Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 182/2020-T
Data da decisão: 2021-01-08  IVA  
Valor do pedido: € 118.308,65
Tema: IVA – Participantes de Fundos de Investimento Imobiliário – Ilegitimidade ativa
Versão em PDF

Sumário:

I - O artigo 2.º, n.º 2 do Regime dos Fundos de Investimento Imobiliário, republicado pelo Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de junho, exclui a responsabilidade dos participantes pelas dívidas do Fundo.

 II - Se os participantes não são responsáveis, nem originários, nem subsidiários, pelas dívidas do Fundo, ou sequer objeto de repercussão legal das dívidas tributárias destes (caso do IVA), pela mesma ordem de razão não podem ser, a qualquer título, partes legítimas. Acresce que a lei não permite a representação judicial dos fundos aos participantes. Estes apenas têm direito sobre o fundo a propósito da substituição da entidade gestora e da liquidação.

III - Deste modo, quanto à questão de saber se sob o amparo dos artigos 65.º da LGT e 9.º do CPPT poderia surgir uma legitimidade processual por “interesse legalmente protegido” do sucessor, a resposta é claramente negativa - precisamente porque o participante não é um “sucessor”, nem tem qualquer relação juridicamente tutelada com as situações tributárias do Fundo.

IV - A falta de legitimidade processual constitui uma exceção dilatória que dá lugar à absolvição da instância, nos termos do artigo 577.º al. e) do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, e obsta ao conhecimento do pedido, nos termos dos artigos 576º, n.º2 e do CPC, ex vi artigo 29º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Os Árbitros Alexandra Coelho Martins, Guilherme W. d´Oliveira Martins e Rui Miguel Fernandes Marrana, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            A Requerente A...– SUCURSAL, invocando a qualidade de “única participante e sucessora na titularidade dos ativos e direitos” do FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B... (LIQUIDADO), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, na sequência da formação da presunção de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pela Requerente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em 20 de agosto de 2019, com vista à anulação dos atos tributários de liquidação adicional de imposto sobre valor acrescentado (IVA) e correlativos juros compensatórios com os números 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., ..., 2016..., no montante global de € 118.308,65, referentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014.

 

2.            As referidas liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios resultaram dos procedimentos de inspeção tributária realizados pela DF Lisboa, em cumprimento das Ordens de Serviço n.º OI2015..., OI2015..., OI2015..., com os seguintes fundamentos:

a)            Em 16 de dezembro de 2009, o Fundo adquiriu diversas frações autónomas de um prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, a maioria das quais onerada com contratos de arrendamento para fins não habitacionais.

b)           No âmbito de tais contratos de arrendamento, o Fundo assegurou não apenas a disponibilização do espaço imóvel em modalidade “paredes nuas” – i.e., a mera colocação passiva dos imóveis à disposição das entidades arrendatárias –, como também os serviços necessários à administração, manutenção e conservação dos espaços comuns do prédio – v.g., limpeza, água, gestão do sistema de climatização, manutenção dos elevadores, etc. – os quais foram faturados aos arrendatários na proporção das áreas respetivamente ocupadas, tendo estabelecido uma contrapartida fixa por metro quadrado. O Fundo refaturou ainda outros encargos incorridos avulsamente por conta dos arrendatários, redebitando-os pelo montante exato do custo originariamente incorrido.

c)            Assim, o Fundo debitou aos seus inquilinos encargos relativos a três tipos de operações distintas, a saber: (i) rendas mensais devidas pelos espaços e/ou estacionamentos locados, isentas de IVA ao abrigo do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA; (ii) despesas incorridas pelo Fundo necessárias à gestão dos espaços comuns do prédio, faturando com IVA, à taxa de 23%, num montante fixo calculado em função da quota-parte ocupada por cada arrendatário, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA; e (iii) redébito de outros encargos incorridos pelo Fundo em nome próprio, mas por conta dos arrendatários, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Código do IVA.

d)           No respeitante à dedução do IVA, o Fundo, em face das operações económicas desenvolvidas naquele prédio, não deduziu o imposto incorrido na aquisição de bens e serviços utilizados nas atividades que não lhe conferiam esse direito, in casu, nas operações de locação isentas das frações e estacionamentos.

e)           Relativamente ao IVA suportado, quer nas despesas essenciais à conservação, manutenção e gestão das partes comuns do prédio, bem como os encargos refaturados, o Fundo deduziu por alocação direta o imposto incorrido nos custos necessários à realização dessas operações tributadas.

f)            Na sequência de uma ação inspetiva, solicitada pela própria Requerente, tendo em vista a liquidação do Fundo, a AT propôs diversas correções em matéria de IVA, atinentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, nos seguintes termos:

(i)           € 48.879,89 relativamente aos exercícios de 2013 e 2014, respeitante à alegada falta de liquidação de IVA nas rendas debitadas pelo Fundo a uma sociedade comercial, no âmbito do contrato de arrendamento para fins não habitacionais tendo por objeto uma das sobreditas frações autónomas;

(ii)          € 54.954,86 referente a IVA integralmente deduzido nos anos de 2012, 2013 e 2014, por imputação direta das despesas de condomínio debitadas aos arrendatários, imposto este que, no entender da AT, o Fundo apenas poderias ter deduzido parcialmente através da aplicação do método do pro rata previsto no artigo 23.º do Código do IVA;

(iii)         € 1.647,97 de IVA indevidamente regularizado a favor do Fundo, tendo por base três notas de crédito emitidas sem o cumprimento do disposto no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA; e

(iv)         € 2.408,22 de IVA referente a uma fatura emitida, em 15 de julho de 2014, pela empresa que adquiriu o aludido prédio urbano ao Fundo, respeitando este montante ao redébito de despesas que já haviam sido faturadas pelo Fundo às entidades arrendatárias do dito imóvel.

Note-se que a Requerente aceitou o montante de € 4.056,19 respeitante às correções detalhadas em (iii) e (iv), que, por essa razão, não constituem objeto da presente ação arbitral.

g)            No tocante à alegada falta de liquidação de IVA por parte do Fundo no âmbito da atividade desenvolvida na fração autónoma objeto do contrato de arrendamento para fins não habitacionais mencionada em f) (i), a AT entende que a atividade exercida naquela fração não configura uma locação pura e, consequentemente, isenta de IVA, mas sim, ao invés da realidade observada nas restantes frações arrendadas pelo Fundo, um arrendamento que tem por objeto único a exploração de um negócio, encontrando-se sujeito a IVA, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA.

h)           A Requerente sustenta, neste conspecto, que o contrato de arrendamento em causa prevê apenas a mera disponibilização temporária, a título oneroso, de um espaço imóvel à entidade arrendatária, não se vislumbrando, a título formal ou material, a reunião de outro tipo de elementos que permitam inferir que se está perante um contrato atípico de transmissão onerosa da exploração de um estabelecimento comercial (um restaurante) e, consequentemente, não subsumível à isenção do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA.

i)             Segundo a Requerente, ainda que por mera hipótese se admitisse sentido divergente deste, sempre há que ter presente que o Fundo jamais poderia ser proprietário dos bens e equipamentos em causa (v.g. móveis, máquinas e utensílios) por força da legislação nacional e comunitária que regulamenta e delimita a sua atividade enquanto organismo de investimento coletivo.

j)             A Requerente defende, pois, que o contrato em questão consubstancia uma efetiva operação de locação na modalidade de “paredes nuas”, isenta de IVA nos termos do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA, na medida em que foi tão somente cedido pelo Fundo o espaço imóvel per se, por contrapartida de uma remuneração, e nada mais.

k)            Ademais, segundo a Requerente, ainda que se ponderasse o acolhimento do enquadramento em IVA preconizado pela AT, atingir-se-ia um resultado económico correspondente àquele obtido através da aplicação da isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA; com efeito, ainda que o Fundo, no âmbito do contrato de arrendamento em análise, faturasse as rendas mensais acrescidas de IVA à arrendatária, o impacto nos cofres do Estado seria nulo, porquanto, não obstante o imposto fosse totalmente liquidado, a arrendatária, enquanto sujeito passivo de IVA sem restrições ao exercício do seu direito à dedução, poderia deduzir integralmente o imposto suportado naqueles inputs para a prossecução da sua atividade económica de restauração.

l)             No referente à imputação das despesas de condomínio às entidades arrendatárias, supra referidas em f) (ii), a AT entende que as mesmas não são passíveis de dedução integral pelo Fundo, nos termos gerais do artigo 19.º e do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, sendo que o exercício do direito à dedução desses custos deveria ter sido efetuado pelo Fundo através da aplicação do método do pro rata consagrado no artigo 23.º do Código do IVA, pois tratam-se de inputs de utilização mista, ou seja, aplicados em operações que conferem o direito à dedução do IVA e em operações que não conferem esse direito.

m)          A Requerente contesta esta posição da AT, afirmando que, tendo em consideração que o direito à dedução é um princípio estruturante do mecanismo do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e atendendo ao facto de que as despesas a montante têm um claro nexo direto e imediato com as operações económicas realizadas a jusante que conferem esse direito – i.e. a aquisição pelo Fundo dos bens e serviços necessários à gestão, manutenção e conservação das partes comuns do imóvel são posteriormente faturadas às arrendatárias com tributação em IVA –, razões não existem para não se aceitar na esfera do Fundo a dedução da integralidade do imposto que onerou a aquisição daquelas despesas realizadas a montante.

n)           Para que se atinja a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal suportada pelo Fundo, a Requerente sustenta que deve o método pro rata ser afastado para efeitos de dedutibilidade do IVA incorrido no âmbito das operações económicas em apreço, uma vez que se encontra demonstrado, através de elementos objetivos, que os bens e serviços adquiridos para a gestão do condomínio não foram utilizados em recursos mistos.

o)           Ademais, os custos incorridos pela aquisição desses bens e serviços fazem parte dos elementos constitutivos do preço das operações realizadas a jusante (serviços de gestão de áreas comuns) que conferem integralmente o direito à dedução, i.e. a prestação dos serviços de gestão, manutenção e conservação das partes comuns do prédio em apreço, realizada pelo Fundo às entidades arrendatárias, mediante o pagamento de uma remuneração mensal fixa tributada em IVA.

 

3.            A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, numa defesa por exceção e por impugnação, em síntese, o seguinte:

a)            Quanto à exceção:

i.             A Requerente apresenta a presente ação arbitral com os exatos contornos do processo n.º 278/2017-T, que correu termos no CAAD, relativo ao mesmo ano fiscal, às mesmas liquidações e discutindo as mesmas questões materiais.

ii.            A decisão arbitral não chegou a conhecer do mérito da causa, porquanto deu provimento à exceção de ilegitimidade ativa da sociedade C..., S.A., que se apresentou como representante do FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÀRIO FECHADO B... .

iii.           Nessa decisão arbitral julgou-se que: «(…) o “Fundo Especial de Investimento Fechado B…”, pela sua natureza, encontra-se sujeito ao Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de junho, que estabelece o Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário (doravante “Regime Jurídico”). De acordo com o art.º 2, n.º 2, do Regime Jurídico, os fundos de investimento constituem patrimónios autónomos, sendo certo que a sua administração só pode ser exercida por uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário, nos termos do art.º 6.º do referenciado Regime Jurídico. Como decorre deste regime legal, os fundos são representados por uma entidade gestora, porém “têm personalidade judiciária, como patrimónios autónomos que são” (VEIGA, Alexandre Brandão da, in Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário – Regime Jurídico, Almedina, Coimbra, Abril 1999, págs. 407-408) não permitindo a lei a representação judicial dos fundos aos participantes. Estes apenas têm direito sobre o fundo a propósito da substituição da entidade gestora e da liquidação. [cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 03/04/2014, no processo n.º 2014/10.3TVLSB.L1-2]. Dito isto, e como resultou provado, o “Fundo Especial de Investimento Fechado B…”, representado no presente processo pela sua sociedade gestora, a “A…, S. A.”, foi objeto de liquidação em 22 de dezembro de 2016 – ou seja, em data anterior à da instauração deste processo (19/04/2017) – e, nessa sequência, o produto resultante da referida liquidação foi integralmente reembolsado à sua única participante, a sociedade “C…”. Assim sendo, e como veremos de seguida, à data da instauração desta ação arbitral o “Fundo Especial de Investimento Fechado B…” estava extinto. (…) Subsumindo esta factualidade às normas legais adjetivas concretamente aplicáveis, resulta evidenciada a ilegitimidade da “A…, S. A.”, uma vez que à data da instauração da presente ação arbitral, o encerramento das contas do “Fundo Especial de Investimento Fechado B…” já tinha ocorrido, sendo este coincidente com o encerramento da liquidação que é o momento da extinção do fundo. Assim, o “Fundo Especial de Investimento Fechado B… encontra-se extinto desde 22 de dezembro de 2016. O que significa que a partir dessa data cessaram, por um lado, os deveres da sociedade gestora no que ao fundo diz respeito, e por outro lado, a personalidade judiciária do património autónomo do referido fundo. A ilegitimidade da “A… S.A.” para a presente ação arbitral constitui uma exceção dilatória (artigo 577.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), de conhecimento oficioso (artigo 578.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT) e cuja procedência obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da Requerida da instância (artigos 278.º, n.º 1, alínea d), e 576.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), o que se determinará a final.»

iv.           O Centro de Arbitragem Administrativa apresenta-se como uma entidade alternativa de litígios no campo tributário face aos Tribunais Administrativos e Fiscais e somente quanto às matérias elencadas no artigo 2.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 março.

v.            Estabelece o artigo 24.º, n.º 3 do RJAT que: «Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos atos objeto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral.»

vi.           Este artigo 24.º, n.º 3 do RJAT deve ser lido em conformidade com o artigo 9.º, n.º 3 do CC, tendo sempre em atenção o fim e o espírito que emana da lei e que estipula que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

vii.          A absolvição da instância por ilegitimidade ativa obsta ao conhecimento do mérito da causa naquele preciso processo, bem como obsta ao posterior conhecimento do mérito da causa em renovada instância arbitral, mesmo que composta por novo Tribunal.

viii.         Verificada e decidida a ilegitimidade ativa no processo n.º 278/2017-T, disponível em www.caad.org.pt, a ora Requerente deveria ter recorrido da decisão junto dos Tribunais superiores.

ix.           Como não o fez, a decisão transitou em julgado e a instância extinguiu-se, não sendo mais possível a sua reabertura, muito menos através da propositura de nova ação judicial.

x.            Ademais, na situação em apreço, o mérito da pretensão não foi decidido por facto diretamente imputável à Requerente, uma vez que a decretação da ilegitimidade ativa e consequente extinção da instância é da sua responsabilidade, tendo sido quem indiciou na p.i. a C..., SA como representante do Fundo de Investimento Fechado B... .

xi.           Por esse facto, atenta a letra do artigo 24.º, n.º 3 do RJAT, a Requerente estava impedida de no prazo de 90 dias apresentar novo pedido arbitral, ou de, como erroneamente depois fez, apresentar pedido de revisão oficiosa.

xii.          É inconcebível que o CAAD decrete a ilegitimidade ativa e absolva a AT da instância no processo n.º 278/2017-T e que, nesse seguimento, a Requerente, alavancando-se no indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa que apresentou posteriormente àquela decisão arbitral, venha, ao fim de três anos, apresentar a mesma questão de mérito, neste Centro de Arbitragem.

xiii.         Dado que a causa de pedir é a mesma, os pedidos afigurarem-se idênticos e as partes processuais serem as mesmas do processo n.º 278/2017-T, requer-se seja decretada a exceção dilatória de caso julgado, a qual obsta ao conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição da Requerida da presente instância, nos termos do disposto no artigo 577.º, al. a) e 278.º, n.º 1, al. a) do CPC e artigo 24.º, n.º 3 do RJAT.

xiv.         Igualmente invoca que a revisão oficiosa apresentada na data de 20-09-2019 não tem fundamento legal.

b)           Por impugnação:

c)            Estabelece o nº 29 do artigo 9º do CIVA que está isenta de imposto “a locação de bens imóveis”, prevendo-se, no entanto, quatro exceções à regra, que ditam nesses casos a liquidação de imposto.

d)           Salvo o devido respeito e melhor opinião, no caso dos presentes autos não estamos perante um contrato de locação de imóveis suscetível de lhe aproveitar a referida isenção, ao contrário do que pretende fazer valer a Requerente.

e)           E, desde logo, não estamos perante um contrato de arrendamento de locação de imóveis – contrato tipo de arrendamento –, isso se atentarmos na definição do valor da renda e no facto de o imóvel, quando disponibilizado à E..., se encontrar apetrechado com todos os equipamentos para a prossecução da atividade de restauração.

f)            Em abono da verdade, a renda inicial fixada – subdividida em renda fixa e renda percentual – resultou da «aplicação de uma percentagem de 7% ao valor da faturação bruta (sem IVA) da unidade lojista, considerando como tal o valor das vendas desse mês e o seu montante será equivalente ao resultado da diferença positiva entre o montante encontrado pela aplicação daquela percentagem e o valor da renda fixa paga com referência àquele mês».

g)            A este respeito, alega a Requerente que, não obstante estar estipulado no contrato a renda variável na percentagem de 7%, nunca faturou esta parcela ao E..., atendo-se apenas à parcela fixa da renda.

h)           Que, por essa razão, mais uma vez se prova que a natureza do contrato era a de puro arrendamento.

i)             Como se tivesse renunciado à renda variável, levando a crer estar a auxiliar o E... no desenvolvimento da atividade.

j)             Todavia, anexo ao Relatório de Inspeção (Anexo 13), encontra-se um termo de declarações recolhidas junto do Sr. D..., sócio-gerente do E..., onde refere que «a renda era variável em função das vendas, tendo um mínimo fixo. Contudo, como o valor das vendas nunca superou a percentagem fixada no contrato de arrendamento o valor pago sempre foi o fixo, […]»

k)            Ou seja, o valor concernente à renda variável, na casa dos 7% da faturação, nunca foi cobrado pois os pressupostos para o seu pagamento nunca se verificaram.

l)             Acresce que, como se diz nas Conclusões do Relatório de Inspeção, a fração foi arrendada à Requerente com «todo o equipamento que permitia a exploração da atividade de restauração, realidade que não se encontra espelhada no contrato de arrendamento celebrado».

m)          Como bem se refere nas Conclusões do Relatório, «quando a locação do imóvel se encontra provida dos meios materiais indispensáveis para a prossecução da atividade da arrendatária, como empresa, designadamente móveis, máquinas, utensílios que tornem viável a atividade, o contrato  consubstancia, não um arrendamento para fins não habitacionais, mas sim uma locação de um bem imóvel de que resulta a transferência onerosa e a exploração do estabelecimento, que extravasa a isenção do n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, tal como refere a alínea c) do mesmo normativo. Pelo que este contrato, ao contrário da denominação do mesmo, configura uma cessão de exploração, sendo, portanto, uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º e dele não isenta. Por tudo, o arrendamento da referida fração tem como objeto único a exploração de um negócio, encontrando sujeita a IVA, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do CIVA.»

n)           A cessão de exploração de um estabelecimento comercial é um contrato de locação do estabelecimento como unidade jurídica, isto é, um negócio jurídico, pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e usufruto do estabelecimento.

o)           Sendo que, o dito estabelecimento deve estar composto pelos meios materiais indispensáveis à sua utilização como empresa, adaptados ao seu ramo de atividade, nomeadamente, máquinas e utensílios que viabilizem, pela simples colocação de mercadorias, o arranque da exploração comercial.

p)           Atenta a definição acima, o que se constata é que, no caso dos presentes autos, o contrato em apreciação extravasa em muito o típico contrato de locação de imóveis, configurando um verdadeiro contrato de cessão de exploração.

q)           Ora, o imposto sobre o valor acrescentado enquanto imposto geral sobre o consumo tende a tributar todo o consumo das famílias e assumindo a natureza de imposto de matriz comunitária, as normas do Código do IVA sobre isenções devem obedecer ao que se dispõe nas diretivas comunitárias nesta matéria (neste caso veja-se o artigo 135º da Diretiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, que revogou a Sexta Diretiva – alínea b) do artigo 13º - B).

r)            A este propósito convém lembrar o que escreve Xavier de Basto, in A tributação do Consumo e a Sua Coordenação Internacional, pág. 255, a propósito da isenção prevista para a “locação de bens imóveis” e a exceção à isenção que se admite para diversos tipos de situações, bem como a possibilidade de os Estados membros poderem prever outras exceções no âmbito de aplicação da referida isenção: «A finalidade da previsão destas exceções é a de não deixar «extravasar» a isenção, isto é, a de evitar que aproveite a operações próximas da locação típica de imóveis, atendendo a eventuais qualificações do direito privado dos Estados membros. De facto, só quanto à locação de imóveis, isto é, ao arrendamento, militam fortes razões técnicas a impor a exoneração (salvo em condições particulares que explicaremos adiante, a propósito dos regimes de opção).»

s)            Ora, é este “extravasar” que a diretiva não pretende, sob pena de se alargar a referida isenção a situações que não a sustentam, que está na base do que tem sido jurisprudência comunitária constante nesta matéria, ao decidir que este tipo de isenção é de interpretação estrita, mas não as exceções à referida isenção. V. p.t. o AC do TJUE, (TJCE) de 12.02.1998, caso Blasi (C-346/95), onde se refere: «18. Deve observar-se a título liminar que, segundo jurisprudência constante, os termos utilizados para designar as isenções visadas pelo artigo 13º da Sexta Diretiva são de interpretação estrita, dado que constituem derrogações ao princípio geral de acordo com o qual o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo (acórdãos de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiele Acties, 348/87, Colect., p. 1737, nº 13, e de 11 de Agosto de 1995, Bulthuis-Griffioen, C-453/93, Colect., p. I.2341, nº 19).»

t)            Assim, à luz da referida jurisprudência comunitária a isenção prevista para a locação de bens imóveis tem de ser objeto por parte dos Estados membros de uma interpretação estrita, onde não cabe a alegação da ora Requerente, que pretende no caso estarmos perante um contrato de locação, quando na verdade do que se trata é de um contrato inominado, mais próximo do contrato de cessão de exploração do que do puro contrato de locação de imóveis.

u)           Na verdade, no caso dos presentes autos, não estamos perante uma prestação de serviços que traduza somente um contrato típicos de arrendamento – e só a esses aproveita a isenção do nº 29 do artigo 9º do Código do IVA.

v)            Efetivamente, no âmbito do imposto sobre o valor acrescentado, a locação de bens imóveis suscetível de beneficiar da isenção tem um critério bem delimitado e preciso de acordo com os critérios estabelecidos pela Jurisprudência do TJUE e que se fundam nas razões que presidiram à consagração da referida isenção.

w)          O facto de a maior parte dos contratos de arrendamento serem efetuados por particulares sem a ausência de uma estrutura organizacional adequada ao funcionamento do imposto a par de outras razões nomeadamente ligadas ao princípio da não discriminação é que levaram à consagração da referida isenção.

x)            Esta é, de resto, a interpretação que o TJUE tem fixada quanto à delimitação da isenção – relativa à locação de bens imóveis – não permitindo o seu alargamento a outras situações que de algum modo possam ter contornos próximos dessa tipologia de contrato.

y)            Ora, no caso dos presentes autos é esta interpretação genérica e abrangente que a Requerente pretende dar à norma do nº 29 do artigo 9º do Código do IVA, que a Jurisprudência do TJUE não consente.

z)            Na verdade, se a Jurisprudência comunitária não consente que a legislação dos Estados membros prevejam normas genéricas suscetíveis de abarcar outras situações do tipo da legislação sueca que deu origem, por exemplo, ao caso Lindopark, por maioria de razão não permite que se possam fazer interpretações como a que a Requerente faz do nº 29 do artigo 9º do Código do IVA, sob pena de manifesta violação da Diretiva n.º 2006/112.

aa)         Os contratos de arrendamento pensados para a isenção são aqueles em que uma parte proporciona o gozo temporário de um imóvel apenas, mediante retribuição, tratando-se já de um outro tipo de contrato (cessão de exploração) quando esse mesmo imóvel se encontra, como na situação em apreço, apetrechado de todos os equipamentos para aí se desenvolver uma atividade comercial, como a restauração.

bb)         É indiferente, in casu, quem detém a propriedade dos equipamentos que se encontravam na fração, porquanto, em termos objetivos, eles integravam-na no momento em que foi arrendada à Requerente.

cc)          Bem como é irrelevante o facto de o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo e o Plano Contabilístico dos Fundos de Investimento Imobiliário não preverem a possibilidade de os Fundos Imobiliários integrarem no seu património ativos fixos tangíveis como fornos, fogões, bancadas de cozinha, arcas frigoríficas, etc.

dd)         Mais uma vez, é irrelevante pois que, repete-se, a fração foi arrendada apetrechada de materiais aptos à prossecução da atividade de restauração.

ee)         Aliás, se, como afirma a Requerente, tanto o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo como o Plano Contabilístico dos Fundos de Investimento Imobiliário não contemplam que o património dos Fundos Imobiliários conviva com os ativos fixos tangíveis em apreço, mais uma razão para, após a saída do F... do imóvel, ter promovido a remoção dos materiais aí integrados.

ff)           Precisamente para preservar o respeito pelos regimes jurídicos que agora invoca em sua defesa.

gg)         Na situação em apreço, poder-se-á estar até, no limite, perante o modo de aquisição da propriedade, por meio da acessão industrial mobiliária causal, que se concretiza, de acordo com os artigos 1325.º e seguintes do CC, «quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia.»

hh)         Repare-se que a Requerente poderia, perfeitamente, aquando da saída da F..., ter separado os ditos materiais da fração, todavia, preferiu mantê-los, a fim de que o E..., detida pelo mesmo sócio-gerente da F..., aí pudesse prosseguir a atividade que já antes explorava, apenas agora com empresa distinta da anterior.

ii)            A Requerente acaba por confessar que tais bens foram, na realidade, abandonados pela arrendatária originária F..., o que sedimenta a ideia de que aqueles materiais, não tendo sido levantados pela F... aquando da revogação do arrendamento, nem tendo sido retirados pelo proprietário do imóvel (a Requerente), passaram a integrá-lo, por via da acessão industrial mobiliária.

jj)           De resto, diga-se, desconhece-se até se entre a Requerente e a F... não terá existido um acordo tácito em que a primeira ficaria na posse dos equipamentos como forma de garantir o valor de € 68.987,52 de rendas em atraso…não se sabe.

kk)         Certo é que a F... e o E... são empresas distintas, com personalidade e capacidade jurídica distintas, sendo que os bens integrados na fração pertenciam à primeira, não existindo qualquer prova apresentada nos autos de que os ditos bens foram, entretanto, vendidos pela primeira à segunda das entidades.

ll)            Conclui-se que o contrato celebrado entre a Requerente e o E... abarcou, em substância, tanto as paredes nuas da fração como o equipamento nele incrustado, o que se aproxima em muito da figura da cessão de exploração. É por assim ser que nas Conclusões do Relatório se afirma que a «locação da fração J se encontra provida dos meios materiais indispensáveis para a prossecução da atividade da arrendatária, como empresa, designadamente móveis, máquinas, utensílios que tornem viável a atividade, consubstanciando o contrato não um arrendamento para fins não habitacionais, mas sim uma locação de um bem imóvel de que resulta a transferência onerosa e a exploração do estabelecimento, que extravasa a isenção do n.º 29, do artigo 9.º do CIVA, tal como refere a alínea c) do mesmo normativo. Pelo que o contrato celebrado mais não é que uma cessão de exploração considerada uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º e dele não isenta.»

mm)      Concluindo, um contrato de cessão de exploração não se confunde com o contrato de arrendamento, tendo características e objetos bem distintos, motivo por que, não se subsume à isenção prevista no artigo 9.º, n.º 29 do CIVA.

nn)         Sendo que, por exclusão de partes, por se não inserir no conceito de transmissão de bens, é, para efeitos de IVA, considerado uma verdadeira prestação de serviços, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1 do CIVA.

oo)         Quanto à questão das despesas do condomínio, diga-se que a Requerente realiza operações sujeitas a imposto e dele não isentas que conferem direito à dedução e operações isentas que não conferem direito.

pp)         De acordo com o legalmente estipulado, quando os bens e serviços sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações, a dedução do IVA é feita de acordo com o determinado no artigo 23.º do CIVA.

qq)         O Requerente queixa-se que a AT aceitou, por um lado, a dedução integral do IVA incorrido nos custos associados aos proveitos refletidos na contabilidade respeitantes a “Refaturação”, mas que, por outro, desconsiderou sem justificação a dedução total do imposto incorrido para a realização de operações relacionadas com Despesas de Condomínio debitadas às entidades arrendatárias.

rr)           Acontece que as despesas em causa são necessárias e utilizadas na realização das operações sujeitas a imposto e não isentas (avenças de lugares de estacionamento e a locação da fração j), bem como em operações isentas que não conferem direito à dedução (cedência do espaço ... e locação de imóveis isentas) e não exclusivamente na realização de operações sujeitas.

ss)          Em boa verdade, a Requerente assegura os serviços necessários de administração, conservação e manutenção das partes comuns do imóvel, manutenção de espaços comuns, limpeza e gestão de condomínio, fornecimento de eletricidade, água, elevadores, sistema de climatização, etc.

tt)           As quais se incluem evidentemente no âmbito do artigo 4.º, n.º 1 do CIVA e sujeitas à liquidação de imposto, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, al c) do CIVA.

uu)         Como se disse, a Requerente procede ainda à locação de estacionamentos que não se encontram ligadas a locações isentas, bem como à cedência de espaço para Instalação de Equipamento de Telecomunicações.

vv)         De resto, a Requerente não produz prova no sentido de essas despesas somente serem contraídas em benefício das operações sujeitas a imposto e não isentas…

ww)       Estas despesas estão interligadas à realização da globalidade dos proveitos sujeitos a IVA, apesar de nem todas elas serem faturadas, pois que existem espaços que não estão arrendados.

xx)         Atendendo a que não é possível a afetação real destas despesas a cada tipo de operação e a sua utilização ser mista, o método de dedução do imposto é o que se encontra estipulado no artigo 23.º do CIVA, que se caracteriza como método da percentagem de dedução (pro-rata).

yy)         Por isto ser assim, os Serviços Inspetivos da AT propuseram correções à matéria tributável, as quais se encontram melhor explicitadas em sede de Relatório Final de Inspeção, páginas 25 e seguintes, para cuja leitura se remete.

zz)          Tudo visto e ponderado, as liquidações ora em apreço não padecem de qualquer ilegalidade, porquanto foram efetuadas de acordo com as normas do Código do IVA e a legislação comunitária vigente, devendo manter-se para todos os legais efeitos.

 

4.            Quanto à exceção a Requerente, em réplica, invoca o seguinte:

a)            No âmbito da sua Resposta, a AT invoca, em matéria de defesa por exceção dilatória, a alegada existência de caso julgado que obsta o conhecimento do mérito da causa no âmbito do processo arbitral sub judice, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 577.º e a alínea a) do n.º 1 do artigo 278.º, ambos do Código do Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, e do n.º 3 do artigo 24.º do RJAT.

b)           Ora, salvo o devido respeito, a defesa por exceção suscitada pela AT não pode proceder no processo sub judice, considerando que a argumentação apresentada pela mesma assenta em graves falácias que não traduzem adequadamente os factos em apreciação, bem como a uma incorreta aplicação das disposições normativas vigentes. Vejamos,

c)            Como nota prévia, cumpre realçar que as normas do CPC aplicam-se a título subsidiário ao processo arbitral tributário, conforme o consagrado na alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, nomeadamente as normas previstas naquele Código quanto às exceções dilatórias invocáveis no âmbito deste tipo de processos.

d)           Nos termos do n.º 2 do artigo 576.º do CPC, as exceções dilatórias “obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar á absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal”.

e)           Para este efeito, o artigo 577.º daquele mesmo Código elenca um conjunto de situações consideradas como exceções dilatórias, nomeadamente a “litispendência ou o caso julgado” (realce nosso) – cf. alínea i) deste artigo.

f)            Ora, com todo o devido respeito pelos doutos juristas da AT, não parece à Requerente que os mesmos tenham analisado convenientemente o conceito de caso julgado e respetivos requisitos expressamente consagrados no CPC.

g)            De facto, é curioso que, na Resposta da AT, não estejam referidos, nem sejam concretamente analisados, os requisitos cumulativos que, ao estarem preenchidos, permitem concretamente determinar se ocorre uma situação de caso julgado no processo tributário arbitral sub judice.

h)           Neste contexto, o n.º 1 do artigo 580.º do CPC, define a exceção de caso julgado como “repetição de uma causa”, especificamente, quando “a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário”.

i)             E, nos termos do disposto no artigo 581.º do CPC, estamos perante uma “repetição de causa” quando “se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir” (realce e sublinhado nossos).

j)             Face ao exposto, para que ocorra uma repetição de causa correspondente a caso julgado, deverão estar cumulativamente reunidos os seguintes requisitos:

k)            Existência de identidade de sujeitos – i.e. “quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (sublinhado nosso) – cf. n.º 2 do artigo 581.º do CPC;

l)             Existência de identidade de pedido – i.e. “quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” – cf. n.º 3 do artigo 581.º do CPC;

m)          Existência de identidade de causa de pedir – i.e. “quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico” – cf. n.º 4 do artigo 581.º do CPC.

n)           Ora, na situação em apreço, pasme-se!, a AT confunde completamente entre:

i)             a Requerente do presente processo tributário arbitral, que, enquanto única participante do FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO F... entretanto liquidado, é sucessora na titularidade dos activos e direitos que integravam a esfera daquele organismo de investimento coletivo, e, deste modo, entidade com legitimidade cativa neste mesmo processo; e,

ii)            a Requerente do processo tributário arbitral n.º 278/2017-T, que era a C...– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS IMOBILIÁRIOS, S.A., enquanto sociedade gestora daquele mesmo fundo de investimento imobiliário. 12.º Com efeito, tanto a Requerente do presente processo, como a Requerente do processo tributário arbitral n.º 278/2017-T, tinham ambas ligações com o FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B... .

o)           Porém, além da Requerente e da C...– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS IMOBILIÁRIOS, S.A. constituírem entidades com personalidade jurídica (e judiciária) distinta uma da outra, as mesmas não tinham o mesmo tipo de relação jurídica / legal com o fundo de investimento imobiliário em apreço! 14.º Como decorre dos princípios e normas consagradas no Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (“RGOIC”), aprovado pela Lei n.º16/2015, de 24 de Janeiro, a posição jurídica de participante num deste tipo de organismos – e dos decorrentes direitos e obrigações de que aí resultam para este participante – não se confunde, nem se pode confundir, com a posição jurídica de uma sociedade gestora destes organismos.

p)           Neste contexto, no processo arbitral n.º 278/2017-T, a C..., S.A. agiu enquanto sociedade gestora e representante do FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B..., e nunca como representante legal da Requerente do processo arbitral aqui em causa.

q)           Ademais, foi por esse mesmo motivo de a C..., S.A. agir enquanto sociedade gestora e representante do FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B..., que o douto Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo n.º 278/2017-T entendeu existir uma ilegitimidade processual ativa desta sociedade gestora, já que “resulta evidenciada a ilegitimidade da C..., S.A., uma vez que à data da instauração da presente ação arbitral, o encerramento das contas do Fundo Especial de Investimento Fechado B... já tinha ocorrido, sendo este coincidente com o encerramento da liquidado que é o momento da extinção do fundo” – cf. Decisão Arbitral proferida no processo n.º 278/2017-T.

r)            Deste modo, e estando o Fundo extinto, seria incompreensível e contrária à lei impedir a Requerente no atual processo arbitral, enquanto sucessora de todos os direitos e obrigações daquele Fundo, de puder apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, quando o anterior processo tinha sido despoletado por uma outra entidade jurídica que fora julgada ilegítima para apresentar esse mesmo anterior processo!

s)            Pois, resulta claro, e ao contrário do alegado pela AT, não estarmos perante uma situação de repetição de causa / caso julgado nos termos das normas do CPC acima mencionadas, já que não ocorre uma identidade de sujeitos – i.e. a aqui Requerente e a requerente do processo arbitral n.º 278/2017-T não ocupam a mesma qualidade jurídica, de tal forma que esta última entidade foi considerada ilegítima no âmbito deste anterior processo porque o fundo de investimento imobiliário já se encontrava extinto, e,

t)            consequentemente, não era a sociedade gestora a entidade com legitimidade processual ativa para apresentar o pedido, mas sim a sucessora legal daquele Fundo – i.e. a aqui Requerente.

u)           Cumpre realçar que, ao contrário do afirmado na Resposta da AT, quando existe a absolvição da instância por ilegitimidade ativa num processo, tal não significa necessariamente que haja a impossibilidade de posterior conhecimento do mesmo mérito de causa em renovada instância arbitral – de facto, não pode ilegitimidade ativa de uma qualquer entidade num processo, significar que a entidade com efetiva legitimidade processual fique impedida de vir posteriormente instaurar um novo processo.

v)            Neste contexto, a defesa por exceção, contida na Resposta notificada à Requerente, assenta em graves falácias, ignorando sem mais a legislação aplicável.

w)          A Requerente discorda do entendimento preconizado pela AT no âmbito da alegada inadmissibilidade do pedido de revisão oficiosa, e, para efeitos de contestação deste entendimento e de demonstração da tempestividade do pedido de revisão oficiosa por si apresentado, remete para a fundamentação já exposta na petição inicial por si apresentada.

 

5.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 18-03-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 18-03-2020. Em 06-07-2020, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 06-07-2020, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Por força da legislação introduzida pela Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei 4-A/2020, de 06.04 (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais judiciais e arbitrais, a qual cessou, apenas, com a entrada em vigor da Lei 16/2020, de 29.05.2020. Esta última Lei veio, nomeadamente, dar por finda a suspensão dos prazos judiciais e administrativos e regular a realização presencial ou através de meios de comunicação à distância de diligências judiciais ou procedimentais, alterando o regime que havia sido fixado pelo artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei 4-A/2020, de 06.04. Como resultado do regime previsto no artigo 7º da supra referida Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei 4-A/2020, de 06.04, os prazos estiveram suspensos, o que justifica o decurso de tempo entre a notificação da aceitação dos Árbitros designados e a constituição do Tribunal Arbitral Coletivo a qual teve de aguardar o prazo para pronúncia das partes sobre a nomeação.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 05-08-2020, tendo sido proferido despacho arbitral em 06-08-2020 em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 29-09-2020.

 

Em 01-10-2020 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

“Notifique-se a Requerente para se pronunciar sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida.

Notifiquem-se, ainda, ambas as partes da intenção de o Tribunal Arbitral dispensar a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, por desnecessidade, para se pronunciarem, querendo.

Prazo: 5 (cinco) dias.”

A Requerente apresentou pronúncia à matéria de exceção suscitada pela Requerida.

 

Em 20-10-2020 foi proferido o seguinte Despacho Arbitral:

“Dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por se afigurar desnecessária, notifiquem-se as partes para apresentarem alegações, facultativas e sucessivas, fixando-se o prazo de 10 dias.

Relega-se o conhecimento da matéria de exceção para a decisão final.

A prolação da decisão arbitral ocorrerá até à data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, advertindo-se a Requerente que deve previamente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD. Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

 

Não foram apresentadas as alegações das partes.

 

Em 14-12-2020 foi proferido o seguinte Despacho Arbitral:

“Notifiquem-se as Partes para se pronunciarem, querendo, sobre a eventual ilegitimidade ativa da Requerente, que o Tribunal Arbitral, no âmbito da apreciação da matéria de exceção, suscita oficiosamente. Prazo: 5 dias.”

 

Não foi apresentada qualquer pronúncia.

 

POSTO ISTO:

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT. Suscitada pela Requerida a exceção de caso julgado e ex officio, pelo Tribunal, a questão prévia da legitimidade da Requerente, importa, antes de mais, proceder à respetiva apreciação, o que se fará após a fixação da matéria de facto considerada relevante.

 

II – MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

a)            A A...– SUCURSAL, aqui Requerente, era a única participante do FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B... (doravante, o Fundo), que foi objeto de liquidação em 22 de dezembro de 2016.

b)           O Fundo foi objeto de procedimentos de inspeção tributária realizados pela DF Lisboa, em cumprimentos das Ordens de Serviço n.º OI2015..., OI2015..., OI2015..., para os exercícios de 2012, 2013 e 2014, respetivamente, de natureza externa e âmbito polivalente, nos termos da alínea b) do art. 13.º e da alínea a) do n.º 1 do art. 14.º, ambos do RCPITA.

c)            A realização dos procedimentos de inspeção foi solicitada pela Sociedade Gestora da Requerente, C..., S.A., ao abrigo do DL n.º 6/99, através de requerimento apresentado para o efeito.

d)           Nos procedimentos inspetivos levados a efeito, foi corrigido o regime de IVA e, consequentemente o imposto apurado, pela Autoridade Tributária, cujo RIT foi notificado em 15 de novembro de 2016, ou seja, antes da data da liquidação (que ocorreu, como acima referido, em 22 de dezembro de 2016).

e)           Em causa (subjacente às correções de IVA), encontra-se a celebração de um contrato de arrendamento que teve por objeto a fração J, Edifício ..., ..., freguesia dos ..., artigo matricial n.º... .

f)            Tal fração foi adquirida pelo Fundo à G... Lda., tendo tal compra e venda incidido também sobre as frações autónomas A, B, C, D, E, F, G, H, I, L, M, N, O, P e Q.

g)            A dita fração J encontrava-se a princípio arrendada à sociedade F..., cujo sócio-gerente é D..., que tinha por atividade a restauração e que aí se encontrava a ser explorada.

h)           A 26-03-2013, o Fundo e a F... celebraram um acordo de revogação de contrato de arrendamento, constando da sua cláusula 4 que o imóvel seria devolvido devoluto de pessoas e bens.

i)             Apesar disso, mesmo após a entrega do imóvel, ali permaneceu a maquinaria que havia sido colocada pela F..., específica para a atividade de restauração.

j)             Quando a fração foi arrendada à E..., cujo sócio gerente é também D..., continha todo o equipamento que permitia a exploração da atividade de restauração.

k)            Analisado o contrato de arrendamento entre o Fundo e a E..., a 28-03- 2013, constata-se que o objeto arrendado cinge-se ao espaço do imóvel.

l)             Por sua vez, a renda subdivide-se em duas modalidades: uma renda fixa, de acordo com os valores ínsitos na cláusula 4 do contrato de arrendamento; uma renda variável, percentual, que se calcula mensalmente pela aplicação de 7% ao valor da faturação bruta em IVA da unidade lojista.

m)          A renda variável inexistia no contrato primeiramente celebrado entre o Fundo e a F... .

n)           Acresce que o Fundo tem outras frações arrendadas a diversas entidades, assegurando os serviços necessários de administração, conservação e manutenção das partes comuns do imóvel, manutenção de espaços comuns, limpeza e gestão de condomínio, fornecimento de eletricidade, água, elevadores, sistema de climatização, etc.

o)           O Fundo refatura essas ditas despesas às empresas arrendatárias.

p)           Em resultado das ações de inspeção foram emitidas liquidações adicionais de IVA ao Fundo, no valor de € 106.120,67 e a liquidação de juros compensatórios, no montante de € 12.185,87 (liquidações referentes aos anos 2012, 2013 e 2014 e emitidas sob os números 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016...), perfazendo a importância global de € 118.308,65.

q)           A Requerente apresentou Pedido de Revisão Oficiosa junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em 20 de agosto de 2019, com vista à anulação dos atos tributários de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios identificados na alínea anterior e que tiveram por destinatário o Fundo.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

III – QUESTÕES PRÉVIAS – CASO JULGADO E ILEGITIMIDADE ATIVA

 

Este Tribunal é chamado a apreciar a exceção dilatória de caso julgado, tendo em conta que, conforme alega a Requerida, a causa de pedir é a mesma, os pedidos se afiguram idênticos e as partes processuais são as mesmas do processo n.º 278/2017-T, exceção que obsta ao conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição da Requerida da presente instância arbitral, nos termos do disposto no artigo 577.º, al. a) e 278.º, n.º 1, al. a) do CPC e artigo 24.º, n.º 3 do RJAT.

No entanto, quanto aos contornos deste nosso caso, a “nova” Requerente (A...– SUCURSAL) não é uma “sociedade gestora” em representação do Fundo, como sucedia no processo 278/2017-T. Afigura-se que não existe, desta forma, uma verdadeira e própria identidade da parte [da Requerente], pois estamos perante entes jurídicos distintos (sociedade gestora vs sociedade participante), pelo que não se prefigura estarem reunidas as condições legais para enquadrar a exceção de caso jugado invocada pela Requerida. 

No entanto, considera este Tribunal que persiste a questão prévia da legitimidade processual ativa da Requerente que foi, de igual modo, suscitada no processo 278/2017-T, só que aí em relação à sociedade gestora.

A A... – SUCURSAL era o participante (único) do FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B... (LIQUIDADO) e, com a extinção deste, recebeu os ativos que este detinha, em reembolso das unidades de participação de que era titular.

Como decorre do estatuído nos n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), têm legitimidade no processo tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido. 

Centrando o foco da nossa atenção na legitimidade ativa, colhemos do disposto no artigo 30.º do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT) que o autor é parte legítima quando tem interesse direito em demandar (n.º 1), sendo que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação (n.º 2); na falta de indicação legal em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (n.º 3).

Como salienta Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Lisboa, Áreas Editora, 2011, p. 113), “a legitimidade ativa é uma condição necessária para obter uma apreciação sobre o mérito da pretensão e não uma condição da sua procedência, o que justifica que, para reconhecer a legitimidade, não se exija uma verificação da efetiva titularidade da relação jurídica invocada pelo interessado (como se exige para decidir sobre a procedência), mas apenas a alegação dessa titularidade.”

No âmbito jurisprudencial, e como já foi referido no processo 278/2020-T, encontramos diversos arestos pronunciando-se sobre esta concreta questão, nos seguintes termos:

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 05/05/1999, no processo n.º 023105:

“I – A legitimidade dos contribuintes para impugnarem atos tributários está dependente da existência de um interesse direto, pessoal e legítimo na anulação dos atos impugnados (…).

II – O interesse relevante para tal efeito será o benefício que a anulação do ato, complementada pela subsequente execução do julgado, traz ao recorrente.

(…)

IV – (…) deverá entender-se só poderão ser relevantes para aquele efeito os erros desfavoráveis aos contribuintes.”

- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 15/10/2010, no processo n.º 00049/10.5BECBR:

“I. A legitimidade é o pressuposto processual pelo qual a lei seleciona os sujeitos de cada lide judicial, e o interesse em agir o pressuposto pelo qual a parte, legítima, justifica a carência da tutela judiciária;

II. A legitimidade terá a ver com o interesse substantivo, que decorre da posição da parte relativamente à relação jurídica litigada, enquanto o interesse em agir terá a ver com um interesse adjetivo, que decorre da situação, objetivamente existente, de necessidade de proteção judicial daquele interesse substantivo;”

- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 22/01/2015, no processo n.º 08203/14:

“2. A legitimidade das partes (“legitimatio ad causam”) é o pressuposto processual que, traduzindo uma correta ligação entre as partes e o objeto da causa, as faculta para a gestão do processo. Como regra (legitimidade direta), serão partes legítimas os titulares da relação material controvertida (cfr. art. 30.º, n.º 3, do C.P.Civil, "ex vi" do art. 2.º, al. e), do C.P.P.Tributário; art. 9.º do C.P.P.Tributário), assim se assegurando a coincidência entre os sujeitos que, em nome próprio, intervêm no processo e aqueles em cuja esfera jurídica a decisão judicial vai diretamente produzir a sua eficácia. Da análise do art. 30.º, n.º 3, do C. P. Civil, conclui-se que o critério supletivo de aferição da legitimidade processual se deve basear no interesse em demandar ou contradizer, face ao objeto inicial do processo, individualizado pela relação material controvertida tal como o A. a configura.

3. Se qualquer das partes carecer de legitimidade o Tribunal deve abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (cfr. arts. 278.º, n.º 1, al. d), 576.º, n.º 2, e 577.º, al. e), todos do C.P.Civil, aplicáveis “ex vi” do art. 2.º, al. e), do C.P.P.Tributário), sendo tal exceção dilatória de conhecimento oficioso (cfr. art. 578.º do C.P.Civil).

4. A legitimidade das partes deve ser determinada de acordo com a lei vigente no momento em que é proferida a decisão sobre a mesma.”

 

Na verdade, o FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B..., pela sua natureza, encontra-se sujeito ao Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de junho, que estabelece o Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário (doravante “Regime Jurídico”).

De acordo com o art.º 2, n.º 2, do Regime Jurídico, os fundos de investimento constituem patrimónios autónomos, sendo certo que a sua administração só pode ser exercida por uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário, nos termos do art.º 6.º do referenciado Regime Jurídico.

Como decorre deste regime legal, os fundos são representados por uma entidade gestora, porém “têm personalidade judiciária, como patrimónios autónomos que são” (VEIGA, Alexandre Brandão da, in Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário – Regime Jurídico, Almedina, Coimbra, abril 1999, págs. 407-408) não permitindo a lei a representação judicial dos fundos aos participantes. Estes apenas têm direito sobre o fundo a propósito da substituição da entidade gestora e da liquidação. [cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 03/04/2014, no processo n.º 2014/10.3TVLSB.L1-2].

Como também já resultava provado no processo 278/2017-T, o FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B..., foi objeto de liquidação em 22 de dezembro de 2016 e, nessa sequência, o produto resultante da referida liquidação foi integralmente reembolsado à sua única participante, a sociedade “C…”. Assim sendo, à data da instauração desta ação arbitral o FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B... estava extinto.

 

No caso concreto, a Requerente –A...– SUCURSAL – está, assim, a representar uma relação tributária que lhe é alheia, pois o recebimento de ativos em troca do reembolso das unidades de participação não faz dela sucessora dos direitos e obrigações e das relações jurídico-tributárias do FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B... .

Veja-se, nesse sentido, o artigo 2.º, n.º 2 do Regime dos Fundos de Investimento Imobiliário, republicado pelo Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de junho, é claro a excluir qualquer responsabilidade destes participantes pelas dívidas do Fundo:

“2 - Os fundos de investimento constituem patrimónios autónomos, pertencentes, no regime especial de comunhão regulado pelo presente diploma, a uma pluralidade de pessoas singulares ou coletivas designadas «participantes», sem prejuízo do disposto no artigo 48.º, que não respondem, em caso algum, pelas dívidas destes ou das entidades que, nos termos da lei, asseguram a sua gestão.”

Ora, se os participantes não são responsáveis, nem originários, nem subsidiários, pelas dívidas do Fundo, ou sequer objeto de repercussão legal das dívidas tributárias destes, pela mesma ordem de razão não podem ser, a qualquer título, partes legítimas. Esta situação é bastante distinta daquela que ocorre com algumas operações societárias (por exemplo de fusão) em que a lei determina, em certos casos, a sucessão (no caso de fusão por incorporação) ou a responsabilidade dos sócios na sequência da liquidação das sociedades.

Deste modo, quanto à questão de saber se sob o amparo dos artigos 65.º da LGT e 9.º do CPPT poderia surgir uma legitimidade processual por “interesse legalmente protegido” do sucessor, a resposta é claramente negativa - precisamente porque o participante não é um “sucessor”, nem tem qualquer relação juridicamente tutelada com as situações tributárias do Fundo. Aliás, a lei exclui-os expressamente no artigo 2.º, n.º 2 do Regime dos Fundos de Investimento Imobiliário, como já referido supra.

Determinante e pertinente para o caso sub judice é a jurisprudência citada no processo 278/2020-T:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 06/03/2008, no processo n.º 08B402:

“1. Os fundos de investimento constituem patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica.

2. Mas se é certo a personalidade jurídica atribuir, necessariamente, a quem a detenha, a personalidade judiciária, já não é a proposição contrária, isto é, a de carecer de personalidade judiciária quem não detenha a personalidade jurídica.

3. Face ao art.º 6 do CPC, apesar do Fundo de Investimento Imobiliário carecer de personalidade jurídica, não se lhe poderá, sem mais, negar a susceptibilidade de ser parte, que lhe advém, face a este normativo, da circunstância de constituir um património autónomo.

4. Extinto o Fundo, deixou de existir o património autónomo detentor da personalidade judiciária.”

- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 03/04/2014, no processo n.º 2014/10.3TVLSB.L1-2:

“III – A personalidade judiciária é o “pressuposto dos restantes pressupostos subjetivos”, devendo assim conhecer-se daquela antes destes.

IV – Conquanto o art.º 6, alínea a) do Código de Processo Civil pareça dar uma leitura restritiva do conceito de património autónomo para efeitos de extensão da personalidade judiciária, este conceito tem de abranger os fundos de investimento imobiliário.

V – No caso da liquidação não compulsiva do Fundo de Investimento, a liquidação termina com o encerramento das contas pela entidade gestora e o momento do termo da liquidação é o momento da extinção do fundo.”

 

Por fim, do ponto de vista da justiça material, não se vislumbra qualquer razão para “forçar” uma interpretação distinta, já que quando foi feita a liquidação (o Relatório da liquidação data de 22 de dezembro de 2016) já era conhecida a posição da AT, pois o RIT foi notificado em 15 de novembro de 2016. Uma vez que a liquidação, como já se referiu, foi efetuada em 22 de dezembro de 2016, poderia, em tempo, e antes da extinção do Fundo, esta situação ter sido acautelada, o que não foi.

Pelo exposto, a falta de legitimidade processual, no presente caso conhecida oficiosamente, constitui uma exceção dilatória que dá lugar à absolvição da instância, nos termos do artigo 577.º al. e) do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

A verificação da exceção dilatória de ilegitimidade ativa da Requerente impede que este Tribunal se pronuncie sobre o fundo da causa.

 

III. DECISÃO

 

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo julgar procedente a exceção, suscitada oficiosamente, de ilegitimidade processual da Requerente e absolver a Requerida da Instância, abstendo-se, nos termos legais, de conhecer do mérito da ação.

 

IV. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 118.308,65, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

V. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que a Requerida foi absolvida da instância, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de janeiro de 2021

 

A Árbitro Presidente

(Alexandra Coelho Martins)

 

O Árbitro Vogal

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

O Árbitro Vogal

(Rui Miguel Fernandes Marrana)