Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 19/2019-T
Data da decisão: 2019-09-07  IMT  
Valor do pedido: € 132.437,50
Tema: Fundos de investimento imobiliário – IMT - Redução de taxas. Artigo 49.º, n.º 1.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Juiz José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Dr. Olívio Mota Amador (Árbitro Vogal) e Dr. André Festas da Silva (Árbitro Vogal), designados pelo Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral acordam no seguinte:

 

1. - Relatório

 

1.1. A... Lda., pessoa coletiva n.º..., com sede na Av. ... n.º..., ..., ...-... Lisboa, (doravante designada por “Requerente”) apresentou, em 10-01-2019, um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1, e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/201, de 22 de março, para declarar a ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) n.º..., de 15-02-2018, bem como do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

1.2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite, em 11-01-2019, e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).

 

1.3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro presidente e os árbitros auxiliares do tribunal arbitral coletivo, tendo os signatários comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.4. As partes foram notificadas das designações do árbitro presidente e dos árbitros auxiliares, em 04-03-2019, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

1.5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 25-03-2019.

 

1.6. A Requerida, devidamente notificada para o efeito através do despacho arbitral, de 26-03-2019, apresentou a sua resposta, em 06-05-2019, tendo junto, como Documento n.º 1 anexo à referida Resposta, o Parecer do Centro de Estudos Fiscais, datado de 22-06-2018, sancionado pela Subdiretora-geral para a Área do Património, no âmbito do procedimento de Revisão Oficiosa nº ...2017... .

 

1.7. O Tribunal Arbitral por despacho, de 13-06-2019, determinou o seguinte: (i) Salvo oposição expressa e fundamentada de qualquer das partes no prazo de 5 (cinco) dias, ficava dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, considerando que se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e que não há exceções ou questões prévias a apreciar e decidir nem testemunhas a inquirir; (ii) Não havendo outras diligências de prova a realizar, ambas as partes apresentarão, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias, alegações escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito; (iii) Fixa-se o dia 15-08-2019, como data limite previsível para a prolação e notificação da decisão arbitral final; (iv) A Requerente deverá dar oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4º-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária; (v) À luz do princípio da cooperação [cfr artigo 7º, do CPC], convidam-se ambas as partes a remeter ao CAAD cópias dos respetivos articulados e relatório mencionado, em formato editável (Word) com vista a facilitar e abreviar a tarefa de elaboração do acórdão final no que especialmente respeita à matéria de facto.

1.8. A Requerente, em 10-07-2019, prescindiu da apresentação de alegações escritas.

 

1.9. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, é, em síntese, a seguinte:

1.9.1. A Requerente entende que deve beneficiar da isenção e redução da taxa de IMT a que se refere o artigo 49.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) em vigor à data da aquisição, dado ter adquirido o prédio a um Fundo Investimento Imobiliário Aberto no ano de 2015, pelo que a taxa deve ser de 3,25%.

1.9.2. Nos termos do artigo 12.º do EBF, o “direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo.”. Ora, à data da verificação dos factos objeto do presente pedido (2015), o benefício fiscal em apreço (redução para metade da taxa de IMT) era aplicável a: i. operações de aquisição de imóveis; ii. integrados/incluídos no património predial de fundos com características semelhantes às de fundos de investimento imobiliários abertos.

1.9.3. Os pressupostos essenciais à concessão do benefício fiscal em apreço estão cabalmente cumpridos, porquanto i) a Requerente adquiriu um conjunto de imóveis ii) que faziam parte integrante do património de um fundo de investimento imobiliário de caracter aberto – o B...– Fundo de Investimento Imobiliário Aberto.

1.9.4. Uma vez que o ato tributário de liquidação de IMT é manifestamente ilegal deve consequentemente a Requerente ser ressarcida do valor parcial do imposto liquidado indevidamente e pagos os respetivos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 24.º, n.ºs 1, alínea b), e 5 do RJAT e dos artigos 43.º e 100.º da LGT.

1.10. A posição da Requerida, expressa na resposta, pode ser sintetizada no seguinte:

1.10.1 A liquidação impugnada está correta, na medida em que o prédio integrava o B...– Fundo de Investimento Imobiliário Aberto antes da alteração ao artigo 49.º (anterior artigo 46.º) do EBF introduzida pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, e de acordo com o regime transitório constante do artigo 209.º do referido diploma legal o novo regime apenas se aplicava  “aos prédios que, no momento de entrada em vigor da presente lei, integram os fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, os fundos de pensões e os fundos de poupança reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, bem como  os prédios que venham a integrar estas entidades”.

 1.10.2. Decorre, assim, da interpretação do artigo 46.º/49.º do EBF desenvolvida no Parecer do Centro de Estudos Fiscais, datado de 22-06-2018, que, da norma do artigo 209.º Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, “resulta claramente que o legislador considera que o requisito da constituição dos fundos de investimento (…)é uma condição essencial da aplicação do benefício, e que, neste caso,  o novo regime se aplica aos fundos que se constituírem após a entrada em vigor da nova redacção, pelo que, em consequência, o benefício da redução da taxa aplicava-se aos prédios que viessem a ser integrados em fundos de investimento, no futuro, durante a sua vigência”.

1.10.3. Em conclusão, o ato em crise não padece de qualquer ilegalidade pelo que deve ser considerada como improcedente a pretensão da Requerente de anulação do ato de liquidação de IMT.

 

1.10.4. Não tendo existido qualquer erro dos serviços da AT, não se mostram reunidos os pressupostos previstos no artigo 43.º da LGT para reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios peticionados.

1.11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Não foram suscitadas exceções que cumpra conhecer.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

2. Matéria de Facto

2.1. Factos dados como provados

A)           A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que tem como objeto social a prestação de serviços de consultadoria imobiliária e de planeamento de investimentos imobiliários, realização de estudos de mercado e serviços de marketing e publicidade para o setor imobiliário, serviço de gestão de imóveis próprios ou de terceiros, investimentos imobiliários, incluindo a aquisição, arrendamento, venda e revenda de imóveis. (vd., n.º 24 do pedido de pronuncia arbitral e fls. 1 da escritura de compra e venda junta como Documento n.º 2 anexo ao referido pedido);

 

B)           Em 16-12-2015, no Cartório Notarial de C..., em Lisboa, realizou-se a escritura de compra e venda, na qual a Requerente adquiriu ao B...– Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, NIF...,  pelo preço total de € 4.075.000,00 as frações autónomas designadas pelas letra “A”, “B” e “C” do prédio urbano sito na ..., número ..., com vão de porta para a Rua ... n.ºs ... a ..., lote ..., inscrito sob o artigo n.º..., sito na União das Freguesias de ... e ..., concelho de Loures, afeto ao regime de propriedade horizontal e descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... (vd., fls. 1 da escritura de compra e venda junta como Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

C)           As frações autónomas identificadas na alínea anterior foram vendidas pelos valores seguintes: (i) fração autónoma designada pela letra “A”: €1.228.000,00 (ii) fração autónoma designada pela letra “B”: €1.423.500,00 (iii) fração autónoma designada pela letra “C”: €1.423.500,00 (fls. 2 e 3 da escritura de compra e venda junta como Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

D)           Relativamente à compra e venda identificada nas alíneas anteriores, a AT emitiu, em 15-12-2015,  o  ato tributário de liquidação de IMT n.º ... no montante global de € 264.875,00, que inclui: (i) fração autónoma designada pela letra “A”: Matéria Coletável: € 1.228.000,00 Taxa: 6,5% Coleta: € 79.820,00 (ii) fração autónoma designada pela letra “B”: Matéria Coletável: € 1.423.000,00  Taxa 6,5% Coleta € 92.527,50 (iii) fração autónoma designada pela letra “C”: Matéria Coletável: € 1.423.500,00 Taxa 6,5% Coleta € 92.527,50 (vd., Documento n.º 3 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

E)            A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IMT supra identificada (vd., fls.  6 da escritura de compra e venda junta como Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

F)            A Requerente dirigiu ao Diretor da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais, em 23-07-2018, um pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação de IMT supra identificado, nos termos e para os efeitos do artigo 78.º da LGT e artigos 41.º e 42.º do Código do IMT,  (vd., Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

2.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

2.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto cabe ao Tribunal o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada, não tendo que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Nestes termos, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

3.            Do Direito

 

3.1.        Art. 49º, n.º 1 do EBF

 

Face à factualidade em análise nos presentes autos e aos articulados das partes, a questão que se impõe conhecer é a seguinte: a alienação de três prédios, em 16.12.2015, por parte de um fundo de investimento imobiliário aberto para a Requerente está sujeita a IMT, a taxas reduzidas a metade?

 

                Em 2015 os Fundos de Investimento Imobiliário beneficiavam de regime especial de tributação, em sede de IMT, previsto em vários artigos do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), nomeadamente no art. 49º do EBF.

Tendo como limite temporal a data de 16.12.2015 (data do facto tributário), este artigo foi alterado pelos seguintes diplomas:

 

             Aditamento ao EBF pelo D.L. n.º 189/90, de 8 de junho;

             Lei n.º 39-B/94, de 27/12;

             Decreto Lei n.º 198/2001, de 3/07 – renumeração;

             Lei n.º 32-B/2002, de 30/12;

             Lei n.º 53-A /2006, de 29/12;

             Decreto Lei n.º 108/2008 de 26.06;

             Lei n.º 3-B/2010, de 28/04;

             Lei n.º 55-A/2010, de 31/12;

             Lei n.º 83-C/2013 - 31/12.

 

A incidência do IMT é regulada pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária (art. 5.º, n.ºs 1 e 2 do CIMT). Nos termos do disposto no artigo 12.º do EBF, “[o] direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos (…)”.

Deste modo, não obstante as constantes alterações legislativas, no caso em apreço interessa apenas a Lei em vigor à data da transmissão dos prédios – 16/12/2015. À data do facto tributário (art. 36.º, n.º 1 da LGT), a redação em vigor do art. 49º do EBF era a seguinte:

 

1 - São reduzidas para metade as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – (revogado)

 

Importa também ter presente a disposição transitória prevista no art. 209º da Lei n. º83-C/2013 de 31.12:

 

O regime tributário resultante da nova redação dada ao n.º 1 do artigo 49.º do EBF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, é aplicável aos prédios que, no momento de entrada em vigor da presente lei, integram os fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, os fundos de pensões e os fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, bem como os prédios que venham a integrar estas entidades.

 

De acordo com a Lei, os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excecional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (art. 2º do EBF).

Do ponto de vista jurídico, e na ótica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objetiva e subjetiva do imposto.

É hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina. (Cfr. Art. 11º da LGT e art. 9º do CC)

Especificamente, as normas que consagram benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (art. 10º, do E.B.F) .

Face ao exposto, no que diz respeito às normas hermenêuticas devemos recorrer, por remissão do art. 11º, n. º1 da LGT, ao previsto no Código Civil. O art. 9º, n. º1 do C.C. estabelece o seguinte:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, não poder “ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espirito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso””  Também como refere OLIVEIRA ASCENSÃO, “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”

 

A isenção parcial de IMT prevista no art. 49º, n. º1 do EBF está sujeita à verificação cumulativa de três condições:

 

a) que os prédios estejam integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma;

b) que estas entidades se constituam de acordo com a legislação nacional;

c) que estas entidades operem de acordo com a legislação nacional.

 

Aplicando as regras interpretativas atrás expostas ao caso em análise, importa considerar o elemento literal.

Quanto à primeira condição é necessário que os imóveis estejam “integrados” num fundo. O legislador utilizou o verbo “integrar” no presente do indicativo, o que expressa uma realidade já existente. Os imóveis integrados num fundo não são senão os que esse fundo já tenha adquirido, o que leva à conclusão de que a isenção se refere à sua alienação pelo fundo a um terceiro e não à sua aquisição pelo fundo.

A propósito da interpretação do art. 49º, n. º1 do EBF, anterior 46º do EBF, citando o Dr. João Espanha: “c) Está isenta de IMT a transmissão/alienação de imóveis integrados em FII representado pela sociedade gestora” .

A interpretação de que desta norma não resulta qualquer isenção de IMT é contrária à letra da Lei uma vez que esta expressamente refere que são reduzidas para metade as taxas de IMT. Nos termos do art. 9º, n. º3 do C.C. o intérprete deve presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Tendo o legislador feito expressa alusão à isenção parcial de IMT devemos concluir que a transmissão do prédio pelo fundo à Requerente está parcialmente isenta até porque a aquisição do prédio pelo fundo estava, à data do facto tributário, isenta de IMT ao abrigo do disposto no art. 1º do D.L. n. º1/87 de 03 de janeiro. Esta é a única interpretação compatível com a letra da Lei.

Esta questão foi já apreciada neste sentido por abundante jurisprudência arbitral (processos n.º 544/2016-T, de 28 de abril de 2017; n.º 677/2016-T, de 26 de junho de 2017; n.º440/2017-T, de 15 de janeiro de 2018, n.º 547/2017-T, de 15 de março de 2018, n.º 630/2018 de 13.05.2018, n.º 478/2018 de 28.02.2019 e n.º 317/2018 de 13.05.2019).

Ainda no que diz respeito à primeira condição, face aos factos dados com provados, verificamos que a transmissão dos prédios para a Requerente foi efetuada por um fundo de investimento imobiliário aberto. Porquanto, no caso em apreço entendemos que a primeira condição para que possa ser reconhecida isenção parcial de IMT está verificada.

No que diz respeito à segunda condição é necessário que os fundos se constituam de acordo com a legislação nacional. Entende a Requerida que este pressuposto só é aplicável aos prédios integrados em fundos em data posterior à entrada em vigor da norma, não se aplicando aos prédios já integrados nesses fundos.

Ora, salvo o devido respeito, esta interpretação não tem correspondência com a letra da lei.

Iniciando a nossa análise por perscrutar os elementos literais da norma, verificamos que o verbo “constituir”, que exprime uma ação, no art. 49º, n. º1 do EBF é aplicável aos fundos e não aos prédios como interpreta a Requerida. Assim, esta condição é relativa aos fundos. Há isenção parcial desde que os fundos, e não os prédios, se constituam de acordo com a legislação nacional.

Mais o verbo constituir é utilizado no modo condicional presente (constituam) e não no modo condicional futuro (constituírem) . O modo condicional é usado para traduzir a possibilidade de realização de uma ação sob condição, concretizada ou não. O legislador utilizou no verbo a interpretar no tempo presente e não no futuro. Porquanto, o legislador situa o facto enunciado no momento da sua enunciação e não para um momento posterior.

 Porquanto, a isenção parcial de IMT é aplicável aos fundos existentes criados de acordo com a legislação nacional e não apenas aos fundos criados ou aos prédios a integrar nos fundos em data posterior à entrada em vigor da norma.

Outra interpretação que não esta, seria, na nossa opinião, de difícil compatibilização com o princípio da igualdade. O princípio da igualdade tributária não se encontra expressamente consagrado na atual Constituição, decorrendo do princípio geral da igualdade previsto no seu artigo 13.º da CRP.

Segundo o TC (Acórdãos nº 232/2003, 96/2005, 99/2010, 255/2012 e 294/2014 TC) e a doutrina  o princípio da igualdade abrange no seu conteúdo, fundamentalmente, duas vertentes: a) proibição de discriminação; b) obrigação de diferenciação.

A proibição de discriminação impõe a igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais, de modo a vedar qualquer discriminação intolerável. Implica, portanto, um sentido negativo (não introduzir desigualdades no que deve ser igual nem igualdade no que deve ser desigual) e um sentido positivo (tratar igualmente o que deve ser igual e impedir que outrem trate desigualmente o que deve ser igual).

A proibição de discriminação impõe a igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais, de modo a vedar qualquer discriminação intolerável. Implica, portanto, por um lado, uma exigência de tratamento igual de contribuintes nas mesmas circunstâncias e por outro lado uma exigência de tratamento diferenciado de contribuintes em circunstâncias diferentes.

No caso em apreço, a aplicação da isenção parcial de IMT apenas a fundos a constituir ou a prédios a integrar em fundos após a entrada em vigor da norma e não a fundos já constituídos ou a prédios já integrados nos fundos não são realidades fáticas distintas que mereçam tratamento distinto. Porquanto, afigura-se-nos que o seu tratamento fiscal distinto, como propõe a Requerida, poderia configurar uma violação do princípio da igualdade em sentido positivo. Sendo situações fáticas iguais, até porque não apuramos nada que justifique um tratamento diferenciado, o princípio da igualdade em sentido negativo impõe que sejam tratadas de forma igual.

Mais, a disposição transitória prevista no art. 209º, da Lei 83-C/2013, de 31/12 afasta, sem margem para dúvidas, a interpretação da Requerida porque refere expressamente que este regime se aplica “(…) aos prédios que, no momento de entrada em vigor da presente lei integram os fundos de investimento (…), bem como aos prédios que venham a integrar estas entidades”.  É inequívoco que este regime se aplica não só aos já prédios integrados em fundos como também aos que venham a integrar no futuro.

Destarte, uma vez que o fundo alienante dos prédios estava constituído de acordo com a legislação nacional à data do facto tributário, entende este Tribunal que a segunda condição para a isenção parcial de IMT prevista no art. 49º, n. º1 do EBF se verifica no caso em apreço.

 Por fim, no que diz respeito à terceira condição, mais uma vez o legislador utilizou o verbo, agora, “operar” no modo condicional presente (operem) e não no modo condicional futuro (operarem) .

 Porquanto, pelas mesmas razões atrás enunciadas, a isenção parcial de IMT é aplicável aos fundos existentes que tenham atividade de acordo com a legislação nacional e não apenas aos fundos que venham a operar no futuro de acordo com a legislação nacional.

 Subsumindo ao caso em apreço, verificamos que a terceira condição para a isenção parcial também se verifica uma vez que o fundo aberto operava à data do facto tributário de acordo com a legislação nacional.

Em conclusão, no caso em julgamento, estão verificadas as três condições exigidas pelo art. 49º, n. º1 do EBF, com a redação em vigor à data do facto tributário, para que deva ser reconhecida a isenção parcial de IMT (redução para metade das taxas).

O ato tributário de IMT relativo à aquisição de três imóveis pela Requerente é ilegal por violação do disposto no citado artigo 49.º, n.º 1, do EBF, na redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

À face do exposto, o ato tributário de liquidação de IMT identificado sob o n.º..., de 15  de Dezembro de 2015, no valor de €264.875,00 é anulável por vício de violação de lei, em conformidade com o disposto no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), com correspondência no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

Ilegal é também o indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa deduzido contra o mencionado ato tributário.

 

3.2. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Quando está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas de incidência tributária, tem sido pacificamente entendido que os Tribunais Arbitrais Tributários  têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos em processo de impugnação judicial, incluindo portanto as que derivam do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT. 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º, n.º1 do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT.

O direito a juros indemnizatórios depende de um conjunto de pressupostos constitutivos, sendo imprescindível que a Requerente tenha previamente procedido ao pagamento do imposto relativamente ao qual reclama a contagem de juros. 

Na situação vertente, a Requerente comprovou o pagamento integral do ato de liquidação. Acresce ter ficado demonstrado que o ato tributário padece de erro de direito imputável à AT que não deveria ter procedido à liquidação de IMT com as taxas normais, pelo que procede o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia paga em montante superior ao legalmente devido (€ 132.437,50 - 50% do valor da liquidação).

No entanto, na situação concreta, tratando-se de um procedimento de revisão oficiosa sob o impulso do sujeito passivo, ultrapassado que estava o prazo para deduzir reclamação graciosa, é aplicável o disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, segundo o qual os juros indemnizatórios são devidos “quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste”.

Deste modo, a contagem do prazo inicia-se decorrido um ano após a apresentação do pedido, ou seja, um ano após 23 de julho de 2018, e não nos termos do disposto no artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, isto é, desde a data do pagamento do imposto indevido. Neste sentido também se pronuncia a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente nos processos n.ºs 560/05, de 6 de julho de 2005; 890/16, de 18 de janeiro de 2017, e 159/14, de 10 de maio de 2017.

Assim, os juros peticionados pelo Requerente apenas são devidos a partir de 23 de julho de 2019.

São devidos juros indemnizatórios à taxa legal, sobre a quantia de €132.437,50, contados a partir de 23 de julho de 2019, atento o preceituado no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT.

 

4. Decisão

 

Termos em que se decide:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o ato tributário de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis n.º. ... de 15.12.2015, bem como o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;

b) Condenar no pagamento de juros indemnizatórios desde 23.07.2019 até à data da emissão da nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º, n. º3, al. c) da LGT.

 

Valor da causa

 

Fixa-se o valor do processo em € 132.437,50, nos termos do artigo 97º -A, nº1, alínea a) do Código de Procedimento e do Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº1 do artigo 29º do RJAT.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, que fica a cargo da Requerida.

 

 Notifique.

Lisboa, 7 de setembro de 2019

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

(José Poças Falcão)

 

O Árbitro Vogal

(Olívio Mota Amador)

 

O Árbitro Vogal

(André Festas da Silva)