Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 182/2018-T
Data da decisão: 2020-06-16  IVA  
Valor do pedido: € 620.132,79
Tema: IVA – Operador de telecomunicações; Incumprimento de fidelização; Valor a pagar pelo cliente; Prestação de serviços – Decisão de Reenvio Prejudicial (anexo à decisão)
REENVIO PREJUDICIAL   Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Francisco José Nicolau Domingos e Dr.ª Raquel Franco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-06-2018, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A, NIPC..., com sede no ..., Rua ..., n.º..., em Lisboa (doravante designada por "Requerente") apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pede que

– seja declarada a ilegalidade e anulada parcialmente a autoliquidação de IVA relativa ao período de Novembro de 2016 no valor de € 620.132,79;

– seja revogada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida pela Unidade dos Grandes Contribuintes e consequente reembolso à ora Requerente do valor indevidamente autoliquidado no referido período de tributação;

– subsidiariamente, seja efetuado reenvio prejudicial para o TJUE do presente processo quanto à questão relativa à incompatibilidade dos atos tributários ora sindicados com o Direito Comunitário;

– seja condenada a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas da arbitragem.

 

É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-04-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 01-06-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 21-06-2018.

Por despacho de 05-07-2018, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.

Por despacho de 06-11-2018, foi suspensa a instância por 20 dias, para aguardar que fosse conhecida a decisão do TJUE no processo de reenvio prejudicial C-295/17.

Em 28-11-2018 foi declarada a cessação da suspensão da instância e notificadas as Partes para se pronunciarem, sobre a necessidade de ser ou não efectuado reenvio prejudicial no presente processo.

Apenas a Requerente se pronunciou, requerendo que sejam colocadas as seguintes questões em reenvio prejudicial:

 

"1. É admissível a interpretação dos artigos 2.º, n.º 1, alínea c), 9.º, 24.º, 72.º e 73.º, todos da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro, relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado ("Diretiva do IVA"), no sentido de considerar que pode haver uma prestação de serviços sujeita a este imposto nos casos em que uma operadora de comunicações eletrónicas cobra aos seus antigos clientes um determinado montante para ser ressarcida dos prejuízos por si incorridos em resultado de uma resolução antecipada (i.e., antes do termo do período fidelização contratualmente acordado) do contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas que vigorou entre ambas as partes, por motivo imputável a esses seus antigos clientes, num momento (após essa resolução) em que - por questões legais e regulatórias setoriais - a operadora de comunicações eletrónicas se encontra impedida de prestar qualquer serviço de comunicações eletrónicas a esses seus antigos clientes?";

"2. Em caso de resposta positiva à questão anterior, é admissível a interpretação dos artigos da Diretiva do IVA atrás mencionados, no sentido de considerar que o montante acima referido cobrado pela operadora de comunicações eletrónicas aos seus antigos clientes não poderá corresponder à contrapartida de uma qualquer prestação de serviços tributável em sede de IVA sempre que não seja possível identificar um ato de consumo concreto que permita qualificar os antigos clientes da operadora de comunicações eletrónicas como consumidores efetivos de vantagens conferidas pela operadora de comunicações em resultado do aludido pagamento?";

"3. Para efeitos da boa interpretação dos artigos da Diretiva do IVA atrás mencionados e da sujeição ou não a imposto da situação melhor descrita supra em 1., é ou não relevante que seja concretamente apurado pelas autoridades tributárias e/ou os tribunais nacionais se o montante cobrado pela operadora de comunicações eletrónicas aos seus antigos clientes se destina a reparar os seus danos emergentes e/ou seus lucros cessantes?";

"4. Em caso de resposta positiva à questão anterior, qual é a influência - para efeitos da boa interpretação dos artigos da Diretiva do IVA atrás mencionados e da sujeição ou não a imposto da situação melhor descrita supra em 1. - de, no caso concreto, essa indemnização ser exigida pela operadora de comunicações eletrónicas para ser ressarcida dos encargos por si suportados com o celebração do contrato e prestação dos correspondentes serviços aos seus antigos clientes, sendo, todavia, muito difícil a sua quantificação individualizada devido à exigência legal de consagração nos contratos dos encargos decorrentes da cessação antecipada, o que implica necessariamente que haja uma quantificação prévia e com base em estimativas de tais encargos no momento da redação da minuta do contrato de adesão destinado a todo universo de (potenciais) clientes?";

"5. Ainda para efeitos da boa interpretação dos artigos da Diretiva do IVA atrás mencionados e da sujeição ou não a imposto da situação melhor descrita supra em 1., é ou não relevante que as partes (a operadora e os seus antigos clientes), ao abrigo do princípio da liberdade contratual, tenham antecipadamente definido a fórmula de cálculo do montante indemnizatório que seria devido pelos antigos clientes, caso estes incumprissem o período de fidelização estipulado no contrato de prestação de serviços?";

"6. Ainda para efeitos da boa interpretação dos artigos da Diretiva do IVA atrás mencionados e da sujeição ou não a imposto da situação melhor descrita supra em 1. a circunstância de o montante cobrado por incumprimento do período de fidelização contratualmente fixado poder equivaler ao montante dos mensalidades devidas caso o contrato se mantivesse até ao final do período de fidelização determina, por si só, que tal montante tem carácter remuneratório?"

"7. A resposta às questões anteriores é, de alguma forma, influenciada pelo facto de os montantes exigidos a título de indemnização pelo incumprimento do período de fidelização, e o respetivo tratamento em sede de IVA, terem sido definidos pelos operadores de comunicações eletrónicas ao abrigo de um quadro legal, jurisprudencial, doutrinal e factual que fundamenta a confiança e legítima expetativa dos operadores de comunicações eletrónicas na não sujeição a IVA daqueles montantes?"

"8. Ainda para efeitos da boa interpretação dos artigos da Diretiva do IVA atrás mencionados e da sujeição ou não a imposto da situação melhor descrita supra em 1., é ou não relevante que as partes (o operadora e os seus antigos clientes), por imperativo legal, tenham antecipadamente definido a fórmula de cálculo do montante indemnizatório que seria devido pelos antigos clientes, caso estes incumprissem o período de fidelização estipulado no contrato de prestação de serviços e que, também por imperativo legal, esteja proibida a correspondência da penalidade à soma do valor das mensalidades que seriam devidas até ao final do período de permanência, passando a respetiva fórmula de cálculo a refletir as vantagens não usufruídas pelo cliente entre a cessação antecipada e o final do período de permanência?"

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.           A Requerente A..., S.A., tem por objeto social a prestação de serviços de comunicações electrónicas, designadamente o serviço de comunicações electrónicas, o serviço telefónico fixo e o serviço de acesso à Internet sem fios;

B.            No âmbito da sua atividade a Requerente celebra com os seus clientes um conjunto de contratos de prestação de serviços de comunicações eletrónicas, de acesso à internet ou televisão;

C.            Os clientes da Requerente podem celebrar contratos sem a fixação de qualquer período;

D.           Em alguns casos os referidos contratos podem incluir condições promocionais especiais sujeitas a requisitos e condições de fidelização dos clientes por um período mínimo pré-determinado;

E.            Nestes casos, os clientes comprometem-se, de antemão, a manter uma relação contratual com a Requerente e a utilizar os serviços ou bens por esta fornecidos, por um determinado período mínimo de tempo e, em troca, usufruem das condições mais vantajosas acordadas, nomeadamente ao nível do preço a pagar pelos serviços contratados;

F.            O período mínimo de fidelização ou permanência, como condição de acesso às condições contratuais mais vantajosas. é essencial para a Requerente recuperar uma parte do investimento em equipamentos e infraestrutura;

G.           O período mínimo tem, para a Requerente, por finalidade permitir a recuperação dos vários investimentos realizados, em particular:

(i) Infraestrutura global, que inclui redes, equipamentos e instalações;

(ii) Processo de angariação de clientes, que inclui campanhas comerciais e de marketing e pagamento de comissões a entidades parceiras angariadoras de clientes;

 (iii) Activação do serviço contratado, que inclui instalação em residências e escritórios;

(iv) Concessão de vantagens especiais atribuídas a esse mesmo cliente, que inclui atribuição de descontos e de serviços gratuitos;

(v) Custos com compra de equipamentos;

H.           Se o cliente apenas fica vinculado 1 ou 2 meses após a celebração do contrato, os custos com a compra do equipamento, instalação e ativação do serviço não são compensados pelo montante da contraprestação recebida pela Requerente;

I.             A quebra do período mínimo de fidelização ou permanência implica o pagamento pelos clientes de quantias previstas nos respetivos contratos de prestação de serviços, que visam desincentivar o incumprimento por parte dos clientes;

J.             A partir de Agosto de 2016, a Requerente passou a determinar da quantia a pagar no caso de incumprimento pelos clientes do período de fidelização com base num cálculo sobre as vantagens atribuídas ao cliente no início de contrato e que à data da rescisão contratual não tenham ainda sido ressarcidas à Requerente pela prestação do serviço;

K.            O pagamento da quantia referida ocorre apenas em caso de incumprimento por parte do cliente e visa recuperar uma parte do investimento efectuado pela Requerente nomeadamente em virtude da atribuição de condições comerciais mais vantajosas;

L.            Nos contratos celebrados com os clientes, são identificadas e quantificadas as vantagens atribuídas ao cliente com a celebração do contrato e o estabelecimento de um período de fidelização, sendo a quantia pagar em caso de incumprimento calculada com base nessas vantagens e proporcionalmente à parte do período de fidelização cumprido;

M.          A quantia a pagar não pode exceder os custos que a Requerente suportou com a instalação da operação;

N.           A Requerente não liquidava IVA sobre as quantias recebidas dos seus clientes por incumprimento do período de fidelização contratual, mas passou a fazê-lo na sequência de uma inspecção tributária ao exercício de 2012 de que resultou uma liquidação adicional de IVA relativa às referidas quantias recebidas pela Requerente dos seus clientes;

O.           Relativamente ao período de Novembro de 2016, a Requerente entregou a 06-01-2017 a sua declaração periódica de IVA, tendo entregue ao Estado a quantia de € 620.132,79 relativa a IVA liquidado às taxas de 18%, 22% e 23% sobre as quantias recebidas por incumprimento do período de fidelização contratual no valor total de € 2.705.527,08, nos termos do quadro seguinte:

 

 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

P.            Apesar de ter autoliquidado o IVA sobre as referidas quantias, a Requerente entende que as mesmas estão excluídas de tributação;

Q.           A 13-10-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa do referido acto de autoliquidação de IVA, em que contestou parcialmente a legalidade da autoliquidação, no que respeita à incidência de IVA sobre as quantias referidas (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

R.            O processo de reclamação graciosa correu termos junto da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), sob o n.º ...2017...;

S.            Em 08-01-2018, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, cujos fundamentos constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

29. Face ao exposto na petição de Reclamação apresentada, a questão principal que se coloca é a de saber se as indemnizações por incumprimento do período de fidelização contratual estão sujeitas e não isentas de IVA.

30. Antes de nos focarmos na análise da sujeição a IVA das indemnizações, convém chamar à colação o Princípio da Tributação de uma atividade económica, consagrado no n.º 1 artigo 1.º do Código do IVA, de acordo com o qual "Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:

a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;

b) As importações de bens;

c) As operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias''.

31. A "Diretiva IVA" estabelece, no n.º 2 do artigo 1,º, que "o princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação".

32. Deste modo, o IVA, enquanto imposto geral sobre o consumo, incide unicamente sobre a "atividade económica", enquanto "qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência" - parágrafo 2.º do n.º 1 do artigo 9.º da Diretiva IVA.

33. Logo, a existência de uma atividade económica está sujeita a IVA e a tributação de uma dada operação, em sede do IVA, é efetuada com base na existência de uma contraprestação associada a uma transmissão de bens ou prestação de serviços, enquanto expressão da atividade económica de cada agente.

34. É, neste âmbito, que surgem as especificidades em termos de tributação das indemnizações, uma vez que estas nem sempre configuram a contrapartida de uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços.

35. No que concerne ao conceito de indemnização, e quanto ao quadro legal aplicável, não se nos afigura que existam divergências relevantes de entendimento entre a AT e a Reclamante.

36. A questão em discussão cinge-se, no fundo, à qualificação e enquadramento jurídico-tributário das indemnizações decorrentes da aplicação das cláusulas penais constantes dos contratos celebrados com os clientes, acionadas na sequência do incumprimento do período de fidelização. Ou seja, se as mesmas devem ser consideradas como verdadeiras indemnizações, visando tão só a ressarcimento de prejuízos, ou como, apresentando um caracter remuneratório, tendo subjacente a prestação de um serviço.

37. Como a Reclamante refere no ponto 21º da petição, "a legislação fiscal, e em particular o CIVA, não consagra uma definição de indemnização, pelo que importa recorrer ao conceito do Direito Civil, em obediência do artigo 11.º/2 da Lei Geral Tributária ("LGT")"

38. Ora, as indemnizações são definidas como o montante devido pelo lesante, tendo em vista ressarcir o lesado dos prejuízos, danos que lhe foram causados.

39. No entanto, o termo indemnização é geralmente usado para abranger e designar uma multiplicidade de realidades, de pagamentos, de prestações, olvidando-se o estrito significado jurídico deste vocábulo.

40. Na atividade empresarial utiliza-se o termo "indemnização" para designar operações que na realidade nada têm a ver com uma verdadeira indemnização, como acontece, por exemplo, com as indemnizações por lucros cessantes, pelo não exercício de uma atividade, entre outras realidades.

41. Nestes casos, trata-se de uma contraprestação em razão da qual uma determinada entidade obtém ganhos económicos associados ao desenvolvimento de uma atividade económica, e como tal, sujeitas a IVA. Ou seja, de "indemnização" tem apenas o nome.

42. O conceito de indemnização está associado a uma das fontes das obrigações clássicas, que se encontra consagrada no Código Civil Português, a responsabilidade civil, que se consubstancia na obrigação que nasce na esfera de uma entidade que se encontra adstrita a reparar um determinado prejuízo causado a outrem.

43. A responsabilidade civil pode ser dividida em duas vertentes, a responsabilidade contratual ou negocial, que pressupõe a violação de obrigações (que se encontram estipuladas em contratos, negócios jurídicos unilaterais ou que resultem da própria lei) e a responsabilidade extracontratual, que resulta da violação, ainda que lícita, de deveres de caráter genérico ou condutas (que normalmente protegem direitos absolutos), que causam determinados danos a outrem.

44. No que concerne à responsabilidade extracontratual, o n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil (CC) prescreve que, "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado B indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

45. Assim sendo, a obrigação de indemnizar surge quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: ser um facto voluntário (controlável pela vontade) do agente, existir ilicitude do facto, culpa (natureza dolosa ou negligenciava) da conduta do agente, dano e nexo de causalidade entre o facto praticado e os danos causados.

46. Relativamente à obrigação de indemnizar propriamente dita, estabelece o artigo 562.º do CC que "Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação".

47. Ou seja, é fixada uma indemnização em dinheiro, sempre que não seja possível recorrer à reconstituição natural, que é calculada segundo a teoria da diferença, que nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do CC, se traduz na diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.

48. Retomando a questão inicial, quanto ao enquadramento e eventual tributação em sede de IVA das indemnizações por incumprimento do período de fidelização contratual, o imposto incide sobre a contrapartida associada a uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços, que pressupõe uma atividade económica onerosa, verificando-se, pois, a existência de um nexo sinalagmático.

49. Em contraposição, o pagamento de uma indemnização constitui um facto não sinalagmático, não havendo qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação à qual o lesado se encontrasse adstrito, nascendo ex novo no momento em que é causado o dano.

50. Deste modo, as "puras indemnizações", como meras compensações ressarcitórias de um prejuízo/dano, não levantam quaisquer implicações ao nível de liquidação do IVA, uma vez que estão fora do seu âmbito de incidência, que se limita às atividades económicas.

51. O problema surge nas chamadas figuras "híbridas" que são vulgarmente designadas de indemnizações (por ex.: pagamentos pela cedência de posição contratual, pela rescisão antecipada de um contrato ou por revisão de preços) e que, regra geral, são operações tributáveis, pelo facto de constituírem contrapartidas de uma transmissão de bens ou prestação de serviços.

52. Apenas estão sujeitas a IVA aquelas realidades tácticas que concretizam a contrapartida de uma operação tributável.

53. No artigo 16.º do Código do IVA, o legislador nacional optou por consagrar o tipo de indemnizações que deverão ser excluídas de tributação.

54. A alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA prevê que "(...) do valor tributável referido no número anterior são excluídas:

a) [...] as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial das obrigações".

55. A norma em referência apenas poderá ser entendida no sentido de que toda a indemnização que seja reconhecida judicialmente não será sujeita a IVA, uma vez que a intenção do legislador terá sido "(...) reconhecer que a comprovação judicial será suficiente para classificar determinadas prestações como indemnizações, obviando-se ao risco da dissimulação de operações tributáveis a coberto de conceitos aparentemente inócuos"- Arnaldo, Afonso e Pedro Vasconcellos Silva - O IVA e as Indemnizações, Fisco n.º 107/108.

56. De facto, acontece serem impostas cláusulas penais, a determinados contratos, cujo único propósito é o de reduzir o valor tributável das operações realizadas, através da qualificação de parte do preço como indemnização, pelo que, a apreciação que é feita pelo tribunal permite conhecer a verdadeira natureza dos factos e combater aquele tipo de situações, eventualmente, fraudulentas em alguns casos.

57. Poderá, pois, da análise da alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA, concluir-se que todas aquelas indemnizações, aí expressamente mencionadas, não constituem a contraprestação devida de uma operação económica, devendo ser excluídas do âmbito de incidência do IVA.

58. Assim, para sujeitar a IVA uma indemnização por falta de cumprimento da prestação no âmbito de um contrato deve ter-se em consideração qual a natureza e o fim daquele pagamento (como reparação de prejuízos causados ou como contrapartida de uma operação económica não realizada e contratualmente estabelecida).

59. Face ao exposto, a questão fundamental associada ao enquadramento e eventual tributação em sede de IVA dessas operações reside no facto de a suposta "indemnização" se enquadrar ou não no conceito (residual) de prestação de serviços.

60. O artigo 4.º do CIVA atribui ao conceito de prestação de serviços um caráter residual, porquanto considera como prestação de serviços as operações que não consistam em transmissões de bens, importações e operações abrangidas no âmbito do RITI.

61. Cumulativamente, para que uma dada operação se considere como prestação de serviços, terá que ser efetuada a título oneroso, localizada no território nacional e realizada por sujeitos passivos (agindo como tal) no âmbito de uma atividade económica nos termos do artigo 2.º do CIVA.

62. Assim, para efeitos deste imposto, são, designadamente, qualificadas como prestações de serviços, o exercício independente de uma profissão, os serviços de hotelaria e restauração, a cedência de direitos, marcas e patentes, a cedência de pessoal, a assunção de obrigações de não concorrência, o pagamento de determinadas subvenções e indemnizações e o débito-de despesas a título de repartição de despesas comuns.

63. Os autores Afonso Arnaldo e Pedro Vasconcellos Silva, in O IVA e as Indemnizações, publicado na revista Fisco n.º 107/108, na referência ao caso Lubbock Fine, defendem que a rescisão antecipada de um contrato e a desvinculação de uma das partes representa uma contraprestação para o recebimento da importância em questão [indemnização]: "(...) as rescisões antecipadas de contratos contra o pagamento de determinados montantes envolvem normalmente um caráter oneroso, o que implica a sujeição a IVA".

64. Ora, tendo em conta o caso concreto, poderá extrair-se do que antes foi exposto que, se o contrato principal está sujeito a IVA, as "indemnizações" (que de indemnização só têm o nome, sendo, antes, verdadeiras contraprestações) estarão também sujeitas a IVA.

65. De acordo com o anteriormente exposto, o critério a adotar para discernir se uma determinada indemnização está sujeita a tributação em sede de IVA estará relacionado com a existência de uma reposição de rendimento, que compense um acréscimo patrimonial não verificado na sequência da lesão, isto é, de um caráter remuneratório associado à indemnização. E assim sendo têm subjacente uma atividade económica, pressuposto da tributação em IVA.

66. Cumpre, portanto, aferir se a indemnização se destina a compensar os lucros cessantes, ou seja, a repor o nível de rendimento que, por força de um dano, o sujeito passivo deixou de obter.

67. Dito de outro modo, há que apurar se o pagamento visou repor o rendimento que seria obtido através da prestação de serviços, caso o cliente não tivesse quebrado a relação contratual.

68. Na situação em análise será aquela a realidade em causa uma vez que as indemnizações controvertidas tiveram essa finalidade, como pode constatar-se dos próprios contratos.

69. Conforme refere a Reclamante, nos pontos 82.º e sgs da petição, até agosto de 2016 (data da entrada em vigor da alteração ao artigo 48.º da Lei das Comunicações Eletrónicas), este valor era determinado conforme cláusulas do contrato estabelecido entre a A... e os seus clientes, com base na seguinte fórmula, que em termos gerais corresponderá ao seguinte: (período mínimo de vigência - n.º de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada).

70. Ou seja, seria exatamente o mesmo valor que o cliente pagaria no final do período de fidelização caso se mantivesse o contrato de prestação de serviços em vigor até ao seu termo.

71. Isso é patente, por exemplo, nas condições particulares do primeiro contrato junto como documento n.º 2 (fls 64 e 65), em concreto do ponto 5. onde se prevê que: "Em caso de cessação do contrato (....) antes de decorrido o prazo referido no ponto 1, o cliente compromete-se, relativamente a cada um dos serviços/blocos acordados que sejam desativados, a efetuar o pagamento imediato do Valor Mensal de Referência vincendo até ao termo do referido período de permanência. O Valor Mensal de Referência (...) e encontram-se associado ao(s) respetivo(s) serviço(s)/bloco(s) do consumo mensal acordado."

72. Assim, e na medida em que dos textos do contrato se retira o carácter remuneratório das indemnizações em causa, será de considerar que a mesma se encontram sujeitas a IVA.

73. De facto do modo de cálculo das próprias indemnizações se infere que estas visaram compensar a A... de uma perda de receitas no pressuposto de que tinha" (...), no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho. - cfr. acórdão do S.T.J de 23/5/78., B.MJ. nº 277; pág. 258.º Cf, Acórdão (STJ) nº 04B3907 de 16.12.2004.

74. O que ambas visam refazer não é o investimento efetuado - esse permanece tal como foi feito - o que pretende, afinal, é conseguir receitas para recuperar esse investimento, numa ótica económica. Este desiderato é alcançado através da existência do período de fidelização ou quando este não é cumprido, pelo débito de uma indemnização.

75. Conclui-se, assim, que as presentes indemnizações visam compensar rendimentos cessantes e decorrem do cumprimento de obrigações contratualmente assumidas no âmbito de contratos de prestações de serviços, pelo que representam uma contraprestação de operações tributáveis em IVA.

76. Em termos de enquadramento no Código do IVA as indemnizações em crise constituem uma contrapartida por uma prestação de serviços, sujeita e não isenta, nos termos do nº 1 do artigo 4º.

77. Importa realçar que face à leitura dos contratos juntos sob Doc. 2 e 3 conclui-se que, a prestação de serviços efetuada pela A... aos seus clientes rege-se por cláusulas contratuais que consubstanciam um verdadeiro contrato de adesão, ao qual, o cliente adere ou não, ou seja, não existe liberdade de alteração ou estipulação de novas cláusulas por parte do aderente.

78. Para precaver determinadas situações, não favoráveis à Reclamante estabelece uma cláusula penalizadora, não deixando alternativa ao seu cliente, caso este não pretenda ou não tenha como permanecer vinculado ao contrato, impondo o pagamento de um determinado valor a título de indemnização.

79. Com efeito, com tais cláusulas, a A..., obtém o valor resultante do cumprimento do contrato por parte do cliente, ficando dispensada de prestar a sua. Pelo que, neste quadro, poderíamos concluir que o incumprimento do cliente é mais vantajoso para a A... que a manutenção do contrato.

80. Ora tal, não se mostra compatível com o objetivo tido em consideração pelo legislador ao elaborar a Lei das Comunicações Eletrónicas.

81. Este é o entendimento da AT que se encontra vertido em várias Informações Vinculativas, designadamente, as que se abordam nos pontos seguintes.

82. No Processo n.º 3247, com o despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, de 4 de junho de 2012, a AT conclui que "(...) a indemnização, resultante do incumprimento de uma obrigação contratual (...) visa compensar a perda de receitas pelo exercício de funções.

18. Com efeito, a indemnização tem subjacente uma prestação de serviços no conceito residual previsto no n.º 1 do artigo 4º do Código do IVA, visto a rescisão antecipada concedida pela requerente, ou seja, a desvinculação de uma das partes, representar uma contrapartida para o recebimento da indemnização, visando repor o nível de rendimentos que deixou de obter.

17. Deste modo, a indemnização está sujeita a IVA, na medida que tem subjacente a contraprestação de uma operação tributável - prestação de serviços, como decorre do artigo 16. º, conjugado com a alínea a) do n.º 1 com o artigo 1.º e artigo 4.º, todos do Código do IVA, sendo tributada à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18º do referido Código".

83. No Processo n.º 1598, por despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor - Geral, de 08 de fevereiro de 2011, pode-se ler:

26. O princípio subjacente ao IVA, como imposto sobre o consumo, pretende tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, que não tenham caráter remuneratório.

27. Se as indemnizações sancionam a lesão de qualquer interesse, sem caráter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços"

84. Também o Processo n.º V023 2007015, por despacho do Subdiretor-Geral dos Impostos, em substituição do Diretor-Geral, de 12 de novembro de 2007, preceitua:

8. Para enquadramento da questão da sujeição ou não a IVA das quantias recebidas 3 título de indemnização, há que ter em conta o princípio subjacente do IVA, como imposto sobre o consumo, e que corresponde, basicamente, ao disposto na atual Diretiva 2006/112/CE, pretendendo tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, que não tenham caráter remuneratório.

9. Assim, são tributáveis em IVA as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços, e, como tal, configuram uma contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto.

10. Se as indemnizações sancionam a lesão de qualquer interesse, sem caráter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços. "

85. Conclui-se, portanto, que, como já referida ao longo da análise à presente Reclamação, que o imposto incide sobre a contrapartida associada a uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços, que pressupõe uma atividade económica onerosa, pelo que se verifica uma existência de um nexo sinalagmático.

86. Esta prestação de serviços decorre do cumprimento de um contrato de adesão celebrado entre as partes que se encontra sujeito a IVA. Logo, a cláusula que define o ressarcimento de um valor à Exponente, a título de indemnização, decorrente do incumprimento do "período de vigência", também se encontra sujeita a IVA.

87. Conforme referem os Autores Afonso Arnaldo e Pedro Vasconcellos Silva, in " O IVA e as Indemnizações" publicado na revista Fisco n.º 107/108, na referência ao "caso Lubbock Fine", "(...) a prestação devida por ocasião da rescisão antecipada de um contrato de arrendamento deverá ter um enquadramento em sede de IVA idêntico ao regime do contrato principal, Assim, se o arrendamento estiver isento de imposto, estarão igualmente abrangidas pelo âmbito dessa isenção as "indemnizações” pagas em resultado de uma rescisão convencional."

E continua,

"Deste modo, e não podendo o regime de um contrato de arrendamento ser objeto de um fracionamento, caso se tenha solicitado a renúncia à isenção de IVA e liquidado imposto nas rendas pagas, tal compensação encontrar-se-á sujeita e não isenta de imposto."

88. Decorre, pois, da leitura do texto citado que se o contrato principal (que consubstancia operações tributáveis conexas com a atividade de prestações de serviços) está sujeito a IVA, também as supostas "indemnizações" que decorrem do não cumprimento do contrato principal estarão sujeitas ao mesmo imposto.

89. O mesmo será dizer, em jeito de conclusão, que a razão de ser do surgimento de cláusulas que sujeitam uma das partes ao pagamento de determinados valores por incumprimento contratual, a título de indemnização, quer em contratos de adesão celebrados nas atividades na área das telecomunicações, quer em contratos de arrendamento que renunciam à isenção de IVA, ou noutros em idênticos moldes, configuram uma contraprestação em razão da qual uma determinada entidade obtém ganhos económicos associados ao desenvolvimento de uma atividade económica, e como tal, sujeita a IVA.

90. Ora, resulta do exposto uma evidente similitude face ao que acontece com as indemnizações por incumprimento do "período de fidelização", razão pela qual, não podem também deixar de ser consideradas sujeitas e não isentas de IVA.

T.            Os tipos de contratos celebrados pela Requerente com os seus clientes têm os teores que constam do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, que se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte, na Cláusula J2 e no Anexo I, Pontos D e E:

J.  Duração, Renovação, Denúncia e Resolução do contrato

2.  O Compromisso de Permanência é exigido como contrapartida pelos  custos associados à ativação do serviço, à disponibilização dos equipamentos necessários à utilização do serviço, bem como pela concessão ao Cliente de condições especiais de preços ou descontos.

 

D. Condições Especiais dos Tarifários e/ou Equipamentos ("Compromisso de Permanência")

1. Como contrapartida das condições especiais dos tarifários da oferta voz móvel pós paga, o Cliente aceita um compromisso de permanência durante um período de 24 (vinte e quatro) meses, salvo se outro prazo constar do respetivo formulário de adesão.

2. Como contrapartida das condições especiais dos tarifários ou equipamentos da oferta internet móvel Pós Paga, o Cliente aceita um compromisso de permanência durante um período de 12 (doze) meses, salvo se outro prazo constar do respetivo formulário de adesão.

3. Caso o cliente já tenha aderido ao serviço fixo em condições especiais, que impliquem associação dos serviços móveis identificados no contrato a um tarifário da Oferta Móvel Pós Paga, compromete-se, nos termos deste anexo, a manter ativo(s) e em seu nome, o(s) serviço(s) telefónico(s) móvel(eis) identificados no respetivo tarifário por um período de 24 (vinte e quatro) meses, a contar da data de ativação deste tarifário.

4. Se o cliente tiver um tarifário da oferta voz móvel pós paga ou Oferta Internet Móvel e, durante os períodos referidos nos pontos 1 e 2, aderir a um serviço fixo nas condições referidas no número anterior, o presente compromisso cessa automaticamente relativamente ao(s) serviço(s) telefónico(s) móvel(eis) que seja(m) abrangido(s) pela oferta do serviço fixo, comprometendo-se, neste caso, o Cliente a manter ativo(s) e em seu nome, esse(s) serviço(s) telefónico(s) móvel(eis) no tarifário, durante 24 (vinte e quatro) meses, a contar da adesão ao serviço fixo e como contrapartida dos benefícios e vantagens que lhe foram atribuídos, os quais se encontram devidamente identificados e quantificados no formulário de adesão ao serviço.

5. Não contam para o decurso dos prazos referidos nos números anteriores os períodos de suspensão temporária dos serviços, durante os quais não se verifique o pagamento das mensalidades do tarifário contratado.

6. Durante o Compromisso de Permanência referido nos números 1, 2 e 3 o Cliente compromete-se a não alterar o plano de tarifas subscrito na Proposta de contrato para outro tarifário, e ainda, a manter ativo(s) e em seu nome, o(s) serviço(s) telefónico(s) móvel(is) associado(s) a este tarifário, sob pena de incorrer no incumprimento das condições contratadas à A... e, por conseguinte, no pagamento dos encargos previstos na cláusula E. Excecionalmente, a A... poderá autorizar a alteração para um outro plano de tarifas caso em que o presente Compromisso de Permanência cessa e se inicia o compromisso de permanência relativo à respetiva oferta.

7. Os Compromissos de Permanência indicados nos números 1, 2, 3 e 4 são exigidos como contrapartida das vantagens atribuídas ao Cliente identificadas e quantificadas no respetivo formulário de adesão ao Contrato. As vantagens conferidas ao cliente podem corresponder à oferta dos custos de instalação, ativação, portabilidade, equipamentos ou condições especiais de tarifários, os quais podem ser consultados em www...pt ou através do Serviço Permanente de Atendimento a Clientes 16912 (tarifa aplicável)

8. As condições especiais do tarifário só são válidas se se mantiveram os requisitos de elegibilidade.

9. As condições de aquisições de equipamentos podem coexistir com as condições especiais de tarifários.

10. Caso o Cliente subscreva um tarifário da oferta voz móvel pós paga sem fidelização, uma vez que não terá condições especiais, não existirá um compromisso de permanência associado ao mesmo pelo que as condições dos números acima indicados nesta cláusula, e na cláusula E, não lhe são aplicáveis.

 

E. Encargos devidos em caso de cessação antecipada do Contrato das condições especiais do tarifário e/ou de aquisição de equipamento)

1. Os encargos devidos à A... pela cessação antecipada do contrato por iniciativa do Cliente, por falta de pagamento das respetivas faturas ou a desativação de qualquer do(s) serviço(s) abrangido(s) por este Compromisso de Permanência, antes de decorridos os prazos referidos nos números 1,2, 3 e 4 da cláusula D. serão proporcionais às devidamente identificadas e quantificadas no formulário de adesão deste contrato.

2. O valor dos encargos devidos à A... pela cessação antecipada do contrato, serão proporcionais à vantagem que foi conferida ao cliente que, na proporção do período de duração do contrato fixada, ainda esteja por recuperar pela A... . As vantagens conferidas ao cliente podem corresponder à oferta dos custos de instalação, ativação, portabilidade, equipamentos ou condições especiais de tarifários, os quais podem ser consultados em www...pt ou através do Serviço Permanente de Atendimento a Clientes 16912 (tarifa aplicável).

3. O valor dos encargos devidos à A... pelo Cliente será calculado da seguinte forma: o período de duração do contrato fixado ainda em falta, multiplicado pelo total das vantagens conferidas ao cliente, repartidas pelo número total de meses de fidelização.

4. No caso previsto no ponto 9 da cláusula D, o incumprimento dos respetivos períodos de permanência conferem à A... o direito de exigir ao Cliente o pagamento dos encargos devidos de acordo com a fórmula indicada no n° 3 supra.

5. Caso tenha sido subscrito um compromisso de permanência na rede móvel e o Cliente proceder, posteriormente, ao cancelamento do pedido de portabilidade do número para a A..., a A... reserva-se ao direito de transferir as obrigações contratuais para um novo número A... a designar. A desativação do número, e o consequente incumprimento do respetivo compromisso de permanência, confere à A... e o direito de exigir ao Cliente o pagamento dos encargos devidos de acordo com a fórmula indicada no n° 3 supra.

6. Os encargos referidos nos números anteriores não afetam o direito da A... de exigir o pagamento de eventuais valores vencidos e respetivos juros moratórios.

 

U.           No na de 2012, a Requerente não liquidava IVA sobre as importâncias recebidas dos seus clientes por incumprimento de períodos de fidelização, o que motivou a abertura de um procedimento de inspeção ao exercício de 2012 por parte da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), e a decisão de liquidação adicional de IVA sobre indemnizações cobradas por incumprimento do período de fidelização contratual;

V.           A Requerente apresentou impugnação judicial das referidas liquidações de IVA do período de 2012, correndo o processo termos sob o n.º .../15...BELRS, no Tribunal Tributário de Lisboa;

W.          Em 09-04-2018, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.1. Factos não provados

 

Não se provou que a Requerente repercutiu o IVA que autoliquidou.

A Autoridade Tributária e Aduaneira faz essa afirmação no artigo 72.º da Resposta, mas o certo é que não faz qualquer prova do que alega, tendo-se limitado a juntar aos autos um processo administrativo, que nem sequer se reporta à reclamação graciosa, tendo sido instaurado para apreciar o pedido feito no presente processo arbitral. (   )

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos dados como provados baseiam-se nos documentos juntos com o pedido arbitral e em afirmações da Requerente que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Designadamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona o montante que a Requerente refere ter sido liquidado relativamente a quantias recebidas por incumprimento de períodos de fidelização

Embora a Autoridade Tributária e Aduaneira diga, na sua Resposta, que a Requerente não fez «prova dos danos a que alude, em ordem a provar que o clausulado do modelo de contrato de adesão abarca, de facto, uma cláusula penal, na modalidade de “liquidated damages clause”, o certo é que é perfeitamente normal que a Requerente tenha prejuízo económico com a cessação antecipada dos contratos, o que é manifesto quando a cessação for próxima do momento do início do contrato e tenha atribuído ao cliente vantagens promocionais, pelo que é de presumir que tenha danos, Para além disso,  até é pressuposto no regime legal aplicável em que prevê que a resolução do contrato durante o período de fidelização justifique uma contrapartida a título indemnizatório ou compensatório, para «recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais», como se infere dos artigos 52.º-A , n.º 8, e 48.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 15/2016, de 17 de Junho.

Por isso, é de presumir, como legislativamente se presume, que a Requerente tenha os custos dos tipos que alega e que as quantias recebidas dos seus clientes por incumprimento de períodos de fidelização visem a sua recuperação.

Aliás, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira, no requerimento que apresentou em 27-11-2018, acaba por defender que, com base no acórdão do TJUE proferido no processo C-295/17, que o montante fixo tem como propósito «ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período».

Assim, trata-se de ponto sobre o qual deixou de haver controvérsia.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Termos em que a questão que é objecto do processo é equacionada

 

A Requerente celebrou contratos com seus clientes, relativos a prestação de serviços comunicações eletrónicas, de acesso à internet ou televisão.

Alguns dos referidos contratos foram celebrados com condições promocionais sujeitas a requisitos e condições de fidelização dos clientes por um período mínimo pré-determinado.

Nestes casos, os clientes comprometeram-se, de antemão, a manter uma relação contratual com a Requerente e a utilizar os serviços ou bens por esta fornecidos, por um determinado período mínimo de tempo e, em troca, usufruíram das condições mais vantajosas acordadas, nomeadamente ao nível do preço a pagar pelos serviços contratados.

O período mínimo de fidelização ou permanência, como condição de acesso às condições contratuais mais vantajosas é essencial para a Requerente recuperar uma parte do investimento infraestrutura global (redes, equipamentos e instalações), despesas com angariação de clientes (campanhas comerciais e de marketing e pagamento de comissões a entidades parceiras) activação do serviço contratado, vantagens atribuídas a título de descontos ou serviços gratuitos e custos que inclui instalação em residências e escritórios e custos com compra de equipamentos.

Na sequência de alteração ao artigo 48.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, operada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de Junho, a partir de Agosto de 2016 a Requerente passou a determinar a quantia a pagar no caso de incumprimento pelos clientes do período de fidelização com base num cálculo sobre as vantagens atribuídas ao cliente no início de contrato e que à data da rescisão contratual não tenham ainda sido ressarcidas à Requerente pela prestação do serviço.

Nos termos dos contratos referidos, «o valor dos encargos devidos à A... pela cessação antecipada do contrato, serão proporcionais à vantagem que foi conferida ao cliente que, na proporção do período de duração do contrato fixada, ainda esteja por recuperar» e «o valor dos encargos devidos à A... pelo Cliente será calculado da seguinte forma: o período de duração do contrato fixado ainda em falta, multiplicado pelo total das vantagens conferidas ao cliente, repartidas pelo número total de meses de fidelização» (Anexo I aos contratos, pontos E.2 e E.3).

Está em causa no presente processo, essencialmente, saber se sobre as quantias recebidas pela Requerente dos seus clientes por incumprimento de períodos de fidelização, calculadas nos termos previstos nestas cláusulas, deve incidir IVA.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão da reclamação graciosa, entendeu, em suma, que «as presentes indemnizações visam compensar rendimentos cessantes e decorrem do cumprimento de obrigações contratualmente assumidas no âmbito de contratos de prestações de serviços, pelo que representam uma contraprestação de operações tributáveis em IVA» e que «em termos de enquadramento no Código do IVA as indemnizações em crise constituem uma contrapartida por uma prestação de serviços, sujeita e não isenta, nos termos do nº 1 do artigo 4º».

A Requerente defende, em suma, o seguinte:

– a cláusula de fidelização prevista nos contratos celebrados pela A... corresponde a uma cláusula penal na versão da liquidated damages clause, estipulando assim uma fixação antecipada da indemnização correspondente aos danos a ressarcir;

– para existir uma "atividade económica" tributável em sede de IVA, é necessário que exista uma contraprestação devida pela parte beneficiária de uma prestação de serviços (ou, transmissão de bens);

– o IVA visa tributar actos de consumo que permitam considerar o beneficiário como consumidor efetivo das vantagens conferidas por essa mesma prestação de serviços (ou transmissão de bens);

– para concluir pela sujeição das indemnizações a IVA, nomeadamente ao abrigo do conceito residual de prestação de serviços, é necessário demonstrar o carácter oneroso da operação e a existência de uma relação sinalagmática entre a prestação do serviço e o valor pago;

– a inexistência de um "acto de consumo" (independentemente de haver ou não algum nexo entre duas prestações realizadas no âmbito de uma relação sinalagmática) conduzirá, inevitavelmente, ao afastamento de uma determinada operação do campo de sujeição deste imposto;

– após a resolução do contrato que os ligava à A..., o pagamento da indemnização prevista contratualmente não tem como contrapartida uma prestação de serviços;

– todas as indemnizações, no caso de sancionarem a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços;

– em caso de incumprimento de obrigações reiterado e continuado do cliente, considera-se "automaticamente resolvido" o contrato de prestação de serviços, nos termos do n.º 7 do artigo 52.º-A da LCE, e é proibida a cobrança da contraprestação por serviços (n.º 10 do mesmo arrigo);

– nos termos do n.º 8 do mesmo artigo a resolução «não prejudica a cobrança de uma contrapartida a título indemnizatório ou compensatório pela resolução do contrato durante o período de fidelização, nos termos e com os limites do disposto no Decreto-Lei n.º 56/2010, de 1 de junho»;

– a cobrança da contrapartida prevista neste n.º 8 tem lugar «após a resolução do contrato de prestação de serviços com o seu cliente, ou seja, num momento em que o operador se encontra legalmente impedido de prestar qualquer serviço a esse seu (já antigo) cliente»;

– «ao receber (ou, pelo menos, ao faturar) uma quantia ao abrigo da cláusula penal indemnizatória, está a ser protegida e compensada pelos prejuízos ou danos, traduzidos na impossibilidade de recuperar todos os custos que anteriormente havia suportado, em resultado do incumprimento, pelo seu (antigo) cliente, da obrigação de permanência que este livremente se vinculou a respeitar»;

– o valor recebido pela Requerente não corresponde à retribuição de qualquer prestação de serviços efetuada ao cliente, pois o pagamento ocorre após a cessação do contrato e visa única e exclusivamente a cobertura de danos/ prejuízos causados em virtude do incumprimento e cessação antecipada do contrato;

– a contrapartida por desbloqueamento de equipamentos tem natureza diferente;

– a distinção enunciada pela AT entre este tipo de prejuízos e o de "danos emergentes" seria indiferente ou irrelevante para efeitos do apropriado enquadramento dessa "indemnização" para efeitos de IVA (à luz do conceito presente no Código Civil, aplicável para efeitos de IVA, por via do disposto no artigo 11.º, n.º 2, da LGT).

 

Na sua Resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

– os contratos de fidelização elaborados pela Requerente e disponibilizados aos seus clientes não contêm em si nenhuma cláusula penal no sentido jurídico do termo, pois ela não tem por finalidade impelir os seus clientes ao cumprimento do período de fidelização, nem liquidar antecipadamente os danos exigíveis em caso de incumprimento, mas sim remunerar a prestação de serviços (traduzidas em vantagens, descontos e campanhas promocionais) efectuada ao  cliente que pretende resolver o contrato antes do fim do prazo;

– nos termos da cláusula E.2 dos contratos, os encargos podem corresponder à oferta dos custos de instalação, activação, portabilidade, equipamentos ou condições especiais de tarifários, pelo que o pagamento corresponde a uma prestação de um serviço que foi, anteriormente, prestado ao cliente, mas ainda não facturado à data da cessação antecipada do contrato;

– o valor dos encargos cobrados visa apenas substituir o valor que seria imputado em facturas futuras de serviços (descontos, vantagens, promoções) caso tivesse sido respeitado o período mínimo de fidelização, o que está em sintonia com o artigo 48.º, n.º 1, alínea c) da Lei das Comunicações Electrónicas, que refere «recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e activação do serviço ou a outras condições promocionais»;

– o n.º 11 do artigo 48.º referido proíbe a cobrança de qualquer contrapartida a título indemnizatório ou compensatório;

– o propósito da alteração legislativa é precisamente facilitar que consumidores insatisfeitos adiram a campanhas promocionais da concorrência a preços mais baixos;

– ainda que se tratasse de uma cláusula penal, o montante fixado sempre estará sujeito a IVA, por se traduzir na remuneração de lucros cessantes referente apenas e tão-só aos custos dos serviços prestados no início do contrato que, à data da cessação, ainda não tinham sido cobrados;

– sendo isso que se infere do n.º 13 do artigo 48.º da LCE ao estabelecer que os encargos não podem ser superiores ao valor da vantagem conferida que, na proporção do período da duração do contrato fixada, ainda esteja por recuperar pela empresa que presta o serviço, na data em que produz efeitos a sua cessação antecipada;

– nos contratos de adesão em massa, inexiste a liberdade necessária para que os consumidores possam com propriedade discutir as cláusulas do contrato de adesão que celebram;

– a Requerente cobra aos seus clientes, em caso de incumprimento de tal período de fidelização, um determinado montante correspondente ao proporcional dos encargos havidos com instalação, descontos, vantagens, serviços esses prestados no início do contrato;

– a desvinculação de uma das partes do contrato representa uma contraprestação para o recebimento da importância em questão, abrangida pela exigência de IVA.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca ainda na sua Resposta que a Requerente repercutiu o imposto liquidado no seus clientes pelo que o IVA sempre seria devido por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do CIVA, para não se gerar uma situação de enriquecimento sem causa, mas não se fez prova da alegada repercussão, nem menção do IVA em facturas. Para além disso, esta alegada repercussão do imposto e enriquecimento sem causa não foram invocados como fundamento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, pelo que constituem fundamentação a posteriori, que não pode ser atendida, num meio contencioso de mera anulação, como é o processo arbitral.

Na verdade, o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. (   )

 

3.2. O regime legal

 

Nos termos do artigo 1.º, n. 1, alínea a) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA)

"Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:

a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;».

 

O artigo 4.º do CIVA estabelece o seguinte:

«1 - São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens».

 

O artigo 16.º, n.º 6, do CIVA estabelece que

 

6 - Do valor tributável referido no número anterior são excluídos:

a) Os juros pelo pagamento diferido da contraprestação e as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações;

 

Na Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece-se o seguinte, nas normas invocadas pela Requerente:

 

Artigo 2.º

1.  Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

(...)

c) As prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

 

Artigo 9.º

1.  Entende-se por «sujeito passivo» qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade.

                Entende-se por «actividade económica» qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência.

2.  Para além das pessoas referidas no n.º 1, é considerada sujeito passivo qualquer pessoa que proceda a título ocasional à entrega de um meio de transporte novo expedido ou transportado com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, para fora do território de um Estado-Membro mas no território da Comunidade.

 

Artigo 24.º

1.            Entende-se por «prestação de serviços» qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.

2.            Entende-se por «serviços de telecomunicações» os serviços que tenham por objecto a transmissão, emissão e recepção de sinais, texto, imagem e som ou de informações de qualquer natureza através de fios, rádio, meios ópticos ou outros meios electromagnéticos, incluindo a cessão ou a concessão com eles relacionadas de direitos de utilização de meios para a transmissão, emissão ou recepção, incluindo a disponibilização do acesso a redes de informação mundiais.

 

Artigo 72.º

Para efeitos da presente directiva, por «valor normal» entende-se o montante total que, a fim de obter os bens ou serviços em questão no momento dessa operação, o adquirente ou destinatário no mesmo estádio de comercialização em que se realiza a entrega de bens ou a prestação de serviços teria de pagar, em condições de livre concorrência, a um fornecedor ou prestador independente no Estado-Membro em que a operação é tributável.

Na falta de entrega de bens ou prestação de serviços similar, o valor normal é constituído:

1) No que respeita aos bens, por um montante não inferior ao preço de compra dos bens ou de bens similares ou, na falta de preço de compra, ao preço de custo, determinados no momento em que tais operações se realizam;

2) No que respeita aos serviços, por um montante não inferior às despesas suportadas pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços.

 

Artigo 73.º

Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.º a 77.º, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações.

 

Os artigos 48.º e 52.-A da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de Junho) (doravante “LCE”), estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 48.º

Contratos

1 - Sem prejuízo da legislação aplicável à defesa do consumidor, a oferta de redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público é objecto de contrato, do qual devem obrigatoriamente constar, de forma clara, exaustiva e facilmente acessível, os seguintes elementos:

(...)

g) A duração do contrato, as condições de renovação, suspensão e de cessação dos serviços e do contrato;

(...)

2 - A informação relativa à duração dos contratos, incluindo as condições da sua renovação e cessação, deve ser clara, percetível, disponibilizada em suporte duradouro e incluir as seguintes indicações:

a) Eventual período de fidelização, cuja existência depende da atribuição de qualquer vantagem ao consumidor, identificada e quantificada, associada à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais;

b) Eventuais encargos decorrentes da portabilidade dos números e outros identificadores;

c) Eventuais encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato durante o período de fidelização, por iniciativa do assinante, nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais.

(...)

11 - Durante o período de fidelização, os encargos para o assinante, decorrentes da resolução do contrato por sua iniciativa, não podem ultrapassar os custos que o fornecedor teve com a instalação da operação, sendo proibida a cobrança de qualquer contrapartida a título indemnizatório ou compensatório.

12 - Os encargos pela cessação antecipada do contrato com período de fidelização, por iniciativa do assinante, devem ser proporcionais à vantagem que lhe foi conferida e como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, não podendo em consequência corresponder automaticamente à soma do valor das prestações vincendas à data da cessação.

13 - Para efeitos do disposto no número anterior, no caso de subsidiação de equipamentos terminais, os encargos devem ser calculados nos termos da legislação aplicável e, nas demais situações, não podem ser superiores ao valor da vantagem conferida que, na proporção do período da duração do contrato fixada, ainda esteja por recuperar pela empresa que presta o serviço, na data em que produz efeitos a sua cessação antecipada.

 

Artigo 52.º-A

Suspensão e extinção do serviço prestado a assinantes consumidores

1 - Quando esteja em causa a prestação de serviços a assinantes que sejam consumidores, as empresas que oferecem redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público devem, na falta de pagamento dos valores constantes da fatura, emitir um pré-aviso ao consumidor, concedendo-lhe um prazo adicional para pagamento, de 30 dias, sob pena de suspensão do serviço e de, eventualmente, haver lugar à resolução automática do contrato, nos termos do n.ºs 3 e 7, respetivamente.

2 - O pré-aviso a que se refere o número anterior é comunicado por escrito ao consumidor no prazo de 10 dias após a data de vencimento da fatura, devendo indicar especificamente a consequência do não pagamento, nomeadamente a suspensão do serviço e a resolução automática do contrato, e informá-lo dos meios ao seu dispor para as evitar.

3 - As empresas que oferecem redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público devem obrigatoriamente, no prazo de 10 dias após o fim do prazo adicional previsto no n.º 1, suspender o serviço, por um período de 30 dias, sempre que, decorrido aquele prazo, o consumidor não tenha procedido ao pagamento ou não tenha celebrado com a empresa qualquer acordo de pagamento por escrito com vista à regularização dos valores em dívida.

4 - A suspensão do serviço não tem lugar nas situações em que os valores da fatura sejam objeto de reclamação por escrito junto da empresa, com fundamento na inexistência ou na inexigibilidade da dívida, até à data em que deverá ter início a suspensão.

5 - À suspensão prevista no presente artigo é aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior.

6 - O consumidor pode fazer cessar a suspensão, procedendo ao pagamento dos valores em dívida ou à celebração de um acordo de pagamento por escrito com a empresa que oferece redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, casos em que esta deve repor a prestação do serviço imediatamente ou, quando tal não seja tecnicamente possível, no prazo de cinco dias úteis a contar da data do pagamento ou da celebração do acordo de pagamento, consoante aplicável.

7 - Findo o período de 30 dias de suspensão sem que o consumidor tenha procedido ao pagamento da totalidade dos valores em dívida ou sem que tenha sido celebrado um acordo de pagamento por escrito, o contrato considera-se automaticamente resolvido.

8 - A resolução prevista no número anterior não prejudica a cobrança de uma contrapartida a título indemnizatório ou compensatório pela resolução do contrato durante o período de fidelização, nos termos e com os limites do disposto no Decreto-Lei n.º 56/2010, de 1 de junho.

9 - A falta de pagamento de qualquer das prestações acordadas no acordo de pagamento importa obrigatoriamente a resolução do contrato, mediante pré-aviso escrito ao consumidor com a antecedência prevista no n.º 5 do artigo 52.º, aplicando-se o disposto no número anterior.

10 - O incumprimento do disposto no presente artigo por parte da empresa que oferece redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, nomeadamente a continuação da prestação do serviço em violação do disposto no n.º 3 ou a emissão de faturas após o momento em que a prestação do serviço deve ser suspensa, determina a não exigibilidade, ao consumidor, das contraprestações devidas pela prestação do serviço e a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais devidas pela cobrança do crédito.

11 - O disposto no número anterior não é aplicável à emissão de faturas após a suspensão da prestação do serviço que respeitem a serviços efetivamente prestados em momento anterior à suspensão ou às contrapartidas legalmente previstas em caso de resolução antecipada do contrato.

12 - Aplica-se à suspensão do serviço por motivos não relacionados com o não pagamento de faturas o disposto no n.º 1 do artigo 52.º

 

 

3.3. O acórdão do TJUE de 22-11-2018 proferido no processo C-295/17 e requerimento de reenvio prejudicial

 

O IVA é um imposto regulado, em primeira linha, pela legislação, da União Europeia (Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006), que prevalece sobre a legislação nacional, por força do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Foi junta ao processo cópia do acórdão do TJUE de 22-11-2018, proferido no processo C-295/17, que, em sede de reenvio prejudicial, abordou questão com pontos comuns à que é objecto do presente processo.

Nesse acórdão decidiu-se o seguinte:

 

1) O artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.

2) Não são determinantes para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços, de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada desse contrato, o facto de o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato e ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período, o facto de a remuneração recebida por um agente comercial pela celebração de contratos que estipulem um período mínimo de vinculação aos mesmos ser superior à prevista no âmbito dos contratos que não estipulam esse período e o facto de o referido montante ser qualificável, no direito nacional, como cláusula penal.

 

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (   ).

Assim, tratando-se de decidir no presente processo uma questão com pontos comuns à que foi apreciada no citado acórdão do TJUE, há que ter como esclarecidos os pontos que nele são apreciados que tenham aplicação na situação dos autos, designadamente para apreciar se há ou não necessidade do reenvio prejudicial que pretende a Requerente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não se opôs ao pedido de reenvio mas, em requerimento apresentado em 27-11-2018, refere que do acórdão do TJUE resulta o seguinte, que entende justificar a improcedência do pedido de pronúncia arbitral:

 

«ainda que na situação em apreço esteja em causa o reembolso de montantes cuja base de cálculo é efectuada sobre as vantagens atribuídas ao cliente no início do contrato e que à data da rescisão contratual não tenham ainda sido ressarcidas à A... pela prestação do serviço e não o pagamento das prestações vincendas até ao termo do período de fidelização, convém reter que, para todos os efeitos, tais valores pagos por conta da cessação do contrato de telecomunicações (seja a título de prestações vincendas, ou seja a título de vantagens atribuídas no início do contrato) consubstancia uma remuneração de uma prestação de serviços efectuada a título oneroso e, como tal, sujeita a IVA.»

A que acresce o facto de, e em consonância com o entendimento acolhido no Acórdão aludido, não ser determinante para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços e subsequente sujeição a IVA o facto de:

a) o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato;

b) o facto de ter como propósito ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período;

c) bem como o facto de a remuneração recebida por um agente comercial pela celebração de contratos que estipulem um período mínimo de vinculação aos mesmos ser superior à prevista no âmbito dos contratos que não estipulam esse período;

d) e o facto de o referido montante ser qualificável, no direito nacional, como cláusula penal.

 

A Requerente veio dizer que entende que deve ser efectuado reenvio prejudicial para o TJUE no presente processo, porque, em suma:

– não há identidade do enquadramento jurídico e factual nos presentes autos e na factualidade subjacente ao Processo n.º C-295/17;

– nos presentes autos foi pedida a apreciação da incidência de IVA sobre penalidades cobradas ao abrigo do artigo 48.º da Lei das Comunicações Eletrónicas, quer na versão em vigor até agosto de 2016, quer na versão posterior à alteração legislativa promovida pela Lei n.º 15/2016, de 17 de junho;

– são identificadas e quantificadas as vantagens atribuídas ao cliente com a celebração do contrato e o estabelecimento de um período de fidelização, sendo a penalidade calculada com base nessas vantagens devidamente identificadas no contrato;

– a penalidade não pode exceder os custos que o Operador teve com a instalação da operação o que pode incluir custos de ativação, apoio técnico, field service, entre outros), passando os operadores a ser obrigados a discriminar detalhadamente a lista dos custos com a instalação dos serviços, incluindo todas as vantagens concedidas ao cliente, chegando-se a um valor global de vantagens que depois é dividido entre os meses do período de fidelização;

– esta forma de cálculo das indemnizações não ocorria no caso apreciado no processo C-295/17, cujas conclusões foram alicerçadas no pressuposto da indemnização ser correspondente ao montante da mensalidade acordada multiplicado pelo número de meses em falta, tendo sido este e apenas este o método de cálculo analisado pelo Tribunal;

–  as questões sugeridas para reenvio prejudicial são diferentes das que foram apreciadas no processo C-295/17.

 

A Requerente tem razão quanto à diferença de cálculo das quantias a pagar por incumprimento de períodos de fidelização na situação que foi apreciada no processo C-295/17 e na situação que é objecto do presente processo.

E, como também diz a Requerente, a conclusão 1) formulada no referido acórdão do TJUE aparenta ter atribuído relevância para decisão da questão de saber se se está perante a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto, à circunstância de o montante pago corresponder «ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado», e aludir à necessidade de o órgão jurisdicional de reenvio verificar se isso sucedeu.

Assim, justificar-se-á o reenvio prejudicial, designadamente para esclarecer a relevância que poderá ter para a decisão da questão da sujeição a IVA das quantias pagas por incumprimento de períodos de fidelização o facto de o montante pago não ter de coincidir o que seria pago no resto do período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado e ser calculado por outra forma.

                               Na formulação das questões a colocar, terá de atender-se, como se refere no parágrafo 33 do acórdão citado que «segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267. o  TFUE, o juiz nacional,  a  quem  foi  submetido  o  litígio  e  que  deve  assumir  a  responsabilidade  pela  decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência  das  questões  que  submete  ao  Tribunal».

Afigura-se não ser necessário nem pertinente incluir questões sobre matéria que se entende estar esclarecida no referido acórdão proferido no processo C-295/17.

                Da fundamentação do acórdão referido ressalta com evidência que, no entendimento do TJUE,

– «é indiferente, para efeitos da interpretação das disposições da Diretiva IVA, que esse montante constitua, no direito nacional, uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual ou uma penalidade contratual, ou ainda que seja qualificado de reparação, indemnização ou remuneração» (parágrafo 68);

– «saber se o pagamento de uma remuneração tem lugar como contraprestação de uma prestação de serviços é uma questão de direito da União que deve ser decidida independentemente da apreciação efetuada no direito nacional» (parágrafo 69);

– «o  conceito  de  «prestações  de  serviços»,  na  aceção  da Diretiva  IVA,  deve  ser  interpretado  independentemente  das  finalidades  e  dos  resultados  das operações  em  causa»  (parágrafo 60).

               

                Por outro lado, a fim de esclarecer suficientemente a questão, que se colocará reiteradamente, todos os meses, entre a Requerente e a Autoridade Tributária e Aduaneira, afigura-se ser curial atender à perspectiva da Requerente, quando não seja clara a resposta que decorre do acórdão proferido no processo C-295/17.

                No que concerne à questão que a Requerente sugere com base na alegação «de terem sido definidos pelos operadores de comunicações eletrónicas ao abrigo de um quadro legal, jurisprudencial, doutrinal e factual que fundamenta a confiança e legítima expetativa dos operadores de comunicações eletrónicas na não sujeição a IVA daqueles montantes», não se justifica que seja colocada em reenvio prejudicial, por não se considerar provado que haja fundamento para a alegada confiança, designadamente em Novembro de 2016, pois a própria Requerente afirma ter sido alvo de uma inspecção tributária relativa ao ano de 2012 em que a Autoridade Tributária e Aduaneira adoptou o entendimento contrário, e justificou a instauração de um processo judicial em 2015 (como se vê infere do número indicado pela Requerente que é .../15...BELRS).

                Nestes termos, ponderando as sugestões da Requerente e o que atrás se referiu sobre as questões que importa apreciar, mas tendo em conta que «compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (acórdãos do TJUE Acórdão de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018 processo C-207/16), formulam-se as seguintes questões em

Reenvio prejudicial

 

1)            Os artigos 2.º, n.º 1, alínea c), 9.º, 24.º, 72.º e 73.º, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro, devem ser interpretados com o sentido de haver uma prestação de serviços sujeita a IVA nos casos em que uma operadora de comunicações eletrónicas cobra aos seus antigos clientes (a quem concedeu vantagens promocionais  que podem corresponder à oferta dos custos de instalação, ativação do serviço, portabilidade, equipamentos ou condições especiais de tarifários, com a contrapartida de cumprimento por estes de um período de fidelização, que não cumpriram por causa que lhes é imputável), um montante que, por imposição legal, não pode ultrapassar os custos que o fornecedor teve com a instalação da operação e deve ser proporcional à vantagem que conferida ao cliente e como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, não podendo em consequência corresponder automaticamente à soma do valor das prestações vincendas à data da cessação?

2)            À face das normas indicadas, obsta à qualificação dos referidos montantes como contrapartida de uma prestação de serviços, o facto de a sua exigência ser posterior à cessação dos contratos, quando a operadora já não lhes presta serviços e não haver um acto de consumo concreto posterior à resolução dos contratos?

3)            À face das normas referidas, é de afastar a qualificação do montante referido como contrapartida de prestação de serviços pelo facto de a operadora e os seus antigos clientes, por imperativo legal, terem antecipadamente definido no âmbito de um contrato de adesão,  a fórmula de cálculo do montante que seria devido pelos antigos clientes, caso estes incumprissem o período de fidelização estipulado no contrato de prestação de serviços?

4)            À face das normas referidas é de afastar a qualificação do montante referido como contrapartida de prestação de serviços nos casos em que o montante em causa não corresponde ao montante que operador teria recebido no resto do referido período de fidelização, se essa resolução do contrato não se tivesse verificado?

 

 

                Termos em que acordam em suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral e documentos juntos, da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, do processo administrativo, e dos requerimentos de 27-11-2018 e 13-12-2018.

 

Lisboa,02-01-2019

 

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Francisco José Nicolau Domingos)

(Raquel Franco)

 

2.ª DECISÃO Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Francisco José Nicolau Domingos e Dr.ª Raquel Franco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-06-2018, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A, NIPC..., com sede no ..., Rua..., n.º..., em Lisboa (doravante designada por "Requerente") apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pede que

– seja declarada a ilegalidade e anulada parcialmente a autoliquidação de IVA relativa ao período de Novembro de 2016 no valor de € 620.132,79;

– seja revogada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida pela Unidade dos Grandes Contribuintes e consequente reembolso à ora Requerente do valor indevidamente autoliquidado no referido período de tributação;

– subsidiariamente, seja efetuado reenvio prejudicial para o TJUE do presente processo quanto à questão relativa à incompatibilidade dos atos tributários ora sindicados com o Direito Comunitário;

– seja condenada a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas da arbitragem.

 

É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-04-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 01-06-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 21-06-2018.

Por despacho de 05-07-2018, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.

Por despacho de 06-11-2018, foi suspensa a instância por 20 dias, para aguardar que fosse conhecida a decisão do TJUE no processo de reenvio prejudicial C-295/17.

Por acórdão de 02-01-2019, foi decidido suspender a instância para efectuar reenvio prejudicial para o TJUE, em que foram colocadas as seguintes questões:

1)            Os artigos 2.º, n.º 1, alínea c), 9.º, 24.º, 72.º e 73.º, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro, devem ser interpretados com o sentido de haver uma prestação de serviços sujeita a IVA nos casos em que uma operadora de comunicações eletrónicas cobra aos seus antigos clientes (a quem concedeu vantagens promocionais  que podem corresponder à oferta dos custos de instalação, ativação do serviço, portabilidade, equipamentos ou condições especiais de tarifários, com a contrapartida de cumprimento por estes de um período de fidelização, que não cumpriram por causa que lhes é imputável), um montante que, por imposição legal, não pode ultrapassar os custos que o fornecedor teve com a instalação da operação e deve ser proporcional à vantagem que conferida ao cliente e como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, não podendo em consequência corresponder automaticamente à soma do valor das prestações vincendas à data da cessação?

2)            À face das normas indicadas, obsta à qualificação dos referidos montantes como contrapartida de uma prestação de serviços, o facto de a sua exigência ser posterior à cessação dos contratos, quando a operadora já não lhes presta serviços e não haver um acto de consumo concreto posterior à resolução dos contratos?

3)            À face das normas referidas, é de afastar a qualificação do montante referido como contrapartida de prestação de serviços pelo facto de a operadora e os seus antigos clientes, por imperativo legal, terem antecipadamente definido no âmbito de um contrato de adesão,  a fórmula de cálculo do montante que seria devido pelos antigos clientes, caso estes incumprissem o período de fidelização estipulado no contrato de prestação de serviços?

4)            À face das normas referidas é de afastar a qualificação do montante referido como contrapartida de prestação de serviços nos casos em que o montante em causa não corresponde ao montante que operador teria recebido no resto do referido período de fidelização, se essa resolução do contrato não se tivesse verificado?

 

O TJUE veio a pronunciar-se sobre o pedido de reenvio prejudicial em acórdão de 11-06-2020, em que concluiu:

 

O artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que os montantes recebidos por um operador económico em caso de resolução antecipada, por causa imputável ao próprio cliente, de um contrato de prestação de serviços que preveja o cumprimento de um período de fidelização, em contrapartida da atribuição a esse cliente de condições comerciais vantajosas, devem ser considerados como constituindo a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso, na aceção dessa disposição.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.           A Requerente A..., S.A., tem por objeto social a prestação de serviços de comunicações electrónicas, designadamente o serviço de comunicações electrónicas, o serviço telefónico fixo e o serviço de acesso à Internet sem fios;

B.            No âmbito da sua atividade a Requerente celebra com os seus clientes um conjunto de contratos de prestação de serviços de comunicações eletrónicas, de acesso à internet ou televisão;

C.            Os clientes da Requerente podem celebrar contratos sem a fixação de qualquer período;

D.           Em alguns casos os referidos contratos podem incluir condições promocionais especiais sujeitas a requisitos e condições de fidelização dos clientes por um período mínimo pré-determinado;

E.            Nestes casos, os clientes comprometem-se, de antemão, a manter uma relação contratual com a Requerente e a utilizar os serviços ou bens por esta fornecidos, por um determinado período mínimo de tempo e, em troca, usufruem das condições mais vantajosas acordadas, nomeadamente ao nível do preço a pagar pelos serviços contratados;

F.            O período mínimo de fidelização ou permanência, como condição de acesso às condições contratuais mais vantajosas. é essencial para a Requerente recuperar uma parte do investimento em equipamentos e infraestrutura;

G.           O período mínimo tem, para a Requerente, por finalidade permitir a recuperação dos vários investimentos realizados, em particular:

(i) Infraestrutura global, que inclui redes, equipamentos e instalações;

(ii) Processo de angariação de clientes, que inclui campanhas comerciais e de marketing e pagamento de comissões a entidades parceiras angariadoras de clientes;

 (iii) Activação do serviço contratado, que inclui instalação em residências e escritórios;

(iv) Concessão de vantagens especiais atribuídas a esse mesmo cliente, que inclui atribuição de descontos e de serviços gratuitos;

(v) Custos com compra de equipamentos;

H.           Se o cliente apenas fica vinculado 1 ou 2 meses após a celebração do contrato, os custos com a compra do equipamento, instalação e ativação do serviço não são compensados pelo montante da contraprestação recebida pela Requerente;

I.             A quebra do período mínimo de fidelização ou permanência implica o pagamento pelos clientes de quantias previstas nos respetivos contratos de prestação de serviços, que visam desincentivar o incumprimento por parte dos clientes;

J.             A partir de Agosto de 2016, a Requerente passou a determinar da quantia a pagar no caso de incumprimento pelos clientes do período de fidelização com base num cálculo sobre as vantagens atribuídas ao cliente no início de contrato e que à data da rescisão contratual não tenham ainda sido ressarcidas à Requerente pela prestação do serviço;

K.            O pagamento da quantia referida ocorre apenas em caso de incumprimento por parte do cliente e visa recuperar uma parte do investimento efectuado pela Requerente nomeadamente em virtude da atribuição de condições comerciais mais vantajosas;

L.            Nos contratos celebrados com os clientes, são identificadas e quantificadas as vantagens atribuídas ao cliente com a celebração do contrato e o estabelecimento de um período de fidelização, sendo a quantia pagar em caso de incumprimento calculada com base nessas vantagens e proporcionalmente à parte do período de fidelização cumprido;

M.          A quantia a pagar não pode exceder os custos que a Requerente suportou com a instalação da operação;

N.           A Requerente não liquidava IVA sobre as quantias recebidas dos seus clientes por incumprimento do período de fidelização contratual, mas passou a fazê-lo na sequência de uma inspecção tributária ao exercício de 2012 de que resultou uma liquidação adicional de IVA relativa às referidas quantias recebidas pela Requerente dos seus clientes;

O.           Relativamente ao período de Novembro de 2016, a Requerente entregou a 06-01-2017 a sua declaração periódica de IVA, tendo entregue ao Estado a quantia de € 620.132,79 relativa a IVA liquidado às taxas de 18%, 22% e 23% sobre as quantias recebidas por incumprimento do período de fidelização contratual no valor total de € 2.705.527,08, nos termos do quadro seguinte:

 

 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

P.            Apesar de ter autoliquidado o IVA sobre as referidas quantias, a Requerente entende que as mesmas estão excluídas de tributação;

Q.           A 13-10-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa do referido acto de autoliquidação de IVA, em que contestou parcialmente a legalidade da autoliquidação, no que respeita à incidência de IVA sobre as quantias referidas (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

R.            O processo de reclamação graciosa correu termos junto da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), sob o n.º ...2017...;

S.            Em 08-01-2018, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, cujos fundamentos constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

29. Face ao exposto na petição de Reclamação apresentada, a questão principal que se coloca é a de saber se as indemnizações por incumprimento do período de fidelização contratual estão sujeitas e não isentas de IVA.

30. Antes de nos focarmos na análise da sujeição a IVA das indemnizações, convém chamar à colação o Princípio da Tributação de uma atividade económica, consagrado no n.º 1 artigo 1.º do Código do IVA, de acordo com o qual "Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:

a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;

b) As importações de bens;

c) As operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias''.

31. A "Diretiva IVA" estabelece, no n.º 2 do artigo 1,º, que "o princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação".

32. Deste modo, o IVA, enquanto imposto geral sobre o consumo, incide unicamente sobre a "atividade económica", enquanto "qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência" - parágrafo 2.º do n.º 1 do artigo 9.º da Diretiva IVA.

33. Logo, a existência de uma atividade económica está sujeita a IVA e a tributação de uma dada operação, em sede do IVA, é efetuada com base na existência de uma contraprestação associada a uma transmissão de bens ou prestação de serviços, enquanto expressão da atividade económica de cada agente.

34. É, neste âmbito, que surgem as especificidades em termos de tributação das indemnizações, uma vez que estas nem sempre configuram a contrapartida de uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços.

35. No que concerne ao conceito de indemnização, e quanto ao quadro legal aplicável, não se nos afigura que existam divergências relevantes de entendimento entre a AT e a Reclamante.

36. A questão em discussão cinge-se, no fundo, à qualificação e enquadramento jurídico-tributário das indemnizações decorrentes da aplicação das cláusulas penais constantes dos contratos celebrados com os clientes, acionadas na sequência do incumprimento do período de fidelização. Ou seja, se as mesmas devem ser consideradas como verdadeiras indemnizações, visando tão só a ressarcimento de prejuízos, ou como, apresentando um caracter remuneratório, tendo subjacente a prestação de um serviço.

37. Como a Reclamante refere no ponto 21º da petição, "a legislação fiscal, e em particular o CIVA, não consagra uma definição de indemnização, pelo que importa recorrer ao conceito do Direito Civil, em obediência do artigo 11.º/2 da Lei Geral Tributária ("LGT")"

38. Ora, as indemnizações são definidas como o montante devido pelo lesante, tendo em vista ressarcir o lesado dos prejuízos, danos que lhe foram causados.

39. No entanto, o termo indemnização é geralmente usado para abranger e designar uma multiplicidade de realidades, de pagamentos, de prestações, olvidando-se o estrito significado jurídico deste vocábulo.

40. Na atividade empresarial utiliza-se o termo "indemnização" para designar operações que na realidade nada têm a ver com uma verdadeira indemnização, como acontece, por exemplo, com as indemnizações por lucros cessantes, pelo não exercício de uma atividade, entre outras realidades.

41. Nestes casos, trata-se de uma contraprestação em razão da qual uma determinada entidade obtém ganhos económicos associados ao desenvolvimento de uma atividade económica, e como tal, sujeitas a IVA. Ou seja, de "indemnização" tem apenas o nome.

42. O conceito de indemnização está associado a uma das fontes das obrigações clássicas, que se encontra consagrada no Código Civil Português, a responsabilidade civil, que se consubstancia na obrigação que nasce na esfera de uma entidade que se encontra adstrita a reparar um determinado prejuízo causado a outrem.

43. A responsabilidade civil pode ser dividida em duas vertentes, a responsabilidade contratual ou negocial, que pressupõe a violação de obrigações (que se encontram estipuladas em contratos, negócios jurídicos unilaterais ou que resultem da própria lei) e a responsabilidade extracontratual, que resulta da violação, ainda que lícita, de deveres de caráter genérico ou condutas (que normalmente protegem direitos absolutos), que causam determinados danos a outrem.

44. No que concerne à responsabilidade extracontratual, o n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil (CC) prescreve que, "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado B indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

45. Assim sendo, a obrigação de indemnizar surge quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: ser um facto voluntário (controlável pela vontade) do agente, existir ilicitude do facto, culpa (natureza dolosa ou negligenciava) da conduta do agente, dano e nexo de causalidade entre o facto praticado e os danos causados.

46. Relativamente à obrigação de indemnizar propriamente dita, estabelece o artigo 562.º do CC que "Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação".

47. Ou seja, é fixada uma indemnização em dinheiro, sempre que não seja possível recorrer à reconstituição natural, que é calculada segundo a teoria da diferença, que nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do CC, se traduz na diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.

48. Retomando a questão inicial, quanto ao enquadramento e eventual tributação em sede de IVA das indemnizações por incumprimento do período de fidelização contratual, o imposto incide sobre a contrapartida associada a uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços, que pressupõe uma atividade económica onerosa, verificando-se, pois, a existência de um nexo sinalagmático.

49. Em contraposição, o pagamento de uma indemnização constitui um facto não sinalagmático, não havendo qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação à qual o lesado se encontrasse adstrito, nascendo ex novo no momento em que é causado o dano.

50. Deste modo, as "puras indemnizações", como meras compensações ressarcitórias de um prejuízo/dano, não levantam quaisquer implicações ao nível de liquidação do IVA, uma vez que estão fora do seu âmbito de incidência, que se limita às atividades económicas.

51. O problema surge nas chamadas figuras "híbridas" que são vulgarmente designadas de indemnizações (por ex.: pagamentos pela cedência de posição contratual, pela rescisão antecipada de um contrato ou por revisão de preços) e que, regra geral, são operações tributáveis, pelo facto de constituírem contrapartidas de uma transmissão de bens ou prestação de serviços.

52. Apenas estão sujeitas a IVA aquelas realidades tácticas que concretizam a contrapartida de uma operação tributável.

53. No artigo 16.º do Código do IVA, o legislador nacional optou por consagrar o tipo de indemnizações que deverão ser excluídas de tributação.

54. A alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA prevê que "(...) do valor tributável referido no número anterior são excluídas:

a) [...] as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial das obrigações".

55. A norma em referência apenas poderá ser entendida no sentido de que toda a indemnização que seja reconhecida judicialmente não será sujeita a IVA, uma vez que a intenção do legislador terá sido "(...) reconhecer que a comprovação judicial será suficiente para classificar determinadas prestações como indemnizações, obviando-se ao risco da dissimulação de operações tributáveis a coberto de conceitos aparentemente inócuos"- Arnaldo, Afonso e Pedro Vasconcellos Silva - O IVA e as Indemnizações, Fisco n.º 107/108.

56. De facto, acontece serem impostas cláusulas penais, a determinados contratos, cujo único propósito é o de reduzir o valor tributável das operações realizadas, através da qualificação de parte do preço como indemnização, pelo que, a apreciação que é feita pelo tribunal permite conhecer a verdadeira natureza dos factos e combater aquele tipo de situações, eventualmente, fraudulentas em alguns casos.

57. Poderá, pois, da análise da alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA, concluir-se que todas aquelas indemnizações, aí expressamente mencionadas, não constituem a contraprestação devida de uma operação económica, devendo ser excluídas do âmbito de incidência do IVA.

58. Assim, para sujeitar a IVA uma indemnização por falta de cumprimento da prestação no âmbito de um contrato deve ter-se em consideração qual a natureza e o fim daquele pagamento (como reparação de prejuízos causados ou como contrapartida de uma operação económica não realizada e contratualmente estabelecida).

59. Face ao exposto, a questão fundamental associada ao enquadramento e eventual tributação em sede de IVA dessas operações reside no facto de a suposta "indemnização" se enquadrar ou não no conceito (residual) de prestação de serviços.

60. O artigo 4.º do CIVA atribui ao conceito de prestação de serviços um caráter residual, porquanto considera como prestação de serviços as operações que não consistam em transmissões de bens, importações e operações abrangidas no âmbito do RITI.

61. Cumulativamente, para que uma dada operação se considere como prestação de serviços, terá que ser efetuada a título oneroso, localizada no território nacional e realizada por sujeitos passivos (agindo como tal) no âmbito de uma atividade económica nos termos do artigo 2.º do CIVA.

62. Assim, para efeitos deste imposto, são, designadamente, qualificadas como prestações de serviços, o exercício independente de uma profissão, os serviços de hotelaria e restauração, a cedência de direitos, marcas e patentes, a cedência de pessoal, a assunção de obrigações de não concorrência, o pagamento de determinadas subvenções e indemnizações e o débito-de despesas a título de repartição de despesas comuns.

63. Os autores Afonso Arnaldo e Pedro Vasconcellos Silva, in O IVA e as Indemnizações, publicado na revista Fisco n.º 107/108, na referência ao caso Lubbock Fine, defendem que a rescisão antecipada de um contrato e a desvinculação de uma das partes representa uma contraprestação para o recebimento da importância em questão [indemnização]: "(...) as rescisões antecipadas de contratos contra o pagamento de determinados montantes envolvem normalmente um caráter oneroso, o que implica a sujeição a IVA".

64. Ora, tendo em conta o caso concreto, poderá extrair-se do que antes foi exposto que, se o contrato principal está sujeito a IVA, as "indemnizações" (que de indemnização só têm o nome, sendo, antes, verdadeiras contraprestações) estarão também sujeitas a IVA.

65. De acordo com o anteriormente exposto, o critério a adotar para discernir se uma determinada indemnização está sujeita a tributação em sede de IVA estará relacionado com a existência de uma reposição de rendimento, que compense um acréscimo patrimonial não verificado na sequência da lesão, isto é, de um caráter remuneratório associado à indemnização. E assim sendo têm subjacente uma atividade económica, pressuposto da tributação em IVA.

66. Cumpre, portanto, aferir se a indemnização se destina a compensar os lucros cessantes, ou seja, a repor o nível de rendimento que, por força de um dano, o sujeito passivo deixou de obter.

67. Dito de outro modo, há que apurar se o pagamento visou repor o rendimento que seria obtido através da prestação de serviços, caso o cliente não tivesse quebrado a relação contratual.

68. Na situação em análise será aquela a realidade em causa uma vez que as indemnizações controvertidas tiveram essa finalidade, como pode constatar-se dos próprios contratos.

69. Conforme refere a Reclamante, nos pontos 82.º e sgs da petição, até agosto de 2016 (data da entrada em vigor da alteração ao artigo 48.º da Lei das Comunicações Eletrónicas), este valor era determinado conforme cláusulas do contrato estabelecido entre a A... e os seus clientes, com base na seguinte fórmula, que em termos gerais corresponderá ao seguinte: (período mínimo de vigência - n.º de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada).

70. Ou seja, seria exatamente o mesmo valor que o cliente pagaria no final do período de fidelização caso se mantivesse o contrato de prestação de serviços em vigor até ao seu termo.

71. Isso é patente, por exemplo, nas condições particulares do primeiro contrato junto como documento n.º 2 (fls 64 e 65), em concreto do ponto 5. onde se prevê que: "Em caso de cessação do contrato (....) antes de decorrido o prazo referido no ponto 1, o cliente compromete-se, relativamente a cada um dos serviços/blocos acordados que sejam desativados, a efetuar o pagamento imediato do Valor Mensal de Referência vincendo até ao termo do referido período de permanência. O Valor Mensal de Referência (...) e encontram-se associado ao(s) respetivo(s) serviço(s)/bloco(s) do consumo mensal acordado."

72. Assim, e na medida em que dos textos do contrato se retira o carácter remuneratório das indemnizações em causa, será de considerar que as mesmas se encontram sujeitas a IVA.

73. De facto do modo de cálculo das próprias indemnizações se infere que estas visaram compensar a A... de uma perda de receitas no pressuposto de que tinha" (...), no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho. - cfr. acórdão do S.T.J de 23/5/78., B.MJ. nº 277; pág. 258.º Cf, Acórdão (STJ) nº 04B3907 de 16.12.2004.

74. O que ambas visam refazer não é o investimento efetuado - esse permanece tal como foi feito - o que pretende, afinal, é conseguir receitas para recuperar esse investimento, numa ótica económica. Este desiderato é alcançado através da existência do período de fidelização ou quando este não é cumprido, pelo débito de uma indemnização.

75. Conclui-se, assim, que as presentes indemnizações visam compensar rendimentos cessantes e decorrem do cumprimento de obrigações contratualmente assumidas no âmbito de contratos de prestações de serviços, pelo que representam uma contraprestação de operações tributáveis em IVA.

76. Em termos de enquadramento no Código do IVA as indemnizações em crise constituem uma contrapartida por uma prestação de serviços, sujeita e não isenta, nos termos do nº 1 do artigo 4º.

77. Importa realçar que face à leitura dos contratos juntos sob Doc. 2 e 3 conclui-se que, a prestação de serviços efetuada pela A... aos seus clientes rege-se por cláusulas contratuais que consubstanciam um verdadeiro contrato de adesão, ao qual, o cliente adere ou não, ou seja, não existe liberdade de alteração ou estipulação de novas cláusulas por parte do aderente.

78. Para precaver determinadas situações, não favoráveis à Reclamante estabelece uma cláusula penalizadora, não deixando alternativa ao seu cliente, caso este não pretenda ou não tenha como permanecer vinculado ao contrato, impondo o pagamento de um determinado valor a título de indemnização.

79. Com efeito, com tais cláusulas, a A..., obtém o valor resultante do cumprimento do contrato por parte do cliente, ficando dispensada de prestar a sua. Pelo que, neste quadro, poderíamos concluir que o incumprimento do cliente é mais vantajoso para a A... que a manutenção do contrato.

80. Ora tal, não se mostra compatível com o objetivo tido em consideração pelo legislador ao elaborar a Lei das Comunicações Eletrónicas.

81. Este é o entendimento da AT que se encontra vertido em várias Informações Vinculativas, designadamente, as que se abordam nos pontos seguintes.

82. No Processo n.º 3247, com o despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, de 4 de junho de 2012, a AT conclui que "(...) a indemnização, resultante do incumprimento de uma obrigação contratual (...) visa compensar a perda de receitas pelo exercício de funções.

18. Com efeito, a indemnização tem subjacente uma prestação de serviços no conceito residual previsto no n.º 1 do artigo 4º do Código do IVA, visto a rescisão antecipada concedida pela requerente, ou seja, a desvinculação de uma das partes, representar uma contrapartida para o recebimento da indemnização, visando repor o nível de rendimentos que deixou de obter.

17. Deste modo, a indemnização está sujeita a IVA, na medida que tem subjacente a contraprestação de uma operação tributável - prestação de serviços, como decorre do artigo 16. º, conjugado com a alínea a) do n.º 1 com o artigo 1.º e artigo 4.º, todos do Código do IVA, sendo tributada à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18º do referido Código".

83. No Processo n.º 1598, por despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor - Geral, de 08 de fevereiro de 2011, pode-se ler:

26. O princípio subjacente ao IVA, como imposto sobre o consumo, pretende tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, que não tenham caráter remuneratório.

27. Se as indemnizações sancionam a lesão de qualquer interesse, sem caráter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços"

84. Também o Processo n.º V023 2007015, por despacho do Subdiretor-Geral dos Impostos, em substituição do Diretor-Geral, de 12 de novembro de 2007, preceitua:

8. Para enquadramento da questão da sujeição ou não a IVA das quantias recebidas 3 título de indemnização, há que ter em conta o princípio subjacente do IVA, como imposto sobre o consumo, e que corresponde, basicamente, ao disposto na atual Diretiva 2006/112/CE, pretendendo tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, que não tenham caráter remuneratório.

9. Assim, são tributáveis em IVA as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços, e, como tal, configuram uma contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto.

10. Se as indemnizações sancionam a lesão de qualquer interesse, sem caráter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços."

85. Conclui-se, portanto, que, como já referida ao longo da análise à presente Reclamação, que o imposto incide sobre a contrapartida associada a uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços, que pressupõe uma atividade económica onerosa, pelo que se verifica uma existência de um nexo sinalagmático.

86. Esta prestação de serviços decorre do cumprimento de um contrato de adesão celebrado entre as partes que se encontra sujeito a IVA. Logo, a cláusula que define o ressarcimento de um valor à Exponente, a título de indemnização, decorrente do incumprimento do "período de vigência", também se encontra sujeita a IVA.

87. Conforme referem os Autores Afonso Arnaldo e Pedro Vasconcellos Silva, in " O IVA e as Indemnizações" publicado na revista Fisco n.º 107/108, na referência ao "caso Lubbock Fine", "(...) a prestação devida por ocasião da rescisão antecipada de um contrato de arrendamento deverá ter um enquadramento em sede de IVA idêntico ao regime do contrato principal, Assim, se o arrendamento estiver isento de imposto, estarão igualmente abrangidas pelo âmbito dessa isenção as "indemnizações” pagas em resultado de uma rescisão convencional."

E continua,

"Deste modo, e não podendo o regime de um contrato de arrendamento ser objeto de um fracionamento, caso se tenha solicitado a renúncia à isenção de IVA e liquidado imposto nas rendas pagas, tal compensação encontrar-se-á sujeita e não isenta de imposto."

88. Decorre, pois, da leitura do texto citado que se o contrato principal (que consubstancia operações tributáveis conexas com a atividade de prestações de serviços) está sujeito a IVA, também as supostas "indemnizações" que decorrem do não cumprimento do contrato principal estarão sujeitas ao mesmo imposto.

89. O mesmo será dizer, em jeito de conclusão, que a razão de ser do surgimento de cláusulas que sujeitam uma das partes ao pagamento de determinados valores por incumprimento contratual, a título de indemnização, quer em contratos de adesão celebrados nas atividades na área das telecomunicações, quer em contratos de arrendamento que renunciam à isenção de IVA, ou noutros em idênticos moldes, configuram uma contraprestação em razão da qual uma determinada entidade obtém ganhos económicos associados ao desenvolvimento de uma atividade económica, e como tal, sujeita a IVA.

90. Ora, resulta do exposto uma evidente similitude face ao que acontece com as indemnizações por incumprimento do "período de fidelização", razão pela qual, não podem também deixar de ser consideradas sujeitas e não isentas de IVA.

T.            Os tipos de contratos celebrados pela Requerente com os seus clientes têm os teores que constam do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, que se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte, na Cláusula J2 e no Anexo I, Pontos D e E:

J.  Duração, Renovação, Denúncia e Resolução do contrato

2.  O Compromisso de Permanência é exigido como contrapartida pelos  custos associados à ativação do serviço, à disponibilização dos equipamentos necessários à utilização do serviço, bem como pela concessão ao Cliente de condições especiais de preços ou descontos.

 

D. Condições Especiais dos Tarifários e/ou Equipamentos ("Compromisso de Permanência")

1. Como contrapartida das condições especiais dos tarifários da oferta voz móvel pós paga, o Cliente aceita um compromisso de permanência durante um período de 24 (vinte e quatro) meses, salvo se outro prazo constar do respetivo formulário de adesão.

2. Como contrapartida das condições especiais dos tarifários ou equipamentos da oferta internet móvel Pós Paga, o Cliente aceita um compromisso de permanência durante um período de 12 (doze) meses, salvo se outro prazo constar do respetivo formulário de adesão.

3. Caso o cliente já tenha aderido ao serviço fixo em condições especiais, que impliquem associação dos serviços móveis identificados no contrato a um tarifário da Oferta Móvel Pós Paga, compromete-se, nos termos deste anexo, a manter ativo(s) e em seu nome, o(s) serviço(s) telefónico(s) móvel(eis) identificados no respetivo tarifário por um período de 24 (vinte e quatro) meses, a contar da data de ativação deste tarifário.

4. Se o cliente tiver um tarifário da oferta voz móvel pós paga ou Oferta Internet Móvel e, durante os períodos referidos nos pontos 1 e 2, aderir a um serviço fixo nas condições referidas no número anterior, o presente compromisso cessa automaticamente relativamente ao(s) serviço(s) telefónico(s) móvel(eis) que seja(m) abrangido(s) pela oferta do serviço fixo, comprometendo-se, neste caso, o Cliente a manter ativo(s) e em seu nome, esse(s) serviço(s) telefónico(s) móvel(eis) no tarifário, durante 24 (vinte e quatro) meses, a contar da adesão ao serviço fixo e como contrapartida dos benefícios e vantagens que lhe foram atribuídos, os quais se encontram devidamente identificados e quantificados no formulário de adesão ao serviço.

5. Não contam para o decurso dos prazos referidos nos números anteriores os períodos de suspensão temporária dos serviços, durante os quais não se verifique o pagamento das mensalidades do tarifário contratado.

6. Durante o Compromisso de Permanência referido nos números 1, 2 e 3 o Cliente compromete-se a não alterar o plano de tarifas subscrito na Proposta de contrato para outro tarifário, e ainda, a manter ativo(s) e em seu nome, o(s) serviço(s) telefónico(s) móvel(is) associado(s) a este tarifário, sob pena de incorrer no incumprimento das condições contratadas à A... e, por conseguinte, no pagamento dos encargos previstos na cláusula E. Excecionalmente, a A... poderá autorizar a alteração para um outro plano de tarifas caso em que o presente Compromisso de Permanência cessa e se inicia o compromisso de permanência relativo à respetiva oferta.

7. Os Compromissos de Permanência indicados nos números 1, 2, 3 e 4 são exigidos como contrapartida das vantagens atribuídas ao Cliente identificadas e quantificadas no respetivo formulário de adesão ao Contrato. As vantagens conferidas ao cliente podem corresponder à oferta dos custos de instalação, ativação, portabilidade, equipamentos ou condições especiais de tarifários, os quais podem ser consultados em www...pt ou através do Serviço Permanente de Atendimento a Clientes 16912 (tarifa aplicável)

8. As condições especiais do tarifário só são válidas se se mantiveram os requisitos de elegibilidade.

9. As condições de aquisições de equipamentos podem coexistir com as condições especiais de tarifários.

10. Caso o Cliente subscreva um tarifário da oferta voz móvel pós paga sem fidelização, uma vez que não terá condições especiais, não existirá um compromisso de permanência associado ao mesmo pelo que as condições dos números acima indicados nesta cláusula, e na cláusula E, não lhe são aplicáveis.

 

E. Encargos devidos em caso de cessação antecipada do Contrato das condições especiais do tarifário e/ou de aquisição de equipamento)

1. Os encargos devidos à A... pela cessação antecipada do contrato por iniciativa do Cliente, por falta de pagamento das respetivas faturas ou a desativação de qualquer do(s) serviço(s) abrangido(s) por este Compromisso de Permanência, antes de decorridos os prazos referidos nos números 1,2, 3 e 4 da cláusula D. serão proporcionais às devidamente identificadas e quantificadas no formulário de adesão deste contrato.

2. O valor dos encargos devidos à A... pela cessação antecipada do contrato, serão proporcionais à vantagem que foi conferida ao cliente que, na proporção do período de duração do contrato fixada, ainda esteja por recuperar pela A.... As vantagens conferidas ao cliente podem corresponder à oferta dos custos de instalação, ativação, portabilidade, equipamentos ou condições especiais de tarifários, os quais podem ser consultados em www...pt ou através do Serviço Permanente de Atendimento a Clientes 16912 (tarifa aplicável).

3. O valor dos encargos devidos à A... pelo Cliente será calculado da seguinte forma: o período de duração do contrato fixado ainda em falta, multiplicado pelo total das vantagens conferidas ao cliente, repartidas pelo número total de meses de fidelização.

4. No caso previsto no ponto 9 da cláusula D, o incumprimento dos respetivos períodos de permanência conferem à A... o direito de exigir ao Cliente o pagamento dos encargos devidos de acordo com a fórmula indicada no nº 3 supra.

5. Caso tenha sido subscrito um compromisso de permanência na rede móvel e o Cliente proceder, posteriormente, ao cancelamento do pedido de portabilidade do número para a A..., a A... reserva-se ao direito de transferir as obrigações contratuais para um novo número A... a designar. A desativação do número, e o consequente incumprimento do respetivo compromisso de permanência, confere à A... o direito de exigir ao Cliente o pagamento dos encargos devidos de acordo com a fórmula indicada no nº 3 supra.

6. Os encargos referidos nos números anteriores não afetam o direito da A... de exigir o pagamento de eventuais valores vencidos e respetivos juros moratórios.

 

U.           No na de 2012, a Requerente não liquidava IVA sobre as importâncias recebidas dos seus clientes por incumprimento de períodos de fidelização, o que motivou a abertura de um procedimento de inspeção ao exercício de 2012 por parte da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), e a decisão de liquidação adicional de IVA sobre indemnizações cobradas por incumprimento do período de fidelização contratual;

V.           A Requerente apresentou impugnação judicial das referidas liquidações de IVA do período de 2012, correndo o processo termos sob o n.º .../15...BELRS, no Tribunal Tributário de Lisboa;

W.          Em 09-04-2018, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.1. Factos não provados

 

Não se provou que a Requerente repercutiu o IVA  que autoliquidou.

A Autoridade Tributária e Aduaneira faz essa afirmação no artigo 72.º da Resposta, mas o certo é que não faz qualquer prova do que alega, tendo-se limitado a juntar aos autos um processo administrativo, que nem sequer se reporta à reclamação graciosa, tendo sido instaurado para apreciar o pedido feito no presente processo arbitral. (   )

 

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos dados como provados baseiam-se nos documentos juntos com o pedido arbitral e em afirmações da Requerente que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Designadamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona o montante que a Requerente refere ter sido liquidado relativamente a quantias recebidas por incumprimento de períodos de fidelização

Embora a Autoridade Tributária e Aduaneira diga, na sua Resposta, que a Requerente não fez «prova dos danos a que alude, em ordem a provar que o clausulado do modelo de contrato de adesão abarca, de facto, uma cláusula penal, na modalidade de “liquidated damages clause”, o certo é que é perfeitamente normal que a Requerente tenha prejuízo económico com a cessação antecipada dos contratos, o que é manifesto quando a cessação for próxima do momento do início do contrato e tenha atribuído ao cliente vantagens promocionais, pelo que é de presumir que tenha danos, Para além disso,  até é pressuposto no regime legal aplicável em que prevê que a resolução do contrato durante o período de fidelização justifique uma contrapartida a título indemnizatório ou compensatório, para «recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais», como se infere dos artigos 52.º-A , n.º 8, e 48.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 15/2016, de 17 de Junho.

Por isso, é de presumir, como legislativamente se presume, que a Requerente tenha os custos dos tipos que alega e que as quantias recebidas dos seus clientes por incumprimento de períodos de fidelização visem a sua recuperação.

Aliás, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira, no requerimento que apresentou em 27-11-2018, acaba por defender que, com base no acórdão do TJUE proferido no processo C-295/17, que o montante fixo tem como propósito «ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período».

Assim, trata-se de ponto sobre o qual deixou de haver controvérsia.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Termos em que a questão que é objecto do processo é  equacionada

 

A Requerente celebrou contratos com seus clientes, relativos a prestação de serviços comunicações eletrónicas, de acesso à internet ou televisão.

Alguns dos referidos contratos foram celebrados com condições promocionais sujeitas a requisitos e condições de fidelização dos clientes por um período mínimo pré-determinado.

Nestes casos, os clientes comprometeram-se, de antemão, a manter uma relação contratual com a Requerente e a utilizar os serviços ou bens por esta fornecidos, por um determinado período mínimo de tempo e, em troca, usufruíram das condições mais vantajosas acordadas, nomeadamente ao nível do preço a pagar pelos serviços contratados.

O período mínimo de fidelização ou permanência, como condição de acesso às condições contratuais mais vantajosas é essencial para a Requerente recuperar uma parte do investimento infraestrutura global (redes, equipamentos e instalações), despesas com angariação de clientes (campanhas comerciais e de marketing e pagamento de comissões a entidades parceiras) activação do serviço contratado, vantagens atribuídas a título de descontos ou serviços gratuitos e custos que inclui instalação em residências e escritórios e custos com compra de equipamentos.

Na sequência de alteração ao artigo 48.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, operada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de Junho, a partir de Agosto de 2016 a Requerente passou a determinar a quantia a pagar no caso de incumprimento pelos clientes do período de fidelização com base num cálculo sobre as vantagens atribuídas ao cliente no início de contrato e que à data da rescisão contratual não tenham ainda sido ressarcidas à Requerente pela prestação do serviço.

Nos termos dos contratos referidos, «o valor dos encargos devidos à A... pela cessação antecipada do contrato, serão proporcionais à vantagem que foi conferida ao cliente que, na proporção do período de duração do contrato fixada, ainda esteja por recuperar» e «o valor dos encargos devidos à A... pelo Cliente será calculado da seguinte forma: o período de duração do contrato fixado ainda em falta, multiplicado pelo total das vantagens conferidas ao cliente, repartidas pelo número total de meses de fidelização» (Anexo I aos contratos, pontos E.2 e E.3).

Está em causa no presente processo, essencialmente, saber se sobre as quantias recebidas pela Requerente dos seus clientes por incumprimento de períodos de fidelização, calculadas nos termos previstos nestas cláusulas, deve incidir IVA.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão da reclamação graciosa, entendeu, em suma, que «as presentes indemnizações visam compensar rendimentos cessantes e decorrem do cumprimento de obrigações contratualmente assumidas no âmbito de contratos de prestações de serviços, pelo que representam uma contraprestação de operações tributáveis em IVA» e que «em termos de enquadramento no Código do IVA as indemnizações em crise constituem uma contrapartida por uma prestação de serviços, sujeita e não isenta, nos termos do nº 1 do artigo 4º».

A Requerente defende, em suma, o seguinte:

– a cláusula de fidelização prevista nos contratos celebrados pela A... corresponde a uma cláusula penal na versão da liquidated damages clause, estipulando assim uma fixação antecipada da indemnização correspondente aos danos a ressarcir;

– para existir uma "atividade económica" tributável em sede de IVA, é necessário que exista uma contraprestação devida pela parte beneficiária de uma prestação de serviços (ou, transmissão de bens);

– o IVA visa tributar actos de consumo que permitam considerar o beneficiário como consumidor efetivo das vantagens conferidas por essa mesma prestação de serviços (ou transmissão de bens);

– para concluir pela sujeição das indemnizações a IVA, nomeadamente ao abrigo do conceito residual de prestação de serviços, é necessário demonstrar o carácter oneroso da operação e a existência de uma relação sinalagmática entre a prestação do serviço e o valor pago;

– a inexistência de um "acto de consumo" (independentemente de haver ou não algum nexo entre duas prestações realizadas no âmbito de uma relação sinalagmática) conduzirá, inevitavelmente, ao afastamento de uma determinada operação do campo de sujeição deste imposto;

– após a resolução do contrato que os ligava à A..., o pagamento da indemnização prevista contratualmente não tem como contrapartida uma prestação de serviços;

– todas as indemnizações, no caso de sancionarem a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços;

– em caso de incumprimento de obrigações reiterado e continuado do cliente, considera-se "automaticamente resolvido" o contrato de prestação de serviços, nos termos do n.º 7 do  artigo 52.º-A da LCE, e é proibida a cobrança da contraprestação por serviços (n.º 10 do mesmo arrigo);

– nos termos do n.º 8 do mesmo artigo a resolução «não prejudica a cobrança de uma contrapartida a título indemnizatório ou compensatório pela resolução do contrato durante o período de fidelização, nos termos e com os limites do disposto no Decreto-Lei n.º 56/2010, de 1 de junho»;

– a cobrança da contrapartida prevista neste n.º 8 tem lugar «após a resolução do contrato de prestação de serviços com o seu cliente, ou seja, num momento em que o operador se encontra legalmente impedido de prestar qualquer serviço a esse seu (já antigo) cliente»;

– «ao receber (ou, pelo menos, ao faturar) uma quantia ao abrigo da cláusula penal indemnizatória, está a ser protegida e compensada pelos prejuízos ou danos, traduzidos na impossibilidade de recuperar todos os custos que anteriormente havia suportado, em resultado do incumprimento, pelo seu (antigo) cliente, da obrigação de permanência que este livremente se vinculou a respeitar»;

– o valor recebido pela Requerente não corresponde à retribuição de qualquer prestação de serviços efetuada ao cliente, pois o pagamento ocorre após a cessação do contrato e visa única e exclusivamente a cobertura de danos/ prejuízos causados em virtude do incumprimento e cessação antecipada do contrato;

– a contrapartida por desbloqueamento de equipamentos tem natureza diferente;

– a distinção enunciada pela AT entre este tipo de prejuízos e o de "danos emergentes" seria indiferente ou irrelevante para efeitos do apropriado enquadramento dessa "indemnização" para efeitos de IVA (à luz do conceito presente no Código Civil, aplicável para efeitos de IVA, por via do disposto no artigo 11.º, n.º 2, da LGT).

 

Na sua Resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

– os contratos de fidelização elaborados pela Requerente e disponibilizados aos seus clientes não contêm em si nenhuma cláusula penal no sentido jurídico do termo, pois ela não tem por finalidade impelir os seus clientes ao cumprimento do período de fidelização, nem liquidar antecipadamente os danos exigíveis em caso de incumprimento, mas sim remunerar a prestação de serviços (traduzidas em vantagens, descontos e campanhas promocionais) efectuada ao  cliente que pretende resolver o contrato antes do fim do prazo;

– nos termos da cláusula E.2 dos contratos, os encargos podem corresponder à oferta dos custos de instalação, activação, portabilidade, equipamentos ou condições especiais de tarifários, pelo que o pagamento corresponde a uma prestação de um serviço que foi, anteriormente, prestado ao cliente, mas ainda não facturado à data da cessação antecipada do contrato;

– o valor dos encargos cobrados visa apenas substituir o valor que seria imputado em facturas futuras de serviços (descontos, vantagens, promoções) caso tivesse sido respeitado o período mínimo de fidelização, o que está em sintonia com o artigo 48.º, n.º 1, alínea c) da Lei das Comunicações Electrónicas, que refere «recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e activação do serviço ou a outras condições promocionais»;

– o n.º 11 do artigo 48.º referido proíbe a cobrança de qualquer contrapartida a título indemnizatório ou compensatório;

– o propósito da alteração legislativa é precisamente facilitar que consumidores insatisfeitos adiram a campanhas promocionais da concorrência a preços mais baixos;

– ainda que se tratasse de uma cláusula penal, o montante fixado sempre estará sujeito a IVA, por se traduzir na remuneração de lucros cessantes referente apenas e tão-só aos custos dos serviços prestados no início do contrato que, à data da cessação, ainda não tinham sido cobrados;

– sendo isso que se infere do n.º 13 do artigo 48.º da LCE ao estabelecer que os encargos não podem ser superiores ao valor da vantagem conferida que, na proporção do período da duração do contrato fixada, ainda esteja por recuperar pela empresa que presta o serviço, na data em que produz efeitos a sua cessação antecipada;

– nos contratos de adesão em massa, inexiste a liberdade necessária para que os consumidores possam com propriedade discutir as cláusulas do contrato de adesão que celebram;

– a Requerente cobra aos seus clientes, em caso de incumprimento de tal período de fidelização, um determinado montante correspondente ao proporcional dos encargos havidos com instalação, descontos, vantagens, serviços esses prestados no início do contrato;

– a desvinculação de uma das partes do contrato representa uma contraprestação para o recebimento da importância em questão, abrangida pela exigência de IVA.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca ainda na sua Resposta que a Requerente repercutiu o imposto liquidado no seus clientes pelo que o IVA sempre seria devido por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do CIVA, para não se gerar uma situação de enriquecimento sem causa, mas não se fez prova da alegada repercussão, nem menção do IVA em facturas. Para além disso, esta alegada repercussão do imposto e enriquecimento sem causa não foram invocados como fundamento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, pelo que constituem fundamentação a posteriori, que não pode ser atendida, num meio contencioso de mera anulação, como é o processo arbitral.

Na verdade, o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. (   )

 

3.2. O regime legal

 

Nos termos do artigo 1.º, n. 1, alínea a) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA)

"Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:

a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;».

 

O artigo 4.º do CIVA estabelece o seguinte:

«1 - São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens».

 

O artigo 16.º, n.º 6, do CIVA estabelece que

 

6 - Do valor tributável referido no número anterior são excluídos:

a) Os juros pelo pagamento diferido da contraprestação e as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações;

 

Na Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece-se o seguinte, nas normas invocadas pela Requerente:

 

Artigo 2.º

1.  Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

(...)

c) As prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

 

Artigo 9.º

1.  Entende-se por «sujeito passivo» qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade.

                Entende-se por «actividade económica» qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência.

2.  Para além das pessoas referidas no n.º 1, é considerada sujeito passivo qualquer pessoa que proceda a título ocasional à entrega de um meio de transporte novo expedido ou transportado com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, para fora do território de um Estado-Membro mas no território da Comunidade.

 

Artigo 24.º

1.            Entende-se por «prestação de serviços» qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.

2.            Entende-se por «serviços de telecomunicações» os serviços que tenham por objecto a transmissão, emissão e recepção de sinais, texto, imagem e som ou de informações de qualquer natureza através de fios, rádio, meios ópticos ou outros meios electromagnéticos, incluindo a cessão ou a concessão com eles relacionadas de direitos de utilização de meios para a transmissão, emissão ou recepção, incluindo a disponibilização do acesso a redes de informação mundiais.

 

Artigo 72.º

Para efeitos da presente directiva, por «valor normal» entende-se o montante total que, a fim de obter os bens ou serviços em questão no momento dessa operação, o adquirente ou destinatário no mesmo estádio de comercialização em que se realiza a entrega de bens ou a prestação de serviços teria de pagar, em condições de livre concorrência, a um fornecedor ou prestador independente no Estado-Membro em que a operação é tributável.

Na falta de entrega de bens ou prestação de serviços similar, o valor normal é constituído:

1) No que respeita aos bens, por um montante não inferior ao preço de compra dos bens ou de bens similares ou, na falta de preço de compra, ao preço de custo, determinados no momento em que tais operações se realizam;

2) No que respeita aos serviços, por um montante não inferior às despesas suportadas pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços.

 

Artigo 73.º

Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.º a 77.º, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações.

 

 

Os artigos 48.º e 52.-A da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 15/2016, de 17 de Junho) (doravante “LCE”), estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 48.º

Contratos

1 - Sem prejuízo da legislação aplicável à defesa do consumidor, a oferta de redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público é objecto de contrato, do qual devem obrigatoriamente constar, de forma clara, exaustiva e facilmente acessível, os seguintes elementos:

(...)

g) A duração do contrato, as condições de renovação, suspensão e de cessação dos serviços e do contrato;

(...)

2 - A informação relativa à duração dos contratos, incluindo as condições da sua renovação e cessação, deve ser clara, percetível, disponibilizada em suporte duradouro e incluir as seguintes indicações:

a) Eventual período de fidelização, cuja existência depende da atribuição de qualquer vantagem ao consumidor, identificada e quantificada, associada à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais;

b) Eventuais encargos decorrentes da portabilidade dos números e outros identificadores;

c) Eventuais encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato durante o período de fidelização, por iniciativa do assinante, nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais.

(...)

11 - Durante o período de fidelização, os encargos para o assinante, decorrentes da resolução do contrato por sua iniciativa, não podem ultrapassar os custos que o fornecedor teve com a instalação da operação, sendo proibida a cobrança de qualquer contrapartida a título indemnizatório ou compensatório.

12 - Os encargos pela cessação antecipada do contrato com período de fidelização, por iniciativa do assinante, devem ser proporcionais à vantagem que lhe foi conferida e como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, não podendo em consequência corresponder automaticamente à soma do valor das prestações vincendas à data da cessação.

13 - Para efeitos do disposto no número anterior, no caso de subsidiação de equipamentos terminais, os encargos devem ser calculados nos termos da legislação aplicável e, nas demais situações, não podem ser superiores ao valor da vantagem conferida que, na proporção do período da duração do contrato fixada, ainda esteja por recuperar pela empresa que presta o serviço, na data em que produz efeitos a sua cessação antecipada.

 

Artigo 52.º-A

Suspensão e extinção do serviço prestado a assinantes consumidores

1 - Quando esteja em causa a prestação de serviços a assinantes que sejam consumidores, as empresas que oferecem redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público devem, na falta de pagamento dos valores constantes da fatura, emitir um pré-aviso ao consumidor, concedendo-lhe um prazo adicional para pagamento, de 30 dias, sob pena de suspensão do serviço e de, eventualmente, haver lugar à resolução automática do contrato, nos termos do n.ºs 3 e 7, respetivamente.

2 - O pré-aviso a que se refere o número anterior é comunicado por escrito ao consumidor no prazo de 10 dias após a data de vencimento da fatura, devendo indicar especificamente a consequência do não pagamento, nomeadamente a suspensão do serviço e a resolução automática do contrato, e informá-lo dos meios ao seu dispor para as evitar.

3 - As empresas que oferecem redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público devem obrigatoriamente, no prazo de 10 dias após o fim do prazo adicional previsto no n.º 1, suspender o serviço, por um período de 30 dias, sempre que, decorrido aquele prazo, o consumidor não tenha procedido ao pagamento ou não tenha celebrado com a empresa qualquer acordo de pagamento por escrito com vista à regularização dos valores em dívida.

4 - A suspensão do serviço não tem lugar nas situações em que os valores da fatura sejam objeto de reclamação por escrito junto da empresa, com fundamento na inexistência ou na inexigibilidade da dívida, até à data em que deverá ter início a suspensão.

5 - À suspensão prevista no presente artigo é aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior.

6 - O consumidor pode fazer cessar a suspensão, procedendo ao pagamento dos valores em dívida ou à celebração de um acordo de pagamento por escrito com a empresa que oferece redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, casos em que esta deve repor a prestação do serviço imediatamente ou, quando tal não seja tecnicamente possível, no prazo de cinco dias úteis a contar da data do pagamento ou da celebração do acordo de pagamento, consoante aplicável.

7 - Findo o período de 30 dias de suspensão sem que o consumidor tenha procedido ao pagamento da totalidade dos valores em dívida ou sem que tenha sido celebrado um acordo de pagamento por escrito, o contrato considera-se automaticamente resolvido.

8 - A resolução prevista no número anterior não prejudica a cobrança de uma contrapartida a título indemnizatório ou compensatório pela resolução do contrato durante o período de fidelização, nos termos e com os limites do disposto no Decreto-Lei n.º 56/2010, de 1 de junho.

9 - A falta de pagamento de qualquer das prestações acordadas no acordo de pagamento importa obrigatoriamente a resolução do contrato, mediante pré-aviso escrito ao consumidor com a antecedência prevista no n.º 5 do artigo 52.º, aplicando-se o disposto no número anterior.

10 - O incumprimento do disposto no presente artigo por parte da empresa que oferece redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, nomeadamente a continuação da prestação do serviço em violação do disposto no n.º 3 ou a emissão de faturas após o momento em que a prestação do serviço deve ser suspensa, determina a não exigibilidade, ao consumidor, das contraprestações devidas pela prestação do serviço e a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais devidas pela cobrança do crédito.

11 - O disposto no número anterior não é aplicável à emissão de faturas após a suspensão da prestação do serviço que respeitem a serviços efetivamente prestados em momento anterior à suspensão ou às contrapartidas legalmente previstas em caso de resolução antecipada do contrato.

12 - Aplica-se à suspensão do serviço por motivos não relacionados com o não pagamento de faturas o disposto no n.º 1 do artigo 52.º

 

 

3.3. A jurisprudência do TJUE

 

O IVA é um imposto regulado, em primeira linha, pela legislação, da União Europeia (Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006), que prevalece sobre a legislação nacional, por força do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Foi junta ao processo cópia do acórdão do TJUE de 22-11-2018, proferido no processo C-295/17, que, em sede de reenvio prejudicial, abordou questão com pontos comuns à que é objecto do presente processo.

Nesse acórdão decidiu-se o seguinte:

 

1) O artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.

2) Não são determinantes para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços, de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada desse contrato, o facto de o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato e ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período, o facto de a remuneração recebida por um agente comercial pela celebração de contratos que estipulem um período mínimo de vinculação aos mesmos ser superior à prevista no âmbito dos contratos que não estipulam esse período e o facto de o referido montante ser qualificável, no direito nacional, como cláusula penal.

 

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (   ).

                               Da fundamentação do acórdão do TJUE de 22-11-2018, proferido no processo C-295/17 ressalta com evidência que, no entendimento do TJUE,

– «é indiferente, para efeitos da interpretação das disposições da Diretiva IVA, que esse montante constitua, no direito nacional, uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual ou uma penalidade contratual, ou ainda que seja qualificado de reparação, indemnização ou remuneração» (parágrafo 68);

– «saber se o pagamento de uma remuneração tem lugar como contraprestação de uma prestação de serviços é uma questão de direito da União que deve ser decidida independentemente da apreciação efetuada no direito nacional» (parágrafo 69);

– «o  conceito  de  «prestações  de  serviços»,  na  aceção  da Diretiva  IVA,  deve  ser  interpretado  independentemente  das  finalidades  e  dos  resultados  das operações  em  causa»  (parágrafo 60).

 

No entanto, no acórdão deste Tribunal Arbitral de 02-01-2019, reconheceu-se que a Requerente tinha razão quanto à diferença de cálculo das quantias a pagar por incumprimento de períodos de fidelização na situação que foi apreciada no processo C-295/17 e na situação que é objecto do presente processo.

Para além disso, como também disse a Requerente, a conclusão 1) formulada no referido acórdão do TJUE aparentava ter atribuído relevância para decisão da questão de saber se se está perante a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto, à circunstância de o montante pago corresponder «ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado», e aludir à necessidade de o órgão jurisdicional de reenvio verificar se isso sucedeu.

Por isso, entendeu-se que se justificava o reenvio prejudicial, designadamente para esclarecer a relevância que poderá ter para a decisão da questão da sujeição a IVA das quantias pagas por incumprimento de períodos de fidelização o facto de o montante pago não ter de coincidir o que seria pago no resto do período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado e ser calculado por outra forma.

No acórdão proferido no reenvio prejudicial efectuado no presente processo, o TJUE manteve aquela jurisprudência, tendo já em consideração novo regime que consta da redacção do artigo 48.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, introduzida pela Lei n.º 15/2016, de 17 de Junho, designadamente que «tais montantes não podem ultrapassar os custos incorridos pelo prestador de serviços no âmbito da sua prestação e devem ser proporcionais às vantagens atribuídas ao cliente que, como tal, foram identificadas e quantificadas no contrato celebrado com esse prestador. Assim, os referidos montantes não correspondem automaticamente ao valor das prestações ainda não vencidas à data da resolução do contrato nem aos montantes que o prestador teria recebido durante o resto do período de fidelização se não se tivesse verificado essa resolução» (§ 34 do acórdão do TJUE).

À face deste regime o TJUE entendeu o seguinte:

35            Em primeiro lugar, há que considerar que, nas condições expostas no número precedente, o contravalor do montante pago pelo cliente à A... é constituído pelo direito do cliente de beneficiar do cumprimento, por essa operadora, das obrigações decorrentes do contrato de prestação de serviços, ainda que o cliente não queira ou não possa exercer esse direito por um motivo que lhe é imputável (v., por analogia, Acórdão de 22 de novembro de 2018, MEO — Serviços de Comunicações e Multimédia, C 295/17, EU:C:2018:942, n.º 45).

 

36           Com efeito, nessas condições, a A... permite ao cliente beneficiar da prestação de serviços, na aceção da jurisprudência referida no n.º 32 do presente acórdão, e a cessação da referida prestação não lhe é imputável.

37           Por um lado, a A... compromete se a prestar aos seus clientes os serviços acordados nos contratos celebrados com estes e nas condições estipuladas nesses contratos. Por outro lado, esses clientes comprometem se a pagar as mensalidades previstas nos referidos contratos e, quando aplicável, os montantes devidos, caso os mesmos contratos sejam resolvidos antes do final do período de fidelização, por razões que lhes sejam imputáveis.

38           Neste contexto, como esclarece o órgão jurisdicional de reenvio, esses montantes correspondem à recuperação de uma parte dos custos associados à prestação dos serviços por parte desse operador e que esses clientes se comprometeram a reembolsar no caso de uma resolução.

39           Por conseguinte, deve considerar se que os referidos montantes representam uma parte do preço do serviço que o prestador se comprometeu a prestar aos clientes, a qual é reintegrada no preço das mensalidades caso o período de fidelização não seja cumprido por esses clientes. Nessas circunstâncias, os mesmos montantes têm um objetivo análogo ao das mensalidades que, em princípio, seriam devidas se os clientes não tivessem beneficiado das vantagens comerciais a que está condicionado o cumprimento do período de fidelização.

40           Por conseguinte, deve considerar se que, do ponto de vista da realidade económica, a qual constitui um critério fundamental para a aplicação do sistema comum do IVA, o montante devido por ocasião da resolução antecipada do contrato se destina a garantir à operadora uma remuneração contratual mínima da prestação efetuada (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, MEO — Serviços de Comunicações e Multimédia, C 295/17, EU:C:2018:942, n.º 61).

 

41           Por conseguinte, como alegam os Governos português e irlandês, bem como a Comissão Europeia, nas suas observações, numa situação em que os clientes não cumpram o referido período de fidelização, a prestação de serviços deve ser considerada efetuada, uma vez que esses clientes podem beneficiar dos referidos serviços.

42           Nestas circunstâncias, os montantes em causa no processo principal devem ser considerados como parte integrante da remuneração recebida por essa operadora pelos referidos serviços. A este respeito, é irrelevante que, diversamente do que sucedia com os montantes que estavam em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de novembro de 2018, MEO — Serviços de Comunicações e Multimédia (C 295/17, EU:C:2018:942), os montantes em causa no processo principal não permitam à A... obter os mesmos rendimentos que teria obtido se o cliente não tivesse resolvido o contrato prematuramente.

43           Em segundo lugar, no que diz respeito à condição decorrente da jurisprudência recordada no n.º 31 do presente acórdão, segundo a qual os montantes pagos devem constituir a contraprestação efetiva de um serviço individualizável, há que notar que tanto o serviço a ser prestado como a contraprestação do direito de beneficiar desse serviço são determinados no momento da celebração do contrato entre a A... e os seus clientes. Resulta, em especial, das indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que a contraprestação do serviço é determinada segundo critérios bem estabelecidos que especificam quer as mensalidades quer a forma de cálculo do montante devido pela resolução antecipada.

44           A contrapartida paga pelo cliente não é, portanto, nem voluntária nem aleatória (v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 1994, Tolsma, C 16/93, EU:C:1994:80, n.º 19), nem dificilmente quantificável e incerta (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2016, Baštová, C 432/15, EU:C:2016:855, n.º 35).

 

45           Ao invés do que a A... alega, esse montante também não é equiparável a um pagamento por imposição legal, na aceção do Acórdão de 8 de março de 1988, Apple and Pear Development Council (102/86, EU:C:1988:120), nem se destina a indemnizar a operadora na sequência da resolução do contrato pelo cliente, na aceção do Acórdão de 18 de julho de 2007, Société thermale d’Eugénie les Bains (C 277/05, EU:C:2007:440).

 

46           Com efeito, por um lado, embora o cálculo do referido montante esteja enquadrado por disposições legislativas e regulamentares, é, no entanto, pacífico que o pagamento do mesmo montante ocorre no contexto de uma relação jurídica caracterizada pela troca de prestações recíprocas entre o prestador de serviços e o seu cliente e que, nesse âmbito, esse pagamento constitui uma obrigação contratual por parte deste último.

47           Por outro lado, no que diz respeito ao argumento da A... segundo o qual o montante devido pelo incumprimento do período de fidelização se assemelha a uma indemnização pelos danos sofridos por esta, em primeiro lugar, há que salientar que esse argumento colide com a realidade do direito nacional em causa no processo principal, na medida em que, em conformidade com esse direito, sem prejuízo das verificações do órgão jurisdicional de reenvio a este respeito, uma operadora não pode cobrar ao cliente quaisquer montantes a título de compensação ou indemnização no caso de resolução antecipada do contrato.

48           Em segundo lugar, o referido argumento também não colhe face à realidade económica das transações em causa no processo principal.

49           Com efeito, no âmbito de uma abordagem económica, a operadora determina o preço do seu serviço e as mensalidades tendo em conta os custos do serviço e o período mínimo de vinculação ao contrato. Conforme foi salientado no n.º 39 do presente acórdão, o montante devido em caso de resolução antecipada deve ser considerado parte integrante do preço que o cliente se comprometeu a pagar pelo cumprimento, por parte do prestador, das suas obrigações contratuais.

50           Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões prejudiciais submetidas que o artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que os montantes recebidos por um operador económico em caso de resolução antecipada, por causa imputável ao próprio cliente, de um contrato de prestação de serviços que preveja o cumprimento de um período de fidelização, em contrapartida da atribuição a esse cliente de condições comerciais vantajosas, devem ser considerados como constituindo a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso, na aceção dessa disposição.

 

Pelo exposto, sendo obrigatória a jurisprudência do TJUE, tem de se concluir que os montantes pagos por incumprimento de períodos de fidelização estão sujeitos a IVA e não isentos, como entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão da reclamação graciosa, pelo que a decisão desta e a autoliquidação impugnada não enfermam das ilegalidades que a Requerente lhes imputa.

Improcede, assim o pedido de pronúncia arbitral.

 

 

4. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 620.132,79.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.180,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 16-06-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Francisco Nicolau Domingos)

Vencido conforme declaração junta

 

(Raquel Franco)

 

 

Declaração de voto

 

Voto integralmente o acórdão, pois o tribunal que suscitou a questão prejudicial de interpretação encontra-se vinculado ao conteúdo [fundamentação e conclusões] do aresto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Ainda assim, não se ignora que, entretanto, foi publicada doutrina  que, em tese, é relevante para a análise e discussão das questões jurídicas que se colocam nos presentes autos.

 

Francisco Nicolau Domingos