer momento ao abrigo deste contrato pelo prazo

1.2.. O exercício por V.Ex.a(s) do direito de utilização dos fundos ao abrigo do crédito ora aberto depende da prévia constituição e entrega ao Banco do(s) documento(s) da(s)garantia(s), devidamente formalizados nos termos do disposto na Cláusula "Caução , sem prejuízo do disposto no número seguinte.

No que respeita à taxa de juro do empréstimo, pode ler-se, no ponto 5 do contrato, que;

A taxa de juro aplicável ao presente financiamento corresponde à taxa de juro anual acordada para a aplicação financeira dada de penhor ao Banco, como mencionado na cláusula 10º, Infra, em garantia do presente contrato, acrescida de um Spread de 0.25000%. Considerando que na presente data & taxa de aplicação financeira é de 0.25000%, a taxa aplicável ao presente contrato é de 0.50000% que corresponde a uma taxa anual efectiva (TAE) calculada nos lermos do DL 2^0/94, de 23 de Agosto, de 0.50813%.

j

Encontrando-se definido, no que às garantias diz respeito que:

 

10.2. Para garantia de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir por V. Ex.a(s) perante o Banco, é(são) celebrado(s) penhor(s) sobre aplicação(ões) financeira(s) cujo montante global deverá proporcionar sempre, em relação ao montante máximo do crédito aberto no âmbito do presente contrato um grau de cobertura Igual ou superior a 105%, designado por "grau de cobertura inicial."

Fica ainda expressamente acordado, que, se ocorrer uma depreciação do valor global da(s) aplicações financeira(s) empenhada(s) em garantia deste crédito, que determina que o grau de cobertura do(s) penhor(s) se torna igual ou inferior a 103% "grau de cobertura de reposição", o Banco tem o direito de exigir o reforço da garantia de penhor, e V. Ex.a(s) solidariamente com 0(s) devedor(es) pignoratício(s) a obrigação de a reforçar, por uma ou mais vezes, pelas meios, condições e nos termos expressamente convencionados no(s) respetivo(s) contrato(s) de penhor, que V. Ex.a(s) declara(m) conhecer, de modo a restabelecer sempre o grau da cobertura inicial da garantia real de penhor. Uma vez constatada a diminuição do grau de cobertura de penhor e passando o mesmo a ser igual ou Inferior ao "grau de cobertura de reposição" supra referido nesta cláusula, o Banco expedirá um aviso escrito, dirigido também a V. Exa(s) notificando da referida depreciação e concedendo o prazo de 7 dias de calendário a contar da expedição para reforçar o penhor, sob pena de, não o fazendo, o presente penhor SB tomar Imediatamente exigível.

Visto que a(s) aplicação(ões) financeira(s), objeto do penhor, se encontra(m) constituída(s) em USD's (United States Dollars) eGBP (Great Britain Pounds), caberá à mutuária, A... SA, suportar, a todo o momento, qualquer depreciação cambial que se venha a registar.

O Doc. 13 refere-se ao contrato de penhor específico sobre depósito(s) a prazo em divisas em garantia de operação de crédito antes referida, o qual foi também celebrado com o N... em 04/01/2016, estipulado o seguinte:

1. O(s) primeiro(s) outorgante(s) é(são) titular(es) dos Depósito(s) a prazo constituído(s) junto do BANCO, com o(s) número(s), 297585456 em Dólares (USD ) E com o(s) número(s) 2897219184, em Libras (GBP ), respectivamente no montante de USD 11.762,190,00 (Onze Milhões Setecentos e Sessenta e Dois Mil Cento e Noventa Dólares), e GBP 15,720.475,00 (Quinze Milhões Setecentos e Vinte Mil Quatrocentos e Setenta e Cinco Libras).

2.º Sobre o(s) depósito(s) a prazo identificado(s) neste contrato, e sucessivas renovações que o(s) mesmo venha(m) s ter Independentemente da numeração interna que lhes venha a ser atribuída, constitui(em) o(s) primeiro(s) outorgante(s) penhor, a favor do Banco N..., S.A., para garantia do cumprimento das responsabilidades assumidas por A... SA perante o Banco, provenientes do contrato de Conta Corrente Caucionada, na montante de EUR 30.500,000,00 (Trinta Milhões e Quinhentos Mil Euros), que o Banco lhe concede nesta data, incluindo reembolso do capitai até ao indicado montante, os ...

Os documentos 14 e 15 respeitam a um contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado com o N... em 10/04/2015, no montante de €22.300,000,00 e ao contrato de penhor específico sobre depósito(s) a prazo em divisas em garantia daquela operação de crédito, respetivamente, em tudo semelhantes aos documentos 12 e 13 a que antes nos referimos, para o período de 2016.

Da análise dos documentos juntos para comprovar as operações descritas constata-se que os mesmos demonstram que a sociedade:

-Em 2015 tinha recorrido a um crédito de €22.500.000,00 e em 2016 recorreu a um crédito de €30.500.000,00, destinado ao "financiamento de necessidades pontuais de tesouraria", o que, aliás, vai de encontro ao vertido no projeto de relatório, para o qual se remete, e onde pode ler-se que, com data valor de 4/1/2016,ouseja,a datada compra das divisas (GBP15.714.000 + USD11.514.000), a conta de DO no N... com o n.º..., que corresponde na contabilidade à conta 1227, registou uma entrada de €30.500.000,00 com origem numa utilização da conta corrente caucionada no N..., com o n.º ..., que regularizou o descoberto bancário causado pela compra das libras esterlinas e dos dólares americanos;

-Efetuou depósitos a prazo em divisas (GBP e USD) como garantia exigida pelo banco para a operação de crédito.

Contudo, nenhum elemento foi apresentado que comprove, tal como é sugerido nos pontos 43º e 44º do DA, que:

- Existe uma "Bolsa de Recebimento de Clientes em moeda estrangeira";

- A existência da referida "Bolsa" implica o recurso a empréstimo bancário;

- A empresa beneficia de condições mais favoráveis na utilização do crédito.

Continua o sujeito passivo justificando as operações realizadas no pressuposto de que tudo é feito na prossecução do interesse para a sociedade, pois que:

47.º

Mais, também por estratégia financeira e de gestão, e caso se verifique que no final de cada exercício, a venda da moeda estrangeira em carteira não se revela favorável, se efetua uma "venda" e "recompra" simultânea de divisas, com fixação de taxas é data da venda (Cfr. Doa r\fl6, ora Junto).

48.º Tal constituí um input de liquidez no fecho das contas anuais,

49.º

Pois, com o produto da venda de divisas, amortiza financiamentos, aos quais depois recorre para efetuar a recompra dessas mesmas divisas, não em termos de mercado, mas em montante correspondente 30 da venda e de acordo com as taxas anteriormente fixas, assim espelhando no finai do exercício o seu verdadeiro endividamento" o que possibilita à aferição efetuada pela AT na Tabela 8,

50.º

Bastante diverso de qualquer atividade especulativa.

51.º

É uma operação que a A... realiza anualmente, em todos os exercícios (venda no final do ano e recompra nos primeiros dias do ano seguinte).

 

Não se alcança dos pontos anteriores a estratégia financeira e de gestão que o sujeito passivo diz seguir. De facto, todas as entidades devem definir uma estratégia que passe por um plano de ação a longo prazo, envolvendo as decisões de financiamento necessárias para alcançar os objetivos pré-definidos com vista ao nível ideal de investimento e financiamento, os quais devem ter sempre em vista a prossecução dos interesses da sociedade. Neste contexto, fica, em nosso entender, por esclarecer porque é que, sendo as operações descritas efetuadas de modo a conseguir uma situação mais favorável para a A..., tal como afirmado no DA, porque é que são realizadas anualmente em todos os exercícios, tal como a própria afirma e os próprios documentos comprovam. De facto, é sempre efetuada a venda das divisas com referência ao final do ano e sua recompra logo no início do ano seguinte, com recurso ao crédito (veja-se ponto 49º do DA), independentemente de tais operações gerarem resultados favoráveis ou desfavoráveis, como aliás o sujeito passivo demonstra na tabela do ponto 71º do DA.

As operações realizadas não demonstram a prossecução de uma estratégia, mas sim a realização de operações pré-estabelecidas, efetuadas sempre de acordo com a mesma sequência e em datas predeterminadas.

Cumpre aqui realçar que o DA tem por fim permitir ao sujeito visado pelo procedimento de inspeção tributária participar no mesmo, apresentando as razões, de facto ou de direito, porque discorda das propostas de correções apresentadas no projeto de relatório, as quais não podem ser manifestadas apenas de forma genérica e abstrata mas sim devidamente acompanhadas da correia fundamentação e comprovação documental, de modo a serem devidamente consideradas na formação da decisão final da Administração.

Alega ainda o sujeito passivo que estão em causa ''montantes decorrentes da normal atividade da empresa ~ venda de mercadorias e pagamentos de clientes não residentes", que por sua vez são ""recomprados" "e reconvertidos em Conta Corrente, cuja garantia é o próprio depósito em moeda, são utilizados para pagamentos decorrentes da sua normal atividade".

Apesar de mais uma vez não ser demonstrado o anteriormente alegado, sempre se dirá que é notória alguma contradição, até porque, por um lado, é o próprio sujeito passivo que, no ponto 49º do DA, é perentório ao afirmar que "com o produto da venda das divisas, amortiza financiamentos, aos quais depois recorre para efetuar a recompra dessas mesmas divisas" (sublinhado nosso). E de outra forma não poderia ser pois, tal como foi demonstrado no projeto de relatório, a sociedade não dispõe de fundos próprios para investir nos depósitos a prazo. Por outro lado, quanto aos alegados "pagamentos decorrentes da sua normal atividade" sempre será de referir que, as aquisições a fornecedores em moeda diferente do euro não são materialmente relevantes, sendo poucos os créditos às contas de depósitos à ordem em moeda estrangeira (129) destinados a pagamentos a fornecedores. Acresce que, estando em causa operações com o N..., atente-se aos extratos das contas 12917, em USD, e 12927, em GBP, que se juntam em anexo 11 (4 folhas) e respeitam às operações em moeda estrangeira com este banco, onde, à exceção dos dois movimentos a seguir indicados, a crédito da conta 12917, todos os outros montantes reconhecidos a crédito das duas contas respeitam aos depósitos a prazo e à venda das divisas e não a pagamentos decorrentes da atividade normal:

 

Obviamente que, tal como referido no ponto 54.º do DA, cabe ao sujeito passivo decidir sobre a realização ou não dos depósitos a prazo, competindo à inspeção tributária a sua análise de acordo com as normas aplicáveis em vigor.

Reafirma a A... que a situação em apreço não extravasa a sua atividade normal porque resulta da aplicação dos fundos de que dispõe em moeda estrangeira decorrentes dos recebimentos de clientes, permitindo-lhe gerir a venda das divisas de modo mais favorável e obter condições mais favoráveis e rentáveis nos empréstimos, voltando a referir-se ao modo como se concretizam as operações, com a venda, recompra das divisas e amortização dos financiamentos. Não se alcança como é que tais operações podem ser consideradas "um modo de utilização de fundos de que dispõe" o sujeito passivo se, tal como consta da tabela 8 do projeto, no final dos períodos de 2014 e 2015 o seu nível de endividamento atinge os 62%, e em 2016 os 58%.

Os pontos 64.º a 70.º do DA respeitam às diferenças de câmbio associadas aos depósitos a prazo, voltando o sujeito passivo a enfatizar que "se tratam de diferenças resultantes de operações realizadas no estrito cumprimento do seu escopo e para fazer face à sua normal atividade (recebimento de clientes e pagamento a fornecedores)", o que já se demonstrou que não corresponde à realidade das operações, pois a sociedade não só não dispõe de excedentes de tesouraria para poder investir em depósitos a prazo, como não efetuou pagamentos a fornecedores de faturas expressas em libras esterlinas (GBP) através da conta do N... (...).

Vem o sujeito passivo argumentar que as perdas cambiais com as libras esterlinas no período de 2016 são justificadas pela queda desta moeda nos mercados cambiais em resultado do referendo do Brexit. Contudo, tais alegações em nada alteram as conclusões do projeto de relatório, uma vez que o que está em causa não é a efetividade das perdas cambiais reconhecidas, a qual não é colocada em causa pela AT, mas sim o facto das mesmas não decorrerem da normal atividade da sociedade.

Por fim, termina o sujeito passivo referindo que utiliza sempre o mesmo método, independentemente das diferenças cambiais serem positivas ou negativas e que "efetuando uma análise a exercícios anteriores e posteriores, anos houve em que as diferenças de câmbio foram positivas, e não foi feito o seu desreconhecimento aos exercidos em que ocorrem", juntando para o demonstrar extratos das contas "6863" e "78613" dos períodos de 2014 a 2018. A este respeito cumpre salientar que, o desreconhecimento das diferenças de câmbio positivas não é legalmente admissível pelo que não se alcança qual o objetivo do sujeito passivo quando profere tais alegações. Tal como já foi amplamente exposto, a NCRF 23, em consonância com o regime do acréscimo, determina o reconhecimento das diferenças de câmbio nos períodos em que as mesmas ocorrem, sendo tal procedimento acolhido pelo CIRC que estipula especificamente, no que aos rendimentos e ganhos diz respeito, no n.º 1 do seu art. 20.º, que "Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória". (sublinhado nosso)

Pelo que, face a tudo o que anteriormente se expôs, mantêm-se as propostas de correções constantes do ponto III.2.1,6. do projeto de relatório, no montante global de €3.313.360,68 (€356.871,05 + €2.956.489,63).

 

(...)

III.1.2.1.8. Preços de transferência (PT)

A matéria dos preços de transferência é abordada a partir do ponto 120.º do DA, começando o sujeito passivo por repudiar o facto da AT alegar "que a A... não logrou apresentar o DPT com a informação legalmente exigida pelo n.º 6 do art. 63.ºdo C.I.R.C. e Arts. 13 e 14 da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21/12.º

Nos pontos 121.º a 127.º é efetuada uma breve abordagem legal da matéria em causa, nomeadamente no que concerne à informação e documentação relevante que o sujeito passivo deve manter organizada, sendo alegado que, a A... tem e apresentou tais elementos "e só não melhor fundamentou porquanto a inspeção foi suspensa, sem qualquer solicitação de informação adicionar. De salientar que, tal como consta do projeto de relatório, no ponto 2) do pedido de elementos efetuado em 07/02/2020, solicitou-se o "Dossier dos preços de transferência", tendo o sujeito passivo exibido o documento que se juntou em anexo 6, o qual foi devidamente analisado no decorrer do procedimento de inspeção,

É afirmado no DA que a AT procedeu à análise das operações com as entidades relacionadas, tendo por base os dados que constam do SAFT da faturação. De facto, a análise dos preços praticados pelo sujeito passivo, não apenas com as entidades relacionadas, mas também com as entidades independentes, teve por base os dados da faturação que constam do SAFT da faturação, pois, conforme decorre do preâmbulo da Port. 321-A/2007, de 26/03, o SAF-T (PT) (Standard Audit File for Tax Purposes - Portuguese version) é um ficheiro normalizado (em formato XML) que tem como objetivo permitir uma exportação fácil, e em qualquer altura, de um conjunto predefinido de registos contabilísticos e de faturação, num formato legível e comum, independente do programa utilizado, sem afetar a estrutura interna da base de dados do programa ou a sua funcionalidade, proporcionando aos serviços de inspeção uma vasta informação cujo tratamento se torna facilitado. Assim, todos os quadros de análise foram elaborados a partir dos dados de faturação da A... disponíveis no seu SAFT (PT) da faturação.

Não assiste razão ao sujeito passivo quando afirma, no ponto 131.º do DA, que a AT não fundamenta qual a omissão praticada e apenas se limita a apresentar desconformidades, pois a fundamentação das condições para a determinação dos comparáveis internos, de acordo com o n.º 3 do art.º 77.º da LGT, é efetuada de forma clara e exaustiva no projeto de relatório, para o qual se remete, indicando-se as obrigações incumpridas pelo sujeito passivo na demonstração da conformidade dos preços praticados nas operações vinculadas com o princípio de plena concorrência.

Ao contrário do que é argumentado, a AT não olvidou "que a seleção do método de determinação dos preços de transferência mais adequado depende de um conjunto de fatores, tais como a natureza da operação, o tipo de produto e o setor de atividade". De facto, para além de ter seguido o método indicado pelo sujeito passivo para determinar os preços de transferência de acordo com o princípio da plena concorrência (MPCM), foram considerados como fatores de comparabilidade essenciais:

- A seleção de entidades independentes que operam no mesmo mercado geográfico, ao contrário do seguido pelo sujeito passivo no DPT, em que inclui, nas entidades comparáveis, clientes que operam em mercados geográficos diversos e que, consequentemente, terão operações com características económicas mais díspares;

- Foi efetuada a comparação do PMV para o mesmo código de produto transacionado, tendo sido selecionados apenas os códigos dos produtos vendidos simultaneamente para as entidades relacionadas e entidades independentes, e apenas para esses foram determinados os ajustamentos, quando o PMV relativo às entidades relacionadas é inferior ao PMV praticado com as entidades independentes.

Donde se conclui que, não foi feita "tábua rasa da atividade do sujeito passivo" e não se partiu de "premissas erradas e de elementos comparativos díspares". Não basta o sujeito passivo alegar que ninguém melhor do que ele conhece a sua atividade "e como tal melhor estabelece os corretos comparáveis", pois cabe-lhe o ónus da prova na aplicação das regras sobre PT de modo a provar que as operações que realizou com entidades relacionadas respeitam, efetivamente, o princípio da plena concorrência. E se a AT não buscou esclarecimentos adicionais foi porque a conjugação dos elementos constantes do DTP com toda a informação da faturação extraída do SAFT (PT) lhe permitiu, por um lado, concluir que os comparáveis utilizados pelo sujeito passivo para justificar a conformidade das operações vinculadas com o princípio de plena concorrência não preenchem os requisitos impostos pelo CIRC e pela Port. 1446-C/2001, de 21/12, e, por outro lado, possibilitou a determinação de comparáveis que permitem o grau de comparabilidade exigido pelo princípio de plena concorrência entre as operações vinculadas e não vinculadas.

Saliente-se que, refere o ponto 149.º do DA, que se a AT "tivesse procedido em espírito de cooperação, ter-lhe-ia sido facultada a informação de que, e no que concerne à K..., as vendas de 2016 são única e exclusivamente de Rede Eletrossoldada". Ora, tal asserção não tem qualquer cabimento pois a AT facilmente chegou a essa conclusão pela análise do SAFT (PT) da faturação, podendo ler-se no final da página 49 do projeto de relatório que:

"No período em análise a K... France apenas adquiriu ao sujeito passivo produtos da família "rede eletrossoldada", no montante global de €5,041.166,11, tendo o sujeito passivo indicado um PMV para a entidade relacionada de €0,45."

Nos pontos 150.º a 152.º do DA, refere-se o sujeito passivo, pela primeira vez, ao transporte dos produtos para a K...France, referindo que desde Portugal até França o transporte é efetuado por navio, enquanto para as demais entidades o transporte é normalmente feito por camião, sem contudo juntar quaisquer documentos comprovativos que demonstrem o que vem alegar:

150.º

Sendo de salientar que o transporte utilizado desde Portugal até França (porto de ...), para todas as vendas à K... Franca, é por navio, em carga Convencional, e fretado na sua totalidade com o Intuito de ter um custo de transporte mais económico,

151.º

Situação que não se verifica nas demais entidades analisadas (entidades Independentes), onde o transporte normalmente é feito cor camião, direto, entre A... e a morada final do cliente, mas ainda assim com um custo associado bastante díspar.

152.º

Não podemos olvidar que os preços considerados tem englobado o respetivo preço do transporte, pelo que o grau de comparabilidade não fica assegurado.

Para além de não juntar ao DA quaisquer documentos relativos ao transporte dos produtos, é de estranhar que o sujeito passivo afirme que a AT considerou "clientes com métodos de transporte diferentes é custos de transportes diferentes, o que provoca preços diferenciados." De facto, se alguém considerou clientes com condições de transporte diversas terá sido a A..., pois, conforme pode ver-se na folha 18 do anexo 6, cuja figura seguinte reproduz, no DPT do sujeito passivo foram incluídas nas "Empresas não associadas" entidades que operam no mercado inglês, outras no mercado francês e outras ainda no mercado português, para as quais o transporte, decerto, não se realiza por barco.

 

 

A AT cingiu as entidades independentes a clientes que operam no mesmo mercado da entidade relacionada e adquirem, exatamente, o mesmo código de produto. Em DA vem o sujeito passivo crer que para a K...France envia os produtos por navio e para os outros clientes franceses "o transporte normalmente é feito por camião",

Também o alegado no ponto 153.º do DA, não faz, em nosso entendimento, qualquer sentido, sendo afirmado que:

Ser-lhe-ia também explicado que, as vendas de rede eletrossoldada, porque vendidas ao m2 (e não existindo outro produto medido em tal grandeza), implica que o sistema informático converta todos esses artigos para kg, para comparabilidade.

Em primeiro lugar, comparar às vendas de rede eletrossoldada, com as vendas de outros produtos não é, de todo, a melhor forma de alcançar o mais elevado grau de comparabilidade entre operações vinculadas e não vinculadas, conforme imposto pela política de PT, pois, tal como já referido no projeto de relatório, só são legalmente consideradas comparáveis as operações em que as principais características económicas e financeiras sejam "análogas ou suficientemente similares" e o art. 5.º da Port 1446-C/2001, de 21/12, estabelece como primeiro fator a ter em consideração as características específicas dos bens objeto de transação, que têm, obviamente, que ser similares, Ora, resulta do SAFT(PT) da faturação que, a família de produtos da "Rede eletrossoldada" contempla 166 códigos diferentes de produtos.

Para além do referido, a conversão dos m2 em Kg não releva para a análise efetuada, na medida em que, constatando pela diversidade de produtos que as várias famílias consideradas pelo sujeito passivo integram, a AT procedeu à comparação do PMV por cada código de produto vendido às empresas relacionadas com o das entidades independentes, sendo que, relativamente à rede eletrossoldada, apenas utilizou o m2 como unidade de grandeza.

Afirma ainda o sujeito passivo que, após a determinação do preço médio da rede eletrossoldada é o próprio sistema que compara as entidades relacionadas com as 9 independentes com preço mais baixo. A este respeito sempre será de ter em conta que, qualquer sistema tem que estar de acordo com as normas e preceitos legais, quer contabilísticos, quer fiscalmente relevantes, donde resulta que, a ser assim, o sistema não está a cumprir o legalmente estabelecido. E tal acontece, desde logo, porque está a selecionar, para efeitos de comparação, a entidade "M..., SÁ", a qual é detida em 92% pela "G..., SA", que, por sua vez, é detida em 83,53% pela A..., donde resulta que a entidade selecionada é detida, indiretamente, pelo sujeito passivo em 76,85% (83,53% x 92%), Ora, determina o n.º 4 do art. 63.º do CIRC, que, "Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20% do capital ou dos direitos de voto;

 

Concluindo-se, portanto, que o sistema está a incluir nas entidades "independentes" uma entidade que não pode ser considerada como tal, pois, legalmente, é classificada como entidade relacionada.

Também não se percebe como é que é efetuada a seleção das entidades independentes com preço mais baixo, na medida em que, não faz sentido selecionar entidades às quais não é vendido o produto para o qual se estão a determinar os melhores comparáveis, como é o caso da "P... Limited".

Justifica-se ainda o sujeito passivo, quanto à utilização do PMV por Família de Produtos, com o facto de "se o efetuasse por artigo, seria falacioso o preço obtido pois muitos artigos existem que não possuem vendas mensais e possuem oscilações consideráveis ao longo do ano". Ora, saldo o devido respeito, se ocorrem oscilações por produto, considerando um vasto conjunto de produtos (família) para efeitos de comparação, as oscilações existentes são bem maiores, pois correspondem às de todos os produtos que fazem parte da família, pelo que o preço obtido é mais falacioso do que aquele que se obtém utilizando um PMV por produto.

Para além do referido, alega ainda o sujeito passivo que, relativamente à K... France, a AT "faz uma análise comparativa, mas parte de premissas diversas da metodologia que se vinculou a aplicar" pois "opta por realizar médias aritméticas anuais, artigo a artigo, para as entidades relacionadas", mas "para as entidades independente, não considera quantidades totais, mas meses específicos, optando sempre por escolher os meses onde o preço é mais elevado (e mais favorável aos seus intentos)".

A este respeito é de esclarecer que, de facto, não foram considerados valores totais de vendas pois, de acordo com os dados da faturação do SAFT(PT) existem duas unidades de medida distintas: m2 e painéis. Atendendo a que os dados relativos aos painéis apresentavam valores residuais, quando comparados com os m2, a AT optou por não os incluir na sua análise, na medida em que não tinha elementos credíveis para fazer a conversão dos painéis para m2. De referir que, esta situação nada tem a ver com a escolha de meses específicos, como vem fazer crer o sujeito passivo, e verifica-se, não só para as entidades independentes, como referido no DA, mas também para a K... France, relativamente aos dois produtos identificados na tabela seguinte.

 

Os novos elementos trazidos ao processo pelo sujeito passivo em DA, nomeadamente o Doc. Nº 47 onde constam as quantidades totais vendidas às entidades independentes em m2, e o quadro da página 28 da petição, no qual é indicado o fator de conversão Q(Kg) / Q(m2), permitiram proceder ao recalculo dos ajustes a efetuar, incluindo na análise os painéis faturados, superando, assim, a lacuna apontada no DA. Tendo em conta o descrito, apresenta-se nas tabelas em anexo 13, o PMV recalculado, com base nas quantidades em Kg e em m2, sendo que, dos produtos incluídos nos ajustes propostos no projeto de relatório, concluiu-se agora que os a seguir indicados foram vendidos à entidade relacionada por um PMV superior ao das entidades independentes, pelo que vão ser excluídos do cálculo dos ajustes finais a efetuar.

 

Assente na metodologia descrita no projeto de relatório, e para a qual se remete, mas tendo em conta os novos factos do DA antes expostos, seguem-se os cálculos inerentes à determinação das correções a efetuar relativamente à K... France, utilizando as duas unidades de medida: Kg e m2.

 

 

Em suma,

Os elementos trazidos pelo sujeito passivo em DA, e que culminaram com a análise anteriormente descrita, não permitem comprovar que as condições praticadas nas operações com a K... France são idênticas às praticadas entre entidades independentes, pelo que é devida uma correção positiva à matéria tributável no montante de €260.710,71, nos termos do preconizado no art. 63.º do CIRC e n.º 1 do art. 3.º da Port, 1446-C/2011, de 21/12, e estando cumpridos os requisitos de fundamentação previstos no n.º 3 do art. 77.º da LGT já expostos. De salientar que, tal como seria expectável, independentemente da unidade de medida utilizada ser os Kg ou os m2, as conclusões obtidas são exatamente as mesmas, conforme demonstrado nas tabelas anteriores.

A partir do ponto 166.º do DA, refere-se o sujeito passivo às operações com a F.UK, voltando a afirmar que a AT efetuou, novamente, uma análise tendenciosa, o que é, desde logo demonstrado, "pela percentagem de vendas que analisa (cerca de 32% do total de vendas)". Tal como consta claramente do projeto de relatório, na medida em que, à semelhança do que fez o sujeito passivo, utilizaram-se comparáveis internos para proceder à determinação dos PMV. Assim, na análise efetuada apenas foi possível os códigos dos produtos vendidos simultaneamente para as entidades relacionadas e entidades independentes, na medida em que, quando não há vendas para entidades não relacionadas não se dispõe daqueles comparáveis, nem a obtenção de comparáveis externos se mostrou viável, logo não estavam reunidas condições para incluir um maior volume de vendas.

Prossegue o sujeito passivo que, embora a AT tenha respeitado a metodologia indicada, o que é compreensível, na medida em que nos dados da faturação à L...UK não consta a unidade de medida "Painéis" tendo-se incluído as quantidades totais vendidas, o PMV obtido é falacioso pelo facto de muitos artigos não possuírem vendas mensais, apresentando no ponto 169.º do DA "A correta comparação entre entidades relacionadas e entidades independentes, artigo a artigo, com preço m2 e mensal (...) e que contraria as conclusões retiradas pela AT".

Reproduz-se na figura seguinte a tabela que consta do DA e que, em nosso entendimento, não contraria as conclusões do projeto de relatório, relativamente às operações com a L...UK.

 

Note-se que, nos termos do n.º 1 do art. 8.º do CIRC, o IRC "é devido por cada período de tributação", que no caso do sujeito passivo em apreço é coincidente com o ano civil, logo o facto gerador do imposto ocorreu a 31/12/2016. A este respeito, a política da PT não dispõe de forma diversa, pelo que, a análise apresentada em DA, em que exibem comparativos de PMV mensais não se coaduna com a exigência de ajustes ao lucro tributável, sempre que o princípio de plena concorrência não é respeitado, como foi o caso.

Sem prescindir, ainda que tal análise fosse admissível, constatamos que nos meses em que existem, em simultâneo, vendas para a L...UK e para as entidades independentes, o PMV indicado para estas é superior ao indicado para a L... UK em todas as situações assinaladas na tabela anterior (mês de junho), o que reforça as conclusões da AT.

Vem ainda o sujeito passivo alegar que, face ao peso das vendas às entidades relacionadas, em relação às vendas totais ao mercado francês e inglês, é compreensível a atribuição de um preço competitivo, sempre em respeito pelas regras de mercado. Contudo, não concretiza nem comprova as afirmações proferidas, no âmbito do respeito do princípio da plena concorrência legalmente exigido.

 

Conclusão:

Decorrente da análise supra exposta, procedem os argumentos do sujeito passivo quanto às correções propostas no ponto III.2.1.7 e a parte das correções do ponto III.2.1.8, conforme a seguir se resume:

 

Apresenta-se na tabela seguinte o resumo das correções a matéria tributável resultantes do procedimento inspetivo.

 

Face às correções finais apresentadas, o resultado tributável corrigido assume o montante de €9.210.696,99 (€ 5.410.765,39 + €3.798.876,90), pelo que, procede-se nas tabelas seguintes ao recalculo dos valores da derrama estadual e municipal.

 

 

 

 

E)            Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC referente ao período de 2016, com o n.º 2020..., de 04-11-2020, e as respectivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020..., 2020... e 2020..., bem como a respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2020... (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F)            A A... é uma empresa familiar de natureza essencialmente exportadora, tendo clientes estrangeiros especialmente nos mercados dos Estados Unidos da América e do Reino Unido, a quem vende com caráter de regularidade (RIT e depoimento da testemunha Q...)

G)           O aço é a matéria-prima que a A... utiliza na sua actividade (RIT e depoimento da testemunha Q...);

H)           As vendas que a Requerente faz para os Estados Unidos da América são pagas em dólares americanos (USD) e as vendas para o Reino Unido são pagas em Libras esterlinas (RIT e depoimentos das testemunhas Q... e R...);

I)             A Requerente tem contas bancárias nas várias moedas em Portugal e estrangeiro (depoimentos das testemunhas Q... e R...);

J)            Para evitar ter de fazer a conversão de cada pagamento em libras no momento em que recebe a quantia, ficando sujeita à volatilidade das alterações cambiais, a Requerente mantém uma conta em libras, com a intenção de efectuar a conversão em euros em momento que lhe seja mais vantajoso (depoimentos das testemunhas Q... e R...);

K)           A Requerente necessita do dinheiro das vendas em libras para a sua gestão corrente e, para poder dispor dele, fez contrato de financiamento com o Banco N..., mantendo com o dinheiro financiado uma conta em euros, a que serve de caução o penhor do depósito em libras (documentos n.ºs 12 a24anexos ao exercício do direito de audição e depoimentos das testemunhas Q... e P...);

L)            No final de cada ano, a Requerente faz a venda ao Banco N... da quantia em libras de que dispõe e amortiza o financiamento, para o balanço espelhar a realidade patrimonial da Requerente em cada exercício e, dias depois, volta a adquirir a moeda que vendera e a faz novo financiamento em euros, para manter uma conta nos mesmos termos (documentos n.ºs 12 a 24anexos ao exercício do direito de audição e depoimentos das testemunhas Q... e R...);

M)          A venda e recompra de libras referidas na alínea anterior são feitas à mesma taxa de câmbio, conforme acordado entre a Requerente e o Banco N... (depoimentos das testemunhas Q... e R... e documento n.º 16 do exercício do direito de audição);

N)           Com essas operações, que realiza anualmente, há anos em que a Requerente tem lucro e outros em que tem prejuízo (documentos n.ºs 25 a 35 do exercício do direito de audição cujos teores se dão como reproduzidos e depoimentos das testemunhas Q... e R...);

O)           A Requerente utiliza a conta corrente caucionada em euros como conta espelho das contas em divisas (GBP e USD), cujo saldo deve ser igual a um mínimo de 103% a 105% do valor que está autorizado a movimentar a crédito (documentos n.ºs 12 e 13 anexos ao exercício do direito de audição e depoimentos das testemunhas Q... e R...);

P)           Os montantes da conta em euros são utilizados pela Requerente na sua actividade corrente (depoimentos das testemunhas Q... e R...);

Q)           Além desses pagamentos em euros, por vezes a Requerente utiliza as contas em moeda estrangeira para fazer pagamentos no estrangeiro sem ter de fazer conversão (depoimento da testemunha Q...);

R)           A Requerente tem contratos semelhantes aos que celebrou com o N..., mas a Autoridade Tributária e Aduaneira apenas efectuou correcções quanto a esta e apenas no ano de 2016, pois em inspecções efectuadas aos anos de 2017 e 2018 não efectuou qualquer correção idêntica (depoimento da testemunha R...);

S)            A actividade da Requerente consiste em fazer rede electrossoldada, através de estiramento do aço, que é a única matéria-prima, sendo os pontos de contacto entre varões soldados por um processo soldadura eléctrica (depoimento da testemunha Q...);

T)            Há redes com diferentes densidades de aço por metro quadrado, aumentando o peso metro quadrado quando é mais apertada a malha da rede (depoimentos das testemunhas Q... e R...);

U)           O preço de venda é calculado em kg e não com base na área da rede e a compra do aço é também feita com base em kg (depoimentos das testemunhas Q..., R... e S...);

V)           Nas facturas de venda é feita referência a metros quadrados, porque historicamente os engenheiros civis fazem os cálculos em metros quadrados, indicando o tipo de malha que pretendem (depoimento da testemunha Q...);

W)          A Requerente calcula o peso que corresponde à área de cada tipo de rede, tendo uma fórmula, que está subjacente a cada um dos 166 códigos de produtos que utiliza, para calcular a massa correspondente à área de cada um (depoimento da testemunha Q...);

X)           Grande parte dos 166 códigos referidos reporta-se a produtos adquiridos apenas por um cliente, não sendo habitual haver mais que um cliente para o mesmo tipo de malha (depoimento da testemunha Q...);

Y)            Os 166 códigos referem-se a produtos muito distintos, com grande amplitude no peso, havendo produtos que pesam o dobro de outros (depoimento da testemunha S...);

Z)            Nas comparações efectuadas relativamente a preços de transferência a inspecção não considerou relevantes os meses do ano de 2016 em que foram feitas as operações (depoimento da testemunha S...);

AA)        Nas comparações efectuadas, a inspecção tributária não teve em consideração as quantidades que eram vendidas a cada cliente em cada transacção (depoimento da testemunha S...);

BB)         O preço de cada um dos tipos de rede varia em função do peso e não da área (depoimento da testemunha Q...);

CC)         Cerca de 70% do preço da rede electrossoldada visa compensar o valor do aço, que é a única matéria-prima utilizada (depoimento da testemunha Q...);

DD)        O preço do aço é muito volátil, variando ao longo de cada ano, inclusivamente no ano de 2016, atingindo o máximo no mês de Dezembro (depoimento da testemunha Q... e gráfico que consta do artigo 159.º do pedido de pronúncia arbitral, cuja correspondência a realidade não é questionada);

EE)         A Requerente apenas faz vendas a revendedores, não vendendo directamente a construtores (depoimento da testemunha Q...);

FF)         Os preços de venda à empresa da Requerente no Reino Unido e em França são CIF (Cost, Insurance and Freight, ou Custo, Seguro e Frete), sendo as mercadorias enviadas por via marítima e entregues nos armazéns daquelas empresas situados  nos próprios portos de Liverpool (Mersey Wharf) e Rochefort, respectivamente (depoimento da testemunha Q... e documentos n.ºs 12, 13, 14 e 15 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

GG)       Quando a Requerente faz vendas a clientes diferentes das suas empresas no Reino Unido e em França, os preços, em regra, são DAP (Delivered at Place, ou Entregue no Local) tendo de incluir o custo do transporte, por via terrestre, entre o porto e as instalações dos clientes (depoimentos das testemunhas Q... e R...);

HH)        A L... UK e a K... France são grandes grossistas que fazem aquisições à Requerente em grandes quantidades (depoimento da testemunha Q...);

II)           As vendas à L... UK representam 63% das vendas de rede eletrossoldada no mercado do Reino Unido (depoimento da testemunha Q...);

JJ)           As vendas da Requerente à K... France representam 60% das vendas de rede electrossoldada no mercado francês (depoimento da testemunha Q...);

KK)         Os preços médios de venda no ano de 2016 no mercado do Reino Unido relativamente aos maiores clientes, designadamente a T... LIMITED (preço médio de 0,426 por kg, para uma quantidade de 9.181.234 kg) e U..., LTD (preço médio de 0,421 por kg, para uma quantidade de 8.061.488 kg) são inferiores aos praticados em relação à L...  UK LIMITED nesse ano (0,467 € por kg, para uma quantidade de 12.061.063 kg);

LL)          Os preços médios de venda no ano de 2016 no mercado francês relativamente aos maiores clientes, designadamente a V... (preço médio de 0,511 por kg, para uma quantidade de 3.743.522) e W... (preço médio de 0,489 por kg, para uma quantidade de 2.857.932 kg) são inferiores aos praticados em relação à K... SARL nesse ano (0,45 por kg, para uma quantidade de 11.209.192 kg) (quadro que consta do artigo 372 do pedido de pronúncia arbitral, cuja falta de correspondência à realidade não é invocada);

MM)     A Requerente apresentou todos os documentos que foram pedidos pelos serviços de inspecção tributária (depoimento da testemunha X...);

NN)       Quando foi declarada a pandemia, em Março de 2020, os serviços de inspecção tributária deixaram de ir às instalações da Requerente (depoimento da testemunha X...);

OO)       A inspecção tributária teve em atenção os transportes, comparando empresas da mesma área geográfica, mas não apurou se os preços eram ou não CIF e isso não constava do dossier de preços de transferência (depoimento da testemunha S...);

PP)         Em 04-02-2021, a Requerente prestou a garantia bancária que constado documento n.º 16 (que apresentou em 25-10-2021, cujo teor se dá como reproduzido), para suspender o processo de execução fiscal n.º ...2021..., instaurado para cobrança coerciva da quantia liquidada;

QQ)       Em 05-04-2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

2.2.1. Não se provou que as contas em moeda estrangeira que a Requerente mantém resultem de uma intenção de investimento com fins especulativos. Na verdade, a prova produzida é no sentido de essas contas resultarem de pagamentos em moeda estrangeira que a Requerente recebe dos seus clientes e que entende não converter em euros.

 

2.2.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo e, nos pontos indicados, também com base na prova testemunhal.

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que foram dados como provados com base os seus depoimentos.

A testemunha Q... é diretor de operações da Requerente desde 2008.

A testemunha R... é contabilista certificada da Requerente há cerca de 2 anos.

As testemunhas X... e S... são as inspectoras tributárias que efectuaram a inspecção.

 

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente dedica-se essencialmente à produção de malha de aço eletrossoldada, maioritariamente destinada à exportação.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente relativa ao exercício de 2016, tendo efectuado várias correcções, das quais são impugnadas no presente processo as relativas a não aceitação da dedutibilidade de gastos de financiamento com aquisição de divisas e alterações cambiais e as respeitantes a preços de transferência.

A Requerente imputa às correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e vícios procedimentais, designadamente violação dos princípios do inquisitório e da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação.

 

                3.1. Correcção relativa a não aceitação de gastos de financiamento       

 

                A Requerente, entre as suas exportações. faz habitualmente vendas para clientes do Reino Unido que são pagas em libras esterlinas (libras).

                Como resulta da matéria de facto fixada:

– para evitar ter de fazer a conversão de cada pagamento em libras no momento em que recebe a quantia, ficando sujeita à volatilidade das alterações cambiais, a Requerente mantém uma conta em libras, com a intenção de efectuar a conversão em euros em momento que lhe seja mais vantajoso;

– como a Requerente necessita do dinheiro das vendas em libras para a sua gestão corrente e, para poder dispor dele, fez contrato de financiamento com o Banco N..., mantendo com o dinheiro financiado uma conta em euros, a que serve de caução o penhor do depósito em libras.

–no final de cada ano, a Requerente faz a venda ao Banco N... da quantia em libras de que dispõe e amortiza o financiamento, para o balanço espelhar a realidade patrimonial da Requerente em cada exercício e, dias depois, volta a adquirir a moeda que vendera e a faz novo financiamento em euros, para manter uma conta nos mesmos termos, sendo a compra e venda de divisas efectuada à mesma taxa previamente acordada;

– com essas operações, que realiza anualmente, há anos em que a Requerente tem lucro e outros em que tem prejuízo, para além de suportar encargos com o financiamento bancário.

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcção, não aceitando a relevância dos gastos de financiamento para a formação do lucro tributável, por entender que a compra e venda de libras constitui um investimento de natureza especulativa, alheia à actividade da Requerente.

                Defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, em suma, o seguinte:

 

Da regra geral consagrada no art. 23.° do CIRC resulta, desde logo, que só são "dedutíveis os gastos e perdas incorridos para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC". Ou seja, a norma exige uma ligação de causalidade entre a realização da despesa e a obtenção de rendimentos, de modo a impedir a inclusão de gastos com a prossecução de interesses alheios ao próprio sujeito passivo.

Acresce que, o n.º 2 do art. 23.º destina, especificamente, a alínea c) aos gastos de natureza financeira, a qual atende ao destino dado aos financiamentos e restringe a dedutibilidade daqueles gastos aos que resultam de "capitais alheios aplicados na exploração", ou seja, para fazer face aos dispêndios em que uma sociedade incorre para assegurar o exercício da sua atividade, que no caso da A... é a "Fabricação de produtos derivados de arame, e outros produtos metálicos diversos", conforme decorre da Certidão da Conservatória do Registo Comercial da sociedade. Assim, só serão aceites os gastos de financiamento resultantes de empréstimos contraídos para aplicar nesta atividade. nomeadamente, em custos de exploração que dão origem a saídas de fluxos monetários, como salários, matérias-primas, energia, compra de ativos fixos tangíveis, etc.

 

                A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

– a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades.

– à face da redacção do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, a dedutibilidade de gastos não depende da indispensabilidade para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, bastando que os gastos tenham sido suportados no interesse da empresa, nem da existência de uma relação de causalidade directa entre os gastos e ganhos;

– a Requerente não investe em libras, sendo os montantes de que dispõe na conta nesta moeda derivados de pagamentos dos seus clientes, que pretende manter até que surja um momento em que seja para si mais vantajoso o câmbio de libras em euros;

– as operações de compra e venda, no final e princípio de cada ano, à mesma taxa previamente acordada, destina-se a imputar a cada ano as diferenças patrimoniais derivadas das variações cambiais e a manter esse depósito das quantias recebidas até que surja o momento adequado para uma transacção definitiva em condições cambiais vantajosas.

 

                O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário (business purpose). Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados, como se refere no acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de e 27-06-2018, processo n.º 1402/17:

                Quanto à indispensabilidade dos custos, como vem afirmando a doutrina de referência (António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa e Tomás de Castro Tavares, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 7 a 180) e também a mais significativa jurisprudência, o conceito a que se reporta o artº 23º do CIRC tem sido ligado aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário.

                Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.

                Como ficou exarado no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 28.06.2017, proferido no recurso 627/16, «no entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

Assim, um custo ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)» - neste sentido vide também os Acórdãos Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Novembro de 2011, recurso n.º 107/11, e de 24.09.2014, recurso 779/12.

 

Assim, o conceito de indispensabilidade de custos que consta do artigo 23.º n.º 1, do CIRC, não exige uma ligação causal entre custos e proveitos, bastando que as despesas tenham uma relação com o objecto da empresa, sejam incorridas no âmbito da sua actividade ou evidenciem um business purpose.

Para existir esse business purpose, não é necessário que os gastos tenham relação directa com a actividade operacional do sujeito passivo, sendo também relevantes os gastos que tenham uma relação meramente indirecta, desde que tenham sido motivados pelo objectivo último de obtenção de lucros. (   )

No caso em apreço, a gestão que a Requerente faz da conta em libras, aguardando o momento mais adequado para as transaccionar, é manifestamente efectuada no interesse da Requerente, pelo que os encargos bancários suportados para materializar essa gestão são fiscalmente dedutíveis.

                Por outro lado, resulta também da prova produzida que a manutenção dessa conta em libras e as aquisições anuais subsequentes a vendas de igual montante não têm subjacente uma intenção de investimento especulativo, como erradamente concluiu a Autoridade Tributária e Aduaneira, que, como a Requerente defende, não se apercebeu adequadamente da sua estratégia empresarial.

                O facto invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no RIT e no presente processo, como indiciador de que a Requerente não teria por objectivo manter as libras até momento mais favorável para efectuar a conversão, que é o de ter ocorrido forte desvalorização da libra em 2016, sem que a Requerente as convertesse, em vez de contrariar este objectivo da manutenção da conta em libras, antes o confirma, pois, obviamente, o momento mais adequado para a Requerente efectuar a conversão seria quando a cotação da libra estivesse alta, gerando ganhos, e não quando a cotação estivesse baixa, em que a conversão se reconduziria a irremediável assunção de perdas.

                Pelo exposto, esta correcção enferma de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito que justificam a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

                Procedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção, por vícios que impedem a renovação da liquidação, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC),o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

                Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

                Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente a esta correcção.

 

                3.2. Correcção relativa a perdas cambiais relativas aos depósitos em libras esterlinas

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedutibilidade para a formação do lucro tributável das perdas cambiais em libras esterlinas decorrentes dos referidos depósitos a prazo, registadas na conta 13217, porque entendeu, em suma, que «assumindo os depósitos a prazo um caráter absolutamente anormal e especulativo, as diferenças de câmbio negativas relativas à sua valorização, enquanto componentes do seu valor, não são dedutíveis para efeitos de determinação do resultado tributável, pelo que deveria ter sido acrescido ao resultado líquido do período de 2016 o montante de €2.956.489,63 (€79.946,96 +€2.876.542,67)» e por «as mesmas não decorrerem da normal atividade da sociedade».

                As diferenças de câmbio negativas estão expressamente previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, como um tipo de gastos dedutíveis para formação do lucro tributável, pelo que apenas poderia ser afastada a sua dedutibilidade se não se comprovasse que decorreram de actividade levada a cabo no interesse da empresa, como exige o n.º 1 do mesmo artigo 23.º, na interpretação que se referiu.

                Ora, como se referiu no ponto anterior, a criação e manutenção dos depósitos a prazo referidos constituem actos de gestão praticados no interesse empresarial, visando possibilitar a conversão das libras em euros em momento em que a taxa de câmbio seja favorável, pelo que a sua dedutibilidade é assegurada pelo artigo 23.º do CIRC, na interpretação referida.

                Por isso, as perdas decorrentes de diferenças cambiais negativas que a Requerente suportou derivadas da manutenção desses depósitos, que decorrem da actividade empresarial da Requerente, que são fiscalmente dedutíveis.

                Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.

               

 

                3.2. Correcção relativa a preços de transferência

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções à matéria tributável da Requerente com base no regime de preços de transferência previsto no artigo 63.º do CIRC.

               

                3.2.1. Posições das Partes

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, o seguinte, em suma:

 

– cabe ao sujeito passivo o ónus de provar que as operações que realizou com entidades relacionadas respeitam o princípio da plena concorrência;

– a Requerente utilizou o método do preço comparável de mercado (MPCM), mas os comparáveis utilizados pelo sujeito passivo para justificar a conformidade das operações vinculadas com o princípio de plena concorrência não preenchem os requisitos impostos pelo CIRC e pela Port. 1446-C/2001, de 21/12, não proporcionando assim o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e as não vinculadas. Consequentemente, ocorreu a violação do princípio de plena concorrência nas vendas realizadas às entidades relacionadas, não tendo sido efetuados quaisquer ajustes para efeitos de determinação do lucro tributável;

– aplicando o MPCM «consideraram-se como fatores de comparabilidade essenciais a seleção de entidades independentes que operam no mesmo mercado geográfico e a comparação do PMV para o mesmo código de produto transacionado, tendo-se seguido a metodologia a seguir descrita:

1) Foram extraídas do SAFT da faturação todas as vendas efetuadas para as entidades relacionadas L...UK e K...France, descriminadas por código de produto, com a indicação da quantidade e respetivo valor, de modo a determinar o PMV efetivamente praticado por código de produto com estas entidades, em que o PMV = Valor total das vendas / Total das quantidades vendidas e se encontra refletido nas colunas 5 e 10 dos mapas em anexo 7;

2) Foram extraídas do SAFT da faturação as vendas efetuadas para os clientes ingleses e franceses, separadamente, que adquiriram à A... os mesmos códigos de produto que as entidades relacionadas L...UK e K... France, respetivamente. Tal procedimento permitiu apurar o PMV efetivamente praticado por código de produto, para as entidades independentes, em que o PMV = Valor total das vendas / Total das quantidades vendidas e se encontra refletido na coluna 15 do mapa em anexo 8 e coluna 11 do mapa em anexo 9;

3) Na medida em que se seguiu a utilização de comparáveis internos, foram selecionados apenas os códigos dos produtos vendidos simultaneamente para as entidades relacionadas e entidades independentes, na medida em que, quando não há vendas para entidades não relacionadas não dispomos daqueles comparáveis, nem a obtenção de comparáveis externos se mostrou viável;

4)Procedeu-se à comparação do PMV determinado conforme descrito no ponto (1) com o apurado nos termos do ponto (2) e sempre que o PMV relativo às entidades relacionadas (1) é inferior ao PMV das entidades independentes (2) determinaram-se os correspondentes ajustes positivos.

– , a AT procedeu à comparação do PMV (preço médio de venda) por cada código de produto vendido às empresas relacionadas com o das entidades independentes, sendo que, relativamente à rede eletrossoldada, apenas utilizou o m2 como unidade de grandeza;

independentemente da unidade de medida utilizada ser os Kg ou os m2, as conclusões obtidas são exatamente as mesmas, conforme demonstrado nas tabelas anteriores.

 

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

–é sobre a AT que recai o ónus de prova dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação;

– mesmo no caso de inexistência de dossier de preços de transferência, tal facto, por si só, é insuficiente para legitimar a actuação da AT, que não fica dispensada de demonstrar os pressupostos que legitimam a sua actuação;

– o preço dos bens transaccionados depende essencialmente da variação do preço do aço, que é muito volátil e impossível de prever ou antecipar com grande antecedência, como sucedeu, em particular naquele ano de 2016;

– a análise ao DPT do SP no RIT revela-se inapelavelmente condicionada e comprometida pela insuficiência das diligências desenvolvidas pela AT no âmbito da inspecção tributária;

– que a AT comparou preços médios por Kg com preços médios por m2, comparando uma unidade de massa com uma unidade de área procurava obter valores equivalentes, o que não é possível;

– a comparação por família de produtos é adequada e revela-se o melhor comparável quando considerada a unidade de medida de massa. Por ser a única unidade de medida que permite a comparação de produtos;

– a comparação por família de produtos apresenta ainda como vantagens evidentes o aumento substancial da população da amostra, que garante menor impacto variações de preço da matéria prima ao longo do ano e menor influência de outros elementos determinantes da comparabilidade no apuramento de um PMV;

– a comparação por código de produto conduz a uma redução muito substancial da população da amostra (que fica reduzida apenas a uma unidade, na maior parte dos casos), comparando na prática duas vendas, ocorridas ao longo do ano em períodos distintos, o que aumenta a influência de outros elementos determinantes da comparabilidade no apuramento de um PMV, como por exemplo, a variação do custo da metia prima ao longo do ano, as quantidades vendidas e o meio de transporte utilizado, a diferente posição dos operadores no circuito de comercialização, a data em que as vendas são apuradas independentemente da data em que são emitas as respetivas faturas e as tarefas, riscos e custos assumidos pelas partes;

– em 2016, na maior parte dos casos, as entidades comparadas pela AT fizeram compras em 2 ou 3 meses do ano, sempre em meses distintos;

– a AT não averiguou os factos necessários, tendo a inspecção sido súbita e sumariamente interrompida, com violação dos princípios do inquisitório, cooperação, contraditório e legalidade na vertente da busca da verdade material;

– a AT não atendeu ainda a outros elementos determinantes de comparabilidade além o custo da matéria prima, como:

a. volume de vendas;

b. quantidades fornecidas e descontos associados;

c. data e momento das operações ou da fixação do preço da encomenda;

d. tarefas, riscos e custos assumidos pelas partes e seu reflexo no preço

acordado (ex-work, DAP, CIF, etc);

e. funções desempenhadas,

f. custos de transporte,

g. diferentes posições no circuito de comercialização e

h. demais circunstâncias económicas.

– A AT limitou-se a comparar preços, médios, sem considerar pressupostos essenciais da respectiva formação, que ignorou;

– as entidades com quem o SP pratica operações vinculadas operam, nesses mercados, como grandes grossistas (traders), tendo em vista a distribuição;

– as entidades independentes comparadas são, por regra, empresas que adquirem tendo em vista a integração directa no seu circuito produtivo ou funcionam como retalhistas, vendendo a construtoras;

– as condições negociadas entre o SP e os seus maiores clientes incluem, por regra, descontos de quantidade, negociados caso a caso, e de que nem todos os clientes analisados beneficiam;

– o PMV aos únicos clientes que preenchem os requisitos mínimos de comparabilidade é manifestamente inferior ao PMV à entidade relacionada L...UK;

– no mercado francês não existe, sequer, qualquer entidade que, atendendo ao volume de vendas, se possa qualificar como comparável;

– as vendas realizadas às entidades relacionadas caracterizam-se pela estabilidade e previsibilidade, adequando-se aos ciclos produtivos da Requerente, sendo preferencialmente efectuadas quando o preço do aço está mais baixo;

– o preço de venda às entidades relacionadas L... UK e K... é CIF, o que não sucede com as entidades independentes;

– apenas um ou dois clientes no Reino Unido adquirem navios completos;

– e mesmo nesses casos, é o SP quem suporta o custo de transporte desde o Porto até ao armazém do cliente ou ao cliente final deste, consoante o caso, o que ocorre via terrestre;

– sendo o preço acordado DAP, o SP assume a obrigação e suporta o custo de entrega no destino;

– se ao preço DAP reflectido na factura deduzirmos o custo do transporte terrestre, alcançamos um preço comparável CIF que é inferior para entidades independentes do que para entidades relacionadas;

– nas vendas realizadas a entidades com quem pratica operações vinculadas o risco de solvência e consequentemente de cobrança é praticamente inexistente;

– e os prazos de pagamento são mais curtos, com vantagens evidentes em termos de tesouraria;

– tudo assim, muito diferente do que sucede nas vendas a outros operadores nesses mercados que adquirem o mesmo tipo de bens directamente à Requerente que corre os riscos de cobrança e os prazos de pagamento são mais alargados;

– excluindo dos comparáveis todos os produtos que, não obstante pertencerem à mesma família de produtos, o preço de venda a entidades relacionadas é inferior do preço de venda a entidades independentes.

 

 

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira, no presente processo, reafirma a posição assumida no RIT.

 

3.2.2. Apreciação da questão

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correções com fundamento no regime de preços de transferência, que consta do artigo 63.º do CIRC, que estabelece o seguinte, na redacção vigente em 2016:

 

Artigo 63.º

 

Preços de transferência

 

1 - Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 - O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as caraterísticas dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais caraterísticas relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco.

3 - Os métodos utilizados devem ser:

 

a)            O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b)           O método do fracionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

4 - Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

 

a)            Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;

b)           Entidades em que os mesmos titulares do capital, respetivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;

c)            Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes;

d)           Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha reta;

e)           Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

f)            Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais;

g)            Entidades cujo relacionamento jurídico possibilita, pelos seus termos e condições, que uma condicione as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheios à própria relação comercial ou profissional;

h)           Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

 

5 - Para efeitos do cálculo do nível percentual de participação indireta no capital ou nos direitos de voto a que se refere o número anterior, nas situações em que não haja regras especiais definidas, são aplicáveis os critérios previstos no n.º 2 do artigo 483.º do Código das Sociedades Comerciais.

6 - O sujeito passivo deve manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º, a documentação respeitante à política adotada em matéria de preços de transferência, incluindo as diretrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros atos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respetivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados setoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a seleção do método ou métodos utilizados.

7 - O sujeito passivo deve indicar, na declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se refere o artigo 121.º, a existência ou inexistência, no período de tributação a que aquela respeita, de operações com entidades com as quais está em situação de relações especiais, devendo ainda, no caso de declarar a sua existência:

a)            Identificar as entidades em causa;

b)           Identificar e declarar o montante das operações realizadas com cada uma;

c)            Declarar se organizou, ao tempo em que as operações tiveram lugar, e mantém, a documentação relativa aos preços de transferência praticados.

 

8 - Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, relativamente a operações com entidades não residentes, deve o sujeito passivo efetuar, na declaração a que se refere o artigo 120.º, as necessárias correções positivas na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância.

9 - As regras previstas no presente artigo são igualmente aplicáveis nas relações entre:

d)           Uma entidade não residente e um seu estabelecimento estável situado em território português, ou entre este e outros estabelecimentos estáveis situados fora deste território;

e)           Uma entidade residente e os seus estabelecimentos estáveis situados fora do território português ou entre estes.

10 - O disposto nos números anteriores aplica-se igualmente às pessoas que exerçam simultaneamente atividades sujeitas e não sujeitas ao regime geral de IRC.

11 - Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira proceda a correções necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo do IRC ou do IRS, na determinação do lucro tributável deste último devem ser efetuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo das correções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro.

12 - Pode a Autoridade Tributária e Aduaneira proceder igualmente ao ajustamento correlativo referido no número anterior quando tal resulte de convenções internacionais celebradas por Portugal e nos termos e condições nas mesmas previstos.

13 - A aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, o tipo, a natureza e o conteúdo da documentação referida no n.º 6 e os procedimentos aplicáveis aos ajustamentos correlativos são regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

 

Não é objecto de controvérsia que as operações objecto de ajustamento com fundamento em preços de transferência tiveram como intervenientes entidades em situação de relações especiais, de harmonia com o  conceito definido no n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, e, por isso, são abrangidas pela previsão do artigo 63.º, n.º 1. do CIRC, que consagra o princípio de plena concorrência ou “arm’s length”, e pela Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, emitida na sequência das orientações ou Guidelines que têm sido adotadas pela OCDE.

As operações realizadas em situações em que há relações especiais devem observar as condições de mercado, em situação de livre concorrência, devendo o contribuinte ou, se ele não o fizer, a Autoridade Tributária e Aduaneira, corrigirem a matéria tributável, com  aumento ou diminuição, em função da divergência entre os preços praticados e os preços praticados entre entidades independentes(artigos 77.°, n.º 3 ,da LGT e 63.º do Código do IRC).

Em linha com as orientações da OCDE, a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, densificou os métodos de determinação e factores de comparabilidade a atender para efeitos de apurar eventual divergência entre os preços praticados e os preços de livre concorrência, estabelecendo, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 4.º

 

Determinação do método mais apropriado

 

1 - O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

2 - Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.

3 - Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.

4 - Sempre que existam dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método, o sujeito passivo deve tentar confirmar tais valores mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada.

5 - Se, no âmbito de aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis ou a aplicação de mais de um método considerado igualmente apropriado conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correcção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo.

 

 

Artigo 5.º

Factores de comparabilidade

Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:

a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objecto de cada operação, são susceptíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;

b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;

c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;

d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;

e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;

f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas.

 

 

Artigo 6.º

Método do preço comparável de mercado

 

1 - A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

2 - Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:

a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.

3 - Sempre que uma operação vinculada e uma operação não vinculada não sejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável.

 

 

Assim, um primeiro pressuposto da aplicação do regime de preços de transferência pela Autoridade Tributária e Aduaneira é apurar se foram estabelecidas condições substancialmente diferentes das que seriam normalmente acordadas entre entidades independentes, que tenham levado a apuramento de uma matéria tributável distinta da que seria apurada na ausência de tais relações.

A concluir-se que foram estabelecidas essas condições substancialmente diferentes, deverá determinar-se o preço de plena concorrência, de acordo com a metodologia desenvolvida no âmbito da OCDE e recebida pelo Portaria referida.

À luz destas regras e do n.º 2 do artigo 63.º do CIRC, é fundamental que a realidade comparada e a comparável comunguem de idênticas propriedades ou “factores de comparabilidade”, ou no caso de essa comparabilidade ser parcial, que seja viável realizar os ajustamentos necessários em ordem a assegurá-la ( ).

Antes de mais, sublinha-se que, sendo o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados. Por isso, não está em causa apreciar se foi correcta ou não a aplicação pela Requerente do regime de preços de transferência, mas apurar se as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira têm suporte legal.

E, sendo este o objecto do processo, constitui jurisprudência consolidada que é à Autoridade Tributária e Aduaneira que cabe provar os pressupostos em que assentam as correções de preços de transferência, ónus que abrange a identificação e prova de relações especiais, dos “termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias” por forma a demonstrar que o preço praticado não é o de mercado, e de qual o preço de mercado aplicável, descrevendo e quantificando o montante efetivo que serviu de base à correção ( ). Naturalmente, com a ressalva de que não estamos perante uma ciência exacta, pelo que os aspetos quantitativos são alcançados de forma aproximativa, dentro de intervalos de razoabilidade.

Para este efeito, as normas referidas impõem a adoção de um método de determinação do respetivo preço (de mercado) susceptível de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações, e estabelecem que os sujeitos passivos devem seguir um de três métodos (o método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado), ou, na sua impossibilidade ou insuficiência, outros métodos (nomeadamente o método do fracionamento do lucro ou o método da margem líquida da operação, conforme preceitua o artigo 63.º, n.º 3, alíneas a) e b) do CIRC).

Quanto à comparabilidade, estabelece o artigo 4.º, n.º 3, da Portaria nº 1446-C/2001, acima transcrito, que as “operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efetuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.”

Relevam para efeitos de comparabilidade, designadamente, as funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos, os termos e condições contratuais, as circunstâncias económicas das entidades e a estratégia das empresas (estes e outros factores de comparabilidade são enunciados pelo artigo 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001).

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções aplicando o Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM), que é o que «requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes) [artigo 6.º. alínea a),da Portaria n.º 1446-C/2001].

                Resulta da prova produzida que há evidentes diferenças entre as circunstâncias relevantes para a formação dos preços que a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou como comparáveis e as que relevaram para formação dos preços praticados pela Requerente com as suas empresas relacionas L... Limited e K... SRAL.

                Na verdade, desde logo, os preços praticados pela Requerente com aquelas empresas relacionadas são preços CIF (Cost, Insurance and Freight, ou Custo, Seguro e Frete), com entrega no porto de destino e os correspondentes riscos até esse momento, e os preços praticados com as empresas não relacionadas são, em regra, preços DAP (Delivered at Place, ou Entregue no Local), o que implica que a Requerente, para além de ter de suportar os custos do transporte em terra, tenha de desalfandegar as mercadorias e suportar os riscos envolvidos no seu transporte até às instalações dos clientes, não situadas nos portos de destino.

                A própria Senhora Inspectora S... reconheceu que não apurou se os preços praticados com as empresas não relacionadas eram ou não preços CIF[alínea OO) da matéria de facto fixada], o que implica uma deficiência na averiguação dos factos relevantes para a correcção relativa a preços de transferência, que, só, por si, constitui violação do princípio do inquisitório, que é invocada pela Requerente, pois este princípio impõe que a Autoridade Tributária e Aduaneira realize no procedimento tributário todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material (artigo 58.º da LGT) e apurar em que condições eram feitas as entregas das mercadoria e quais eram os correspondentes riscos suportados pela Requerente em cada uma das operações era um factor de evidente relevância para apurar a comparabilidade das operações. A violação desse princípio pela Autoridade Tributária e Aduaneira é corroborada pelo facto, referido pela Senhora Inspectora X..., de que a Requerente apresentou todos os documentos que foram pedidos pelos serviços de inspecção tributária [alínea MM) da matéria de facto fixada], o que permite afastar a imputação da omissão de apuramento desses factos à actuação da Requerente.

                Por outro lado, são também muito maiores as quantidades vendidas pela Requerente às empresas relacionadas e as vendidas a quaisquer outra empresa das respectivas regiões, o que implica que na formação dos preços tenham de ser incluídos diferentes descontos de quantidade. Na verdade, as vendas à L... UK representaram, em 2016, 63% das vendas de rede eletrossoldada no mercado do Reino Unido e as vendas da Requerente à K... France, no ano de 2016, representaram 60% das vendas de rede electrossoldada no mercado francês.

                As quantidades vendidas e as condições de venda, designadamente a dimensão dos riscos assumidos, são factores de comparabilidade com manifesta relevância para influenciarem os preços, sendo, aliás, expressamente indicados nas alíneas a) («quantidades») e b)(«riscos assumidos») do artigo 5.º e nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 6.º (quantidade análoga) da Portaria n.º 1446-C/2001.

                Por isso, tem de se concluir que a fixação dos preços de  transferência, que não teve em conta esses factores susceptíveis de influenciarem os preços enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, designadamente das normas da alínea a), do n.º3 do artigo 63.º do CIRC, bem como alínea a), do n.º1, 2 e 3 do artigo 4.º, 5.º e 6.º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, invocadas pela Requerente.

                Para além deste vício de violação de lei, a liquidação enferma ainda de vício de violação princípio do inquisitório, enunciado no artigo 58.º da LGT.

                Estes vícios justificam a anulação da liquidação na parte relativa às correcções baseadas no regime de preços de transferência, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

Em 04-02-2021, a Requerente prestou a garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal n.º ...2021..., instaurado para cobrança coerciva da quantia liquidada e pede indemnização, nos termos do artigo 53.º da LGT.

O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

                1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

                2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que os erros subjacentes às liquidações impugnadas, nas partes que são impugnadas, são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois estas foram de sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Anular parcialmente, nas partes correspondentes às correcções relativas a fastos de financiamento, diferenças cambiais e preços de transferência que são impugnadas, a liquidação de IRC referente ao período de 2016, com o n.º 2020..., e as respectivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 ..., 2020 ... e 2020 ..., bem como a respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2020 ...;

C)           Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 1.202.465,86.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 16.524,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

               

Lisboa, 07-12-2021

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Martins Alfaro)

(João Marques Pinto)