Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 186/2021-T
Data da decisão: 2022-02-07  IRS  
Valor do pedido: € 51.346,40
Tema: IRS - Regime simplificado. Qualificação de rendimentos. Lista a que se refere o artigo 151.º do CIRS.
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Sumário

  1. - O regime simplificado de tributação consagrado no artigo 31.º do CIRS é qualificável como método de avaliação indireta aplicado em situação não patológica da relação jurídica tributária, uma vez que, mediante coeficientes aplicáveis aos rendimentos obtidos, presume custos e, assim, determina o rendimento líquido da categoria B.
  2. - A aplicação do regime simplificado pode ser sempre afastada mediante o exercício, pelo sujeito passivo, do direito de optar pelo regime de determinação do rendimento líquido da categoria B segundo contabilidade organizada.
  3. - Os coeficientes aplicáveis aos rendimentos com origem em prestações de serviços são, fundamentalmente, determinados mediante a sua classificação por integração em atividade nominal ou especificamente prevista na Lista a que se refere o artigo 151.º do CIRS, aprovada pela Portaria 1011/2001, de 21 de agosto ou pelo código de Classificação das Atividades Económicas.
  4. -Não é de qualificar como Jornalista aquele que não exerce, como ocupação principal, permanente e remunerada, com capacidade editorial, funções de pesquisa, recolha, seleção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio eletrónico de difusão, não sendo integrável na atividade nominal e especificamente prevista na Lista a que se refere o artigo 151.º do CIRS com o código 1327 Jornalista e Repórteres, não estando abrangido pelo disposto na alínea b) n.º 1 artigo 31.º do CIRS.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

1.Relatório

 

A..., titular do número de identificação fiscal ... (SP A)  e B..., titular do número de identificação fiscal ... (SP B), ambos casados, residentes na ..., n.º ..., ..., ...-... ..., adiante abreviadamente designados de "Requerentes", vieram ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar, em cumulação, pedido de pronúncia arbitral (doravante designado por PPA) tendo em vista a anulação das liquidações oficiosas em sede de IRS - € 24.019,98 – e de IVA -  €27.326,42, perfazendo um total de €51.346,40, com juros compensatórios incluídos, relativamente aos exercícios de 2016, 2017 e 2018 bem como o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes com o n.º ...2020... .

Em termos de liquidações oficiosas, em sede de IRS, o montante a pagar ascende a € 24.019,98 sendo decomposto da seguinte forma:

  1.  A relativa ao ano fiscal de 2016, com o n.º 2020... de 9-4-2020, no montante de €15.438,47, cf. Doc. 4 anexo ao PPA[1], e que após estorno com liquidação anterior (liquidação n.º 2017... no montante de €7.197,34, cf. Doc. 35 anexo ao PPA), através de “acerto de contas”, deu origem a um montante a pagar de IRS de € 8.241,13, com juros compensatórios incluídos no montante de €986,91 (liquidação n.º ... de juros no montante de €985,28; liquidação n.º ... no montante € 1,63);
  2. A relativa ao ano fiscal de 2017, com o n.º 2020... de 9-4-2020, no montante de €29.686,21, cf.Doc. 5 anexa ao PPA, e que após estorno com liquidação anterior (liquidação n.º 2019... no montante de €21.705,73, cf. Doc.36 anexo ao PPA), através de “acerto de contas”, deu origem a um montante a pagar de IRS de € 7.980,48, com juros compensatórios incluídos no montante de €1.018,53 (liquidação de juros n.º 2020...);
  3. A relativa ao ano fiscal de 2018, com o n.º 2020... de 9-4-2020, no montante de €29.940,26, cf. Doc. 6 anexo ao PPA, e que após estorno com liquidação anterior (liquidação n.º 2020... no montante de €19.141,89, cf. Doc.37 anexo ao PPA), através de “acerto de contas”, deu origem a um montante a pagar de IRS de € 7.798, 37, com juros compensatórios incluídos no montante de €595,43 (liquidação de juros n.º 2020...);
  4. O montante total de IRS controvertido ascende a €24.019,98, conforme referido acima nas alíneas a), b) e c) sendo decomposto em termos agregados/ano da seguinte forma: 2016 - €8.241,13[2]; 2017- €7.980,48[3] e 2018[4] - €7.798,37, cf. artigo 27.º do PPA.

 

Em termos de liquidações oficiosas, em sede de IVA acrescidos dos respetivos juros compensatórios, o montante a pagar ascende a €27.326,42 (IVA: € 24.840; Juros Compensatórios: €2.486,42) correspondendo a:

 

  1. Liquidações de IVA referente ao período compreendido entre 2016.03T e 2018.12T no total de €24.840, montante correspondente ao somatório de €2. 070/ trimestre (€9.000 @ 23%) do período acima referido tendo por base as liquidações constantes nos documentos 7 a 18 anexos ao PPA, cf. artigo 19.º do PPA;
  2.  Liquidações de juros compensatórios referentes ao período compreendido entre 2016.03T e 2018.12T no total de €2.486,42, montante correspondente ao somatório dos juros compensatórios/trimestre/ano[5] tendo por base as liquidações constantes nos documentos 19 a 30 anexos ao PPA, cf. artigo 19.º do PPA;

 

Os Requerentes pedem a anulação dos atos tributários supra identificados e consequentemente:

  1. a condenação da Autoridade Tributária na anulação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2020... de 6-8-2020, com as demais consequências legais devidas, designadamente as liquidações de IRS e IVA e respetivos juros compensatórios, por erro nos pressupostos de facto e de direito das liquidações supra identificadas, e
  2. o pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, em virtude dos encargos incorridos na sequência da prestação de depósito caução para suspensão dos processos de execução fiscal instaurados até ao respetivo cancelamento.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 01-04-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 20-05-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 09-06-2021.

A AT apresentou Resposta, tendo junto o processo administrativo, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e requerido a dispensa de produção de prova testemunhal e da reunião referida no artigo 18.º do RJAT.

Ao abrigo do disposto nas alíneas c) e e), ambas do artigo 16.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) plasmado no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1/2011 em vigor, foi designado o dia 23-09-2021 pelas 14h 30m a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido notificadas as partes.

Devido à impossibilidade por parte dos Requerentes para a produção de prova testemunhal, foi designado o dia 1-10-2021 para a realização da prevista ao abrigo do artigo 18.º do RJAT.

 Em 01-10-2021, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações escritas.

O prazo para a prolação da decisão foi prorrogado uma vez tendo em conta a situação pandémica.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A cumulação de pedidos é legítima (Artigo 3.º do RJAT e 104.º do CPPT).

O processo não enferma de nulidades.

 

2.Matéria de facto 

2.1.Factos provados 

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  

  1. Relativamente aos exercícios fiscais de 2016, 2017 e 2018, os Requerentes (SP A e SP B), em sede de IRS, entregaram as declarações de IRS Modelo 3, no estado civil casados, com opção pela tributação conjunta, cf. Docs. 32 a 34 anexos ao PPA.
  2. Das declarações Modelo 3 de IRS referentes aos períodos de 2016 a 2018, foram emitidas as liquidações n.º 2017... no montante de €7.197,34, respeitante a 2016, cf. Doc. 35 anexo ao PPA; n.º 2019... no montante de €21.705,73, respeitante a 2017, cf. Doc.36 anexo ao PPA e n.º 2020... no montante de €19.141,89, respeitante a 2018, cf. Doc.37 anexo ao PPA. Os Requerentes pagaram o IRS liquidado pela AT relativo aos anos de 2016 a 2018, cf. artigo 27.º do PPA, e não questionado.
  3. O Requerente marido (SP B), titular dos rendimentos profissionais ou empresariais, tinha, no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT (SGRC, na AT, o seguinte registo, reportado a 31-12-2015:  Sujeito Passivo (SP) B... NIF ... coletado na categoria B (Regime simplificado) de IRS – Código da Lista de IRS 1327 – JORNALISTAS E REPORTERES, desde 17-08-2015 e com o CAE Secundário 90030 – CRIAÇÃO ARTISTICA E LITERÁRIA, desde 28-12-2015 e, em IVA, sujeito ao regime normal trimestral, desde 17-8-2015, cf. Doc. 31 anexo ao PPA.
  4. Relativamente à declaração de IRS de 2018, os Requerentes, declararam no Anexo B da Modelo 3 um montante de €39.000 sendo o titular desse rendimento o SP B com o NIF... . Esse rendimento, segundo se constata no referido Anexo B, diz respeito a rendimento profissionais, comerciais e industriais abrangidos pelo código CAE 90030. Os rendimentos em causa foram inscritos no campo 404 do Q4A no valor de €39.000, cf. Doc. 34 pág. 4/15 da Modelo 3 de IRS de 2018 anexo ao PPA, estando sujeitos para efeitos de regime simplificado em termos de IRS, a um coeficiente de 0,35. Os rendimentos em causa foram sujeitos a retenção na fonte efetuados pela entidade com o NIF ... – C... (doravante designada por C...) - no montante de €2.242,50, cf.Doc. 34 pág. 5/15 da Modelo 3 de IRS de 2018 (C604) anexo ao PPA.
  5. O Requerente marido (SP B) entregou declarações periódicas de IVA referente aos períodos 2016/03T a 2018/12T, declarando no C9 de cada uma delas, o montante de €9.000 respeitante a operações isentas que não conferem o direito à dedução de IVA e, consequentemente, não liquidando IVA, cf. Doc. 38 anexo ao PPA.
  6. O Requerente marido (SP B), para os anos de 2016 a 2018 tem todos os rendimentos titulados por faturas-recibo vulgo "Recibos Verdes" emitidos no sistema informático da AT, dos quais consta, para qualificação dos rendimentos auferidos, a expressão "Criação Artística e Literária", não tendo liquidado IVA, cf. PA[6]: ficheiro RH[7]5 - Parte 05-15.pdf fls.. 43-49 (ano de 2016); PA: ficheiro RH8-Parte 08-15.pdf fls.. 65-71:(ano de 2018); as faturas-recibo relativas a 2017 não constam no PA embora no PPA no artigo 24.º se faça menção que foram emitidas faturas-recibo numa base mensal no período 2016-2018, facto não contestado pela Requerida, conforme artigo 11.º da resposta.
  7. Tais faturas-recibo são emitidos a uma única entidade, a C... (C...) com o NIF ..., tendo relativamente ao exercício de 2018, a entidade acima identificada como entidade pagadora, ter declarado em relação ao SP B um montante bruto de rendimentos da categoria B – Empresariais e Profissionais no montante de €39.000 e de retenção na fonte de € 2.242,50, cf. PA: ficheiro RH 13-Parte 13.15.pdf.
  8. Em 3-1-2020 no âmbito de procedimento de divergências (coerência entre CAE, cadastro e rendimentos declarados) de IRS para 2018 para o SP B, o mesmo foi notificado pelo Serviço de Finanças (SF) de Cascais ... (...) com os seguintes fundamentos:

“O tipo de rendimentos empresariais e profissionais declarados pelo SP B com o NIF ... no(s) respetivo(s) campo(s) do(s) anexo(B), não é compatível com os códigos de atividade declarados ou em que esteve inscrito segundo no cadastro da Autoridade Tributária”.

 

  1. Em 20-1-2020, os Requerentes justificaram, via internet, através do envio de ficheiro, que os rendimentos auferidos pelo SP B foram devidamente reportados no campo 404 do Q4A da declaração modelo 3 de IRS de 2028, cf. artigo 9 da Resposta e Documento 19 fls. 84, 85,86, 87 e 88 do PA do ficheiro RH10-Parte 10 - 15.pdf.
  2. Em 10-2-2020, o Chefe do SF de Cascais ... (...) envia um email aos Requerentes a comunicar que na sequência dos esclarecimentos prestados no site das Declarações Eletrónicas em 20-01-2020, a atividade descrita não se enquadra no plasmado como sendo de “Direitos de autor”, mas sim, como “jornalista”.  Deste modo, devem ser substituídas todas as Declarações de IRS Modelo 3 de 2016, 2017 e 2018, alterando a qualificação dos rendimentos do campo 404 para o campo 403 do anexo B da referida Modelo 3 de IRS. Uma vez que a atividade desenvolvida pelo SP B é uma atividade constante da lista de IRS com o código 1327, todas as faturas – recibos de 2016, 2017 e 2018 deverão ser substituídas por faturas-recibos onde, para efeitos de IVA, haja lugar à liquidação de imposto à taxa de 23% e entrega de imposto ao Estado, não havendo lugar à isenção prevista no artigo 9.º do CIVA, cf. Documento 21 fls. 107 do PA do ficheiro RH 13-Parte 13-15.pdf. Os Requerentes foram notificados para exercerem o direito de audição prévia, tendo exercido o mesmo. Igualmente, em sede de audição prévia, através do Ofício n.º GI -... do SF de Cascais ..., foi dado um prazo de 15 dias aos Requerentes para proceder à substituição das declarações de IRS de 2016, 2017 e 2018 dos Requerentes e a emissão de faturas-recibo pelo SP B relativamente aos anos de 2016,2017 e 2018, cf. artigo 11.º da Resposta. Os Requerentes não entregaram as declarações de substituição de IRS dos anos de 2016,2017 e 2018, cf. artigo 15 da Resposta.
  3. Os Requerentes em 15-2-2020, vêm reforçar a sua posição de que as faturas- recibo emitidas em 2018 à C... com o NIF ... têm a ver com a atividade “Criação artística e literária” enquadrando-se no código CAE 90030 – Criação Artística e Literária e por isso o respetivo rendimento deverá ser declarado no campo 404 do Anexo B da Modelo 3 de IRS. Revelam a sua perplexidade relativamente ao pedido de substituição do modelo 3 de IRS para os anos de 2016 e 2017, uma vez que no passado, a situação fática era a mesma, foram dadas as justificações em sede própria, tendo sido sempre aceite pela AT, cf. Documento 22 fls.107 verso e fls. 108 do PA do ficheiro RH13-Parte 13-15.pdf.
  4. Na sequência das alegações prestadas pelos Requerentes relativas ao IRS de 2018, o Chefe do SF de Cascais ... (...) proferiu um despacho de indeferimento, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do CPPT, tendo sido os Requerentes notificados em 02-03-2020 através do Ofício n.º..., datado de 24-02-2020, e indicados todos os meios de defesa, incluindo o recurso hierárquico, cf. fls. 120 a 126 PA do ficheiro RH 14-Parte 14-15.pdf
  5. Como consequência do despacho de indeferimento, foram emitidos Documentos únicos de correção (DUC) para os exercícios de 2016, 2017 e 2019, passando os rendimentos do SP B a constar no campo 403 e não no campo 404, e, consequentemente o coeficiente a ser utilizado para cálculo do rendimento tributável na categoria B em sede de IRS passar de 0,35 para 0,75. Em sede de IVA, também houve DUC às declarações periódicas apresentadas relativamente ao período de 201603T até 201812T, inclusive, passando-se a liquidar iva à taxa de 23%. Das correções oficiosas efetuadas pela AT, surgiram as liquidações oficiosas em sede de IRS e IVA que são objeto de pedido de pronúncia arbitral.
  6. Os Requerentes apresentaram Recurso Hierárquico com o n.º ...2020... em 04-05-2020 junto da DSIRS a contestar o despacho de indeferimento da resposta por parte dos mesmos em sede de audição prévia da declaração de IRS de 2018  e salientando que não se afigura como boa prática a emissão das liquidações oficiosas de IRS e IVA antes de concluído o processo de inspeção estar concluído, isto é, o ato administrativo estar consolidado na ordem jurídica, cf. artigo 71 .º do RH, cf. fls. 10 do ficheiro PA: RH parte 01-15.pdf e efetuando o pedido de anulação de todos os atos tributários relativos ao período de 2016 a 2018 praticados pela AT na sequência do processo de divergências, cf. artigo 71.º do RH, cf. fls. 11 do ficheiro  PA:RH parte 02-15.pdf, junto da DSIRS, tendo o mesmo sido objeto de indeferimento, cf. artigo 20.º da Resposta.
  7. Os Requerentes, através do E-balcão, interpuseram Reclamação Graciosa com o n.º ...2020... em 3-8-2020 com os mesmos fundamentos constantes do RH, tendo a mesma sido indeferida, cf. artigo 21.º da Resposta.

 

  1. Os Requerentes resolveram não proceder ao pagamento voluntário do IRS e IVA e respetivos juros compensatórios resultantes das liquidações oficiosas e prestaram garantia sob a forma de depósito caução nos montantes, respetivamente, de €30.789,08 e €34.015,50 para suster a execução fiscal, cf. Doc. 42 e Doc. 43 anexos ao PPA. 

 

 

2.2.Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

2.3.Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos que foram dados como provados tiveram por base os documentos juntos pela Requerente, no processo administrativo e testemunhal.

 

3.Matéria de direito

 

No procedimento instaurado por divergências, a AT entendeu, em suma, que o Requerente marido, auferiu rendimentos profissionais e empresariais que deviam ser tributados no âmbito da atividade especificamente prevista na Lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS sob o código 1327 - Jornalistas e Repórteres- e não sob o código CAE 90030 – “Criação Artística e Literária”.

Esta modificação da qualificação económica do sujeito passivo determinou, também, a aplicação, efetuada pela AT, para efeitos do apuramento do rendimento líquido da categoria B, da aplicação do coeficiente de 0,75 em vez do coeficiente de 0,35 que vinha sendo aplicado automaticamente pelos Requerentes no campo do Quadro 4A do anexo B da declaração Modelo 3 de IRS, ambos previstos no artigo 31.º, n.º 1 do Código do IRS, aos rendimentos declarados para os anos de 2016, 2017 e 2018. Adicionalmente o Requerente marido, SP B, entendia que, a sua atividade em sede de IVA se encontrava abrangida pela isenção prevista no artigo 9.º n.º1 do CIVA, não sendo obrigado a liquidar IVA, ao contrário da AT que entendia estar-se perante uma situação subsumível à taxa de 23%.

 

3.1.Posições das Partes

             

  Os Requerentes, em defesa da procedência do pedido, alegam em síntese que: 

 

  1. Os Requerentes não entendem a legitimidade da AT para voltar a inspecionar e  corrigir as declarações Modelo 3 relativas aos anos de 2016, 2017, uma vez que já tinham sido inspecionadas, e, em processo de divergências tinham sido aceites as justificações relativamente aos rendimentos do SP B, tendo sido validadas as respetivas declarações Modelo 3 de IRS e por isso entendem não haver cobertura legal para a AT voltar a inspecionar as declarações dos Requerentes de 2016 e 2017, havendo por isso violação dos princípios da confiança, segurança jurídica e boa fé consagrados constitucionalmente; 
  2. As declarações Modelo 3  e em especial o Quadro 4A onde está incluído o campo 404, foram preenchidas de acordo com as instruções de preenchimento da declaração Modelo 3 estando nas mesmas previsto que o campo 404 do Quadro 4A do Anexo B da Modelo 3 de IRS, destina-se ao reporte dos “Rendimentos de prestação e serviços não previstos em campos anteriores”; uma vez que a atividade desenvolvida pelo Requerente marido, SP B, não está contemplada na tabela anexa ao artigo 151.º do CIRS, o reporte de rendimentos só podia ser efetuado no campo 404 do Quadro 4A do Anexo B. Adicionalmente a AT tem que cumprir com o disposto no artigo 68.ºA da Lei Geral Tributária e consequentemente as orientações administrativas, entre as quais se incluem as instruções para preenchimento das declarações fiscais, vinculam os órgãos da AT e têm de ser respeitadas pelos mesmos; concluem quanto à vinculação da AT pelas orientações genéricas divulgadas, que a mesma é o corolário dos princípios da boa-fé e da igualdade que devem nortear a atividade administrativa da AT, caso contrário a sua violação implica que os atos praticados pela AT enfermam do vício de lei, gerador da sua anulabilidade, que expressamente se invoca ao abrigo do artigo 135.º do CPA;
  3. A atividade desenvolvida pelo Requerente marido (SP B) consiste em efetuar pesquisas, investigações e estudos, mensalmente, com base nos temas de interesse da C..., com especial foco na análise de políticas macroeconómicas, microeconómicas e de Governance, elaborando textos da sua autoria que são utilizados para os mais distintos estudos e publicações da C...; a atividade desenvolvida não se assemelha com as funções realizadas por um jornalista;
  4. O Requerente marido, SP B, desenvolve uma atividade para a C... que não está contemplada na tabela anexa do artigo 151.º do CIRS e que por isso integrou a atividade desenvolvida na Categoria B do IRS como “Criação Artística e Literária” a que corresponde ao código CAE 90030; 
  5. Segundo informação disponibilizada pelo Instituto Nacional de Estatística (doravante designado por INE), o código CAE 90030- “Criação Artística e Literária: “compreende as atividades de artistas individuais como pintores escultores escritores caricaturistas compositores gravadores de arte ao cinzel (inclui gravadores água-forte) restauro de obras de arte (inclui objetos de coleção de museus) e outras atividades artísticas similares. Inclui atividades de jornalistas independentes”;
  6. Tendo por base as Modelos 10 entregues pela C... relativas aos rendimentos colocados à disposição do SP B dos anos de 2016, 2017 e 2018, foram os mesmos considerados rendimentos de Propriedade Intelectual – artigo 58.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (valor incluído parte isenta e não isenta);
  7. O artigo 58.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante designado por EBF) prevê: “os rendimentos provenientes da propriedade literária, artística e científica, incluindo os provenientes da alienação de obras de arte de exemplar único e os provenientes das obras de divulgação pedagógica e científica, quando auferidos por titulares de direitos de autor ou conexos residentes em território português, desde que sejam os titulares originários, são considerados no englobamento, para efeitos de IRS, apenas por 50% do seu valor, líquido de outros benefícios”;
  8. O Requerente marido, SP B, contesta o entendimento de que esses rendimentos possam vir a ser considerados como rendimentos de propriedade intelectual abrangidos pelo artigo 58.º do EBF e que nunca teve como propósito beneficiar da isenção prevista no referido artigo 58.º do EBF, apesar de nas declarações anuais Modelo 10 terem sido reportados rendimentos enquadráveis como rendimentos de propriedade intelectual abrangidos pelo artigo 58.º do EBF, mas, nunca teve o propósito de beneficiar dessa isenção e não deve a sua situação fiscal ser lesada, tendo em conta a forma de reporte por parte da C... em relação aos rendimentos da sua atividade; 

 

  1. Com vista a cumprir as suas obrigações fiscais, emitiu faturas-recibo mensais a favor da C... através da sua página pessoal do Portal das Finanças, indicando o código de atividade Código CAE - “Criação Artística e Literária” e que conforme as instruções de preenchimento da declaração Modelo 3 de IRS disponibilizadas pela AT, preencheu o campo 404 do Quadro 4A do Anexo B, uma vez que o mesmo diz respeito aos “Rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores”;
  2. Relativamente à atividade desenvolvida, a mesma em termos de reporte de rendimentos para efeitos de IRS não tem enquadramento nos campos disponíveis para o efeito no Quadro 4A, designadamente, no campo 403, e, por isso utilizou o campo 404; o campo 403 destina-se a rendimentos provenientes de atividades previstas na tabela anexa ao artigo 151.º do CIRS, o que não é o caso;
  3. O regime simplificado previso no CIRS é uma opção de tributação de rendimentos aplicável a trabalhadores independentes e empresários em nome individual, o qual é de atribuição automática conforme previsto no artigo 28.º, n.º 1 alínea a) do CIRS. Este regime aplica-se aos profissionais que no decurso do seu ano profissional tenham atingido um montante anual líquido de rendimentos igual ou inferior a €200.000, onde se enquadram os profissionais liberais, assim como, os trabalhadores independentes que exerçam atividades comerciais ou industriais e os que se enquadram em atividades agrícolas silvícolas ou pecuárias;
  4. O regime simplificado caracteriza-se pela tributação dos rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos de IRS através da aplicação de coeficientes. Ao abrigo do previsto no artigo 3.º n. º1 alínea b) do CIRS aplica-se coeficiente de 0,75 às atividades especificamente referidas na lista a que se refere o artigo 151.º do CIRS; ao abrigo da alínea c) do artigo do CIRS anteriormente referido aplica-se um coeficiente de 0,35 aos rendimentos de prestação de serviços que não estejam previstos nas outras alíneas do mesmo número do artigo supra do CIRS;

 

  1. Entendem que a aplicação dos coeficientes indicados no artigo 31.º n. º1 do CIRS, deve ser feita em função da natureza dos rendimentos obtidos, pelo que, terá sempre que se ter em consideração, quais as prestações de serviços que efetivamente o sujeito passivo realiza, não podendo a avaliação ser efetuada pela análise genérica do CAE o código de atividade, mas sim, ser atendida a natureza do rendimento obtido, assim como, à atividade realmente especificamente exercida;

 

  1. Referem que no Acórdão número 092/19.9 BALSB, de 12-9-2020, do Supremo Tribunal Administrativo (doravante designado por STA) na fundamentação da matéria de direito, a sua posição quanto a matéria controvertida no presente processo arbitral encontra respaldo uma vez que no referido acórdão se pode ler: “(…) importa começar por referir que em matéria de incidência tributária e de aplicação de taxas de tributação não há, por definição lacunas. Mercê do especial vigor que o princípio da legalidade assume neste domínio na sua vertente de tipicidade tributária (artigo 103.º n.º 2 da Constituição), as taxas de tributação apenas podem ser utilizadas nas situações que concretamente se insiram na previsão da norma aplicável. A integração analógica encontra-se vedada nestas matérias mercê do princípio constitucional da legalidade, sendo a afirmação concordante do legislador ordinário nesse sentido mero corolário daquela norma constitucional (vide, a este respeito, o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária). Não se encontra, porém, vedada a possibilidade de interpretação extensiva, pelo que se se concluir que a letra da lei se quedou aquém de seu espírito, a verá que adequar letra ao respectivo espírito por via da interpretação extensiva (Sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, pressuposta pelo nosso legislador, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.º reimpressão, Coimbra 2002, pp.185/186).(…)”;

 

  1. Referem ainda que no Acórdão do STA supra é referido que: [Com a Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), que entrou em vigor a um de janeiro desse ano, os coeficientes aplicáveis aos rendimentos resultantes do exercício de atividades profissionais passaram a estar indexados o exercício das atividades profissionais previstas na tabela de atividades do artigo 151 do código do IRS, prevendo-se no n.º 2 do artigo 31.º desse mesmo Código, e na parte que aqui nos interessa, a aplicação do coeficiente de 0,75 aos ” rendimentos que as atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º” (…). Com  a republicação do Código do IRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, De 31 de dezembro, que entrou em vigor a 1/01/2015, a redação do artigo 31.º daquele Código foi alterada passando a prever-se no respetivo n.º1 a aplicação de um coeficiente de ”0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstos na tabela a que se refere o artigo 151.º. Pelo que, a partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às atividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º  do Código do IRS. Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às atividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual às atividades aí não especificamente previstas].
  2. Ainda recorrendo ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo supra referem que no caso controvertido naquele aresto se afirma [(…) E assim o fez em cumprimento do disposto no artigo 151.º do Código do IRS, que prevê precisamente que ”as atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE) , do Instituto Nacional de Estatística ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças” defendendo que no caso controvertido no presente processo arbitral, o coeficiente a aplicar deve ser o de 0,35, previsto para as atividades profissionais não previstas na tabela do artigo 151.º do CIRS, uma vez que a atividade do Requerente marido; SP B, não se enquadra na atividade de “Jornalista”, e, consequentemente, tendo o mesmo declarado corretamente no campo 404 do Quadro 4A do Anexo B da Modelo 3 de IRS os rendimentos da sua atividade, ao contrário da correção oficiosa por parte da AT que reportou os mesmos rendimentos no campo 403 do Quadro 4A do Anexo B da Modelo 3 de IRS. Com esta alteração da correção oficiosa por parte da AT houve um aumento de IRS relativamente aos anos de 2016, 2017 e 2018, respetivamente, de €8.241,13, €7.980,48 e €7.798,37, entendendo que se está perante uma errónea qualificação do rendimento, por parte da AT, relativamente ao rendimento obtido pelo Requerente marido, SP B, nos anos de 2016, 2017 e 2018;
  3. Em termos de IVA, consideram que os rendimentos obtidos pelo Requerente marido, SP B, não se encontram abrangidos pelo artigo 53.º do CIVA por ter excedido o limite aí previso e por isso encontra-se obrigado a entregar declarações periódicas de IVA. Defende que a atividade desempenhada pelo Requerente marido, SP B, se enquadra na lista de atividades previstas no artigo 9.º do CIVA que determina que as mesmas estão isentas de imposto e não conferem o direito à dedução, não sendo por isso suscetíveis de liquidação de IVA. Adicionalmente, o Requerente marido cumpriu com as suas obrigações de reporte através da entrega atempada das Declarações Periódicas de IVA, não tendo apurado qualquer montante de imposto a pagar. Não compreende porque é que a AT liquidou oficiosamente o montante de IVA em falta, através da aplicação da taxa de 23% por considerar que a mesma não se enquadra no artigo no artigo 9.º do CIVA. Referem os Requerentes que aquando das liquidações oficiosas de 2016,2017 e 2018, já havia sido concluído o procedimento de inspeção tributária relativamente aos anos de 2016 e 2017 relativamente aos quais foram aceites os argumentos apresentados pelos mesmos, sem que tenham sido efetuadas quaisquer correções em sede de IRS e IVA,  assim como, a AT não apresentou os devidos fundamentos para sujeitar os rendimentos auferidos às taxas normais de IVA e por conseguinte, o Requerente marido deveria beneficiar da isenção prevista no artigo 9.º do CIVA;
  4. Os Requerentes face à manifesta ilegalidade das correções realizadas e dos atos tributários emitidos com base nas mesmas, decidiram não proceder ao pagamento voluntário dos impostos e juros compensatórios; apesar da apresentação de reclamação graciosa e como os atos tributários decorrentes das liquidações oficiosas em sede de IRS e IVA não foram anulados em tempo útil, foram instaurados dois processos de execução fiscal (processos n.ºs ...2020... e ...2020...) tendo prestado garantia sob a forma de depósito caução nos valores de, respetivamente, €30.789,08 (trinta mil setecentos e oitenta e nove euros e oito cêntimos) e €34.915,50 (trinta e quatro mil novecentos e quinze euros e cinquenta cêntimos); solicitam que, ficando demonstrada a existência de erro imputável aos serviços, ao abrigo do artigo 53.º da LGT e do artigo 171.º do CPPT, devem ser ressarcidos através de reembolso da indemnização pelos encargos que a prestação indevida de tal garantia até ao seu cancelamento, no caso de deferimento do PPA;
  5. O pedido efetuado pelos Requerentes consiste, em caso de procedência, na:

- condenação da AT na anulação do ato de indeferimento expresso de reclamação graciosa relativa às liquidações oficiosas em sede IRS e IVA relativas aos anos de 2016, 2017 e 2018, emitidas por aquela, com as demais consequências legais devidas, designadamente a anulação das liquidações oficiosas de IRS e IVA e respetivos juros compensatórios, relativas aos anos de 2016, 2017 e 2018, por erro nos pressupostos de facto e de direito nas liquidações oficiosas supra;

-  pagamento da indemnização por prestação da garantia indevida, em virtude dos encargos incorridos, na sequência da prestação do depósito caução para suspensão dos processos de execução fiscal instaurados, até ao respetivo cancelamento.

 

             

 Por sua vez, a Requerida, a AT, defendendo a improcedência do pedido dos Requerentes alega, nomeadamente, que:

 

  1. O entendimento da AT em sede de IRS e IVA está devidamente justificado e fundamentado no âmbito do Processo de Divergências a nível do Recurso Hierárquico proferido pela DSIRS e da Reclamação Graciosa proferida pela DF de Lisboa; quer o Recurso Hierárquico quer a Reclamação Graciosa não mereceram acolhimento por parte da AT sendo os mesmos indeferidos e notificados os Requerentes;
  2. No presente PPA não foram carreados novos elementos, para além dos constantes no RH e da Reclamação Graciosa por parte dos Requerentes que levassem a AT a alterar a posição já assumida relativamente a nível do RH e da Reclamação Graciosa;
  3. Em sede de RH na resposta ao mesmo, a AT entende que as correções a declarações de anos anteriores a 2018 podem ser efetuadas e corrigidas, se for caso disso, desde que as correções ocorram dentro do prazo e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.ª da LGT, e, consequentemente, não há violação do princípio da confiança, da segurança jurídica e da boa-fé consagrados constitucionalmente;
  4. Relativamente ao preenchimento das declarações dos anos em causa, não há violação das instruções administrativas emanadas pela AT, conforme alegam os Requerentes, porque:

- as correções (nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS) foram feitas de acordo com a harmonia com as instruções de preenchimento do anexo B da modelo 3 de IRS dos anos de 2016, 2017 e 2017 (aprovadas pelas Portarias n.ºs 404/2015 de 16/11, 385-H/2017 de 29/12 e 34/2019 de 28/01, bem como do Ofício Circulado n.º 20187, de 5/4/2016; e

-  em conformidade com o n.º 1 do artigo 68-A da LGT;

  1. Não concorda com o tipo de atividade defendido pelo Requerente marido na C...– “...” - bem como com a errónea qualificação de rendimentos, conforme defendem os Requerentes, bem como com as conclusões por parte dos mesmos, segundo os quais por parte da AT houve uma “ (…) errónea quantificação de rendimento obtido por parte do requerente marido, que determinou uma quantificação do rendimento destituída de qualquer fundamento legal, que inquina de forma  definitiva os atos de liquidação acima mencionados”, não havendo por isso violação do principio da igualdade e da capacidade contributiva, conforme alegam os Requerentes;   
  2. Conforme referido em sede de RH, com a reforma do IRS em 2015 operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12 ficou previsto que o coeficiente de 0,75 se aplicaria às atividades especificamente constantes na lista a que se refere o artigo 151.º do CIRS, sendo que essa redação se aplica a partir do ano fiscal de 2015, inclusive, o que inclui os anos de 2016, 2017 e 2018;
  3. A AT entende que a criação do coeficiente de 0,35 com a Reforma do IRS operada com a Lei n.º 82-E/2014, visou ao nível do regime simplificado tributar prestações de serviços que são efetuadas com recurso a estruturas empresariais que incorrem em montantes mais significativos de gastos, por oposição a prestações de serviços de natureza profissional liberal, com gastos pouco significativos, estando estas sujeitas ao coeficiente de 0,75, que é o caso dos autos em apreço; 
  4. A AT defende que em termos declarativos, de acordo com as instruções de preenchimento do anexo B da Modelo 3 de IRS dos anos de 2016, 2017 e 2018 bem como do Oficio Circulado n.º 20.187 de 5/4/2016, o campo 403 do Q4A do anexo B, destina-se à indicação dos rendimentos auferidos no exercício, por conta próprio, de qualquer atividade de prestação de serviços que tenha enquadramento na alínea b) do n.º1 do artigo 3.º do CIRS, independentemente de a atividade exercida estar classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Actividade Económicas(CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos na tabela de atividades previstas no artigo 151.º do CRS;
  5. A AT entende que por força do disposto na alínea b) do n. º1 do artigo 31.º do CIRS (regime simplificado), o rendimento tributável da categoria b) incluído no campo 403 seria apurado pela aplicação do coeficiente de 0,75; o campo 404 destina-se a prestações de serviços não incluídas nos campos 402 e 403 e o rendimento tributável apurado pela aplicação do coeficiente de 0,35, cf. alínea c) do n. º1 do artigo 31.º do CIRS;
  6. O SP B esteve coletado na categoria B (regime simplificado) – CAE principal 1327-Jornalistas e Repórteres, tendo como atividade secundária, a atividade com o CAE 90030 – “Criação Artística e Literária”;
  7. É entendimento da AT que face ao quadro legal vigente e doutrina administrativa emanada pela AT, é necessária uma avaliação casuística de cada contrato formalmente estabelecido entre os adquirentes dos serviços prestados pelo SP, ou na sua falta, a comprovação pelos primeiros das funções efetivamente desempenhadas e tituladas nas respetivas faturas-recibos;
  8. De acordo com a descrição feita pelos Requerentes quer no PPA quer no RH constante do PA deste PPA, o SP B “efetua pesquisas e estudos, mensalmente, com base nos temas de interesse da fundação, com enfoque na análise de políticas macroeconómicas, microeconómicas e de Governance, produzindo textos da sua autoria, que são utilizados para os mais diversos estudos e publicações da mesma entidade”. Igualmente, em termos contratuais com a C..., segundo a cláusula1.º n.º 2 a 4 (também constante nos autos do RH e neste PPA), o SP efetua” pesquisa, levantamento, com referência ao estabelecido no número anterior e de manter o portal da plataforma “Access África”; Angariação de parceiros/patrocinadores da plataformaAccess África”.
  9. De acordo com a Wikipédia (links: https://pt.wikipedia.org/wiki/Reporter e https://pt.wikipedia.org.wiki /Jornalista), a atividade desenvolvida no âmbito da plataforma ”Access África” da C...“é  uma atividade de pesquisa, levantamento e organização de informação” com enquadramento na atividade com código 1327-Jornalistas e repórteres - da lista anexa a que se refere o artigo 151.º do CIRS, para a qual o Requerente marido, SP B, se encontrava coletado desde 17-08-2015; adicionalmente a AT refere que em termos de incidência real, a atividade do SP B se enquadra na alínea b) do n.º1 do artigo 3.º do CIRS, sendo os rendimentos declarados no campo 403 do quadro 4A do anexo B da Modelo 3 de IRS e o rendimento tributável, obtido através da aplicação do coeficiente 0,75, previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 31.º do CIRS, à luz da legislação em vigor e doutrina administrativa emanada pela AT;
  10. Igualmente deve-se aplicar o princípio da substância económica sobre a forma plasmado no n. º3 do artigo 11 da LGT[8] segundo o qual “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.
  11. Atendendo o exposto, deve ser mantido o ato de indeferimento de reclamação Graciosa número ...2020... de 06-08-2020 relativa à liquidação oficiosa de IRS 2016 n.º 2020... de 09-04-2020 com valor a pagar de €15.438, 47, à liquidação oficiosa de IRS 2017 n.º 2020... de 09-04 2020 com valor a pagar de €29.686,21 e à liquidação oficiosa de IRS 2018 n.º 2020... de 09-04-2020 com valor a pagar de €26.940,26.
  12. Conclui pedindo a improcedência do presente PPA, e, consequentemente mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade a Requerida.

 

3.2.As questões que são objeto do processo e o seu regime

 

A questão principal que se discute no presente processo arbitral diz respeito à qualificação tributária a que se subordinam os rendimentos obtidos pela Requerente, marido, SP B. Com efeito, está em causa integrá-los em "Criação Artística e Literária", com identificação CAE – 90030 ou numa "atividade especificamente prevista na lista a que se refere o artigo 151.º do CIRS", no caso, a atividade 1317-Jornalistas e Repórteres.

Desta qualificação depende que, para efeitos de apuramento do rendimento líquido da categoria B, se apliquem os coeficientes de 0,35 ou 0,75, conforme se dispõe no artigo 31.º do CIRS.

A segunda questão diz respeito ao direito ao pagamento da indemnização por prestação da garantia indevida, em virtude dos encargos incorridos, na sequência da prestação do depósito caução para suspensão dos processos de execução fiscal instaurados, até ao respetivo cancelamento, que se colocará caso a questão principal seja resolvida a favor dos Requerentes.

 

4.O regime simplificado consagrado para a determinação do rendimento líquido da categoria B

 

O atual regime simplificado de tributação (RST), consagrado no artigo 28.º do CIRS, é um método de avaliação indireta, como expressamente se afirma na alínea a) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT. O que o distingue dos outros métodos de avaliação indireta é o facto de, em situações normais, ele ser aplicado por regra, em condições não patológicas da relação jurídica tributária subjacente, e não por exceção. Além disso, é um modelo optativo, que implica a presunção de custos e dispensa algumas obrigações acessórias. Na esteira, a contrario, de RUI MORAIS (2014, pp. 90), diremos para finalizar este pequena caracterização, que o RST deixou, com a reforma de 2015, de ter carácter provisório, na medida em que aquela o eliminou, deixar de subordinar a sua existência à aprovação dos indicadores objetivos de base técnico-científica para os diferentes sectores de atividade.

Todavia, é com a Reforma de 2015, aprovada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31-12-2014, que se efetuam profundas alterações aos coeficientes, no âmbito do artigo 31.º do CIRS. Por ser o que aqui interessa, o coeficiente único de 0,75 que vinha sendo aplicado aos rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º, é desdobrado em

dois: 0,75 a aplicar aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º; e 0,35 "aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores". Dualizou-se, assim, a tabela de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, passando a distinguir-se entre "atividades especificamente previstas", isto é, aquelas que são denominadas nominalmente na Tabela (Capítulos I a 14), e as atividades residuais qualificadas no Capítulo 15 - Outras atividades exclusivamente de prestação de serviços, Código 1519 "Outros prestadores de serviços".

Não existia, até então, qualquer necessidade de "controlar" quem se apresentava como "prestador de serviços", uma vez que, apresentando-se com o Código da Tabela, ou com o Código CAE, a sua tributação, desde que no âmbito do RST, seria, nos termos legais, idêntica. Aliás, foi o próprio legislador que, ciente disso, excluiu da aplicação dos coeficientes de 0,75 e de 0,35 as atividades consideradas de prestação de serviços e identificadas como "Atividades de restauração e bebidas e de atividades hoteleiras" a que acresceu a "atividade de exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento", às quais são aplicáveis, respetivamente os coeficientes de 0,15 e 0,50. Estas atividades tinham, pois, necessariamente de ser identificadas como Código CAE, sob pena de não serem reconhecidas, enquanto prestações de serviços, para efeitos de aplicação do coeficiente adequado.

Cremos que é a pouca clareza da redação do artigo 151.º do CIRS que, "misturando tudo no mesmo saco", designadamente tendo em conta a tradição histórica da "Lista de atividades", dá origem a esta problemática. Não subscrevemos qualquer preponderância da classificação pelo CAE sobre a classificação pela Lista. O que entendemos é que essa classificação não pode deixar de respeitar o princípio da legalidade e a sua conformidade com a atividade efetivamente exercida quando, seja na classificação CAE, seja na classificação Lista, aquela atividade esteja devidamente identificada, conforme é referido na Decisão Arbitral referente ao Processo 683/2020.

 

5.As normas do CIRS invocadas para a resolução do litígio

 

Artigo 3.º

Rendimentos da categoria B

 

1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:

  1. Os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;
  2. Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea anterior;
  3. Os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário.

...

 

Artigo 31.º

Regime simplificado

 

1 - No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:

  1. 0,15 às vendas de mercadorias e produtos, bem como às prestações de serviços efetuadas no âmbito de atividades de restauração e bebidas e de atividades hoteleiras e similares, com exceção daquelas que se desenvolvam no âmbito da atividade de exploração de exploração de estabelecimento de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento;
  2. 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º
  3. 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores;
  4. ... 
  5. ... 
  6. ...
  7. ...
  8. ...

 

Artigo 151.º

Classificação das atividades

 

As atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

5.1.Apreciação da questão colocada a título principal

 

 Relativamente à questão principal há que convocar a legislação aplicável ao caso controvertido já identificada acima. Assim, os rendimentos do Requerente marido, SP B, em termos de incidência de IRS, estão abrangidos pela al. b) n.º 1 do art.3.º do CIRS. Uma vez assente esse pressuposto, também é pacifico quer para os Requerentes quer para a Requerida que esses rendimentos sujeitos a IRS, estão abrangidos pelo regime simplificado previsto no artigo 31.º do CIRS. Uma vez chegados aqui, há que averiguar em quais das alíneas do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS, alínea b) ou alínea c), se enquadram os ditos rendimentos.

A nível da jurisprudência arbitral, não tem sido pacifico o entendimento quanto ao enquadramento dos rendimentos provenientes das atividades profissionais/prestações de serviços que possam ser enquadráveis nas alíneas b) e c) do n.º1 do artigo 31.º do CIRS, dando origem a decisões de julgados contraditórios. O enquadramento a nível das alíneas referidas vai dar origem a que se aplique ou um coeficiente de 0,75 ou de 0,35 para efeitos de apuramento de rendimento tributável em IRS. Ora devido precisamente à existência de jurisprudência contraditória entre si, no Acórdão do Pleno do STA, para uniformização de jurisprudência, de 912-2010, proc.º 092/19.9BASLB, relatado por Isabel Marques da Silva, ainda que com um voto de vencido se pronunciou da seguinte maneira:

“ A este respeito, importa começar por referir que em matéria de incidência tributária e de aplicação de taxas de tributação não há, por definição, lacunas. Mercê do especial vigor que o princípio da legalidade assume neste domínio na sua vertente de tipicidade tributária (artigo 103.º n.º 2 da Constituição), as taxas de tributação apenas podem ser utilizadas nas situações que concretamente se insiram na previsão da norma aplicável. A integração analógica encontra-se vedada nestas matérias mercê do princípio constitucional da legalidade, sendo a afirmação concordante do legislador ordinário nesse sentido mero corolário daquela norma constitucional (vide, a este respeito, o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária)

 

Não se encontra, porém, constitucionalmente vedada a possibilidade de interpretação extensiva, pelo que se se concluir que a letra da lei se quedou aquém do seu espírito, haverá que adequar a letra ao respectivo espírito por via da interpretação extensiva (sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, pressuposta pelo nosso legislador, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 185/186).

(…)

Com a republicação do Código do IRS operada pela Lei n.º 82E/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015, a redacção do artigo 31.º daquele Código foi alterada, passando a prever-se no respectivo n.º 1 a aplicação de um coeficiente de “0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º” (nosso sublinhado). Portanto, a partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às actividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às actividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às actividades aí não especificamente previstas.”  o que implica que se tenha que saber que atividade o Requerente marido, SP B, teve nos anos de 2016, 2017 e 2018 para se saber qual das alíneas – b) ou c) – do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS é aplicável.

 

A pergunta relevante é a de saber se o Requerente marido, SP B, nos anos fiscais de 2016, 2017 e 2018 terá exercido a atividade de jornalista ou não?

 É convicção deste tribunal de que não, de acordo com a prova testemunhal e documental produzida e carreada para os autos. Nas alegações apresentadas pelo Requerente marido, SP B, no ponto II FACTUALIDADE RELEVANTE QUE SE CONSIDERA TER FICADO ASSENTE no considerando 12 alínea b) a l) fica patente a ideia de que a atividade do Requerente marido, SP B, não pode ser considerada uma atividade de jornalista. Consultando o site https://www.ccpj.pt/pt/jornalista/definicao-legal/ [consulta on line efetuada em 3/2/2022] a definição legal de jornalista é a seguinte:

Jornalista é aquele que exerce, como ocupação principal, permanente e remunerada, com capacidade editorial, funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio electrónico de difusão.

Não constitui actividade jornalística o exercício das funções supra referidas quando desempenhadas ao serviço da publicações que visem predominantemente promover actividades, produtos, serviços ou entidades de natureza comercial ou industrial.

São, ainda, considerados jornalistas aqueles que, independentemente do exercício efectivo da profissão, tenham desempenhado a actividade jornalística em regime de ocupação principal, permanente e remunerada durante 10 anos seguidos ou 15 interpolados, desde que solicitem e mantenham actualizada a respectiva carteira profissional.

A profissão de jornalista inicia-se com um estágio obrigatório, a concluir com aproveitamento, com a duração de 12 meses, em caso de licenciatura na área da comunicação social ou de habilitação com curso equivalente, ou de 18 meses nos restantes casos.

É condição do exercício da profissão de jornalista a habilitação com a respectiva carteira profissional.

indo de encontro aquilo que foi produzido em depoimento de parte pelo Requerente marido, SP B, e vertido em sede de alegações escritas suportado com a prova documental carreada para os autos. Na alínea f) do considerando 12 das alegações escritas espelha em especial que a atividade do Requerente marido, SP B , não poderia ser considerada jornalismo  “ O  trabalho de jornalismo  implicaria contactar, noticiar, relatar as fontes , reproduzir o que as fontes contassem. Em todos os textos que desenvolveu, não há fontes, nem mesmo anónimas, não há entrevistas, não há comentários (…) A C... não é de todo um órgão de comunicação social. (…) Eu estava em condições de desenvolver aquele trabalho para a C... que não eram notícias, mas sim trabalhos técnicos porque tinha habilitações para desenvolver estes trabalhos técnicos” porque não era essa a atividade do Requerente marido, SP, B. De facto, a atividade de “Jornalista e Repórteres” consta na tabela de atividades prevista no artigo 151.º do CIRS com o código 1327. Ora, uma vez que o Requerente marido, SP B, não exerceu essa atividade, não há base legal para a alteração de reporte de rendimentos de 2016, 2017 e 2018 do campo 404 para o campo 403 no anexo B do Quadro 4A do Modelo 3 dos anos acima referidos, como a AT efetuou.

Chegados aqui, está-se perante a situação de não se poder aplicar o coeficiente de 0,75 ao rendimento tributável do Requerente marido, SP B, ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 31.º do CIRS, situação corroborada e sustentada pela jurisprudência do STA no Acórdão do STA em sede de recurso para Uniformização de Jurisprudência no Processo  092/19.9 BALSB, de 12-9-2020, em que naquele aresto se afirma que “ (…) não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às atividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual às atividades aí não especificamente previstas” o que no caso controvertido em análise significa aplicar o coeficiente 0,35, nos anos fiscais de 2016, 2017 e 2018, ao abrigo da alínea c) n.º1 do artigo 31.º do CIRS, conforme os Requerentes fizeram nas declarações Modelo 3 relativas aos anos acima referidos, conforme provado.

 

O Requerente marido, SP B, em termos cadastrais tinha como atividade principal a prevista no código 1327 “Jornalistas e Repórteres”, desde 17-08-2015, mas tinha igualmente como atividade secundária a atividade prevista no CAE 90030 “Criação Artística e Literária”, desde 18-12-2015. Mais uma vez levanta-se a questão de se saber se a atividade desenvolvida pelo Requerente marido, SP B, se enquadra no referido código CAE ou não.

Em sede de alegações a Requerida alegou que:

- a atividade desenvolvida pelo Requerente marido, SP B, não se enquadra no conceito de “Criação artística e literária”, fundamentando a sua posição na própria definição de “Criação artística e literária” (CAE 90030): “Compreende as atividades de artistas individuais como pintoras, escultores, escritor virgula caricaturistas virgula compositores, gravadores de arte ao cinzel, restauro de obras de arte e outras atividades individuais similares. Inclui atividades de jornalistas independentes”, assinalando igualmente que o próprio Requerente marido, SP B, confirmou que as funções que exerceu na C... não têm qualquer enquadramento nesta definição, uma vez que o mesmo não pode ser considerado um criador artístico e literário;

- Igualmente reiterou o entendimento que o Requerente marido, SP B, atendendo às funções desenvolvidas na C... e às cláusulas contratuais estabelecidas entre o mesmo e a C..., e consequentemente, está convicta que as ditas funções não podem ser integradas no conceito de “Criação artística e literária”;

- Adicionalmente referiu que o Requerente marido, SP B, não poderia ser qualificado como jornalista que exerce a sua atividade independente devido ao facto de ter celebrado um contrato de prestação de serviços com a C... ao abrigo do qual estava estipulado uma prestação mensal de trabalho-remuneração. Tendo em conta o acima exposto, a Requerida conclui que o Requerente marido, SP B, se encontra inscrito erradamente com um CAE que não corresponde à atividade que verdadeiramente exerceu;

- Tendo igualmente em conta as declarações da testemunha D..., que à data dos factos controvertidos era o diretor da C..., a razão da contratação do Requerente marido, SP B, era o mesmo ter formação em jornalismo e economia e que [”contratou o Requerente como jornalista” e que ”atendendo às funções exercidas insere-as como jornalista”, e que todas as funções estão relacionadas com a recolha e inserção de dados na plataforma da C..., sendo um trabalho on-line] concluindo que as mesmas não constituem uma “Criação Artística e Literária” não se tendo provado que o Requerente marido, SP B, exercesse atividade que pudesse ser considerada ”Criação Artística e Literária”;

- A Requerida conclui que não ficou provado quer em depoimento de parte quer testemunhal que a atividade do Requerente marido, SP B, nos anos em causa- 2016, 2017 e 2018- fosse uma manifestação de “Criação Artística e Literária” (CAE 90030).

 

Vejamos

 

O CAE 90030 define “Criação artística e literária” como “Compreende as atividades de artistas individuais como pintores, escultores, escritores, caricaturistas, compositores, gravadores de arte ao cinzel, restauro de obras de arte e outras atividades individuais similares. Inclui atividades de jornalistas independentes” onde parece haver a existência de atividades de cunho pessoal das quais irão resultar uma “coisa” com um determinado valor intrínseco sujeito ao escrutínio da Comunidade. Essa “coisa” pode ser determinada em função de profissões especificas, tais como pintores, escultores, caricaturistas ou de “ (...) outras atividades similares”. Quais? Está-se perante um conceito indeterminado que perante o espírito da norma, neste caso do código CAE, caberá concretizar, por exemplo, através duma interpretação extensiva. É convicção deste tribunal, fruto da experiência da vida e do alegado pelos Requerentes e pela testemunha, diretor da C... na altura dos factos controvertidos, que a C... pretendeu com a contratação do Requerente marido, SP B, que os textos de cariz económico da autoria daquele fossem mais do que um mero relato de factos (característica típica de um jornalista), como consta na definição supra de “Jornalista”, mas que os mesmos traduzissem informação especifica, económica e não económica (do tipo corporativo) com determinado valor acrescentado para determinado tipo de sujeitos, isto é, potenciais investidores portugueses ou outros, que quisessem investir em África, nomeadamente, nos PALOP´s, utilizando uma plataforma digital “Access África” e deste modo, promover a  C... (“Não constitui actividade jornalística o exercício das funções supra referidas quando desempenhadas ao serviço de publicações que visem predominantemente promover actividades, produtos, serviços ou entidades de natureza comercial ou industrial”). Ora esta atividade obrigou a que o Requerente marido, SP B, demonstrasse “know how” proveniente da sua experiência e formação em jornalismo e na sua formação económica (de economista) e por isso é convicção deste tribunal que esta faceta da atividade se possa incluir na parte da definição associada ao código 90030 “(...) outras atividades similares”. Este tribunal reconhece que não é pacifico este entendimento devido ao grau de subjetividade assumido, mas face ao material probatório carreado para os autos, entende ser defensável esta posição. Assim sendo, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º doo CIRS e do Acórdão do STA em sede de recurso para Uniformização de Jurisprudência no Processo 092/19.9 BALSB, de 12-9-2020, entende que o coeficiente a utilizar é de 0,35.

 

A Requerida no considerando 17 das suas alegações escritas alegou “E pese embora, o requerente tenha declarado que não é jornalista, mas sim, economista, então o que se conclui é que o mesmo se encontra inscrito erradamente com um CAE que não corresponde à atividade que verdadeiramente exerce.”, então qual o CAE correto? Ao abrigo do princípio do inquisitório plasmado no artigo 58.º da LGT (“a Administração Tributária deve no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”) a AT não deveria ter efetuado mais diligências, no sentido de apurar a verdadeira essência da atividade desenvolvida pelo Requerente marido, SP B? Resultante das mesmas, poder-se-ia ter chegado à conclusão, quiçá, a atividade exercida é dum Economista? Outros prestadores de serviços? mas não de jornalista, podendo haver suporte legal para a aplicação do coeficiente de 0,75 com base no CIRS e da jurisprudência do STA acima referida, o que não aconteceu.

Em termos de procedimento tributário, está plasmado no artigo 77.º da LGT, que refere “(…) qualquer decisão deverá ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram (…)”. No caso controvertido a fundamentação para se aplicar a taxa normal de 23%, em vez da isenção prevista no artigo 9.º do CIVA, é aquela que consta no artigo 10.º da Resposta onde se refere que:

[

A atividade descrita não se enquadra no plasmado como sendo “direitos de Autor” mas sim como “jornalista”.

Deve, assim, proceder à substituição das declarações de IRS de 2016 2017 e 2018, alterando a qualificação dos rendimentos do campo 404 para o campo 403 do anexo B. Do mesmo modo, tratando-se de uma atividade prevista na lista de IRS com o código 1327 deve proceder à substituição de todas as faturas recibo dos anos de 2016, 2017 e 2018, substituindo-se a isenção prevista no artigo nono do código do IVA pela liquidação do mesmo à taxa de 23% e consequente entrega ao Estado do IVA em falta], a pergunta que se poderá fazer é a seguinte: qual o fundamento ao abrigo da qual a atividade de jornalista está sujeita a uma  taxa de 23%? Qual a norma de incidência ao abrigo da qual se determina que tipo de facto tributário está sujeito a IVA? E, depois de identificado o facto tributário, qual a norma do CIVA que determina que esse facto tributário está sujeito à taxa de 23%?  É que no material probatório não existe essa fundamentação, havendo falta de fundamentação ao abrigo do artigo 77.º da LGT para sustentar a aplicação da taxa de 23%.

 

Pelas razões expostas supra, é convicção deste tribunal que o Requerente marido, SP B, não exerceu a atividade de jornalista para a C... nos anos de 2006, 2017 e 2018, tendo havido uma errónea qualificação do rendimento por parte da AT.

 

Deste modo o pedido dos Requerentes merece provimento, devendo o presente PPA ser considerando procedente.

 

 

6.Pedido de pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida      

           

Peticiona o Requerente que a Requerida AT seja condenada no pagamento de uma indemnização, por prestação de garantia indevida, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 53.º, da LGT, e, dos n.ºs 1 e 2 do artigo 171.º do CPPT[9], em virtude dos encargos incorridos com a mesma até ao seu cancelamento.

 

Na sua Resposta, a Requerida não se pronunciou.

 

O regime do direito a indemnização por garantia indevida, consta do artigo 53.º, da LGT, nos seguintes termos:

 

Artigo 53º

Garantia em caso de prestação indevida

 

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

Desta norma, resulta, para o que aqui releva, que o direito à indemnização pela garantia indevidamente prestada, a atribuir sem dependência do prazo a que alude o n.º 1 do artigo supra citado (pois, in casu, o erro é imputável à AT, já que se concorda com o entendimento expresso na Decisão Arbitral n.º 239/2016-T,[10] de que a expressão «erro imputável aos serviços na liquidação do tributo», constante do n.º 2 do artigo 53.º da LGT, abrange todas as ilegalidades que afetem a validade da liquidação), depende da verificação, dos seguintes pressupostos:

 

a) Prestação da garantia bancária ou equivalente (com vista à suspensão da execução fiscal que tenha por objeto a cobrança de dívida emergente da liquidação impugnada);

 

b) Existência de prejuízos emergentes da prestação dessa garantia e;

 

c) Vencimento na reclamação graciosa, impugnação judicial, ou oposição onde seja verificado o erro imputável aos serviços.

 

Por seu turno, o artigo 171.º do CPPT dispõe o seguinte:

 

1 - A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.

 

2 - A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.

 

A garantia prestada pelo Requerente, para suspensão do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva do imposto resultante da liquidação impugnada, assumiu a forma de caução em dinheiro.

 

Resulta do artigo 53.º, da LGT e do artigo 171.º, do CPPT, que, nas respetivas previsões, não se encontram incluídas todas as garantias idóneas para suspender a execução fiscal, mas apenas a garantia bancária e as garantias a esta equivalentes.

 

Sabemos que a garantia prestada pelo Requerente não foi uma garantia bancária, mas sim uma caução em dinheiro sob a forma de depósito.

 

Deverá a caução em dinheiro considerar-se uma garantia equivalente à garantia bancária, para efeitos do artigo 53.º, n.º 1, da LGT?

 

Uma garantia equivalente à garantia bancária será aquela que implica, para quem a prestou, um dispêndio cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida.[11]

 

Em tal medida, a caução em dinheiro, não implicando, pela sua natureza, custos de constituição e de manutenção, não se afigura como uma garantia equivalente à garantia bancária, para efeitos do disposto no artigo 53.º, n.º 1, da LGT.

 

Repare-se por exemplo que o seguro-caução tem vindo a ser pacificamente aceite, pela doutrina e pela jurisprudência, como equivalente à garantia bancária, para efeitos do disposto no artigo 53.º, n.º 1, da LGT, mas, neste caso, o interessado incorre em custos de constituição e de manutenção da garantia - designadamente, o pagamento do respetivo prémio de seguro -, o que não sucede com a caução em dinheiro.

 

Quanto a esta questão, veja-se o Acórdão do STA, proferido em 09-01-2019, no processo n.º 03025/17.3BEPRT 0585/18[12], embora com um voto vencido, se pronunciou do seguinte modo: 

 

«3. A questão colocada neste recurso consiste unicamente em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, em matéria de direito, ao julgar que a decisão de indeferimento do pedido de indemnização formulado pela Executada/Reclamante, por indevida prestação de garantia sob a forma de fiança, não ofende, ao contrário do que esta sustenta, o disposto no art.º 53º da Lei Geral Tributária (LGT).


Com efeito, a sentença não acolheu a tese da Reclamante - segundo a qual a decisão reclamada é ilegal na medida em que expressão "garantia equivalente", plasmada no art.º 53º, nº 1, da LGT, abrange também a garantia prestada por fiança – porquanto, e em suma, esta garantia não possui, em abstrato, uma especial aptidão danosa justificativa da sua inclusão no âmbito de aplicação desse preceito legal, por não constituir uma forma de garantia que implique sempre a assunção de despesas reiteradas, periódicas, que se avolumam com o passar do tempo.
«Com efeito, resulta das regras da experiência que formas de garantia obrigatoriamente onerosas implicam maiores despesas e são mais lesivas do que formas de garantia que não são obrigatoriamente onerosas.


Em relação a estas, é necessário ver, caso a caso, se são, ou não, onerosas; se acarretam, ou não, despesas periódicas; em suma, se são, ou não, causadoras de especiais prejuízos, quando comparadas com outras formas de garantia.
Por muito que a fiança possa, nalguns casos, ser onerosa - e ao que tudo indica a fiança prestada pelo fiador, in casu, levou ao pagamento de comissões pela sua manutenção (cfr. alíneas N), O) e P) do probatório) –, essa onerosidade não é uma característica inarredável desta forma de garantia, pelo que a sua prestação não se encontra, geralmente, associada ao aparecimento de prejuízos que se situam acima da média relativamente a outras formas de garantia, como acontece com a garantia bancária.
Quando o artigo 53º da LGT se refere à equivalência à garantia bancária, essa equivalência dirige-se a formas ou modalidades de garantia e não às garantias concretamente prestadas, dado que uma análise detalhada de cada garantia prestada em processo de execução fiscal (e das concretas condições em que foi prestada) goraria o propósito do legislador de simplificar a atribuição de uma indemnização relativamente às garantias indevidamente prestadas que são sempre passíveis de causar prejuízos de alguma envergadura.


Cai, pois, por terra o argumento esgrimido pela Reclamante de que a facilidade de determinação dos prejuízos é o critério determinante para a aferição da equivalência de garantias.


Não se pode dizer que a hipoteca ou o penhor levem à assunção de despesas dificilmente determináveis e é incontestado que estas formas de garantia não são equivalentes à garantia bancária.


Neste sentido, transcreve-se parcialmente o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24.10.2012, prolatado no processo nº 0528/12, no qual se defende que:
"I - No caso concreto dos autos, em que a garantia prestada para suspender a execução, foi uma hipoteca, esta garantia real não pode ser entendida como uma garantia equivalente à garantia bancária para efeitos do art.º 171º do CPPT. II - Com efeito, esta hipoteca voluntária, em princípio só terá custos emolumentares de constituição e registo. Assim, não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária".


Por isso, a falta de equivalência da hipoteca e do penhor reconduz-se à falta de um especial potencial danoso - apanágio da garantia bancária -, porquanto nenhuma destas modalidades de garantia possui uma estrutura intrinsecamente onerosa.
Todavia, nas situações não enquadráveis no artigo 53º da LGT, o potencial lesado não se encontra impedido de intentar uma ação de responsabilidade civil nos termos gerais; apenas lhe ficando vedado o mecanismo vertido nessa disposição.


Conforme sublinha Jorge Lopes de Sousa, a restrição do dever de indemnização aos casos de prestação de garantia bancária e garantias equivalentes, como o seguro-caução, vale, tão-somente, quanto a esta indemnização automática, derivada da mera verificação dos pressupostos previstos no artigo 53º, nºs 1 e 2 da LGT, independentemente da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, regulada pela Lei nº 67/2007 (cfr. CPPT Anotado e Comentado, Volume III, 6ª edição, 2011, p. 346, nota de rodapé 6).


Por isso, querendo, sempre a Reclamante poderá usar o mecanismo indemnizatório vertido na Lei nº 67/2007, pese embora tal pretensão tenha, neste caso, de ser exercida mediante ação de responsabilidade civil autónoma, nos termos gerais, e não na presente ação.»

.
É contra esta decisão que se insurge a Reclamante, ora Recorrente, insistindo que se incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação da norma contida no nº 1 do art.º 53.º da LGT, porquanto, na sua óptica, a fiança não se encontra arredada do campo de abrangência do referido preceito legal.


Todavia, não lhe assiste razão.


A norma em causa dispõe que o devedor que tenha oferecido "garantia bancária ou equivalente" para suspender a execução e a tenha mantido por período superior a três anos, será indemnizado pelos prejuízos resultantes dessa prestação em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação judicial ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.


E segundo o disposto no nº 3, esta indemnização "tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.".


Por outro lado, segundo o disposto no art.º 171º do CPPT esta indemnização por "garantia bancária ou equivalente" indevidamente prestada tem de ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, devendo ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso, ou, em caso de o seu fundamento ser superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência

.
Trata-se, por conseguinte, de um direito indemnizatório muito específico, que a lei tributária prevê e atribui num procedimento muito simplificado, e que embora tenha a sua raiz na responsabilidade civil da administração tributária por danos decorrentes de uma actuação ilegal, parte de uma presunção de existência desses prejuízos nas situações em que o contribuinte se viu obrigado a prestar "garantia bancária ou equivalente" para suspender a cobrança de obrigação tributária que veio a revelar-se ilegal, dispensando-o de provar não só o nexo de imputação à actuação ilegal como, também, a existência de prejuízos, embora estabeleça um montante máximo para esta indemnização.
Tal não significa, porém, que no caso de os prejuízos excederem esse limite máximo previsto no nº 3 do art.º 53º da LGT, o lesado não possa deles ser ressarcido. O direito indemnizatório por actos ilegais de entes públicos tem raiz constitucional, constituindo uma garantia constitucional face ao disposto no art.º 22º da Constituição, pelo que este limite fixado no nº 3 não pode afastar, sob pena de inconstitucionalidade, a possibilidade de o lesado exigir uma indemnização superior; só que, nesse caso, terá, como qualquer lesado por acto ilícito de entes públicos, de intentar acção judicial para efectivar a responsabilidade civil extracontratual da administração tributária, onde terá de alegar e provar a dimensão do dano e o montante concreto do prejuízo que sofreu, designadamente com a garantia que foi obrigado a prestar para suspender a cobrança coerciva da obrigação tributária enquanto se encontrava em discussão a legalidade do acto de liquidação donde esta emergira.


Por outro lado, é inequívoco, perante o teor do art.º 53º da LGT e do art.º 171º do CPPT, que para os efeitos indemnizatórios aí previstos apenas são consideradas as "garantias bancárias ou equivalentes".


O que se compreende, na medida em que nas garantias bancárias e equivalentes (como é o seguro-caução) o contribuinte suporta forçosamente uma despesa, cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual é mantida, e, portanto, a presença de prejuízos é certa e infalível, porque inerente a este tipo de garantia. E porque a sua quantificação é fácil de fazer, o legislador quis dar ao lesado a possibilidade de obter, de forma imediata e praticamente automática, o reconhecimento do direito indemnizatório, ainda que limitado ao montante máximo previsto no nº 3 do art.º 53º da LGT. ».

 

Também LIMA GUERREIRO,[13] em anotação ao artigo 53.º, da LGT, escreve que:

 

«O presente preceito compreende apenas o prejuízo sofrido pela prestação de garantia bancária ou equivalente (como o seguro-caução).

 

Não abrange o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (ver, por exemplo, a constituição de penhor ou hipoteca legal), o que resulta da muito maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efectivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer, devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais».

 

Como acima exposto, uma garantia equivalente à garantia bancária será aquela que implica, para quem a prestou, um dispêndio cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida, o que não é o caso do depósito caução. Ora, no caso controvertido os encargos com o depósito caução vão aumentando com o tempo? Qual o montante dos mesmos, mesmo previsionais, a serem ressarcidos sob foram de indemnização? As respostas são negativas às questões levantadas.

 

Assim, a caução em dinheiro (sob a forma de depósito), não se afigura como uma garantia equivalente à garantia bancária, para efeitos do disposto no artigo 53.º, n.º 1, da LGT.

 

Tendo em conta o exposto, há que concluir que o Requerente não tem direito à indemnização prevista nos artigos 53.º, da LGT e 171.º, do CPPT, pelo que improcede, nesta parte, o pedido do Requerente.

 

7.Decisão 

 

Nestes termos este Tribunal Arbitral decide:

  1. julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade das liquidações oficiosas de IRS e de IVA dos anos de 2016, 2017 e 2018 incluindo respetivos juros compensatórios;
  2. anular as liquidações oficiosas de IRS e de IVA dos anos de 2016, 2017 e 2018 e respetivos juros compensatórios;
  3. Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida na indemnização prevista nos artigos 53.º, da LGT e 171.º, do CPPT.

 

8.Valor do processo

 

O Requerente indicou como valor da causa o montante de € 51.346,40.

 

O valor indicado pelo Requerente não foi impugnado e não considera o Tribunal existir fundamento para o alterar, pelo que, de harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e ainda 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se à presente causa o valor de €51.346,40.

 

9.Custas

             Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, repartidas na proporção de 90% do respetivo valor, a suportar pela Requerida, que foi vencida quanto ao pedido de declaração da ilegalidade da liquidação, e na proporção de 10% do respetivo valor, a suportar pelo Requerente, que foi vencido quanto ao pedido de condenação da Requerida na indemnização prevista nos artigos 53.º, da LGT e 171.º, do CPPT.

 

Notifique-se.

 Lisboa, 7 de fevereiro de 2022

 

O Árbitro Singular

 

Júlio Tormenta

 



[1] PPA-Pedido de Pronúncia Arbitral

[2] Ano de 2016: IRS c/juros compensatórios: € 8.241,11 decomposto por IRS - €7.254,22(€14.451,56 - €7.197,34) +Juros Compensatórios - €986,91 (€985,28+€€1,63)

[3] Ano de 2017: IRS c/juros compensatórios: €7.980,48 decomposto por IRS - €6.96195(€28.667,68 - €21.707,73) +Juros Compensatórios - €1.018,53

[4] Ano de 2018: IRS c/juros compensatórios: €7.798,37 decomposto por IRS - €7.202,94(€26.344,83 - €19.141,89) +Juros Compensatórios - €595,45

[5] Juros compensatórios (IVA): ano 2016: €1.160,08 (€321,21+300,34+279,70+258,83); ano 2017: €828,43 (€238,64+€217,09+€196,90+€175,80); ano 2018: €497,1 (€155,84+€134,74+€114,10+€93,23)

[6] PA-Processo Administrativo;

[7] RH- Recurso Hierárquico

[8] LGT-Lei Geral Tributária;

[9] Código de Procedimento e Processo Tributário

[11]  Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pág. 242.

[12] Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3bb4d9532d0290f0802583910057b619?OpenDocument.

[13] Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, Rei dos Livros, 2000, pág. 245.