Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 188/2021-T
Data da decisão: 2022-02-09  ISV  
Valor do pedido: € 31.445,29
Tema: ISV – admissão em território nacional de veículos automóveis usados provenientes de outro Estado membro da EU – artigo 11.º do Código do ISV.
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DECISÃO ARBITRAL[1]

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 09-06-2021, decidiu o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., contribuinte nº..., com residência na Rua..., nº..., ..., , Alenquer (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 01-04-2021, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. A Requerente com o pedido de pronúncia arbitral “vem (…) deduzir IMPUGNAÇÃO da[s] liquidação[ões] do ISV (…)” com fundamento em “(…) vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou C02”, requerendo que seja “(…) a presente impugnação (…) julgada provada e procedente, ordenando-se a anulação parcial da[s] liquidação[ões] do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11º do CISV à componente ambiental”, requerendo ainda que seja “(…) a AT (…) condenada a restituir (…) a quantia de € 31.445,29 cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição” (maiúsculas da Requerente).

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 05-04-2021 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

  1. Em 20-05-2021, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD a Dra. Raquel Carvalho e Cunha, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

  1. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

  1. Em 09-06-2021, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral (na mesma data) no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

  1. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

  1. A Requerida apresentou a sua Resposta em 13-07-2021, na qual se defendeu por excepção e impugnação, concluindo que “(…) face às exceções invocadas, [deve] ser a AT absolvida do pedido, ou o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente”.

 

  1. Adicionalmente, a Requerida na sua Resposta requer que “(...) o requerimento de prova testemunhal (…)” seja indeferido, mas “(…) caso se entenda ser necessário ouvir as testemunhas arroladas, ato que (…) é inútil (…), deverá a Requerente ser notificada para, (…), indicar sobre que factos (constantes do pedido arbitral) incidirá a inquirição”.

 

  1. Na mesma data, a Requerida remeteu ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

 

  1. Por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, datado de
    07-09-2021 (notificado às Partes em 06-10-2021), foi decidido, dada a renúncia às funções arbitrais por parte do árbitro nomeado (Dra. Raquel Carvalho e Cunha), determinar a substituição desta pela Dra. Sílvia Oliveira, não tendo as Partes manifestado oposição à substituição.

 

  1. A nomeação como árbitro deste Tribunal Singular da signatária desta decisão arbitral ocorreu em 28-10-2021, tendo sido dado conhecimento, à árbitro signatária desta decisão, do despacho do Presidente do Conselho Deontológico referido no ponto anterior em 15-11-2021.

 

  1. Por despacho arbitral de 15-11-2021, proferido “(…) ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT (…)”, decidiu o Tribunal Arbitral (i) ser desnecessária a inquirição das testemunhas apresentadas pela Requerente; (ii) dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, (iii) determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, a apresentar no prazo sucessivo de 10 dias, a contar da notificação daquele despacho; (iv) determinar que a Requerente se pronunciasse, no prazo de 10 dias concedido para as suas alegações (caso assim o entendesse) sobre o teor da matéria de excepção suscitada pela Requerida (na Resposta) e (v) determinar a prorrogação por mais dois meses do prazo do procedimento arbitral, nos termos do disposto no artigo 21º do RJAT, ficando agendada a prolação da decisão arbitral até ao termo daquele prazo (ou seja, até ao dia 09-02-2022).

 

  1. Adicionalmente, no despacho referido no ponto anterior, foi ainda a Requerente advertida que, até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3, do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

  1. Em 25-11-2021 a Requerente apresentou defesa contra a matéria de excepção suscitada pela Requerida na sua Resposta, concluindo, concluindo pela improcedência das referidas excepções e pela procedência do pedido arbitral.

 

  1. A Requerida apresentou, em 26-11-2021, alegações escritas tendo concluído que “(…) ainda que o tribunal venha a decidir no sentido da anulação parcial das liquidações, não obstante a AT tenha efetuado as liquidações no cumprimento estrito da lei em vigor, a que estava vinculada, não se verifica (…), no caso em apreço, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios”, peticionando que o pronúncia arbitral seja julgado improcedente ou o pedido de pagamento de juros indemnizatórios seja julgado totalmente improcedente.

 

  1. Em 27-01-2022, foram ambas as Partes notificadas do despacho arbitral de 26-01-2022 com o seguinte teor:

 

O Tribunal Arbitral, na preparação da decisão arbitral (…), verificou o seguinte (…): A Requerente veio interpor pedido de pronúncia arbitral (PPA), em 01-04-2021, na sequência da decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa de liquidações de ISV datadas de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, apresentado em 24-11-2020, com fundamento no nº 1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária (…), no sentido de obter a anulação parcial das referidas liquidações e o consequente reembolso do ISV que entende ter pago em excesso;- O referido despacho (…) foi notificado ao mandatário da Requerente em 25-03-2021, através do Ofício nº..., de 25-02-2021, nos termos do qual se refere que “(…) no procedimento supra identificado, em 09-02-2021, foi proferido despacho de Rejeição, pelo Diretor de Alfândega (…)”, notificando-se ainda o mandatário da Requerente que “(…) deste despacho pode recorrer hierarquicamente no prazo de 30 dias (…) ou interpor impugnação de atos administrativos no prazo de três meses, nos termos do art.º 50 e da al. B) do nº 1 do art. 58º, ambos do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) (…)”;- O despacho referido no ponto anterior foi proferido de acordo com proposta do Técnico que analisou o pedido de revisão oficiosa das liquidações, datada de 04-02-2022, nos termos da qual refere que “para superior apreciação e decisão, anexo (…) proposta de decisão final de rejeição por intempestividade de 39 liquidações de ISV e de indeferimento da liquidação nº 2020/..., de ISV, relativamente ao pedido de Revisão Oficiosa identificado, apresentado ao abrigo do nº 1 do art. 78º da LGT (…)”.

Neste âmbito, dado que se poderá estar perante uma excepção (de conhecimento oficioso) relativa à incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o acto de rejeição do pedido de revisão oficiosa (o que, a proceder, implicará a absolvição da Requerida da instância arbitral), determina-se ao abrigo do disposto no artigo 16º, alínea a) do RJAT a notificação das Partes para se pronunciarem sobre esta questão, querendo, no prazo simultâneo de cinco dias, a contar da data da notificação do presente despacho. (…)” (sublinhado nosso).

 

  1. Em 03-02-2022 a Requerente apresentou defesa quanto à excepção oficiosamente suscitada pelo Tribunal Arbitral, alegando que “(…) o presente pedido arbitral tem por base a ilegalidade na liquidação de um tributo”, sendo que “(…) este Tribunal Arbitral é competente para apreciar a pretensão de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, concluindo que “(…) a exceção da incompetência material não se verifica”.

 

  1. A Requerida nada veio apresentar no prazo concedido.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.    A Requerente começa por referir que “(…) introduziu em Portugal, (…) no período compreendido entre 04.01.2017 e 20.08.2020, os veículos automóveis de passageiros, usados, identificados (…)”, sendo os referidos veículos “(…) provenientes d[a] Alemanha e Suécia”, “e com a primeira matrícula registada nesses referidos países”.

 

2.2.    Refere a Requerente que “no cumprimento das suas obrigações (...) tributárias, (…) procedeu às declarações aduaneiras dos referidos veículos, tendo a AT procedido à liquidação do ISV (…), no valor global de € 69.604,29 (…)”, “imposto que foi integralmente pago pela (…)” Requerente.

 

2.3.    Esclarece a Requerente que do “(…) valor liquidado pela AT, € 96.441,76, corresponde ao valor da componente cilindrada e € 77.897,52 ao valor da componente ambiental (…)”, “sendo que, relativamente a componente cilindrada, aquele valor foi deduzido da redução resultante do número de anos de uso do veículo, no valor global de € 59.179,91”.

 

2.4.    Reitera ainda a Requerente que “apesar (…) [de] ter procedido ao pagamento do imposto liquidado, sem o que não poderia legalizar o[s] veículo[s] para poder circular em Portugal, considera que a[s] liquidação[ões] efetuada[s] do ISV está[ão] ferida[s] de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou C02”, porquanto entende que “(…) a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação - art. 11º do CISV - viola o art. 110° do TFUE (…) conforme foi já declarado por acórdão transitado em julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia”.

 

  1. Com efeito, segundo entende a Requerente, na sequência de acórdão do TJUE (n° C-200/15, de 16-06-2016), “o legislador nacional introduziu uma nova alteração ao CISV, através da Lei 42/2006 de 27 de dezembro (…)”, “alteração concretizada através de uma nova redação do art. 110º do CISV e da tabela D que integra esse mesmo artigo”.

 

  1. Ora, segundo entende a Requerente, “analisada essa tabela, conclui-se que o Estado Português respeitou o decidido pelo Tribunal Europeu naquele referido acórdão, ao alargar as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo, prolongando-a até aos 10 e mais anos de uso” mas, “(…) a par desta alteração, foi introduzida uma outra, bem mais gravosa para cálculo do ISV” porquanto “(…) o legislador, com a nova redação dada ao art. 11º voltou a limitar a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (…)”.

 

  1. Assim, segundo a Requerente, “(…) com esta alteração, o legislador retrocedeu ao ano de 2010 e voltou a por em vigor uma norma jurídica, que tinha sido já objeto de um processo instaurado pela Comissão Europeia e que esteve na base da alteração legislativa operada com a Lei 55-A/2010 de 31 de dezembro” porquanto “limitando a tabela de redução para cálculo do ISV à componente cilindrada e excluindo-a da componente ambiental (emissão do C02)”, “a norma atualmente em vigor, e que esteve na base da liquidação do imposto pago (…), viola frontalmente o art. 110° do TFUE (…)”, “(…) pois permite que a Administração Fiscal cobre um imposto sobre os veículos importados, com base num valor superior ao valor real do veículo”, “onerando-os com uma tributação fiscal superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional”, “onerando esses veículos com um ISV mais elevado, tomando-os mais caros, relativamente a veículos equivalentes matriculados em Portugal”.

 

  1. Nestes termos, entende a Requerente que “(…) o montante do imposto calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional”, concluindo que “a norma do art. 11º do CISV, viola diretamente o disposto no art. 110º do TFUE”.

 

  1. Assim, “a AT quando procedeu a liquidação do ISV sob a presente impugnação, não levou em consideração o número de anos de uso do veículo na sua componente ambiental, tendo apenas considerado essa redução na componente cilindrada”, “tendo-o feito com o recurso a uma norma jurídica que viola o direito europeu - art. 110º do TFUE (…) como tal, está ferida de ilegalidade”.

 

  1. Face a esta manifesta ilegalidade, a Impugnante, em 24.11.2020, requereu junto da Alfândega da Figueira da Foz, ao abrigo do disposto no art. 78° da LGT, a revisão da liquidação do referido imposto liquidado referente aos veículos (…)” tendo tal pedido de revisão sido “(…) indeferido, por despacho proferido pela Chefe de Delegação Aduaneira, notificado à Impugnante em 25.02.2021 (…)”.

 

  1. Tendo em consideração que a Requerente fundamentou o pedido de revisão oficiosa na existência de erro imputável aos serviços, segundo entende a Requerente, “é entendimento pacífico da jurisprudência do STA que este erro, para além de englobar o lapso, o erro material ou de facto, engloba também o erro de direito, desde que essa errada aplicação da lei não decorra de qualquer informação ou declaração do contribuinte”.

 

  1. Ora, “não tendo a Impugnante, obviamente, contribuído por qualquer forma para essa liquidação ilegal do imposto”, “(…) pode socorrer-se do disposto na 2ª parte do nº 1 do art. 78° da LGT - requerer a revisão do ato tributário no prazo de quatro anos da respetiva liquidação - e que esse pedido pode ter como fundamento a ilegalidade do ato, pelo que tendo sido “(…) efetuado este pedido de revisão e tendo o mesmo sido indeferido (…)” entende a Requerente estar em tempo para apresentar este pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Nestes termos, entende a Requerente que lhe deverá ser restituído “(…) o montante de
    € 31.445,29 pago a mais, acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do art. 43º da LGT
    ” pelo que peticiona que “(…) deve a presente impugnação ser julgada provada e procedente (…)”.
  2. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida, na sua Resposta, começa por enquadrar que o “(…) presente pedido de constituição de tribunal arbitral vem interposto para declaração de ilegalidade de atos de liquidação resultantes da apresentação de 40 Declarações Aduaneiras de Veículo (DAV) nos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, (…), relativos a Imposto Sobre Veículos (ISV) praticados pela Chefe da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz”, esclarecendo que “a Requerente apresentou, em 25.11.2020, um pedido de revisão oficiosa junto da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, vindo na sequência do indeferimento do mesmo pedido impugnar as liquidações do imposto (…), com fundamento na violação do artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia”, defendendo a Requerente que “(…) as liquidações estão feridas de vício de ilegalidade na parte respeitante ao cálculo da componente ambiental, por não ter sido aplicada a redução de anos de uso à componente ambiental (…)” requerendo a “(…) anulação parcial dos atos de liquidação de ISV (…)” e “(…) a restituição da quantia de 31.445,29 €, acrescida de juros indemnizatórios”.

 

Defesa por Excepção - Da ilegitimidade da Requerente

 

3.2.    Neste âmbito, refere a Requerida que “(…) a Requerente dedica-se à comercialização de veículos automóveis (CAE 45110 - Comércio de veículos automóveis ligeiros), não tendo adquirido os veículos em causa para seu uso pessoal” sendo que “(…) foi no âmbito da sua atividade comercial que a Requerente procedeu à regularização fiscal dos veículos, (…), cumprindo as formalidades atinentes à introdução no consumo dos veículos e as relativas à atribuição de matrícula nacional”, “tendo, deste modo (…) procedido ao pagamento do ISV liquidado”.

 

3.3.    Refere a Requerida que pretendendo a Requerente “(…) que lhe seja restituído o montante de 31.445,29 €, que teria sido pago a mais por não ter sido aplicada redução à componente ambiental relativa aos anos de uso dos veículos, a Requerente não alega, nem prova, a propriedade dos veículos em questão à data do pedido de pronúncia arbitral” e, “(…) dedicando-se a Requerente à comercialização/venda de veículos automóveis, os veículos em causa já terão sido alienados e, nesse caso, no respetivo preço de venda devem ter sido incluídos os montantes pagos pela vendedora, designadamente para regularização fiscal e atribuição de matrícula, tendo repercutido naquele todas as despesas por si assumidas”.

 

3.4.    Reitera a Requerida que “(…) no caso concreto, os veículos não foram adquiridos noutros Estados-Membros por um particular, para seu próprio uso, não provando a Requerente que o reembolso do imposto, na parte que vem peticionada, lhe é devida por ainda deter a propriedade dos veículos” “e, caso os veículos já tenham sido vendidos, não se vislumbra que na esfera jurídica da Requerente exista um interesse juridicamente protegido, consubstanciando a restituição parcial do imposto à Requerente, nessa medida (…) uma situação de enriquecimento sem causa”.

 

3.5.    Para a Requerida, “(…) não comprovando a Requerente que, efetivamente, ainda detém a propriedade dos veículos (…) objeto do presente pedido arbitral, não existe causa de pedir, carecendo, consequentemente, de legitimidade (ativa), que sustente a sua pretensão, porquanto não é titular do direito/interesse relevante de que se arroga” pelo que “(…) entende a Requerida invocar a ilegitimidade ativa da Requerente quanto ao pedido arbitral”, concluindo que “(…) constituindo a ilegitimidade (…) uma exceção dilatória, o que se invoca, deve esta ser declarada, e, consequentemente, ser a Requerida absolvida da instância (…)”.

 

Defesa por Excepção - Da caducidade do direito de ação

 

  1. Em matéria de excepções, invoca ainda a Requerida a “(…) a exceção de intempestividade do presente pedido arbitral, uma vez que o mesmo vem interposto na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa das liquidações, sendo que, quando este último foi apresentado perante a AT, em 25.11.2020, era intempestivo quanto às liquidações efetuadas em 2016, 2017, 2018 e 2019, ora impugnadas” e, por isso, não aceita a Requerida que a Requerente justifique “(…) a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento do pedido de revisão [considerado intempestivo quanto a 39 das 40 liquidações objecto do pedido] pois, deste modo, estaria aberto o caminho para discutir a legalidade dos atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de contestação”.

 

  1. Neste âmbito, alega a Requerida que “(…) no presente caso o pedido de revisão das liquidações foi apresentado ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, imputando a Requerente o vicio de ilegalidade às liquidações na parte em que não foi considerada redução para a componente ambiental no cálculo do imposto” mas, segundo a Requerida, “(…) não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (…)”.

 

  1. Assim, defende a Requerida que “(…) à luz do n.º 1, 1ª parte, do artigo 78.º da LGT, o pedido de revisão oficiosa apresentado é manifestamente intempestivo, pois se encontrava há muito ultrapassado o prazo da reclamação graciosa, de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISV”.

 

  1. Consequentemente, tendo o presente pedido arbitral sido deduzido em consequência do indeferimento do pedido de revisão e sendo este intempestivo, além de infundado, igualmente se mostra a presente impugnação intempestiva, verificando-se a caducidade do direito de ação, que constitui exceção perentória, que impede e extingue o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente e, sendo de conhecimento oficioso, leva à absolvição da AT do pedido (…)”.

 

Por Impugnação

 

  1. Segundo a Requerida, “nas datas que constam nas DAV como data de aceitação, a Requerente procedeu à regularização fiscal de 40 veículos ligeiros de passageiros, usados, provenientes de outros Estado-membros, tendo para o efeito processado, para introdução no consumo, (…) o PA, na Delegação Aduaneira da Figueira da Foz”, “(…) tendo-lhes sido atribuídas as matrículas nacionais identificadas no Quadro M do formulário (…)” de cada uma das DAV, esclarecendo que “quanto aos veículos em questão, para efeitos de aplicação da tabela D prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, aqueles inserem-se em diferentes escalões em função dos anos de uso, tendo sido aplicada no cálculo do imposto a percentagem de redução correspondente, conforme indicado nas DAV” sendo que, “de acordo com o Quadro R, das DAV, o cálculo do imposto sobre veículos foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7.º do CISV”.

 

  1. Adicionalmente, confirma a Requerida que “em 25.11.2020, a Requerente apresentou junto da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, um pedido de revisão oficiosa relativamente aos atos de liquidação referentes a 40 veículos da lista, (…)”, o qual “(…) veio a ser objeto de despacho de indeferimento por intempestividade, proferido em 09.02.2021, pela Diretora da Alfândega (…), decisão que veio a ser notificada à Requerente em 25.03.2021, pelos oficio n.ºs ... e ..., de 23.03.2021, da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz”.

 

  1. Quanto ao “(…) pedido de constituição de tribunal arbitral peticionando a devolução do imposto, no montante total de 31.445,29 €, acrescido de juros indemnizatórios”, entende a Requerida que “estando em causa, nos presentes autos, a admissão de veículos usados, provenientes de outros Estados-membros, deve atender-se, especificamente, ao artigo 11.º do CISV na redação em vigor à data dos factos, isto é, à data da introdução do veículo no consumo”, transcrevendo a Requerida, para o efeito, o teor do artigo 11º do Código do ISV em vigor à data das liquidações em crise, bem como o disposto no artigo 1º daquele Código (no que diz respeito ao princípio da Equivalência Patrimonial) e referindo ainda o disposto nos artigos 103º e 104 da CRP.

 

  1. Por outro lado, transcreve a Requerida os artigos 110º e 191º do TFUE, bem como o artigo 66º da CRP, para referir que:

 

  1. o modelo de tributação do ISV, resultante da aprovação do CISV pela Lei n.º 22- A/2007, de 29 de Junho, foi norteado por preocupações ambientais com respeito pelas diretrizes emanadas pelas instâncias comunitárias e pelos compromissos assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto e, mais tarde, pelo Acordo de Paris”;
  2. o estabelecido no artigo 191.º do TFUE, tendo surgido depois do artigo 90.º do TCE (anterior 110.º do TFUE), exige que se proceda a uma interpretação atualista, no que concerne ao enquadramento da questão sub judice, que deve atender aos elementos sistemático e teleológico porquanto, naquele dispositivo, afirma-se, expressamente, no n.º 1, que a política da União, no domínio do ambiente, contribuirá para a prossecução, entre outros, da preservação, da proteção e a melhoria da qualidade do ambiente, não podendo o artigo 110.º do TFUE ser interpretado nos termos defendidos pela Requerente”;
  3. Deve “a interpretação do artigo 110.º do TFUE ser efetuada à luz do disposto no artigo 191.º do mesmo tratado, sob pena de conflitualidade e desarmonia entre as duas normas, a não ser que o TJUE, em sede de interpretação, venha defender a existência de tal violação e que a norma do artigo 110.º do TFUE tem valor superior ao previsto no artigo 191.º quanto à proteção e a melhoria da qualidade ambiental”;
  4. A alteração ao artigo 11.º do CISV operada pela Lei n.º 22-A/2007 encontrava-se, assim, também, em consonância com o disposto no artigo 1.º do mesmo código, que consagra o “Princípio da Equivalência”, nos termos do qual o imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

 

  1. Assim, segundo a Requerida, “face ao previsto no n.º 1, do artigo 11.º do CISV, constata-se que o legislador teve em consideração que a componente ambiental representa o custo do impacto ambiental (…) também suportada pelos veículos novos, devendo a mesma ser entendida como um montante que os sujeitos passivos pagam ao Estado, destinado a compensar os efeitos nefastos que o veículo automóvel causa ao ambiente, sendo que esse montante é progressivo em função das emissões de dióxido de carbono”, concluindo que “em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria os princípios suprarreferidos, tornando-se fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas”.

 

  1. Nestes termos, defende a Requerida que “a interpretação do disposto no artigo 110.º do TFUE não poderá deixar de ter em consideração os objetivos ambientais acima referidos, sob pena de se gerarem incoerências insustentáveis entre a política fiscal e a política ambiental”.

 

  1. Por outro lado, alega a Requerida que “a aplicação da mesma percentagem de redução às duas componentes, por não se encontrar prevista na lei, dá origem a um desagravamento que (…) incentivava os consumidores a utilizarem veículos mais poluentes, interpretação que não pode deixar de se considerar inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa”.

 

  1. E, estando em causa matéria de elevada relevância social, e bem assim, a existência de disposições legais e objetivos de defesa ambiental definidos ao nível da União Europeia, internacional e nacional, entende-se que, no caso concreto, não deve ser aplicada à componente ambiental a mesma redução que é aplicada à componente cilindrada no âmbito da tributação automóvel, concretamente no que se refere ao cálculo do imposto, que deve ser efetuado nos termos dos artigos 7.º e 11.º do CISV (…)”, sendo que “(…) em rigor, os artigos 7.º e 11.º do CISV não violam a norma prevista no artigo 110.º do TFUE, por gerarem uma descriminação negativa dos veículos usados admitidos no território nacional, uma vez que estes artigos não são de aplicação exclusiva aos veículos usados admitidos no território nacional”.

 

  1. Assim, para a Requerida “(…) não se poderá concluir que, ao fazer incidir sobre os veículos usados, nacionais e comunitários, uma componente ambiental que não é objeto de redução, o Estado Português teve por objetivo restringir a entrada de veículos usados em Portugal, mas sim como corolário orientar a escolha dos consumidores através da aplicação criteriosa das medidas de política ambiental europeia, tanto a veículos nacionais como aos provenientes de outro Estado-Membro”, entendendo que “configurando a aplicação da interpretação pugnada pela Requerente uma desaplicação do direito da União e do direito internacional (…) que vinculam o Estado Português, por força do artigo 8.º da CRP, bem como uma violação do disposto no n.º 1, e alíneas a), f) e h), do n.º 2, do artigo 66.º e do n.º 2 do artigo 103.º da CRP”.

 

  1. Nestes termos, conclui a Requerida que “as liquidações de ISV, resultantes da aplicação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, então em vigor, foram efetuadas em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo (…) a invocada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros, não se verificando, consequentemente, a alegada violação do artigo 110.º do TFUE”.

 

  1. Reitera a Requerida que da “interpretação do artigo 11.º do CISV defendida pela Requerente resulta, desde logo, uma violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º (Princípios fundamentais) da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual, além de estabelecer, no n.º 1, que a administração pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos, impõe aos órgãos e agentes administrativos a subordinação à Constituição e à lei, devendo atuar no exercício das suas funções com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (n.º 2)”, concluindo a Requerida nesta matéria que “(…) tal interpretação ofende claramente o princípio da equivalência previsto no artigo 1.º do CISV, sobre o qual assenta o atual modelo de tributação automóvel, o artigo 9.º, alínea e) e o artigo 66.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, ocorrendo uma violação do princípio constitucional do Estado de direito ambiental”.

 

  1. E, segundo a Requerida, “estando em causa um direito constitucional fundamental, o direito ao Ambiente e Qualidade de Vida consagrado no n.º 1 do artigo 66.º da CRP (…) e o dever de o defender, e do qual resulta (n.º 2), a obrigação, para o Estado, de assegurar o direito ao ambiente, a obrigação de prevenir e controlar a poluição e seus efeitos, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial, bem como de assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida (artigo 66.º, n.º 2, alíneas a), f) e h), da CRP)”.

 

  1. E, reitera a Requerida que “na elaboração do CISV foram considerados os referidos princípios constitucionais, estando subjacentes, designadamente, nos artigos 1.º e 11.º do CISV, não podendo afastar-se a aplicação deste artigo, impondo-se que se afira a sua conformidade com os princípios constitucionais consagrados no artigo 9.º e 66.º da CRP, até porque está em causa matéria de reserva de lei (âmbito de reserva legislativa da Assembleia da República)”, pelo que “(...) a interpretação defendida pela Requerente, posto que pugna pela aplicação de uma fórmula de cálculo, com atribuição de uma redução não prevista na tabela D do artigo 11.º, acrescenta uma redução à componente ambiental que não está consagrada na letra lei, que não foi querida pelo legislador, consubstancia assim, também nesta parte, uma violação dos princípios constitucionais aludidos, da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica”.

 

  1. Para a Requerida, “a aplicação de tal redução, não pode deixar de se considerar como uma alteração à taxa do imposto que, não se encontrando prevista na lei, é inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que os impostos são criados por lei determinando esta igualmente a incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, colocando, igualmente, a Requerente em situação de vantagem face aos demais sujeitos passivos, criando também, nesta parte, uma situação de desigualdade fiscal”.

 

  1. E, prossegue a Requerida, “sendo um dos princípios gerais da interpretação das normas jurídicas e “critério de interpretação” o da interpretação conforme à Constituição, de acordo com este critério, no caso de o intérprete, mediante a aplicação dos elementos interpretativos, chegar a mais do que um sentido possível a atribuir a um preceito normativo, deve preferir aquele que mais se adeque à Constituição” reiterando a Requerida que “não podendo, assim, deixar de se considerar o artigo 204.º da CRP, que impõe que os tribunais não apliquem normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.

 

  1. Ora, para a Requerida, “(…) defendendo a Requerente, a ilegalidade das liquidações, por entender que existe uma desconformidade do artigo 11.º do CISV com o artigo 110.º do TFUE, verifica-se, ainda, além da violação, por via de tal interpretação, dos já referidos princípios, consagrados na nossa Lei Fundamental, a violação, por via da desaplicação do artigo 11.º do CISV, do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva” pelo que “defendendo a Requerente a violação de um princípio do TFUE no caso concreto, e prevendo o RJAT que o recurso para o Tribunal Constitucional só pode ter como fundamento as alíneas a) e b) do artigo 70.º da Lei do TC, não há dúvida que, a vingar tal interpretação, estamos perante uma violação do princípio do livre acesso aos tribunais” verificando-se para a Requerida “(…) face ao disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 266.º, todos da CRP, a violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva”.

 

  1. Em face do exposto, conclui a Requerida que “a interpretação da Requerente do artigo 11.º do CISV viola os princípios, acima mencionados, da legalidade e da legalidade fiscal, da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica, do Estado de direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, impondo-se a apreciação da constitucionalidade de tal entendimento, o qual, desde já, reputamos de inconstitucional, não podendo por isso, ser aplicado no caso concreto”, “devendo a questão da desconformidade do direito nacional, em concreto das normas dos artigos 7.º e 11.º do CISV, aplicáveis às liquidações ora impugnadas, ser suscitada junto do TJUE, conforme já decidido pelo Tribunal Constitucional, designadamente, nos autos de recurso n.º 173/20 e n.º 649/20”.

 

Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios

 

  1. Nesta matéria, entende a Requerida que “o direito a juros indemnizatórios, consagrado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido”.

 

  1. Ora, segundo entende a Requerida, “no caso concreto, não se verifica a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária” porquanto “(…) as liquidações em causa nos presentes autos decorreram exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo sido efetuadas nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto” pelo que “(…) tendo (…) agido no cumprimento estrito da lei, não se verifica qualquer erro de que possa resultar o pagamento indevido do imposto, sob pena de se verificar com tal interpretação, uma violação, também aqui, do invocado princípio constitucional da legalidade e legalidade fiscal, não devendo assistir, por conseguinte, à Requerente, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios”.

 

  1. Nestes termos, conclui a Requerida a sua Resposta no sentido de dever “(…) face às exceções invocadas, ser (…) absolvida do pedido, ou o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.    O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

4.2.    O Tribunal Arbitral suscitou, oficiosamente, a excepção da incompetência do Tribunal para a apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, questão que será analisada, preliminarmente, no Capítulo 6. esta decisão (Matéria de Direito).

 

4.3.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.4.    A Requerida suscitou, na sua Resposta, a excepção da ilegitimidade da Requerente, questão que será analisada, preliminarmente, no Capítulo 6. desta decisão (matéria de Direito).

 

  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

  1. A Requerida suscitou, na sua Resposta, a excepção da caducidade do direito de acção, questão que será analisada, preliminarmente, no Capítulo 6. desta decisão (matéria de Direito).

 

  1. Não foram suscitadas quaisquer outras excepções de que cumpra conhecer.

 

4.8.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.    Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.    A Requerente, à data a que se reportam os actos tributários objecto do pedido, dedicava-se à comercialização de veículos automóveis (CAE 45110 - Comércio de veículos automóveis ligeiros), em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida.

 

5.4.    Nos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, no âmbito da sua actividade, a Requerente introduziu no consumo, em Portugal, os seguintes veículos automóveis usados ligeiros de passageiros, apresentando para o efeito, junto da Alfândega da Figueira da Foz, as respectivas Declarações Aduaneiras de Veículo (DAV), em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida:

 

MARCA

MODELO

ORIGEM

DAV Nº

DATA ENTRADA EM TN

TERMO PRAZO APRESENTAÇÃO DAV

...

...

Alemanha

2016/...

27-12-2016

24-01-2017

...

...

2017/...

12-01-2017

09-02-2017

...

...

2017/...

05-04-2017

08-05-2017

...

...

2017/...

10-03-2017

10-04-2017

...

...

2017...

02-05-2017

30-05-2017

...

...

2017/...

06-05-2017

05-06-2017

...

...

2017/...

26-05-2017

27-06-2017

...

...

2017/...

16-06-2017

14-07-2017

...

...

2017/...

13-07-2017

10-08-2017

...

...

2017/...

24-08-2017

20-09-2017

...

...

2017/...

20-10-2017

20-11-2017

...

...

2017/...

14-11-2017

14-12-2017

...

...

2017/...

29-09-2017

30-10-2017

...

...

2017/...

15-12-2017

16-01-2018

...

...

2017/...

15-12-2017

16-01-2018

...

...

2017/...

08-08-2017

06-09-2017

...

...

2018/...

24-01-2018

22-02-2018

...

...

2018/...

17-01-2018

15-02-2018

...

...

2018/...

07-02-2018

08-03-2018

...

...

2018/...

07-02-2018

08-03-2018

...

...

2018/...

25-01-2018

23-02-2018

....

...

2018/...

17-02-2018

18-03-2018

...

...

2018/...

22-02-2018

22-03-2018

...

...

Suécia

2018/...

10-03-2018

09-04-2018

...

...

Alemanha

2018/...

29-03-2018

30-04-2018

...

...

2018/...

18-04-2018

18-05-2018

...

...

2018/...

17-04-2018

17-05-2018

...

...

2018/...

29-03-2018

30-04-2018

...

...

2018/...

11-04-2018

11-05-2018

...

...

2018/...

09-05-2018

07-06-2018

...

...

2018/...

16-01-2018

14-02-2018

...

...

2018/...

09-05-2018

07-06-2018

...

...

2018/...

30-05-2018

28-06-2018

...

...

2018/...

30-05-2018

28-06-2018

...

...

2018/...

18-07-2018

16-08-2018

...

...

2018/...

31-10-2018

29-11-2018

...

...

2018/...

06-12-2018

08-01-2019

...

...

2019/...

15-03-2019

12-04-2019

...

...

2019/...

04-06-2019

04-07-2019

...

...

2020/...

21-07-2020

18-08-2020

 

 

5.5.    No Quadro T das DAV identificadas no ponto anterior identificam-se as liquidações de ISV que incidiram sobre cada uma das viaturas nelas referidas, como a seguir se indicam (em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida e mapa resumo anexado pela Requerente com o pedido de revisão oficiosa – doc. nº 6):

 

#

DAV Nº

LIQUIDAÇÃO ISV

DATA LIQUIDAÇÃO

MONTANTE

DATA PAGAMENTO

1.

2016/...

2016/...

30-12-2016

5.115,06

04-01-2017

2.

2017/...

2017/...

09-02-2017

4.085,06

09-02-2017

3.

2017/...

2017/...

09-05-2017

2.171,33

10-05-2017

4.

2017/...

2017/...

23-05-2017

5.219,25

23-05-2017

5.

2017/

2017/...

26-05-2017

3.819,08

26-05-2017

6.

2017/...

2017/...

06-06-2017

1.514,98

06-06-2017

7.

2017/...

2017/...

09-06-2017

1.766,18

09-06-2017

8.

2017/...

2017/...

25-07-2017

4.936,69

25-07-2017

9.

2017/...

2017/...

28-07-2017

5.237,05

28-07-2017

10.

2017/...

2017/...

17-10-2017

4.044,40

17-10-2017

11.

2017/...

2017/...

24-10-2017

6.911,29

24-10-2017

12.

2017/...

2017/...

22-11-2017

1.081,98

22-11-2017

13.

2017/...

2017/...

06-12-2017

4.044,40

06-12-2016

14.

2017/...

2017/...

18-12-2017

5.237,05

20-12-2017

15.

2017/...

2017/...

28-12-2017

1.355,96

28-12-2017

16.

2017/...

2017/...

28-12-2017

4.796,95

03-01-2018

17.

2018/...

2018/...

29-01-2018

3.669,52

29-01-2018

18.

2018/...

2018/...

30-01-2018

6.214,04

02-02-2018

19.

2018/...

2018/...

09-02-2018

4.580,11

09-02-2018

20.

2018/...

2018/...

09-02-2018

4.317,82

09-02-2018

21.

2018/...

2018/...

15-02-2018

5.139,98

15-02-2018

22.

2018/...

2018/...

20-02-2018

5.068,36

20-02-2018

23.

2018/...

2018/...

23-02-2018

6.069,75

23-02-2018

24.

2018/...

2018/...

13-03-2018

4.495,01

13-03-2018

25.

2018/...

2018/...

10-04-2018

4.434,01

10-04-2018

26.

2018/...

2018/...

19-04-2018

6.581,43

20-04-2018

27.

2018/...

2018/...

19-04-2018

1.402,16

20-04-2018

28.

2018/...

2018/...

20-04-2018

2.492,23

20-04-2018

29.

2018/...

2018/...

26-04-2018

1.661,07

26-04-2018

30.

2018/...

2018/...

15-05-2018

1.661,07

15-05-2018

31.

2018/...

2018/...

19-01-2018

5.742,12

19-01-2018

32.

2018/...

2018/...

15-05-2018

5.322,63

15-05-2018

33.

2018/...

2018/...

06-06-2018

4.922,50

06-06-2018

34.

2018/...

2018/...

14-06-2018

7.648,32

14-06-2018

35.

2018/...

2018/...

04-08-2018

5.422,55

06-08-2018

36.

2018/...

2018/...

02-11-2018

3.872,83

02-11-2018

37.

2018/...

2018/...

14-12-2018

4.439,75

14-12-2018

38.

2019/...

2019/...

25-03-2019

2.091,31

25-03-2019

39.

2019/...

2019/...

06-06-2019

5.435,41

06-06-2019

40.

2020/...

2020/...

20-08-2020

5.583,60

31-08-2022

TOTAL DE ISV

169.604,29

 

 

 

  1. No Quadro R de cada uma das DAV identificadas no ponto anterior, está identificado o ISV que incidiu sobre a “Componente Cilindrada” (num total de EUR 155.621,67), a respectiva redução devida pelo número de anos de uso aplicável sobre aquela componente (num total de EUR 59.179,91) e o ISV que incidiu sobre a “Componente Ambiental”, sem qualquer redução (num total de EUR 77.897,52) (em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida e mapa resumo anexado pela Requerente com o pedido de revisão oficiosa – doc. nº 6 ).

 

  1. A Requerente pagou a totalidade do imposto de ISV nas datas indicadas no ponto 5.5., supra, em conformidade com o evidenciado no Quadro T de cada uma das referias DAV, em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida.

 

  1. A cada um dos veículos acima identificados foi atribuída uma matrícula nacional, por várias Delegações Distritais de Viação do Instituto Mobilidade dos Transportes (delegação do Centro, delegação de Santarém, delegação de Setúbal, delegação de Lisboa e Vale do Tejo), em conformidade com o evidenciado no Quadro M de cada uma das DAV acima identificadas nos pontos 5.4. e 5.5. (de acordo com processo administrativo anexado pela Requerida):

MARCA

MODELO

ORIGEM

DAV Nº

MATRÍCULA ATRIBUÍDA

...

...

Alemanha

2016/

...

 

 

2017/

 

 

 

2017/

 

 

 

2017/

 

 

 

2017/

 

 

 

2017/

 

 

 

2017/

 

 

 

2017/

 

 

 

2017/

 

 

 

2017/

 

 

 

2017/

 

 

 

2017/

 

 

 

2017/

 

 

 

2017/

 

 

 

2017/

 

 

 

2017/

 

 

 

2018/

 

 

 

2018/

 

 

 

2018/

 

 

 

2018/

 

 

 

2018/

 

 

 

2018/

 

 

 

2018/

 

 

 

Suécia

2018/

 

 

 

Alemanha

2018/

 

 

 

2018/

 

 

 

2018/

 

 

 

2018/

 

 

 

2018/

 

 

 

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  1. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado, nas datas evidenciadas em cada uma das DAV, mas considera que as liquidações de ISV identificadas estão feridas de um vício de ilegalidade no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental, por não ter sido considerada qualquer percentagem de redução do imposto naquela componente, em função da antiguidade do veículo, o que a Requerente calcula em
    EUR 31.445,29.

 

  1. A Requerente apresentou, em 24-11-2020, junto da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, um pedido de Revisão Oficiosa (nº ...2020...) dos actos de liquidação de ISV identificados no ponto 5.5., supra, interposto ao abrigo do disposto no artigo 78º, nº 1 da Lei Geral tributária (LGT), requerendo a revisão das liquidações de ISV identificadas nos pontos anteriores, com fundamento em “(…) vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental (…)” por entender que “(…) a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – art. 11º do CISV (…) – viola o art. 110º do TFUE (…)” porquanto “limitando a tabela de redução para o cálculo do ISV à componente cilindrada e excluindo-a da componente ambiental (…)“ permite que “(…) a Administração Fiscal cobre um imposto sobre os veículos importado, com base num valor superior ao valor real do veículo”, “onerando-os com uma tributação (…) superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional”.

 

  1. Em consequência, no referido pedido de Revisão Oficiosa, a Requerente peticionava fossem revogadas parcialmente as 40 liquidações de ISV acima identificadas no ponto 5.5. e que lhe fosse restituído o montante de EUR 31.445,29, que entende ter pago a mais relativamente às referidas liquidações (em conformidade com doc. nº 6 anexado pela Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

  1. O mandatário da Requerente foi notificado, em 07-01-2021 (registo nº RF ... PT), do Ofício nº..., de 06-01-2021, relativo ao seguinte projecto de decisão do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pela Requerente (em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida):

CONCLUSÃO

PARTE I

I – Relativamente às 39 liquidações de ISV discriminadas no quadro anexo, uma vez que o pedido foi apresentado após o prazo da reclamação administrativa, conforme ficou demonstrado, somos de opinião pela rejeição do mesmo por intempestividade.

PARTE II

II – Relativamente à liquidação nº 2020/..., se na interpretação do art. 110º do TFUE se tomar em consideração o que dispões o art. 191º do mesmo Tratado, facilmente de conclui que o modelo de tributação automóvel português, ao fazer incidir dobre os veículos ligeiros de passageiros, novos ou usados, a componente ambiental, não pretende restringir a entrada de veículos em TN, mas tão somente influenciar as escolhas dos consumidores, levando-os a optar pela aquisição de veículos com menores emissões de dióxidos de carbono e mais “amigos do ambiente, no estreito cumprimento dos princípios consagrados no art. 191º do TFUE.

III – Em sumo, o disposto no art. 11º do CISV, não obsta à importação de veículos usados em território nacional, nem tão puco visa impedir a realização de negócios jurídicos de compra e venda de veículos automóveis, pois, diariamente são processadas inúmeras Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV) de regularização fiscal de veículos provenientes de outros Estados-membros em território nacional.

IV – Por tudo quanto ficou exposto, e com os fundamentos aduzidos na presente informação, somos de opinião pelo indeferimento do pedido de anulação parcial da liquidação reclamada nº 2020/..., por a considerarmos válida e legal.

V – Propomos ainda que seja ordenada a notificação da Requerente para o exercício do direito de audição prévia (…).

À consideração superior.

(…)”.

 

  1. Assim, através do mesmo Ofício, foi o mandatário da Requerente também notificado para exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o respectivo direito de audição (em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida), tendo o referido projecto de decisão, transcrito no ponto 5.12., supra, sido baseado na seguinte informação notificada ao mandatário da Requerente:

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  1. A Requerente não apresentou qualquer direito de audição, em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida, tendo o projecto de decisão sido convertido em decisão final.

 

  1. O mandatário da Requerente foi notificado, em 25-03-2021 (registo nº RF ... PT), do Ofício nº ..., de 25-02-2021, relativo ao despacho de Rejeição do pedido de revisão oficiosa apresentado, proferido pela Senhora Directora de Alfândega, em 09-02-2021, bem como dos meios de reação a este despacho, que a seguir se evidenciam (em conformidade com doc. nº 7 anexado pela Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida):

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  1. O despacho proferido pela Diretora de Alfândega acima identificado refere o que a seguir se transcreve (em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida):

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  1. A Requerente apresentou, em 01-04-2021, o presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral, peticionando a anulação parcial das liquidações de ISV identificadas e o reembolso do montante de ISV que considera ter pago em excesso (EUR 31.445,29), acrescido de juros indemnizatórios.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e os que constam do processo administrativo anexado pela Requerida.

 

Dos factos não provados

 

  1. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.    Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a(s) questão(ões) a decidir.

 

Questões prévias

 

6.2.    Preliminarmente, refira-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a excepção da ilegitimidade da Requerente para apresentar este pedido arbitral, bem como a excepção da caducidade do direito de acção quanto á possibilidade de apresentação do referido pedido.

 

6.3.    Por outro lado, este Tribunal Arbitral suscitou, oficiosamente, a excepção da incompetência deste Tribunal atento o conteúdo do despacho da Directora de Alfândega que decidiu o pedido de revisão oficiosa das liquidações de ISV objecto do pedido arbitral (vide ponto 5.16., supra), bem como o teor do Ofício de notificação do mesmo (vide ponto 5.15., supra).

 

6.4.    Não obstante terem sido suscitadas duas outras excepções pela Requerida, dado que a questão de incompetência do Tribunal é de conhecimento prioritário, começar-se-á pela apreciação da mesma.

 

6.5.    Neste âmbito, tendo em consideração, no caso em concreto, que a eventual incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de pronúncia arbitral se trata de uma questão idêntica à que foi analisada no âmbito do processo nº 263/2018-T, de 25-01-2019 (apesar de aí respeitar a diferente tributo), será seguido de muito perto o teor da análise efectuada naquele acórdão arbitral, cujo entendimento se acompanha, em tudo o que aqui for aplicável.

 

Excepção da incompetência do Tribunal Arbitral

 

6.6.    Desde logo refira-se que a incompetência para apreciar a legalidade de um acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa tem como corolário a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade dos actos de liquidação subjacentes.

 

6.7.    No caso em análise, apesar de a Requerente peticionar no pedido de pronúncia arbitral “(…) a anulação parcial da[s] liquidação[ões] do ISV (…)” identificadas com fundamento “(…) em vício de ilegalidade (…)”, o objecto imediato do pedido de pronúncia arbitral é a declaração de ilegalidade do acto de rejeição do pedido de revisão oficiosa sendo a ilegalidade daqueles actos de liquidação de ISV o objecto mediato do pedido de pronúncia arbitral.

 

6.8.    Ora, isto tem como consequência que a ilegalidade dos referidos actos de liquidação de ISV apenas pode ser apreciada através da apreciação da ilegalidade do acto de rejeição do pedido de revisão oficiosa.

 

6.9.    Assim, considera-se que não é irrelevante o que a Requerente veio referir na defesa a esta excepção suscitada oficiosamente por este Tribunal Arbitral de que “com este pedido de pronúncia arbitral (…) não pretendeu impugnar o despacho de rejeição do pedido de revisão, mas sim a liquidação do imposto com a consequente declaração de anulação parcial da mesma. E fê-lo porque a rejeição do pedido de revisão, determinou, nos termos do disposto no artigo 78º da LGT, a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral deduzido (…)” fundamentando a defesa a esta eventual excepção no facto de ter pedido, previamente, a revisão oficiosa das liquidações em crise “(…) no prazo de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços (…)” citando para o efeito diversa jurisprudência do STA e do TCAS.

 

6.10.  Com efeito, a jurisprudência citada é dirigida à questão do que se entende como “erro imputável aos serviços”, fundamento legitimador do pedido de revisão, mas o que agora está em causa é saber se este Tribunal Arbitral pode ou não pronunciar sobre o pedido, atendo os fundamentos do despacho de rejeição do pedido de revisão.

 

6.11.  Não colhe assim, no caso, o alegado pela Requerente na defesa a esta excepção de que o “(…) Tribunal Arbitral é competente para apreciar a pretensão de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, citando diversas decisões arbitrais, incluindo algumas da signatária desta decisão, porquanto no processo em análise existem particularidades que não podem nem devem ser ignoradas.

 

6.12.  Passemos a analisar, de seguida, todas essas especificidades.

 

6.13.  De acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, verifica-se que na competência dos tribunais arbitrais aí não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos tributários porquanto apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e para “a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

 

6.14.  Contudo, o facto de a alínea a), do n.º 1, do artigo 10º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele artigo 2º do RJAT.

 

6.15.  Esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT (concedida pelo artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril), em que se revela a intenção de que o processo arbitral tributário constitua “um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (n.º 2).

 

6.16.  “Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo” porquanto “(…) sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] , e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido art. 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (art. 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de actos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo”.[2]

 

6.17.  “Assim, para resolver a questão da competência deste Tribunal Arbitral torna-se necessário apurar se a legalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa podia ou não ser apreciada, num tribunal tributário, através de processo de impugnação judicial ou acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo”.

 

6.18.  Em termos gerais, “os actos de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa do acto tributário (…) constituem actos administrativos, à face das definições fornecidas pelos artigos 120º do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e 148º do Código do Procedimento Administrativo de 2015, [subsidiariamente aplicáveis em matéria tributária, por força do disposto no art. 2.º, alínea c), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constituem decisão de órgãos da Administração que ao abrigo de poderes públicos visaram produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”, sendo “(…) inquestionável que se trata de actos em matéria tributária pois é neles feita aplicação de normas de direito tributário”, podendo assim concluir-se que “(…) os actos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e de indeferimento do recurso hierárquico constituem actos administrativos em matéria tributária”.[3]

 

6.19. Ora, das alíneas d) e p), do nº 1 e do nº 2 do artigo 97º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação.

 

6.20.  Assim, à luz deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de liquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade dos referidos actos, pelo que se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa especial.[4]

 

6.21.  E, refira-se, que a corrente maioritária e actual, seguida, quer pela jurisprudência do STA, quer pela jurisprudência do TCAS e TCAN tem sido no sentido de ser “(…) decidido de forma unânime (…), que do indeferimento de Reclamação Graciosa ou Recurso Hierárquico só cabe impugnação judicial se foi apreciada a legalidade da liquidação. Se a legalidade da liquidação não foi apreciada, cabe ação administrativa especial. [5]

Aliás (…) Jorge de Sousa no comentário ao art. 97º do CPPT (pp. 54) sustenta precisamente esta solução quando refere no «que concerne aos actos proferidos em processo de revisão oficiosa (…), a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade de um acto de liquidação. Se no acto praticado em processo desses tipos não se chegou a apreciar a legalidade do acto de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento (como a intempestividade ou a ilegitimidade do requerente ou recorrente), o meio de impugnação adequado será a acção administrativa especial, como decorre do preceituado no n° 2 deste art. 97°, pois se tratará de um acto que não aprecia a legalidade de um acto de liquidação. Embora não seja usual a determinação do meio judicial adequado através do conteúdo do acto e não da sua natureza ou do procedimento administrativo ou tributário em que ele foi proferido, é claro que a alínea d) do n° 1 e o n° 2 deste art. 97° fazem depender a opção pela impugnação ou pela acção administrativa especial (recurso contencioso) do conteúdo do acto e não de qualquer outro factor»” (sublinhado nosso).[6]

 

6.22.  Assim, o critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais é o que resulta do teor das alíneas d) e p), do nº 1 do artigo 97º do CPPT e que tem vindo a ser uniformemente adoptado pelo STA, conforme se refere no Acórdão do TCAN já citado “(…) com base na melhor interpretação da formulação legal, a doutrina e a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo têm entendido que a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (actualmente acção administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial. Se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/acção administrativa especial (vide neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STA de 02.07.2014, recurso 1950/13, de 28.05.2014, recurso 1263/13, de 29.02.2012, recurso 441/11, de 08.07.2009, recurso 306/09, de 02.02.2005 recurso 1171/04, de 16.02.2005, recurso 960/04 e de 20.05.2003, recurso 305/03, todos in www.dgsi.pt, e ainda a Lei Geral Tributária Anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª edição, Encontro da Escrita, pág. 713, Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume II, pág. 54.)”.[7] [8]

 

6.23.  Esta constatação de que há sempre um meio impugnatório processual adequado para impugnar contenciosamente o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação e o acto de indeferimento de recurso hierárquico conduz, desde logo, à conclusão de que não se está perante situações em que no processo judicial tributário pudesse ser utilizada a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois a sua aplicação no contencioso tributário tem natureza residual.[9]

 

6.24.  Uma outra conclusão que permite a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial é a de que, restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de liquidação que comportem a apreciação da legalidade daqueles actos.

 

6.25.  “A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da directriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objectos possíveis do processo arbitral tributário «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objectos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos actos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação. Por isso, a solução da questão da competência deste Tribunal Arbitral conexionada com o conteúdo dos actos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (…) depende da análise destes actos” (sublinhado nosso).[10]

 

6.26.  No mesmo sentido na doutrina, entende Jorge Lopes de Sousa ao referir que “limitando-se a competência dos tribunais que funcionam no CAAD, no que concerne a atos de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta, à declaração de ilegalidade e suas consequências, apenas se incluirão nessa competência os atos de indeferimento de reclamações graciosas ou de recurso hierárquicos ou pedidos de recurso de atos tributários nos casos em que estes atos de segundo grau conhecerem efetivamente da legalidade dos atos de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte e pagamento e não também quando aqueles atos se abstiverem desse conhecimento por haver algum obstáculo a isso (como, por exemplo, intempestividade (…)” (sublinhado nosso).[11]

 

6.27.  Ainda neste mesmo sentido, cite-se Carla Castelo Trindade que defende que “(…) são simultaneamente arbitráveis e impugnáveis: (…) actos de indeferimento expresso de reclamações graciosas, recursos hierárquicos ou pedidos de revisão oficiosa que apreciem, eles próprios, a (…) legalidade do acto de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou pagamento por conta (…)” (sublinhado nosso).[12]

 

6.28.  No caso em análise, o motivo invocado para a rejeição da revisão oficiosa no que diz respeito a 39 das 40 liquidação a cujo pedido de revisão oficiosa apresentado respeitava foi a intempestividade desse mesmo pedido, segundo entendimento da Requerida, tendo em consideração os prazos definidos no artigo 78º nº 1 da LGT.

 

6.29.  Ora esta conclusão por parte da Requerida de intempestividade do pedido de revisão oficiosa das 39 liquidações de ISV, respeitantes a viaturas cuja liquidação do ISV ocorreu em 2016, 2017, 2018 e 2019) não implica necessariamente, em termos gerais, a apreciação da legalidade dos referidos actos de liquidação objecto do pedido de revisão.

 

6.30.  Segundo a Decisão Arbitral acima já referida (e que aqui se acompanha), “(…), à face do critério de repartição dos campos do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial delineado pelas alíneas d) e p), do nº 1, do artigo 97º do CPPT, não é necessário que a apreciação da legalidade de um acto de liquidação seja o fundamento da decisão procedimental ou que no pedido formulado se peça a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, bastando que esse acto a comporte, o que, neste contexto, significa que no acto impugnado se inclua um juízo sobre a legalidade de um acto de liquidação, mesmo que não seja a sua legalidade ou ilegalidade o fundamento da decisão. Diferente seria se a lei empregasse outras expressões, como «aprecie» o «decida»” (sublinhado nosso).[13]

 

6.31.  Assim, pelo que acima se referiu sobre a limitação das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD no que diz respeito à apreciação da legalidade de actos de decisão de pedidos de revisão oficiosa, consoante comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, terá de ser aferida, no caso, a análise que foi efectuada do pedido de revisão oficiosa apresentado.

 

6.32.  Aplicando ao caso em análise o acima exposto, verifica-se que do exame do teor da análise do pedido efectuada pela Requerida (e que esteve na génese da decisão que rejeitou o pedido de revisão oficiosa quanto a 39 das 40 liquidações de ISV objecto do pedido de revisão oficiosa e o indeferiu quanto à liquidação nº 40), verifica-se que:

 

6.33.  A referida análise está dividida em Parte 1 e Parte 2:

 

6.33.1.   Na Parte 1, são analisadas as regras do procedimento de revisão oficiosa (pontos 7. a 13.) e a questão do erro imputável aos serviços (pontos 14. a 28. da referida análise), fundamentação utilizada pela Requerente para apresentar o pedido de revisão e que a Requerida considera que o mesmo se trata, exclusivamente, de matéria de direito, cuja análise aqui não desenvolve.

6.33.2.   As conclusões relativas à Parte 1 estão referidas nos pontos 26. a 28. da referida análise e neles se conclui que “(…) não se verifica o erro imputável aos serviços, único fundamento atendível para o procedimento de revisão do ato tributário contido na 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT”, pelo que dado que “(…) o presente pedido de revisão tem por objeto 39 liquidações de ISV, respeitantes aos anos de 2017, 2018 e 2019, tendo a mais recente a data limite de pagamento de 2019-06-21, o mesmo mostra-se intempestivo por ter sido apresentado após o prazo da reclamação administrativa”.

6.33.3.   Na Parte 2, é analisada a questão da tempestividade de liquidação nº 2020/... (ponto 30. a 33. da referida análise), a questão da não vinculação das decisões proferidas no CAAD em processos diversos daquele onde forma proferidas (pontos 34. a 40), a questão controvertida no pedido de revisão (pontos 41. a 60.)

6.33.4.   A conclusão relativa à Parte 2 está referida no ponto 60. da referida análise e nele se conclui que “face ao exposto, forçoso se torna concluir que a interpretação do art. 110º do Tratada de Funcionamento da U. E. não pode deixar de ser efetuada à luz do disposto no artº 191º do mesmo Tratado, sob pena de conflitualidade e desarmonia entre as duas normas. Para o efeito teremos de ter em consideração que o conteúdo do art. 110º do Tratado de Funcionamento da U. E. proveio do art. 90º do Tratado CE, ao qual ainda não estavam subjacentes preocupações ambientais, com a acuidade que hoje se colocam”, concluindo pelo indeferimento do pedido de anulação parcial da liquidação nº 2020/... (ponto IV. da Parte 2 da Conclusão).

 

6.34.  Nestes termos, face ao identificado no ponto anterior (transcrito no ponto 5.13., supra), entende este Tribunal Arbitral que não se detecta um juízo sobre a legalidade dos actos de liquidação de ISV objecto de rejeição no pedido de revisão oficiosa (ou seja, no que diz respeito às 39 liquidações de ISV identificadas de 1 a 39 no quadro acima incluído no ponto 5.5.)

 

6.35.  Na verdade, todo o discurso legitimador proposta de decisão e posterior conversão da mesma em decisão final do pedido de revisão oficiosa identificado, que serviu de suporte ao despacho da Diretora da Alfandega de Aveiro (Delegação Aduaneira da Figueira da Foz) vai no sentido de fundamentar a decisão do pedido de revisão oficiosa rejeitando esse pedido de revisão quanto a 39 das liquidações abrangidas, com fundamento em intempestividade do pedido por não se verificar nenhum “erro imputável aos serviços” e, quanto à liquidação de ISV nº 2020/... no sentido de indeferir o pedido de revisão oficiosa, apenas quanto a esta se formulando um juízo próprio sobre a sua legalidade, ou seja, apenas quanto a esta são analisadas as questões colocadas pela Requerente como fundamento da sua pretensão anulatória parcial.

 

6.36.  Ora, dado que na decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa das 39 liquidações de ISV identificadas não se aprecia a legalidade dessas liquidações, a impugnação da mesma deverá ser efetuada através de ação administrativa especial (como, aliás é referido expressamente na notificação efectuada ao mandatário da Requerente – vide ponto 5.15., supra) pelo que não pode deixar de se concluir, à luz da jurisprudência e doutrina acima mencionadas (que, como se referiu, se acompanha), que este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar o presente pedido de pronúncia arbitral no que diz respeito às 39 liquidações de ISV que viram o pedido de revisão oficiosa ser rejeitado, com fundamento em intempestividade do pedido porquanto se está perante impugnação de um acto que não apreciou a legalidade dos actos de liquidação de ISV em causa.

 

6.37.  Pelo acima exposto, entende este Tribunal Arbitral que se verifica a excepção da incompetência material, que é obstáculo a apreciação do mérito da causa e que justifica a absolvição da Requerida da instância [artigos 16º, nº 1, do CPPT e 278º, nº 1, alínea a), do CPC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alíneas c) e deteta), do RJAT] quanto ao pedido arbitral de anulação parcial das 39 liquidações de ISV identificadas no quadro incluído no ponto 5.5. (nº 1 a 39), supra.

 

6.38.  Consequentemente, e quanto a estas liquidações, fica prejudicado o conhecimento da excepção da caducidade do direito de acção suscitada pela Requerida na Resposta, bem como o conhecimento da excepção da ilegitimidade da Requerente para apresentação do pedido de pronúncia arbitral porquanto, dada a procedência da excepção da incompetência do Tribunal Arbitral quanto à análise do pedido de anulação parcial das 39 liquidações de ISV identificadas, tornou-se inútil (porque sem efeito prático, em caso de procedência), a análise daquelas excepções no que diz respeito ás referidas liquidações.

 

Da excepção da ilegitimidade da Requerente

 

6.39.  Neste âmbito refere a Requerida que “(…) a Requerente dedica-se à comercialização de veículos automóveis (CAE 45110 - Comércio de veículos automóveis ligeiros), não tendo adquirido os veículos em causa para seu uso pessoal” sendo que “(…) foi no âmbito da sua atividade comercial que a Requerente procedeu à regularização fiscal dos veículos, declarados nos termos do exigido no Código do Impostos sobre os Veículos, cumprindo as formalidades atinentes à introdução no consumo dos veículos e as relativas à atribuição de matrícula nacional”, “tendo, deste modo, em conformidade com as normas de incidência, objetiva e subjetiva, e exigibilidade do imposto, introduzido os veículos no consumo e procedido ao pagamento do ISV liquidado”.

 

6.40.  Alega a Requerida que “(…) a Requerente não alega, nem prova, a propriedade dos veículos em questão à data do pedido de pronúncia arbitral” sendo que “(…) dedicando-se a Requerente à comercialização/venda de veículos automóveis, os veículos em causa já terão sido alienados e, nesse caso, no respetivo preço de venda devem ter sido incluídos os montantes pagos pela vendedora, designadamente para regularização fiscal e atribuição de matrícula, tendo repercutido naquele todas as despesas por si assumidas”.

 

6.41.  Reitera a Requerida que “(…) no caso concreto, os veículos não foram adquiridos noutros Estados-Membros por um particular, para seu próprio uso, não provando a Requerente que o reembolso do imposto, na parte que vem peticionada, lhe é devida por ainda deter a propriedade dos veículos”, “e, caso os veículos já tenham sido vendidos, não se vislumbra que na esfera jurídica da Requerente exista um interesse juridicamente protegido, consubstanciando a restituição parcial do imposto à Requerente, nessa medida, conforme pretendido na presente instância arbitral, uma situação de enriquecimento sem causa”.

 

6.42.  Para a Requerida, “(…) não comprovando a Requerente que, efetivamente, ainda detém a propriedade dos veículos que introduziu no consumo, objeto do presente pedido arbitral, não existe causa de pedir, carecendo, consequentemente, de legitimidade (ativa), que sustente a sua pretensão, porquanto não é titular do direito/interesse relevante de que se arroga”.

 

6.43.  Assim, “(…) entende a Requerida invocar a ilegitimidade ativa da Requerente quanto ao pedido arbitral”, concluindo que “(…) constituindo a ilegitimidade, nos termos do artigo 577.º, alínea e), do CPC, uma exceção dilatória, o que se invoca, deve esta ser declarada, e, consequentemente, ser a Requerida absolvida da instância (…)”.

 

6.44.  Notificada a Requerente para, à luz do princípio do contraditório, se pronunciar sobre a invocada exceção dilatória, veio referir, em síntese que:

 

6.44.1.   “O nº 1 do art. 9º do CPPT, dispõe que têm legitimidade no procedimento tributário os contribuintes titulares da relação tributária em questão (…)”, “dispondo o nº 3 desta norma que tem têm legitimidade para intervir no procedimento tributário também tem legitimidade para intervir no processo judicial tributário, o que se aplica à arbitragem tributária, nos termos do artigo 29º do RJAT”.

6.44.2.   “O nº 2 do art. 1º da LG, define relações tributárias como sendo as que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas” “e, por sua vez, o art. 65º da LGT afirma que têm legitimidade no procedimento tributário os sujeitos passivos das relações tributárias, que são as pessoas singulares ou coletivas vinculadas ao cumprimento de prestações tributárias como contribuintes diretos das mesmas”.

6.44.3.   A Requerente “na qualidade de adquirente e importadora das viaturas, requereu a necessária liquidação do ISV referente a cada uma dessas viaturas” sendo que “a liquidação do imposto foi efetuada em seu nome, tendo sido a Requerente quem, na qualidade de sujeito passivo, procedeu ao pagamento do mesmo”.

6.44.4.   Assim, entende ser “(…) indiscutível que é a Requerente o sujeito passivo da relação tributária, que pagou o imposto cuja restituição agora reclama por força da invocada ilegalidade da sua liquidação”, “sendo que esta qualidade é por si só suficiente para que lhe seja reconhecida a legitimidade ativa para intervir neste auto”, citando para o efeito diversa jurisprudência de Tribunais Superiores.

6.44.5.   Adicionalmente refere ainda a Requerente que “o seu interesse direto em demandar (…) está por si só demonstrado pela própria natureza dos negócios praticados (…)”, sendo que “(…) o valor do imposto pago implicou uma quebra da margem de lucro que a Requerente obteria com a comercialização das viaturas importadas” porquanto “(…) tendo a Requerente pago um ISV superior ao que é devido, esse valor pago a mais, traduziu-se num prejuízo (…)”, pelo que entende que “não estamos (…) perante nenhum enriquecimento indevido ou sem justa causa (…) mas sim perante o exercício de um legítimo direito (…)”.

 

6.45.    Cumpre apreciar a excepção da ilegitimidade invocada pela Requerida.

 

6.46.  Em termos gerais, o artigo 9º, n.º 1 do CPPT prevê que “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.[14]

 

6.47.  Se estamos no âmbito de uma impugnação judicial, quem tem legitimidade para impugnar a liquidação é o contribuinte sendo que, como refere Jorge Lopes de Sousa, “recai sobre o interessado o ónus de alegar os factos que integram a sua legitimidade que, no caso da impugnação de actos de liquidação se limitam à sua identificação no acto como sujeitos passivos do tributo liquidado”.[15]

 

6.48.  Ora, conforme foi dado por provado, e ao que agora interessa (dada a procedência da excepção da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade das 39 liquidações relativamente às quais o pedido de revisão oficiosa foi rejeitado por intempestividade), a Requerente procedeu à importação, da Alemanha, em 21-07-2020, da viatura automóvel marca..., o que deu origem à introdução no consumo efetuada através da DAV nº 2020/..., tendo a liquidação de ISV, no montante total de EUR 5.583,60, sido paga pela Requerente, na qualidade de adquirente e importadora da referida viatura.

 

6.49.  Assim, identifica-se, neste contexto, e de forma clara, uma relação jurídica tributária na qual a Requerente foi o sujeito passivo (assim se identificando no pedido de pronúncia arbitral), o que lhe confere, de forma inegável, legitimidade processual activa para propor a presente ação.[16]

 

6.50.  Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não procede a exceção de ilegitimidade da Requerente, invocada pela Requerida.

 

6.51.  Analisadas as questões prévias, passemos a analisar o pedido de anulação parcial da liquidação de ISV nº 2020/..., de 20-08-2020.

 

Do pedido de pronúncia arbitral

 

6.52.  Assim, no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente veio peticionar que se proceda á anulação parcial do ISV que entende ter suportado em excesso, o que no que diz respeito à viatura identificada, ascende a EUR 1.298,62.

 

6.53.  Com efeito, no caso em análise, em resultado da apresentação da DAV para admissão em território nacional do veículo ligeiro de passageiros marca ..., identificado no ponto 5.4., supra, foi liquidado à Requerente o respectivo ISV, em conformidade com o quadro incluído no ponto 5.5. (liquidação de ISV nº 2020/...) e, apesar da Requerente ter atempadamente pago o valor total do imposto liquidado, não concordou com o valor de ISV respeitante à componente ambiental que incidiu sobre a viatura identificada porquanto entende que deveria ter sido também aplicada àquela componente ambiental, uma redução resultante do número de anos do veículo, à semelhança do que sucedeu com a componente cilindrada.

 

6.54.  Pela razão evidenciada no ponto anterior, a Requerente apresentou, em 24-11-2020, o pedido de revisão oficiosa da liquidação de ISV identificada e, posteriormente, face ao indeferimento daquele pedido de revisão, apresentou este pedido de pronúncia arbitral “(…) com fundamento em “(…) vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental (…)” por entender que “(…) a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – art. 11º do CISV – viola o art. 110º do TFUE (…)”.

 

6.55.  Nesta conformidade, cumpre analisar o pedido formulado pela Requerente no sentido de obter (i) a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de ISV identificado e a sua consequente anulação parcial, bem como a (ii) a restituição do total de imposto indevidamente pago, acrescido dos juros indemnizatórios calculados, à taxa legal em vigor.

 

6.56.  A Requerida, na defesa por impugnação apresentada na Resposta, defende que “as liquidações de ISV, resultantes da aplicação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, então em vigor, foram efetuadas em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo (…) a invocada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros, não se verificando, consequentemente, a alegada violação do artigo 110.º do TFUE”, concluindo que “(...) a interpretação defendida pela Requerente, posto que pugna pela aplicação de uma fórmula de cálculo, com atribuição de uma redução não prevista na tabela D do artigo 11.º, acrescenta uma redução à componente ambiental que não está consagrada na letra lei, que não foi querida pelo legislador, consubstancia assim, também nesta parte, uma violação dos princípios constitucionais aludidos, da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica”.

 

6.57.  E, no que diz respeito ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, defende a Requerida que “(…) face ao invocado, tendo a AT agido no cumprimento estrito da lei, não se verifica qualquer erro de que possa resultar o pagamento indevido do imposto, sob pena de se verificar com tal interpretação, uma violação, também aqui, do invocado princípio constitucional da legalidade e legalidade fiscal, não devendo assistir, por conseguinte, à Requerente, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios”.

 

6.58.  Neste âmbito, cumpre ao Tribunal Arbitral analisar o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente de modo a decidir, face à posição da Requerida, a qual das Partes assiste razão sendo que, para este efeito, terá este Tribunal Arbitral de avaliar se a liquidação de ISV em crise (identificada com o nº 40 no quadro incluído no ponto 5.5., supra) padece ou não de ilegalidade parcial devendo, em caso afirmativo, mandar-se anular parcialmente aquele acto tributário (conforme defende a Requerente) ou se, pelo contrário, deverá aquele acto de liquidação de ISV ser integralmente mantido na ordem jurídica, por não enfermar da ilegalidade apontada pela Requerente (em conformidade com a posição defendida pela Requerida).

 

6.59.  Face ao acima exposto, para apreciar a legalidade da liquidação identificada, efectuada em sede de ISV, importa dar resposta à questão de se saber se a legislação portuguesa vertida na redação do artigo 11º do Código do ISV, em vigor à data da referida liquidação aqui impugnada (2020), está ou não em conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no artigo 110º do TFUE?

 

6.60.  Na análise que este Tribunal Arbitral irá efectuar será seguido, de muito perto, em tudo o que aqui seja aplicável, o teor das Decisões Arbitrais prolatadas no âmbito dos processos nº 572/2018-T, de 30-04-2019, nº 309/2020, de 30-11-2020 e nº 289/2021, de 02-11-2021, todas da signatária desta decisão.

 

Enquadramento prévio

 

6.61.  Em 2007, a tributação automóvel foi objecto de uma profunda reforma em Portugal, com a Lei n° 22-A/2007, de 29 de Junho, a abolir o Imposto Automóvel, o Imposto Municipal Sobre Veículos, o Imposto de Circulação e o Imposto de Camionagem, dando lugar ao Imposto sobre Veículos (ISV) e ao Imposto Único de Circulação (IUC), alterações que foram promovidas ao encontro das preocupações da União Europeia, tendo por objetivo a clarificação e a simplificação do sistema fiscal, reduzindo a carga fiscal aquando da aquisição do veículo e inserindo preocupações ambientais na graduação das taxas dos impostos em função das emissões de CO2.[17] [18]

 

6.62.  Com efeito, com a introdução do ISV e do IUC, foi possível introduzir um elemento ambiental no cálculo do montante fiscal a pagar, em função, nomeadamente, do nível de emissões de CO2 emitidas pelo veículo e da cilindrada.

 

6.63.  Como é sabido, o ISV e o IUC regem-se pelo princípio da equivalência ou do poluidor-pagador, ou seja, é atribuído ao contribuinte a responsabilidade principal pelos custos ambientais causados, tendo como objectivo compensar os custos ambientais, em vez de fazer recair esta responsabilidade sobre os construtores de automóveis, que são os que responsáveis originários da poluição atmosférica, podendo afirmar-se que, em geral, a tributação automóvel inclui critérios de cariz ambiental nas diversas categorias de impostos, sendo que os impostos que incidem sobre os automóveis integram na sua base tributável aspectos ecológicos (tais como o fator de emissão de CO2 e o tipo de combustível), destinados a influenciar o consumo das pessoas e a serem mais selectivos nas suas escolhas.[19] [20] [21]

 

6.64.  Em termos gerais, e tendo em consideração que a liquidação em análise ocorreu em
20-08-2020, de acordo com o disposto no Código do ISV (na versão em vigor à data da referida liquidação):

 

6.64.1.   Estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros (…)” [artigo 2º, nº 1, alínea a)], sendo “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos” (artigo 3º, nº 1);

6.64.2.   “Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal” (artigo 5º do Código do ISV), sendo que, para este efeito, de acordo com o nº 3 alínea a) do mesmo artigo, “(…) entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional” (sublinhado nosso);

6.64.3.   “O imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada (a) No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos; (b) No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares” [artigo 6º, nº 1, alíneas a) e b)], sendo que “a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível” (nº 3) (sublinhado nosso);

6.64.4.   “A introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)” (artigo 17º, nº 1), sendo que nos termos do nº 3, “para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) ficam sujeitos ao processamento da DAV” (sublinhado nosso);

6.64.5.   “Os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV (…)” nos prazos aí previstos (artigo 20º, nº 1), sendo que, nos termos do seu nº 2, se enumeram os documentos que a devem acompanhar;

6.64.6.   As taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV não incidem sobre o valor do automóvel, mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados (artigos 7º a 11º).

 

6.65.  Assim, e no que diz respeito à tributação do ISV, as taxas aplicáveis têm por base tributável uma componente cilindrada e uma componente ambiental, sendo que a primeira componente prevê uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda componente estabelece uma discriminação positiva entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, prevendo uma tributação progressiva em função do nível de CO2 g/km.

 

6.66.  Ao que a este caso interessa, ou seja, o cálculo do ISV devido por veículos usados portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia, o artigo 11º, nº 1 do Código do ISV na redação em vigor à data da liquidação aqui parcialmente impugnadas (20-08-2020) dispunha que “o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional (…)” (sublinhado nosso).

 

6.67.  E, a tabela D constante do artigo 11º referido no ponto anterior dispunha as seguintes percentagens de redução aplicáveis à componente cilindrada:

TABELA D
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Direito Nacional e Direito da União Europeia - Breve resenha histórica

 

6.68.  Em sede de ISV, existe um longo percurso no que diz respeito às questões que a Comissão Europeia tem levantado ao Estado Português em matéria de legalidade das normas nacionais, nomeadamente, quanto à carga fiscal incidente sobre os veículos usados, tendo essa legalidade sido, desde muito cedo, questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, porquanto esta entidade entendia que as normas portuguesas, então vigentes, não observavam o disposto no artigo 95º do Tratado de Roma.[22]

 

6.69.  Ora, sendo necessário que Portugal perdesse o seu carácter protecionista, era imprescindível que o montante de imposto fosse idêntico ao remanescente do imposto incorporado no preço dos veículos usados similares, comercializados no mercado português, remanescente esse a calcular a partir da percentagem da depreciação do valor desses veículos.[23] [24]

 

6.70.  Não obstante, em 2001, o Acórdão do TJCE (de 22-02-01) denominado “Gomes Valente”, proferido a título prejudicial, veio criar as condições para se romper, a nível nacional, com o quadro clássico de tributação dos veículos usados, assente exclusivamente em reduções fixas em função do nº de anos de uso.

 

6.71.  Neste âmbito, embora tenha sido referido que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria contrário ao referido artigo 95º do Tratado de Roma, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros factores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a referida tabela refletisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objectivo da tributação dos veículos usados, de modo a que, em nenhum caso, esta pudesse ser superior ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional.

 

6.72.  Esta jurisprudência veio a ser reforçada com o Acórdão do TJCE nº 101/00, proferido em 19 de Setembro de 2002 num processo que então envolveu o Governo Finlandês e Antti Sillin, no qual foi considerado que o artigo referido artigo 95º, primeiro parágrafo do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 90º, primeiro parágrafo) permitia a um Estado membro aplicar aos veículos usados importados de outro Estado membro um sistema de tributação em que o valor tributável é determinado por referência ao valor aduaneiro definido, mas obsta a que o valor tributável varie em função da fase de comercialização quando daí possa resultar, pelo menos, em determinados casos, que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado importado exceda o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

 

6.73.  Refira-se ainda que, na sequência do designado Acórdão “Gomes Valente”, a jurisprudência têm entendido que para que um sistema de tributação dos veículos usados seja compatível com o disposto no Tratado é necessário que se adopte ou um modelo de tributação baseado na avaliação de cada veículo ou um modelo de tributação baseado em tabelas fixas que exclua todo e qualquer efeito discriminatório.[25]

 

6.74.  Por outro lado, o actual artigo 110º do TFUE opõe-se a que um Estado membro aplique aos veículos usados importados de outro Estado membro um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

 

6.75.  Mais se considerou que, quando um Estado membro aplica aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação real dos veículos é definida de modo geral e abstrato com base em critérios determinados pelo direito nacional, o disposto no Tratado exige que esse sistema de tributação seja organizado de forma a excluir todo e qualquer efeito discriminatório.

 

6.76.  Assim, pode afirmar-se que o Acórdão do TJCE proferido no caso “Gomes Valente” abriu a porta para uma nova forma de tributação dos veículos usados admitidos de outros Estados membros.

 

6.77.  Por outro lado, refira-se ainda que, em 2006, no âmbito do sistema de tributação Húngaro, no Acórdão do TJUE de 5 de Outubro de 2006 (C-290/05), no caso Nádasdi, foi analisada pela primeira vez a questão ambiental face aos impostos automóveis aplicáveis dentro do espaço da União Europeia porquanto, o referido Acórdão veio declarar que “o artigo 90.º, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida — em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e — em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.78.  Adicionalmente, considerou-se que os Estados membros têm liberdade para selecionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, em função de critérios objectivos aplicados, sendo que tais diferenciações só serão consideradas compatíveis com o direito da UE se, por um lado, prosseguirem objectivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e se, por outro, as formas que vierem a revestir sejam de modo a evitar qualquer forma de discriminação, directa ou indirecta, das “importações” provenientes dos outros Estado membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes.

 

6.79.  Assim, ainda que, em termos gerais, no âmbito de um regime fiscal relativo à tributação automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em factores ambientais constituem critérios objectivos e possam ser utilizados no sistema de tributação, da sua utilização não poderá resultar discriminação e o imposto que vier a ser apurado não poderá onerar mais os produtos provenientes de outros Estado membros do que os produtos nacionais similares, implicando que a cobrança por um Estado membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado membro é contrária ao artigo 110º do TFUE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.

 

6.80.  Recorde-se que em 2009, o TJUE em processo que opôs a Comissão Europeia à Finlândia, interpretando o mesmo artigo 110º do TFUE, considerou que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.

 

6.81.  Ora, no caso nacional, tendo em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é directamente aplicável em território nacional, fez eco uma comunicação da Comissão Europeia em que se informava que esta tinha encetado, no TJUE, um processo contra Portugal, no sentido de defender que era censurável o artigo 11º do Código do ISV não contabilizasse no cálculo do ISV incidente sobre veículos usados nenhuma desvalorização até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, nem era considerada nenhuma diminuição do valor real para os veículos com mais de cinco anos de utilização, processo que culminou com a prolação do Acórdão to TJUE (C-200/15), de 16-06-2016.

 

6.82.  Com efeito, em matéria de direito internacional, o artigo 8º, nº 4 da CRP estabelece que “as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático” (sublinhado nosso).[26]

 

6.83.  Não obstante as disposições internas, e como já vimos, o artigo 110º do TFUE (na esteira do artigo 90º do Tratado de Roma), preceitua que “nenhum Estado membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente sobre produtos nacionais similares” sendo que, em matéria de interpretação deste artigo, face aos direitos nacionais, já o TJUE se pronunciou por diversas vezes precisando o seu alcance dado que a admissão, nos mercados nacionais, de veículos automóveis portadores de placa de matrícula definitiva de outros Estados membros, isto é de veículos usados, rege-se exclusivamente pelo direito nacional, não podendo, todavia, tal direito contrariar os princípios em que se alicerça o funcionamento da UE.

 

6.84.  Por isso, dentro da liberdade conformadora que o legislador nacional dispõe para modelar o imposto de forma a proceder à sua cobrança de forma exequível e eficaz, é necessário ter em conta, para além do entendimento da Comissão Europeia, enquanto entidade a quem cabe zelar pelo respeito pelo Tratado, a jurisprudência comunitária que vai sendo produzida pelo TJUE.

 

6.85.  E tanto assim é que o Estado Português, interpelado pela Comissão Europeia em 2009/2010, quanto à forma como eram tributados os veículos usados admitidos em Portugal provenientes da UE (porque contrária ao previsto no referido e citado artigo 110º do TFUE), se viu forçado a alterar a legislação em vigor em matéria de ISV (em concreto, o artigo 11º, nº 1 do Código do ISV naquela data vigente), através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2011), no sentido de referir que “o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respectivo custo de impacte ambiental”: (sublinhado nosso)

http://www.pgdlisboa.pt/leis/imagens/2008_l%2064-a-artigo894.gif

 

6.86.  Contudo, como não foi comtemplada, com a referida alteração legislativa, a questão da desvalorização dos veículos usados, oriundos de outro Estado membro, com menos de um ano e mais de cinco, surge então o já citado Acórdão do TJUE nº C–200/15, de 16 de Junho de 2016, visando directamente a legislação nacional, consubstanciada no artigo 11º do Código do ISV (na redacção em vigor até 2016), nos termos do qual se veio considerar que a República Portuguesa ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EM, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE” (sublinhado nosso).

 

6.87.  E, nestes termos, foi o legislador nacional forçado a alterar o referido artigo 11º do Código do ISV, no sentido de nele incluir a desvalorização referida no ponto anterior, através da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro, tendo o artigo 11º do Código do ISV passado a ter a redação acima já transcrita, a qual estava em vigor no período em que ocorreram as liquidações de ISV objecto do pedido.

 

6.88.  Assim, foi de novo excluída da redação do referido artigo 11º do Código do ISV a questão da desvalorização incidente sobre a componente ambiental daquele imposto.

 

6.89.  Nestes termos, à data em que a liquidação de ISV foi efectuada (20-08-2020) os contornos da legislação nacional ignoravam, na Tabela D do nº 1 do artigo 11º do Código do ISV, o previsto no artigo 110º do TFUE, bem como a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90 do Tratado de Roma) de que este normativo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo a que possa ter, em caso algum, efeitos discriminatórios.

 

6.90.  Adicionalmente, e em conformidade com o acima analisado, refira-se que com a alteração legislativa verificada em 2016 (com a Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro), com efeitos desde 1 de Janeiro de 2017, e à revelia do disposto no artigo 110º do TFUE, Portugal deixou de considerar as percentagens de redução de ISV relativas à depreciação das viaturas no que diz respeito à componente ambiental.

 

6.91.  Ora, a situação descrita levou (de novo) a Comissão Europeia, na sua busca de justiça comunitária, a dar início a um procedimento contra Portugal por este não ter em conta a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável aos veículos usados admitidos em território nacional, provenientes de outros Estados membros, gerando efeitos discriminatórios nestas viaturas face às viaturas usadas adquiridas em território nacional.

 

6.92.  Neste âmbito, a Comissão voltou a entender que a legislação nacional não é compatível com o disposto no artigo 110º do TFUE, na medida em que os veículos usados admitidos em território nacional, provenientes de outros Estados membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado nacional e, nessa medida, instaurou junto do TJUE, em 23-04-2020, uma acção contra o Estado Português, requerendo àquele Tribunal de Justiça “(…) que declare que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE” (sublinhado nosso).[27]

 

6.93.  Face ao peticionado pela Comissão, o TJUE já se pronunciou em 02-09-2021, no âmbito do referido processo, tendo aquele Tribunal apreciado a matéria no sentido de “43. (…) recordar que, embora os Estados‑Membros sejam, na verdade, livres de estabelecer um sistema de tributação diferenciada para certos produtos e, portanto, de definir as modalidades de cálculo do imposto de registo de modo a ter em conta considerações relacionadas com a proteção do ambiente, não é menos verdade que essas modalidades devem, nomeadamente, ser suscetíveis de evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, relativamente às importações provenientes de outros Estados‑Membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes, em conformidade com o artigo 110.º TFUE (…). 44. A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de sublinhar que o artigo 110.º TFUE se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da «classificação ambiental» dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação (…). 45. Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que o objetivo de proteção do ambiente poderia ser realizado de forma mais completa e coerente fazendo incidir um imposto anual sobre qualquer veículo que entrasse em circulação num Estado‑Membro, o qual não beneficiaria o mercado nacional dos veículos usados em detrimento da colocação em circulação de veículos usados importados de outros Estados‑Membros e seria, além disso, conforme com o princípio do poluidor‑pagador (…). 46. Em contrapartida, um imposto calculado em função do potencial de poluição de um veículo usado, que, à semelhança do imposto em causa, só é integralmente cobrado no momento da importação e da entrada em circulação de um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, ao passo que o adquirente de um desses veículos já presente no mercado do Estado‑Membro em causa só tem de suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, é contrário ao artigo 110.º TFUE. 47. Em seguida, a República Portuguesa alega, em substância, que a componente ambiental do imposto em causa constitui, na realidade, um imposto autónomo, distinto da componente deste imposto calculada em função da cilindrada do veículo em causa. 48. A este respeito, importa observar que, no artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, a componente ambiental é apresentada como um dos dois elementos utilizados para o cálculo de um imposto único e não como um imposto distinto. Além disso, e em qualquer caso, como resulta do n.º 46 do presente acórdão, tal imposto distinto continuaria a ser discriminatório em relação aos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, uma vez que o referido imposto excederia o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares comprados e registados no território nacional. 49. Por outro lado, importa salientar que, embora, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre Veículos, os contribuintes possam optar por um método alternativo de cálculo do imposto em causa, requerendo ao diretor da alfândega que recalcule o referido imposto com base na avaliação efetiva do veículo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a existência de um método alternativo de cálculo de um imposto não dispensa um Estado‑Membro da obrigação de respeitar os princípios fundamentais de uma norma essencial do Tratado FUE, nem autoriza esse Estado‑Membro a violar esse Tratado (v., por analogia, Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal, C‑200/15, não publicado, EU:C:2016:453, n.º 34)” (sublinhado nosso).

 

6.94.  E, em consequência, conclui o TJUE que “51. (…) ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no Código do Imposto sobre Veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE” (sublinhado nosso).[28]

 

6.95.  Assim, entende este Tribunal Arbitral que o disposto no artigo 11º do Código do ISV, na data em que se efectuou a liquidação de ISV aqui impugnadas, estava em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE, pelos motivos acima expostos.[29]

 

6.96.  Refira-se, por último que a Requerida elenca ainda, na sua Resposta, uma vasta lista de alegadas inconstitucionalidades (apresentadas nos pontos 3.21. a 3.26., supra), de que alegadamente padece o entendimento defendido pela Requerente, como argumentos para sustentar a posição de que a liquidação de ISV não deverá ser anulada, nomeadamente que:

 

6.96.1.   “estando em causa um direito constitucional fundamental, o direito ao Ambiente e Qualidade de Vida (…) e o dever de o defender,(…) do qual resulta (…), a obrigação, para o Estado, de assegurar o direito ao ambiente, a obrigação de prevenir e controlar a poluição e seus efeitos, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial, bem como de assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida (artigo 66.º, n.º 2, alíneas a), f) e h), da CRP)” tendo “na elaboração do CISV [sido] considerados os referidos princípios constitucionais, estando subjacentes, designadamente, nos artigos 1.º e 11.º do CISV, não podendo afastar-se a aplicação deste artigo, impondo-se que se afira a sua conformidade com os princípios constitucionais consagrados no artigo 9.º e 66.º da CRP (…)”;

6.96.2.   “(...) a interpretação defendida pela Requerente, posto que pugna pela aplicação de uma fórmula de cálculo, com atribuição de uma redução não prevista na tabela D do artigo 11.º, acrescenta uma redução à componente ambiental que não está consagrada na letra lei, que não foi querida pelo legislador, consubstancia assim, também nesta parte, uma violação dos princípios constitucionais aludidos, da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica” e, por isso, “a aplicação de tal redução, não pode deixar de se considerar como uma alteração à taxa do imposto que, não se encontrando prevista na lei, é inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP (…), colocando, igualmente, a Requerente em situação de vantagem face aos demais sujeitos passivos, criando também, nesta parte, uma situação de desigualdade fiscal”;

6.96.3.   “sendo um dos princípios gerais da interpretação das normas jurídicas e critério de interpretação o da interpretação conforme à Constituição, de acordo com este critério, no caso de o intérprete, mediante a aplicação dos elementos interpretativos, chegar a mais do que um sentido possível a atribuir a um preceito normativo, deve preferir aquele que mais se adeque à Constituição” reiterando a Requerida que não pode “(…) assim, deixar de se considerar o artigo 204.º da CRP, que impõe que os tribunais não apliquem normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”;

6.96.4.   “(…) defendendo a Requerente, a ilegalidade das liquidações, por entender que existe uma desconformidade do artigo 11.º do CISV com o artigo 110.º do TFUE, verifica-se, ainda, além da violação, por via de tal interpretação, dos já referidos princípios, consagrados na nossa Lei Fundamental, a violação, por via da desaplicação do artigo 11.º do CISV, do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva” pelo que “defendendo a Requerente a violação de um princípio do TFUE no caso concreto, e prevendo o RJAT que o recurso para o Tribunal Constitucional só pode ter como fundamento as alíneas a) e b) do artigo 70.º da Lei do TC, não há dúvida que, a vingar tal interpretação, estamos perante uma violação do princípio do livre acesso aos tribunais” verificando-se para a Requerida “(…) face ao disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 266.º, todos da CRP, a violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva”;

6.96.5.   “a interpretação da Requerente do artigo 11.º do CISV viola os princípios, acima mencionados, da legalidade e da legalidade fiscal, da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica, do Estado de direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, impondo-se a apreciação da constitucionalidade de tal entendimento, o qual, desde já, reputamos de inconstitucional, não podendo por isso, ser aplicado no caso concreto”, “devendo a questão da desconformidade do direito nacional, em concreto das normas dos artigos 7.º e 11.º do CISV, aplicáveis às liquidações ora impugnadas, ser suscitada junto do TJUE (…)”.

 

6.97.  Assim, em resumo, para a Requerida,“(…) a interpretação da Requerente do artigo 11.º do CISV quando interpretado da forma em que o faz, viola os princípios (…) da legalidade e da legalidade fiscal, da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica, do Estado de direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, impondo-se a apreciação da constitucionalidade de tal entendimento (…)”, concluindo que o mesmo é inconstitucional, “(…) não podendo, por isso, ser aplicado no caso concreto”, devendo “(…) ser suscitada junto do TJUE”.

 

6.98.  Neste âmbito, face ao elenco de inconstitucionalidades acima enunciadas, cumpre aqui referir o seguinte:[30]

 

6.98.1.        O artigo 11º do CISV continua a ser contrário ao artigo 110º do TFUE e à interpretação conjugada, uniforme e reiterada que dos mesmos tem o TJUE dado a conhecer;

6.98.2.        Com base neste entendimento, a Comissão Europeia voltou a instaurar, em 23-04-2020, acção junto do TJUE, no seguimento de processo de infracção, cujo processo já foi decidido desfavoravelmente a Portugal;[31]

6.98.3.        Subscrevendo a posição expressamente assumida pelo TJUE, não se afiguram a este Tribunal Arbitral dúvidas quanto à incompatibilidade do artigo 11º do CISV com o direito da UE (no caso, artigo 110º do TFUE), quando faz impender uma carga tributária agravada sobre os veículos usados provenientes de outros Estados Membros, comparativamente com os nacionais, por não ter em conta a necessária redução do montante do imposto incidente na componente ambiental;[32]

6.98.4.        “O nº 4 do artigo 8º da CRP, estabelece o primado do direito comunitário, quando determina que as disposições dos tratados que regem a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito nacionais (…), desde que respeitados os princípios fundamentais do Estado de direito comunitário. Daí que, quando as normas de direito ordinário interno não são compatíveis com o direito comunitário, o Tribunal não as pode aplicar suspendendo a sua força vinculativa no caso concreto”;[33]

6.98.5.        Daqui se retira que o primado do direito da União Europeia é absoluto e impõe-se à própria Constituição pelo que a legalidade da liquidação de ISV aqui parcialmente impugnada deve aferir-se, em última instância, pela sua conformidade com o direito da UE que compete aos Estados membros, designadamente através dos tribunais, aplicar e fazer respeitar;

6.98.6.        Quanto ao argumento, alegado pela Requerida, de pelo facto da Requerente ter recorrido à arbitragem tributária para impugnar a liquidação de ISV em crise, aquela ficar coartada no seu direito de reação face aos limitados meios de recurso perante a prolação de uma decisão arbitral desfavorável, refira-se que o recurso à arbitragem está previsto na lei (Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro) e obedece a um regime legalmente definido, a que a Requerida se encontra vinculada (Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março), pelo que se afigura desprovido de sentido alegar que a Requerente deveria ter utilizado outra forma de impugnação para que a Requerida pudesse impugnar a decisão, caso esta lhe fosse desfavorável, não se verificando pois qualquer violação do princípio do livre acesso aos tribunais, que em sede deste processo não cabe sequer apreciar.[34]

6.98.7.        Em relação ao argumento de que se impõe a apreciação da constitucionalidade do entendimento defendido pela Requerente, sempre se dirá que, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da (i)legalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta bem como da (i)legalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria coletável e de actos de fixação de valores patrimoniais, devendo os tribunais arbitrais decidir de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade. Assim, o Tribunal Arbitral não se pronuncia sobre a constitucionalidade de interpretações, entendimentos ou leituras de normas jurídicas, estando essa competência reservada ao Tribunal Constitucional.[35]

 

6.99.  Nestes termos, reitera-se a conclusão que a liquidação de ISV em análise, objecto do presente pedido arbitral, padece de ilegalidade, na parte em que não foi considerada qualquer redução de imposto sobre a componente ambiental, impondo-se a sua anulação parcial.

 

6.100. Em consequência, será negativa a resposta a dar à questão a decidir, enunciada no ponto 6.59., porquanto se entende que a legislação portuguesa vertida no artigo 11º do Código do ISV, na redação em vigor na data em que a liquidação em crise foi efectuada
(20-08-2022), não está em conformidade com o disposto no direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110º do TFUE (aplicável por força do artigo 8º, nº 4 da CRP), pelo que determina este Tribunal Arbitral que será de anular parcialmente o acto tributário de ISV identificado, em conformidade com a posição defendida pela Requerente, porquanto o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não foi considerada aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, de acordo com o disposto naquele artigo 110º do TFUE.

 

6.101. Em consequência, será também de anular o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado na parte em que indeferiu o pedido relativamente à liquidação de ISV agora parcialmente anulada.

 

Questão do reenvio prejudicial

 

6.102. Nos casos em que “(…) a decisão a proferir não admitir recurso judicial ordinário no respectivo direito interno (e a questão for necessária e pertinente para a solução do caso concreto), então o órgão jurisdicional nacional é obrigado a submeter a questão prejudicial ao TJUE”, podendo esta obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação ser dispensada quando (i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; (ii) o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; (iii) o Juiz Nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.[36]

 

6.103. Ora, analisadas as matérias e considerando a questão a decidir, o Tribunal Arbitral entendeu não ser necessário promover o reenvio prejudicial ao TJUE, suscitado pela Requerida porquanto, no caso concreto, estão preenchidas duas das três exceções à obrigatoriedade de reenvio prejudicial para o TJUE, identificadas no ponto anterior.

 

6.104.  Com efeito, por um lado, não subsistem dúvidas sobre a correta interpretação das normas jurídicas em causa nos autos (porquanto as normas são perfeitamente claras) e, por isso, não está já em causa interpretá-las, mas sim aplicá-las, o que é da competência do Tribunal Arbitral, tendo aqui total cabimento a teoria do acto claro e, por outro lado, existe também nesta matéria jurisprudência do TJUE (acima citada nos pontos anteriores) que não deixa dúvidas de interpretação do alcance do normativo da UE com o qual o normativo nacional deverá ser concordante.

 

6.105. Nestes termos, entendeu este Tribunal Arbitral que não haver fundamento para proceder ao reenvio prejudicial para o TJUE.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios

 

6.106. A par do pedido de declaração da ilegalidade parcial da liquidação de ISV identificada, a Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios, incidentes sobre o montante de ISV cobrado em excesso, calculados desde a data do pagamento do imposto até à sua efectiva restituição.

 

6.107.  Neste âmbito, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.108. Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).[37] [38]

 

6.109. Nos termos do disposto no artigo 100º, nº 1 da LGT, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial (…) de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

 

6.110. Nos processos arbitrais tributários pode, nos termos do disposto nos artigos 43º, nº 1 da LGT, haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, “(…) quando se determine, em (…) impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” sem que neste número seja definido o momento a partir do qual são os mesmos devidos.

 

6.111. Contudo, o nº 3, alínea c) do referido artigo 43º da LGT consagra que também são devidos juros indemnizatórios “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária”.

 

6.112. Ora, em casos como o aqui em análise (pedido de revisão oficiosa seguido de impugnação judicial), a orientação jurisprudencial consolidada pelo STA, tem sido de que “(…) dispõe ainda a Lei Geral Tributária, art. 43.º, n.º 3, que são também devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. Como se concluiu no acórdão fundamento, e foi reafirmado no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01201/17 em 23/05/2018, também a situação dos autos é enquadrável no n.º 3, al. c), do art. 43.º da Lei Geral Tributária porque o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto de liquidação praticado em (…) nada fez (…) até que (…) apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto tributário. Entre (…)e (…) decorre um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão, nomeadamente nos três meses seguintes ao termo do prazo de pagamento voluntário usando o processo de impugnação do acto de liquidação. O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte. (…). É certo que o contribuinte se viu forçado a recorrer ao tribunal arbitral em virtude de os serviços da Administração não terem procedido à solicitada revisão do acto de liquidação ilegal, e que isso constitui uma circunstância que tem sido esgrimida para afastar a aplicação da alínea c) do nº 3 do art.º 43º da LGT. Todavia, importa não esquecer que o princípio da igualdade impõe um tratamento semelhante entre os contribuintes cujos pedidos de revisão obtêm êxito (para além do prazo de um ano) junto da Administração, e os contribuintes que obtêm idêntico resultado (também para além desse prazo) junto do Tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito. Nestes casos, o direito de indemnização deriva da prática de acto ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte (…)” concluindo que “pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (…) e vindo o acto a ser anulado (parcialmente), mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido (…)” (sublinhado nosso).[39]

 

6.113. Nestes termos, face ao acima exposto, no caso em análise, dado que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado pela Requerente em 24-11-2020 e decidido (desfavoravelmente) por despacho datado de 09-02-2021 (notificado em 25-03-2021 ao mandatário da Requerente), não tendo assim decorrido mais de um ano após a sua apresentação, verifica-se que não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, indeferindo-se o respectivo pedido de pagamento de juros.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.114. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito sendo que, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.115. Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada à Requerente (96%) e à Requerida (4%), na medida do respectivo decaimento.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.   Julgar procedente a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral, oficiosamente suscitada, determinando-se em consequência a absolvição da Requerida da instância no que diz respeito a 39 das 40 liquidações de ISV cuja anulação parcial foi pedida, no montante total de ISV a recuperar de
EUR 30.146,67;

7.1.2.   Em consequência, não conhecer da excepção da caducidade do direito de acção, suscitada pela Requerida, quanto às liquidações de ISV referidas no ponto anterior nem conhecer da excepção da ilegitimidade da Requerente para apresentar pedido de pronúncia arbitral relativo àquelas liquidações;

7.1.3.   Julgar improcedente a excepção da ilegitimidade da Requerente, suscitada pela Requerida quanto à liquidação de ISV nº 2020/...;

7.1.4.   Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a anulação parcial da liquidação de ISV nº 2020/..., bem como o reembolso à Requerente da quantia de ISV suportada em excesso, no montante de
EUR 1.298,62;

7.1.5.   Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;

7.1.6.   Determinar a anulação parcial do despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa no que diz respeito ao pedido de revisão oficiosa da liquidação de ISV nº 2020/..., agora parcialmente mandada anular;

7.1.7.   Condenar a Requerente e a Requerida no pagamento das custas do presente processo, na proporção do respectivo decaimento, ou seja, em 96% e 4%, respectivamente;

7.1.8.   Mandar notificar o Ministério Público, nos termos e âmbito do disposto no artigo 280º da CRP e do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do teor desta decisão arbitral.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 31.445,29.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.836,00, a cargo da Requerente (96%) e da Requerida (4%), de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 09 de Fevereiro de 2022

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Neste sentido, vida decisão arbitral referida no ponto 6.5., supra.

[3] Neste sentido, vida decisão arbitral referida no ponto 6.5., supra.

[4] Neste sentido, vide Acórdão do TCAN nº 0207/15.6BEMDL, de 25-01-2018 (Relator Mário Rebelo), nos termos do qual se refere que “a utilização do processo de impugnação judicial ou acção administrativa especial, depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial. Se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável a acção administrativa especial”.

[5] No mesmo sentido, com as necessárias adaptações, vide Acórdão do TCAS n.º 06246/12 de 05-11-2015(Relatora Anabela Russo), nos termos do qual também se refere que “I. - A utilização do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial; se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/acção administrativa especial (artigo 97.º n.ºs 1 e 2 do CPPT). II – Tendo o Tribunal concluído que a apreciação da decisão de indeferimento liminar da reclamação graciosa não pode ser objecto de apreciação no meio processual de que os Recorrentes lançaram mão – impugnação judicial – impunha-se-lhe que tivesse aferido da possibilidade da sua convolação para a forma adequada, in casu, acção administrativa especial”.

[6] Vide Acórdão TCAN citada na nota anterior nº 4.

[7] No mesmo sentido, vide Acórdão do STA n.º 01958/13, de 14-05-2015 (Relator Pedro Delgado).

[8] No sentido de o meio processual adequado para conhecer da legalidade de acto de decisão de procedimento de revisão oficiosa de acto de liquidação ser a acção administrativa especial se nessa decisão não foi apreciada a legalidade do acto de liquidação, podem ainda ver-se os acórdãos do STA de 20-05-2003 (processo nº 638/03), de 08-10-2003 (processo n.º 870/03), de 15-10-2003 (processo nº 1021/03), de 24-03-2004 (processo nº 1588/03) e de 06-11-2008 (processo n.º 357/08).

[9] Na verdade, essas acções “apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido” (artigo 145º, n.º 3 do CPPT).

[10] Neste sentido, vida decisão arbitral referida no ponto 6.5., supra.

[11] In “Guia da Arbitragem Tributária”, Coordenação Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira, 2ª Edição, Almedina, 2017, pág. 109.

[12] In “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, Almedina, 2016, pág. 116.

[13] Neste sentido, vida decisão arbitral referida no ponto 6.5. supra.

[14] Neste mesmo sentido, vide Acórdão do TCAS nº 1462/19.8BELRS, de 14-01-2021 (Relator Susana Barreto).

[15] Vide “Código do Procedimento e Processo Tributário”, I volume, 6.ª edição, anotação 2 ao art.º 9º, pág. 113.

[16] Refira-se que, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 3º do Código do ISV, “são sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando -se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos”.

[17] Sérgio Vasques, “A reforma da tributação automóvel: problemas e perspectivas”, Fiscalidade, nº 10, Abril de 2002, p. 59-94.

[18] A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes, “Imposto sobre veículos e Imposto único de circulação”, Códigos Anotados, Coimbra, Coimbra Editora, 2009.

[19] Manuel Teixeira Fernandes, “A reforma da tribulação automóvel”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano l, n.º 2, Junho de 2008, 165-178.

[20] De acordo com o disposto no artigo 1° do Código do Imposto sobre Veículos, “[o] imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infra-estruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

[21] Segundo José Casalta Nabais, “a quantificação dos custos ambientais torna-se impraticável” “dada a impossibilidade de medir ou mensurar a contraprestação específica que corresponda aos tributos bilaterais ou taxas ambientais”, inTributos com fins ambientais”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 1, n.º 4, 2008, p. 132. Vide igualmente Sérgio Vasques, in O Princípio da Equivalência como Critério de igualdade Tributária”, Almedina, Coimbra, 2008, p. 338-340.

[22] Nesta matéria, vide teor da decisão arbitral nº 53/2016, de 5 de Julho de 2016.

[23] De acordo com o texto do artigo, “nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções”. O texto desde artigo 90º do Tratado de Roma é muito semelhante ao texto do artigo 110º do TFUE que dispõe que “nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares” (sublinhado nosso).

[24] Esta questão veio a ser apreciada algum tempo mais tarde no acórdão do TJCE, de 09.03.95, proferido no âmbito do processo C-345/93, em que foi impugnante Nunes Tadeu.

[25] Note-se que, na sequência da referida jurisprudência, foi adoptada uma redação no âmbito do antigo Imposto Automóvel (IA) que veio a ser transposta em termos sensivelmente iguais para o Código do ISV (para o mencionado artigo 11º), mas não pode ser ignorado que já na vigência deste Código, o legislador através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (de resto mitigando uma anterior alteração feita pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro), introduziu importantes alterações na construção do imposto, designadamente pelos efeitos projetados pelo factor ambiental no seu cálculo e na sua correlação com o valor real dos veículos.

[26] Neste âmbito, conforme se escreve na Decisão Arbitral nº 577/2016-T, de 1 de Junho de 2017, “(…) apesar de só os Estados Membros terem competência em matéria de impostos diretos, o Tribunal de Justiça (TJ) tem sustentado (…) que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia. Evitando assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais, designadamente (…) a livre circulação de mercadorias (artigos 28.º e seguintes do TFUE) (…). Ora, é precisamente através da proteção de cada uma destas liberdades, diretamente aplicáveis, que ocorre uma verdadeira harmonização pela via jurisprudencial que se traduz na obrigatoriedade de as legislações nacionais se conformarem a cada uma dessas liberdades. (…) O direito português consagra uma cláusula de receção automática plena do direito convencional internacional, cumpridas as formalidades de aprovação, ratificação e publicação (…). Daqui decorre que os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados perante os tribunais”. E, prossegue a mesma decisão referindo que “os tratados são superiores hierarquicamente relativamente à lei ordinária. Esta superioridade decorre não só dos artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, mas igualmente do artigo 8.º n. os 1 e 2 da CRP. Apresenta-se, pois, como claro que, para que a convenção vigore na ordem interna, é necessário que a lei ordinária posterior a não possa revogar. Ou seja, o direito internacional convencional não pode ser afastado por leis ordinárias, surgindo como superior àquelas. Sejam essas leis subsequentes, as quais serão materialmente inconstitucionais se o contrariarem; sejam anteriores, as quais terão de ser suspensas se forem conflituantes com esse direito convencional internacional, só retomando a vigência no caso de suspensão ou cessação da convenção internacional que estiver em causa” (sublinhado nosso).

[27] Em conformidade com texto do Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção), proferido no âmbito do processo C-169/20, de 02-09-2021.

[28] Complementarmente, refira-se que de acordo com o artigo 4º do TFUE, “(…) as competências que não sejam atribuídas à União nos Tratados pertencem aos Estados-Membros” (nº 1), sendo que “os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União” (nº4). E, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do TFUE, “a Comissão promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas para esse efeito. A Comissão vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adotadas pelas instituições por força destes. Controla a aplicação do direito da União, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça da União Europeia”. Com efeito, de acordo com o artigo 258º do TFUE, “se a Comissão considerar que um Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados, formulará um parecer fundamentado sobre o assunto, após ter dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações. Se o Estado em causa não proceder em conformidade com este parecer no prazo fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia”. E foi exactamente isto que a Comissão fez com a interposição da ação por incumprimento, nos termos do artigo 258º TFUE, que deu entrada em 23 de Abril de 2020 (processo C-169/20) e que deu origem às conclusões aqui transcritas.

[29] Entende-se, reitera-se, que a legislação portuguesa não era, nas datas a que se reportam as liquidações de ISV impugnadas, compatível com o disposto no artigo 110º do TFUE, na medida em que os veículos usados admitidos em território nacional, provenientes de outros Estados membros eram sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta. Com efeito, no cálculo do imposto, a parte do ISV que incide sobre a componente ambiental era, nas datas a que se reportam as referidas liquidações de ISV, igual para todos os veículos usados, com a mesma cilindrada, adquiridos noutros Estados membros, independentemente da sua antiguidade, gerando-se assim as consequências discriminatórias já assinaladas.

[30] Acompanhando aqui o teor da Decisão Arbitral nº 34/2020-T, de 10-09-2020.

[31] Neste sentido vide comunicação da Comissão Europeia de 24-01-2019, nos termos da qual se justifica que, por referência a Portugal, “por este Estado-Membro não ter em conta a componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação” foi iniciado procedimento de infração contra o Estado Português, sendo que “a Comissão considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta. Se Portugal não actuar no prazo de dois meses, a Comissão poderá enviar um parecer fundamentado sobre esta matéria às autoridades portuguesas”.

Como já referido, a Comissão instaurou acção contra o Estado Português, em 23-04-2020, junto do TJUE, a qual foi já decidida desfavoravelmente a Portugal (vide Acórdão proferido no âmbito do processo nº C-169/20, 02-09-2021).

[32] Assim, dada a existência de uma incompatibilidade entre o direito nacional e o direito da UE, quando aquele faz impender uma carga agravada sobre os veículos usados provenientes de outros Estados Membros, comparativamente com os nacionais, ao não ter em conta a necessária redução do montante do imposto na componente ambiental, não faz qualquer sentido a alegação da Requerida de que a interpretação que a Requerente faz, ao defender a aplicação da mesma percentagem de redução aplicável à componente cilindrada, se traduz na aplicação de um benefício fiscal que não se encontra previsto na lei, atribuindo um desagravamento fiscal, porque esse desagravamento está efectivamente previsto no direito da UE e este tem primado sobre o direito nacional.

[33] Nesta matéria, referia-se que “o juiz nacional, encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito comunitário, tem a obrigação de assegurar o pleno efeito dessas normas, deixando se necessário inaplicadas, por sua própria autoridade, qualquer disposição contrária da legislação nacional, ainda que posterior, sem que tenha de pedir ou aguardar a eliminação prévia desta por via legislativa ou por qualquer outro processo constitucional” (Acórdão de 09-03-1978 do Tribunal de Justiça da União Europeia, no Processo C-106/77 - Ac. Simmenthal).

[34] Nesta matéria, recorde-se aqui o regime estabelecido pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (diploma que aprovou o regime da arbitragem tributária), o qual no seu preâmbulo refere que “a introdução no ordenamento jurídico português da arbitragem em matéria tributária, como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, visa três objetivos principais: por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, por outro lado, imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, finalmente, reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais. A arbitragem constitui uma forma de resolução de um litígio através de um terceiro neutro e imparcial – o árbitro –, escolhido pelas partes ou designado pelo Centro de Arbitragem Administrativa e cuja decisão tem o mesmo valor jurídico que as sentenças judiciais. Neste sentido, e em cumprimento dos seus três objetivos principais, a arbitragem tributária é adotada pelo presente decreto-lei com contornos que procuram assegurar o seu bom funcionamento”.

Por outro lado, e no que diz respeito às matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral, refira-se no que ao presente caso interessa que “encontram-se abrangidas pela competência dos tribunais arbitrais a apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos (…). (…) acolhe-se como regra geral a irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais. Esta regra não prejudica a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, nos casos em que a sentença arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou aplique uma norma cuja constitucionalidade tenha sido suscitada, bem como o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando a decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes. Nos casos em que o tribunal arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é suscetível de reenvio prejudicial (…)”. Adicionalmente, refira-se que, neste âmbito, de acordo com o disposto no artigo 70º, nº 1 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), “cabe recurso para o Tribunal Constitucional, (…) das decisões dos tribunais: a) Que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade; b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo; c) Que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado; d) Que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional, com fundamento na sua ilegalidade por violação do Estatuto da Região Autónoma ou de lei geral da República; e) Que recusem a aplicação de norma emanada de um órgão de soberania, com fundamento na sua ilegalidade por violação do Estatuto de uma Região Autónoma; f) Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e Semental); g) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional; h) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional, nos precisos termos em que seja requerida a sua apreciação ao Tribunal Constitucional; i) Que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional” sendo que de acordo com o disposto no artigo 72º, nº 3 da LTC, “o recurso é obrigatório para o Ministério Público quando a norma cuja aplicação haja sido recusada, por inconstitucionalidade ou ilegalidade, conste de convenção internacional (…) ou quando se verifiquem os casos previstos nas alíneas g), h) e i) do n.º 1 do artigo 70º, (…). (sublinhado nosso)”.

[35] Com efeito, o Tribunal Constitucional é o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional, cabendo-lhe apreciar a inconstitucionalidade e a ilegalidade, nos termos da Constituição da República Portuguesa e da sua lei orgânica (a Lei nº 28/82, de 15 de Novembro).

[36] Neste âmbito, em conformidade com o já decidido pelo TJUE (acórdão Cilfit, de 06/10/1982, processo
C-283/81).

[37] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Edição, 2012, página 116).

[38] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).

[39] Neste sentido, vide fundamentação expendida no Acórdão do STA proferido em 27-02-2019 no âmbito do processo n.º 22/18.5BALSB, relatora Ana Paula Lobo (Pleno) e Acórdão do STA proferido em 12-12-2019 no âmbito do processo nº 058/19.9BALSB, relator Ascensão Lopes (Pleno).