Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 179/2021-T
Data da decisão: 2021-12-06  IRC  
Valor do pedido: € 36.371,16
Tema: IRC - Autoliquidação de IRC – Juros Compensatórios.
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Sumário: 1. Nos termos do n.º 1 do artigo 35.º da LGT, a liquidação de juros compensatórios é legal e exigível sempre se verificar retardamento da liquidação do imposto por atraso da apresentação da declaração de rendimentos e este for motivado por erro de enquadramento ou de qualificação jurídico-tributária não desculpável do sujeito passivo.

2. O ato ou decisão encontra-se fundamentado se o seu destinatário pôde conhecer o itinerário valorativo e cognoscitivo que o órgão administrativo percorreu em ordem a tomar a decisão e se o seu destinatário demonstra, por via do acionamento dos meios de defesa, ter percebido e compreendido o sentido da decisão.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO

I.1 Enquadramento

  1. A sociedade A..., com o número de identificação fiscal..., com sede social em Avenida ..., n.º ... – ..., ...-... Lisboa, (doravante designada por Requerente), apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (de ora em diante designada por Requerida).
  2. No pedido de pronúncia arbitral (ppa), apresentado em 26.03.2021, na parte relativa ao pedido, a Requerente peticiona a anulação da Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2020..., emitida em 22 de janeiro de 2020, e da Demonstração de Liquidação de Juros n.º 2020..., na parte referente aos juros compensatórios ilegalmente liquidados por retardamento da liquidação do IRC respeitante ao período de tributação de 2015. Todavia, no ppa, o que esta em causa é a Liquidação de juros compensatórios no valor de € 36.443,64, aos quais se refere a Liquidação base/IRC n.º 2019..., e a liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., conforme Demostração de Liquidação de Juros, com o n.º NR 2019..., de 21.01.2019 (cfr. Documento 5 anexo ao ppa).
  3. A Requerente pede, outrossim, a anulação da decisão de indeferimento proferida no âmbito do Recurso Hierárquico (processo n.º ...2019...) apresentado em 30.10.2019.
  4. Consequentemente, a Requerente pretende que lhe seja reconhecido o direito ao reembolso dos juros compensatórios liquidados, no valor de Euro 36.371,16 (trinta e seis mil, trezentos e setenta e um euros e dezasseis cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios devidos até ao reembolso integral do montante ilegalmente liquidado, por vício de violação de lei, nos termos legais.
  5. Em síntese, no presente ppa, a Requerente pede a apreciação da ilegalidade do Despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado e, bem assim, do ato de liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios, respeitantes ao período de tributação de 2015, a que se referem as notas de demonstração de liquidação antes indicadas, com fundamento, respetivamente, em falta de fundamentação e em vício de lei (ilegalidade) dos atos de liquidação.
  6. Em 29.03.2021 o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi de imediato notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, em 17.05.2021 foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o ora signatário como Árbitro para integrar o Tribunal arbitral singular, o qual, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.
  7. Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  8. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, em 07.06.2021 verificou-se a constituição do Tribunal arbitral.
  9. Em 08.06.2021 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.
  10. Em 12.07.2021, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida. A Requerida defende-se por impugnação e pugna que, atentas as razões invocadas, deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente. Com a sua resposta a Requerida juntou o processo administrativo (PA).
  11. Em face do conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, por despacho de 03.08.2021, o Tribunal arbitral decidiu: i) Dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT; e ii) Determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, a apresentar pelas Partes no prazo simultâneo de 20 dias, por aplicação conjunta do previsto no artigo 91.º, n.º 5, do CPTA, e no artigo 120.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º do RJAT; iii) Foi, ainda, decidido fixar como data limite para a prolação da decisão arbitral o dia 25.10.2021. Todavia, em ordem à boa decisão da causa e à realização da justiça, o tribunal considerou ser pertinente proceder a um mais profundo estudo e análise da doutrina e da jurisprudência conexa com a matéria controvertida nos presentes autos de arbitragem, pelo que, através de despacho arbitral de 25.10.2021 e de 02.11.2021, o Tribunal transferiu a prolação da decisão arbitral para o dia 06.12.2021.
  12. A Requerente optou por não apresentar alegações, e a Requerida apresentou-as em 22.09.2021, nas quais expressamente reafirmou as razões e os fundamentos invocados na Resposta ao pedido de pronúncia arbitral.

 

I.2   Da posição da Requerente

13. A Requerente é uma sociedade de direito português, cujo objeto social principal consiste no comércio de “pronto a vestir” de criança e adulto e acessórios sob a marca “...” e, até 2014, o seu capital social foi detido pela sociedade B..., S.A., sendo participada, indiretamente, pelo Grupo C... .

14. A partir de 11 de julho de 2014, a Requerente passou a ser detida pela D..., S.A., mantendo-se a participação indireta no capital, por parte do Grupo C... .

15. Uma vez que a A... tem período especial de tributação, com início a 01 de fevereiro, os serviços de inspeção tributária concluíram que a Requerente só a partir de 01 de fevereiro de 2016 poderia integrar o perímetro do RETGS do Grupo C..., isto é, a partir do período de tributação de 2016 (cfr. doc. 8 anexo ao ppa).

16. Em relação ao período de tributação de 2015, a tributação da A... em sede de IRC teve de ser efetuada na sua esfera individual, com base em declaração de rendimentos modelo 22-IRC, apresentada para o efeito.

17. Em face da ação de inspeção tributária, a Requerente optou por proceder à regularização voluntária da situação tributária e, em 17 de dezembro de 2018, apresentou, com referência ao período de tributação de 2015, a declaração de substituição modelo 22-IRC e procedeu à autoliquidação do imposto.

18. Em consequência, a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento, o que fez em 27.02.2019, da liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., emitida em 17 de janeiro de 2019, no valor de € 36.443,61 (cfr. doc. 5 e 10 anexos ao ppa).

19. Discordando da exigibilidade dos juros compensatórios, a Requerente apresentou contra a referida liquidação de juros compensatórios reclamação graciosa, a qual foi por despacho de 2509.2019, parcialmente deferida, e, em 30.10.2019, a Requerente apresentou conta esta decisão Recurso Hierárquico.

20. No recurso hierárquico foi invocado pela Requerente que a fundamentação utilizada pela AT foi claramente insuficiente para sustentar o indeferimento da sua pretensão e errónea, porquanto, assentou numa incorreta ponderação das razões de facto e de direito invocadas, em concreto, a Requerente considera que não se encontravam reunidos os elementos objetivo (o atraso na liquidação) e subjetivo (a culpa do contribuinte) que concorrem para a formação do direito à liquidação de juros compensatórios, nos termos previstos no artigo 35.º da LGT e no n.º 1 do artigo 102.º do Código do IRC.

21. A Requerente considera que não se verificou o elemento subjetivo necessário à liquidação de juros compensatórios, fundado na culpa do sujeito passivo, a título de dolo ou de negligência, uma vez que a Requerente agiu de boa-fé, convicta de que reunia os requisitos legalmente exigíveis para integrar o RETGS do Grupo C..., nos termos da legislação em vigor, tanto mais que, por força da renúncia à aplicação da taxa reduzida de IRC sobre a matéria coletável apurada na RAA, o Estado acabou mesmo por sair favorecido com a indevida inclusão da A... no perímetro do RETGS do Grupo C... .

22. A Requerente realça a circunstância de, em relação ao período especial de tributação (PET) de 2015, o modus operandi adotado, por referência ao PET de 2014, ter sido o mesmo e a AT, em relação a este último, não ter procedido à liquidação de juros compensatórios, o que estará relacionado com a afetação à A... dos pagamentos por conta devidos a título individual, que anteriormente haviam sido considerados na liquidação de IRC do RETGS, porém, tal entendimento não foi adotado pela AT em relação ao PET de 2015.

23. A Requerente considera que o despacho de indeferimento do recurso hierárquico padece, em absoluto, de falta de fundamentação, porquanto, para além de fazer tábua rasa de toda a argumentação apresentada pela Requerente relativamente à inexistência de prejuízo efetivo para os cofres do Estado, com o eventual retardamento da liquidação ao nível da A..., em resultado dos impactos das correções impostas pelas novas liquidações emitidas a esta entidade e à D..., esta última enquanto sociedade dominante do RETGS, a AT não demonstra em que termos é que se verificaram os pressupostos legais para o reconhecimento do direito a juros compensatórios.

24. A Requerente considera que a AT não ilidiu a presunção de boa-fé que recai sobre a Requerente, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 59.º da LGT, com vista à demonstração da existência de censura na sua atuação, a título de dolo ou de negligência.

25. A Requerente invoca o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 00018/02, de 22 de outubro de 2010, para realçar que o direito à fundamentação dos atos administrativos e tributários que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos é um princípio constitucional com assento no artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e encontra-se concretizado pelo legislador ordinário no artigo 77.º da LGT.

26. A Requerente cita o Professor Rui Duarte Morais, quando este in “Manual de Procedimento e Processo Tributário”, (Almedina, 2014), refere que “O conteúdo, a profundidade, exigível à fundamentação depende necessariamente do caso concreto (…) O exigível é – utilizando um dizer habitual da nossa jurisprudência – que a fundamentação permita a um destinatário normal entender o itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato, de modo a que se fique a saber a razão pela qual se decidiu assim e não de outro modo. (…) Esta consistirá, essencialmente, na demonstração da verificação no caso concreto, da hipótese da norma legal, não havendo lugar à motivação do conteúdo concreto da decisão (à explanação das razões pelas quais se decidiu nesse sentido e não noutro), pois que, por regra, a decisão (a única possível) a ser tomada resulta diretamente da lei. Daí a expressa previsão, no n.º 2 do artigo 77.º da LGT de uma fundamentação simplificada”, devendo, todavia, a fundamentação ser expressa, clara, suficiente e congruente, por forma que o destinatário do ato (colocado na posição de um destinatário normal) possa ficar esclarecido acerca das razões que estiveram na base desse ato e que o motivaram, o que não se verifica no caso sub judice.

27. A Requerente refere a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 686/2018-T, de 6 de maio de 2019, para sublinhar que “(…) equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato» (artigo 153.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo)”.

28. A Requerente realça que a AT em vez de justificar os motivos pelos quais deve haver lugar ao pagamento de juros compensatórios, escuda-se na mera invocação de que se encontram reunidos os pressupostos de que depende o reconhecimento deste direito, sem efetivamente demonstrar de que modo eles se encontram verificados no caso em análise.

29. Fazendo referência a normativos do artigo 35.º da LGT e dos artigos 102.º e 117.º do CIRC, a Requerente realça que é a própria AT que no corpo da decisão proferida sobre a Reclamação Graciosa diz que “Os juros compensatórios visam ressarcir o Estado pelo prejuízo sofrido com o retardamento da liquidação, por facto imputável ao contribuinte”.

30. Sendo que para haver lugar à liquidação de juros compensatórios, exige o n.º 1 do artigo 35.º da LGT, a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: i) um nexo de causalidade adequada entre a atuação do contribuinte e o retardamento da liquidação; e ii) a existência de culpa do sujeito passivo, a título de dolo ou de negligência.

31. A Requerente invoca a decisão arbitral proferida no processo n.º 180/2020-T, de 8 de outubro de 2020, para dizer que “é também este o alcance da referência a «retardamento da liquidação» que consta do artigo 35.º, n.º 1, da LGT, pois, numa interpretação teleológica, tem subjacente um atraso no pagamento do imposto devido, sendo esse atraso da arrecadação do imposto e não propriamente o da liquidação que justifica a atribuição ao erário público de uma compensação, sob a forma de juros. Por isso, só há o retardamento da liquidação relevante para efeito de juros compensatórios quando dele resultou atraso na cobrança do imposto devido”.

32. De igual modo, a Requerente invoca os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de janeiro de 2015 – Processo n.º 0632/14 – e de 16 de dezembro de 2010 – Processo n.º 587/10, para realçar ser entendimento da jurisprudência atual que “A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação (a título de dolo ou negligência)”.

33. Quanto à verificação do elemento objetivo, isto é, quanto à verificação de prejuízo efetivo para os cofres do Estado, a Requerente sublinha que “É, precisamente, aqui que a AT falha, ao defender que “(…) os juros compensatórios visam compensar o Estado pelo retardamento da liquidação do imposto, ou seja, do atraso no “apuramento” do imposto, (…)”, não conseguindo, nem pretendendo, demonstrar a existência de um prejuízo efetivo para os cofres do Estado” – (cfr. art.º 80 do ppa).

34. E a Requerente realça que “Ainda que, a AT se encontre a invocar o retardamento da liquidação de imposto pela Requerente, a nível individual, o certo é que o imposto em causa chegou a ser atempadamente pago ao nível do Grupo tributado ao abrigo do RETGS, seja, numa primeira instância, através dos pagamentos por conta entregues pela D... na qualidade de sociedade dominante do Grupo, cuja quota parte referente à A..., por entendimento da AT e ao contrário do procedimento adotado por referência ao PET de 2014, conforme já exposto, foi mantida na conta corrente da D..., permanecendo integralmente na esfera do RETGS”.

35. Mais, uma vez, invocando a decisão arbitral proferida no processo arbitral n.º 180/2020-T, de 8 de outubro de 2020, a Requerente sublinha que o direito ao pagamento de juros compensatórios depende da verificação de um retardamento da liquidação do qual resulte, igualmente, um atraso na cobrança de imposto, o que não sucedeu no caso em apreço, porquanto, o imposto foi entregue, atempadamente, pela D..., enquanto sociedade dominante do RETGS do Grupo C..., e, inclusive, em montante superior ao devido.

36. Quanto ao elemento objetivo, a Requerente ainda diz que “Ainda que se entenda que houve um efetivo retardamento do imposto a pagar pela Requerente (enquadramento com o qual a Requerente não concorda (…)) – e, por via disso, que se encontra verificado o elemento objetivo exigido para o efeito –, não deve haver lugar ao pagamento de juros compensatórios por não se verificar o elemento subjetivo (da culpa do contribuinte), conforme ora se passa a demonstrar” (cfr. art.º 111.º do ppa).

37. Sem prejuízo das referências que a Requente faz a excertos de jurisprudência plasmada nos Acórdãos do STA, proferidos no processo n.º 0325/08, de 19 de novembro de 2008, e no processo n.º 01145/02, de 23 de outubro de 2002, e ainda em decisão arbitral proferida no processo n.º 314/2018-T, de 22 de novembro de 2018, há que realçar que a Requerente considera que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte, o que, in casu, não se verificou, não estando, assim, preenchido o elemento subjetivo e, consequentemente, não pode haver imputação de responsabilidade à Requerente para efeitos de exigibilidade de juros compensatórios.

38. A Requerente destaca que a doutrina esclarece que “[P]ara que se efetive o direito a juros, é necessário que estes factos tenham resultado do comportamento do sujeito passivo, que seja censurável, a título de dolo ou de negligência. Cita Jorge Lopes de Sousa quando este diz que «Consequentemente, não haverá responsabilidade por juros compensatórios, quando apesar de o atraso na liquidação ser provocado pela conduta do contribuinte e ser errónea a sua posição, ele tenha atuado de boa-fé e o erro seja desculpável, por a sua posição ser razoável”.

39. A Requerente refere não ser admissível que na decisão proferida no recurso hierárquico a AT conclua, sem tecer qualquer análise ou considerações prévias, que “a inclusão no RETGS consubstanciou um erro que apenas pode ser imputável ao sujeito passivo (a Recorrente) que sempre estaria obrigado a aferir da verificação dos requisitos legalmente exigidos no artigo 69.º n.º 3 para poder integrar o mencionado e benéfico regime especial de tributação” (cfr. art.º 124.º do ppa).

40. A Requerente sublinha que era à sociedade dominante que incumbia o relacionamento primacial com a Administração Tributária no âmbito do RETGS e que não será de desconsiderar que a D..., na qualidade de sociedade dominante do RETGS do Grupo C..., estava sujeita a controlo por parte da Unidade dos Grandes Contribuintes, nos termos previstos no artigo 68.º-B da LGT, devendo, por isso, ter acompanhamento permanente por gestor tributário, o que, à luz da jurisprudência arbitral ínsita na decisão proferida no processo n.º 180/2020-T, de 8 de outubro de 2020, permite concluir que “(…), a poder entender-se que, em alguma medida, o retardamento das liquidações de IRC seria imputável à Requerente, a imputabilidade não seria exclusiva, pois há nexo de causalidade entre a omissão pela Administração Tributária de cumprimento adequado do seu dever de acompanhamento permanente que a lei lhe impõe e o retardamento das liquidações”.

41. Quanto ao princípio da boa-fé, a Requerente invoca a Circular n.º 107/2009 da Direção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (“DGAIEC”), de 16 de outubro de 2009, em que se refere que “Consequentemente, não haverá responsabilidade por juros compensatórios, quando apesar de o atraso na liquidação ser provocado pela conduta do contribuinte e ser errónea a sua posição, ele tenha atuado de boa-fé e o erro seja desculpável, por a sua posição ser razoável. A boa-fé é de presumir nos termos do n.º 2, do artigo 59.º, da LGT, pelo que a determinação da culpa reconduzir-se-á, na maior parte dos casos, à apreciação da razoabilidade da interpretação da lei que faz o contribuinte”.

42. Outrossim, a Requerente faz menção à decisão arbitral proferida no processo n.º 613/2016-T, de 1 de maio de 2017, em que se entendeu que “(…) a Requerente agiu de boa-fé e o erro em que lavrou é desculpável, por ter adotado uma posição global razoável e plausível, agindo com a diligência devida tendo em vista o cumprimento da obrigação declarativa de Modelo 22 do IRC, evitando conflitos com a AT, obrigação declarativa cuja dificuldade de apresentação, apenas por via eletrónica, esteve na origem da submissão de duas declarações de IRC, a primeira no prazo legal e a de substituição, tendo sido apresentada esta última e pago o imposto, logo que a AT a advertiu, expressamente, do erro em que estava a lavrar”.

43. A Requerente considera que decorre de toda a factualidade integrante do caso em análise que “(..) a ora Requerente acabou por ser injustamente penalizada, por se ter visto obrigada a liquidar juros compensatórios no valor de Euro 36.371,16, por um alegado retardamento da liquidação de IRC, que, manifestamente, se provou não ter acontecido, muito menos nos termos invocados pela AT”, (cfr. art.º 140.º do ppa).

44. Nestes termos, a Requerente considera que “(…), resultando demonstrada a ilegalidade subjacente à decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado e, bem assim, dos aludidos atos de liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios que lhe subjazem, respeitantes ao período de tributação de 2015, por erro imputável aos serviços, deverá haver lugar não só ao reembolso do montante de juros compensatórios ilegalmente liquidado, como ao pagamento de juros indemnizatórios devidos até ao reembolso integral desse montante ilegalmente liquidado, por vício de violação de lei”, (cfr. art.º 141.º do ppa).

 

I.3   Da posição da Requerida

45. Com referência aos períodos de 2014 e 2015, os serviços da AT no procedimento de inspeção tributária realizado ao abrigo das Ordens de Serviços (n.º OI2017... e OI2017... concluíram que a Requerente não estava em condições de integrar o perímetro do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) por não cumprir o requisito do artigo 69.º n.º 3 alínea b) do Código do IRC (CIRC), segundo o qual a opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando verificados, cumulativamente, determinados requisitos, entre os quais o de a sociedade dominante deter a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.

46. Uma vez que a sociedade dominante (D...) só passou a deter a A... a partir de 11 de julho de 2014 – data esta a ser considerada para aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) – só após 11 de julho de 2015, é que a ora Requerente estaria em condições de integrar o Grupo C... e, tendo um período especial de tributação com início a 1 de fevereiro, apenas a partir de 01 de fevereiro de 2016 tal regime de tributação seria aplicável.

47.Assim, a tributação teve de ser efetuada na esfera da Requerente através da liquidação resultante de declaração individual de rendimentos para o período de tributação de 2015, entregue em substituição da declaração de rendimentos anteriormente entregue, e cuja liquidação ocorrera em sede de RETGS (Grupo C...).

48. A Requerida considera que a Liquidação de IRC (juros compensatórios) n.º 2019..., de 17 de janeiro de 2019, com referência ao período de tributação de 2015, não enferma de qualquer ilegalidade, bem como não se verifica o erro de forma por falta de fundamentação da decisão da reclamação graciosa e/ou do recurso hierárquico.

49. Seguindo de perto a jurisprudência ínsita nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) a que se referem os processos n.º 016217, de 28.10.1998, n.º 31616, de 13.04.2020, e n.º 0105/12, de 30.01.2013, em síntese, a Requerida afirma que os atos tributários ou em matéria tributária estão fundamentados quando, pela motivação aduzida, se mostram aptos a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesão, o que, in casu, aconteceu de forma inelutável, porquanto, a destinatário do ato não só acionou os respetivos meios de defesa, bem como demonstrou conhecer e compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo deste, permitindo-lhe ficar a saber quais os motivos que levaram a AT à prática do ato.

50. Quanto ao regime legal do REGTS, a Requerida considera serem claros os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 69.º do CIRC, cujos normativos estabelecem que “A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direção efetiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada; b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime; c) A sociedade dominante não é considerada dominada de nenhuma outra sociedade residente em território português que reúna os requisitos para ser qualificada como dominante; d) A sociedade dominante não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.”

51. A Requerida sublinha as vicissitudes do RETGS, e realça que neste “o objeto é a realidade económica, global unitária, do Grupo, tributado como uma entidade com capacidade contributiva única, prevalecente sobre a capacidade contributiva individual, podendo os lucros tributáveis apurados na esfera de umas sociedades ser diluídos nos prejuízos fiscais apurados por outras sociedades do mesmo Grupo (artigo 70.º do CIRC) e sendo as deduções à coleta de cada sociedade aplicadas à coleta do Grupo (artigo 90.º n.º 6 do CIRC), porém, cada sociedade do Grupo não perde a sua personalidade e individualidade jurídica, nem deixa de ser sujeito de relações tributárias próprias ao passar a integrar o Grupo de sociedades.

52. A Requerida destaca que em relação à Requerente, relativamente ao período de tributação do ano de 2015, houve um retardamento da liquidação (isto é, do apuramento) do imposto, conforme exige o n.º 1 do artigo 35.º da LGT, tendo-se verificado os dois requisitos necessários à exigibilidade dos juros compensatórios, isto é, i) o atraso na liquidação do imposto, e ii) tal retardamento ser imputável ao sujeito passivo.

53. A Requerida sublinha que o artigo 35.º da LGT não enuncia como requisito para a exigibilidade dos juros compensatórios a existência de um prejuízo para os cofres do Estado, e o facto de ser liquidado imposto no âmbito do Grupo não significa que esse imposto seja exatamente o mesmo do que o liquidado em termos individuais: as liquidações são de entidades jurídico-tributárias diferentes.

54. O retardamento da liquidação de juros compensatórios não se ficou a dever a mera e compreensível divergência de critérios de qualificação e enquadramento da situação tributária entre a Administração e o contribuinte ou a erro desculpável deste último, mas sim a deficiente e incorreto enquadramento jurídico tributário do contribuinte, a ora Requerente.

55. A Requerida considera que inclusão no RETGS consubstanciou um erro que apenas pode ser imputável à Requerente que sempre estaria obrigada a aferir da verificação dos requisitos legalmente exigidos no artigo 69.º n.º 3 do CIRC para poder integrar o mencionado e benéfico regime especial de tributação, erro que apenas veio a ser expurgado na liquidação subsequente à declaração de substituição apresentada em 17.12.2018.

56. A Requerida defende que não está excluído um juízo de censura que suporte a liquidação de juros compensatórios, a título de negligência, aferido em abstrato, segundo a diligência do "bonus pater famílias", porquanto, existe um nexo de imputação do retardamento da liquidação ao sujeito passivo baseado na culpa, na modalidade de erro de conduta, traduzido no incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação fiscal acessória de apresentar a declaração de rendimentos modelo 22-IRC, relativo ao período de tributação de 2015, no prazo restabelecido na lei e de, nessa declaração, informar com verdade e com observância dos critérios impostos pelas leis fiscais.

57. Os juros compensatórios representam uma compensação, ou seja, uma reparação visando indemnizar o Estado pela perda da disponibilidade da quantia que não foi liquidada no momento em que o deveria ser, e que sendo o regime legal a que a Requerente estaria sujeita claro, não pode esta tentar eximir-se às responsabilidades que decorrem da inobservância da lei.

58. Para demonstrar a atuação culposa da Requerente, a Requerida socorre-se de jurisprudência ínsita no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 19.02.2015, e, em síntese, afirma que a exigência de juros compensatórios depende do retardamento da liquidação ser imputável ao contribuinte, e ainda, da existência de um nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e as consequências lesivas para o Estado.

59. A Requerida ainda afirma que, nos termos do artigo 102.º do CIRC, e do n.º 1 do artigo 35.º da LGT, outra não poderá ser a conclusão senão a de que são devidos juros compensatórios, uma vez que, por facto imputável à Requerente, foi retardada a liquidação do imposto (IRC) devido.

60. A Requerida defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, porquanto, os juros compensatórios foram liquidados na estrita observância da lei.

61. De igual modo, a Requerida alega que não se verifica qualquer erro imputável aos serviços na emissão da liquidação de juros compensatórios, não havendo lugar a qualquer valor indevidamente pago que tenha de ser reembolsado, pelo que improcede, por infundado, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. SANEAMENTO

62. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

63. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

64. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

65. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções. Assim, passa-se à apreciação e decisão do mérito da causa.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

66.  Em relação à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º do RJAT, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar os factos considerados provados e os não provados. O tribunal considera provados e relevantes para a decisão arbitral os factos seguintes:

66.1   Em 28.06.2016, foi apresentada a Declaração de Rendimentos – DR-Mod.22-IRC, com o código de identificação ID..., relativo ao período de tributação de 2015 (01.02.2015 a 31.01.2016), da empresa A..., ora Requerente.

66.2 Em 30.06.2016, foi apresentada a Declaração de Rendimentos – DR-Mod.22-IRC, com o código de identificação ID..., relativo ao período de tributação de 2015 (01.02.2015 a 31.01.2016), do Grupo..., na qualidade de sociedade dominante.

66.3 Os serviços de Inspeção Tributária da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) – DF Lisboa – ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2017... e OI2017... efetuaram um procedimento de inspeção tributária aos períodos de tributação de 2014 e 2015 e concluíram que a A...  não estava em condições de integrar o perímetro RETGS por inexistência do requisito legal previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo 69.º do Código do IRC, na medida em que a sociedade dominante –D..., SA., - apenas passou a deter a A... em 11 de julho de 2014, pelo só em julho de 11 de julho de 2015 é que completava o ano previsto naquele normativo legal. O relatório do procedimento de inspeção tributária foi notificado ao representante legal da A... através do ofício n.º ..., de 02 .01.2019, da DF de Lisboa.

66.4 Em resultado da ação de inspeção realizada pelos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira a A..., ora Requerente, optou por regularizar voluntariamente a situação Tributária e em 17.12.2018 procedeu à entrega da declaração de substituição – DR-Modelo 22-IRC – relativa ao período de tributação de 2015, CI n.º..., e foi efetuada a autoliquidação do imposto devido.

66.5 – A empresa A... requereu, ao abrigo da alínea c) do artigo 29.º do RGIT, o pagamento da coima reduzida e, outrossim, requereu a dispensa da coima ao abrigo do artigo 32.º do RGIT.

66.6 Os serviços de inspeção tributária aceitaram os valores declarados pela contribuinte, ora Requerente, ínsitos na declaração modelo 22-IRC apresentada em 17.12.2018, e subsequentemente foi efetuada pelos serviços da AT a liquidação n.º 2019..., emitida em 17 de janeiro de 2019, que de acordo com a Demonstração de Liquidação de Juros n.º 2019..., foram liquidados juros compensatórios referentes ao segmento temporal compreendido entre 01 de Julho de 2016 e 20.12.2018, no valor de € 36.443,64.

66.7 Em 27.02.2019, a Requerente procedeu ao pagamento dos juros compensatórios no valor de € 36.443,61, cujo prazo de pagamento voluntário terminava em 28.02.2019.

66.8 Em 26.06.2019, a A..., ora Requerente, apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRC e de Juros compensatórios, liquidação n.º 2019..., emitida em 17 de janeiro de 2019, no valor de € 36.443,61.

66.9 A reclamação o graciosa (Proc. n.º ...2019...) deduzida contra a liquidação de IRC n.º 2019..., de 17 de janeiro de 2019, no valor de € 36.443,61, com referência ao período de tributação de 2015, foi parcialmente deferida por despacho de 25.09.2019, do Chefe de Divisão do Serviço Central, proferido ao abrigo de subdelegação de competências, e notificado através ofício datado de 25.09.2019, da Unidade dos Grandes Contribuintes, proc.º ...2019... .

66.10. Por força da decisão da reclamação graciosa, a liquidação de IRC foi parcialmente anulada, no valor de € 732,38, motivada por ter sido aplicada a taxa de 21% (taxa nacional) ao rendimento coletável gerado na Região autónoma dos Açores em vez da aplicação da taxa reduzida de 16,8% (taxa da RAA), bem como foi, correspondentemente, anulado o valor de € 72,48, referente a juros compensatórios, ambos os valores relativos ao período de tributação de 2015.

66.11 Em 30.10.2019, a A..., ora Requerente, contra a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentou recurso hierárquico.

66.12.O Recurso hierárquico apresentado pela ora Requerente contra a decisão de indeferimento parcial da Reclamação graciosa n.º ...2019..., deduzida contra a liquidação de juros compensatórios, no valor de 36.443,61, foi indeferido por despacho de 29.12.2020 do Chefe de Divisão da Direção de Serviços de Imposto sobre as Pessoas Coletivas, ao abrigo de Subdelegação de competências, exarado na informação n.º I2020000405, de 04.05.2020, Proc.º 54/2020, decisão que foi notificada à Requerente através do ofício de 29.12.2020, da Direção de Serviços de IRC.

66.13 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 26.03.2021.

 

III.1.2. Factos não provados

67. Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas Partes e juntos ao processo arbitral, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

68.  Os juros compensatórios são um adicional ao imposto cuja liquidação ocorre quando, por facto imputável ao contribuinte, se verificar retardamento da liquidação, em parte ou da totalidade do imposto devido. Nesta medida, os juros compensatórios são uma reparação dos prejuízos causados ao Estado pelo atraso na liquidação, um agravamento, uma cláusula penal legal, uma “sopratassa” sem natureza sancionatória (cfr. Francisco Rodrigues Pardal, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 114, Junho, 168, pags. 45 e sgs,).

69. Os juros compensatórios têm subjacente uma ideia de ressarcimento do credor tributário pelo atraso na liquidação e pela indisponibilidade de determinada prestação, devidamente balizada no tempo. Não existe, por conseguinte, qualquer intuito sancionatório na liquidação de juros compensatórios ao sujeito passivo. Na área do direito tributário, os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor tributário, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim compensando o prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito (cfr. Acórdão do TCA Sul, proc.º n.º 05908/12, de 2711.2012).

70. A razão de ser dos juros compensatórios assenta, necessariamente, num juízo de censura, a título de culpa e, por consequência, numa conduta, no mínimo, negligente, imputável ao sujeito passivo e que justifica a sua responsabilização cível, no sentido de indemnizar o Estado pelos prejuízos decorrentes do não recebimento atempado do imposto devido com suporte numa conduta ilícita ou de desvalorização normativa do quadro legal vigente e aplicável injustificável/indesculpável ou, dito de outra forma, censurável. O n.º 1 do artigo 35.º da LGT estabelece que, sempre que ocorra retardamento da liquidação, do total ou de parte do imposto devido, são devidos juros compensatórios pelo sujeito passivo, desde que tal retardamento decorra de facto que lhe seja imputável. O n.º 6 do artigo 35.º da LGT prescreve que “(…), considera-se haver sempre retardamento da liquidação quando as declarações de imposto forem apresentadas fora dos prazos legais”.

71. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 102.º do Código do IRC estabelece que “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da Lei Geral Tributária”. E o n.º 4 deste mesmo artigo prescreve que “Entende-se haver retardamento da liquidação sempre que a declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º seja apresentada ou enviada fora do prazo estabelecido sem que o imposto devido se encontre totalmente pago no prazo legal”.

72. Importa considerar que constitui pressuposto da obrigação de pagamento de juros compensatórios que o facto que motivou o retardamento da liquidação seja subjetivamente imputável ao sujeito passivo, isto é que sobre ele possa recair um juízo de censura ou reprovação da conduta do agente, porque podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido diversamente. A culpa a considerar deve ser uma culpa em abstrato, o que significa que deve ser apreciada, em face das circunstâncias de cada caso pela diligência de um bom pai de família ou homem médio, devendo ter por verificado este requisito quando, em face das circunstâncias do caso e das regras da experiência, for de concluir que qualquer pessoa do círculo de relações do sujeito passivo poderia ter apreendido que o seu comportamento violava normas jurídico-tributárias e podia e devia ter conformado o seu comportamento à observância dessas normas. A obrigação de pagamento de juros em direito tributário depende essencialmente dos mesmos pressupostos fundamentais de que depende a formação da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade por factos ilícitos e que a doutrina já há muito sistematizou [a) facto voluntário; b) ilícito; c) culposo; d) danoso; e) nexo de causalidade entre o facto e o dano], pressupostos que estão também presentes na obrigação de juros compensatórios, como decorre do artigo 35.º da LGT (Cfr. Acórdão do TCA Norte, processo n.º            00233/06.6BEPNF,de 02.02.2012).

73. Nesta medida, a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação, a título de dolo ou de negligência.

74. A constituição da relação jurídica tributária consubstancia um pressuposto da obrigação tributária, sendo que a só haverá lugar à prestação tributária se se verificar a ocorrência do facto tributário. Independentemente, da ocorrência do facto tributário o sujeito passivo da relação jurídica tributária está adstrito a um conjunto de obrigações acessórias (n.º 2 do art.º 31.º da LGT) devidamente catalogadas, em cada cédula tributária, em função do respetivo enquadramento fiscal, o qual é definido aquando do início de atividade e tem uma relação direta com a tipologia das operações realizadas, a forma da sua realização e da sua expressão económico-financeira. Assim, a tipologia das obrigações a cumprir por cada contribuinte, ou sujeito passivo da relação jurídica tributária, depende diretamente do seu enquadramento fiscal, sendo que este depende diretamente da ação do sujeito passivo. Sem prejuízo do poder de controlo ou de inspeção tributária da AT, as declarações que determinam o enquadramento fiscal de qualquer contribuinte são exclusiva e absolutamente da sua responsabilidade. Esta asserção não colide ou coloca em crise o princípio da boa-fé ou o princípio da cooperação ou colaboração que deve existir entre a Administração Tributária e os contribuintes (art.º 59.º da LGT).

75.º Cada contribuinte, em função do seu enquadramento fiscal, tem o dever de identificar e conhecer as obrigações tributárias a que está adstrito, devendo cumpri-las de forma adequada, correta e atempadamente. A extensão do ordenamento jurídico tributário e a complexidade das leis fiscais podem tornar difícil e exigente o cumprimento das obrigações fiscais. Todavia, a lei disponibiliza aos contribuintes mecanismos adequados, máxime, o direito à informação, que podem ser utilizados em ordem a que a AT preste as necessárias informações, esclarecimentos ou apoio técnico, no sentido de que seja possível, a cada contribuinte, independentemente da sua forma jurídica, cumprir de forma correta e legal as respetivas obrigações tributárias. Importa não olvidar que, nos termos do artigo 6.º do Código Civil, “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas” e, por sua vez, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

76. Nesta medida, qualquer contribuinte, sempre que tenha dúvidas sobre o seu enquadramento fiscal, sobre as obrigações tributárias a cumprir, ou sobre a interpretação e aplicação de alguma norma jurídico-tributária, pode socorrer-se do direito à informação, e atenta as variáveis deste direito consagradas na lei, utilizar a mais adequada às suas necessidades e situação concreta (cfr. n.º 3 do art.º 59.º, art.º 68.º, ambos da LGT).

77. No caso sub judice, a Requerente, por iniciativa própria ou determinada pela sociedade dominante (D..., SA), decidiu que em relação aos períodos de tributação de 2014 e 2015 reunia os requisitos legais para integrar o perímetro do Grupo C... e ser tributada ao abrigo do REGTS. Em relação à sua autonomia e responsabilidade fiscal é irrelevante que a Requerente tivesse sido integrada pela sociedade dominante no REGTS, pois, desta circunstância não decorre a perda da sua personalidade e capacidade tributárias, pelo que a Requerente tinha o dever de identificar e ponderar sobre a existência ou não dos corretos pressupostos legais para integrar o REGTS.

78. A relação ou dependência intra-grupo não concorre ou implica a perda de autonomia jurídico-tributária de cada sociedade integrante do grupo, tal regime de tributação apenas constitui uma forma específica de tributação da matéria tributável das diversas sociedades integrantes do grupo económico e para que tal se verifique é imperioso que estejam verificados todos os requisitos ou pressupostos prescritos na lei.

79. Em concreto, a lei (art.º 69.º do CIRC) define quando é que existe um grupo de sociedades e a aplicação do REGTS depende de uma opção, a qual exige que se verifiquem cumulativamente os requisitos seguintes:

“a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direção efetiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada;

b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;

c) A sociedade dominante não é considerada dominada de nenhuma outra sociedade residente em território português que reúna os requisitos para ser qualificada como dominante;

d) A sociedade dominante não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.”

80. Em relação à Requerente, o que está em causa é que não se verificava o requisito da alínea b) do n.º 3 do artigo 69.º do Código do IRC, sendo que este normativo estabelece uma condição objetiva – a sociedade dominante deter a participação na sociedade dominada há mais de um ano – isto é, esta norma jurídico-tributária não oferece qualquer dificuldade de hermenêutica ou interpretação jurídica e a condição objetiva exigida está na dependência direta e absoluta do conhecimento das interessadas.

81. Assim, a integração da Requerente no REGTS consubstanciou um inequívoco erro ou no mínimo uma distração grosseira. Para efeitos da tributação da Requerente, é irrelevante pretender imputar o erro ou a responsabilidade à sociedade dominante, porquanto, a sociedade dominada, a ora Requerente, não perde a sua individualidade fiscal cabendo-lhe, inclusive, a obrigação de conhecer, em concreto, qual o regime de tributação em que está e tem de continuar enquadrada, porquanto, não pode/deve atribuir a outros a responsabilidade de cumprir correta e adequadamente as suas obrigações fiscais.

82. De igual modo, é despiciendo ou irrelevante que a sociedade dominante e/ou dominada esteja integrada na UGC e esteja a ser alvo de acompanhamento permanente, nos termos definidos no n.º 3 do artigo 12 do RCPITA. O acompanhamento permanente visa fins específicos no âmbito dos poderes de inspeção tributária atribuídos aos órgãos da AT, mas jamais tem por escopo atenuar ou desresponsabilizar os sujeitos passivos dos seus deveres e obrigações fiscais, portanto, é completamente infundado e não tem base legal pretender imputar à AT responsabilidade por omissão, em virtude de não ter identificado de imediato o errado enquadramento da Requerente no REGTS.

83. Quanto à circunstância de se ter verificado procedimento díspar por parte da AT em relação ao período de tributação de 2014, importará realçar que em 2014 estão em causa pagamentos por conta realizados pela Requerente, sendo fundamental atentar na norma do n.º 5 do artigo 105.º do CIRC que prescreve que “ Tratando-se de sociedades de um grupo a que seja aplicável pela primeira vez o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, os pagamentos por conta relativos ao primeiro período de tributação são efetuados por cada uma dessas sociedades e calculados nos termos do n.º 1, sendo o total das importâncias por elas entregue tomado em consideração para efeito do cálculo da diferença a pagar pela sociedade dominante ou a reembolsar-lhe, nos termos do artigo 104.º”, sendo que nos anos subsequentes os pagamentos por conta são feitos ao abrigo do n.º 1 do artigo 105.º do CIRC.

84. Retomando a temática dos requisitos legais em ordem à exigibilidade dos juros compensatórios, há que invocar o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 07964/14, de 19.09.2017, no qual se fixa jurisprudência no sentido seguinte: “1. Os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim reparando o credor prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. No âmbito do direito tributário os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança e estando sujeitos ao mesmo período prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo dos juros de mora (cfr. art.º 83, do C.P.T.; art.º 35, da L.G.T.). Esta natureza dos juros compensatórios, como componente da dívida global de imposto, resulta hoje, com evidência, do preceituado no art.º 35, n.º 8, da L.G.T.

2. A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros), verificados os seguintes pressupostos:

a-Atos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou

b-Não pagamento de imposto que deva ser efetuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou

c-Não pagamento de imposto que foi retido ou que deveria ter sido retido e entregue à administração tributária; ou

d-Reembolso superior ao devido;

e-Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao contribuinte, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso;

f-Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa.

3. No art.º 35, n.º 10, da L.G.T., mais se consagra que a taxa dos juros compensatórios é a taxa dos juros legais fixada nos termos do art.º 559, n.º 1, do C.Civil, sendo atualmente de 4% (taxa fixada pela portaria 291/2003, de 8/4, em vigor desde 1/5/2003).

4. Nos termos do art.º 35, n.º 9, da L.G.T., na liquidação de juros compensatórios devem ser discriminados os montantes da dívida de imposto e dos juros, explicando-se com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas. Esta exigência de demonstração do cálculo dos juros compensatórios integra-se no dever geral de fundamentação expressa e acessível dos atos lesivos, constitucionalmente imposto (cfr. art.º 268.º, n.º 3, da C.R.P.).

5. O conhecimento integral do itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela entidade que liquidar os juros compensatórios não dispensará:

a-A indicação do montante dos juros, separado do montante do tributo, se for liquidado concomitantemente;

b-Os termos inicial e final da contagem dos juros;

c-A taxa ou taxas e os períodos a que se reporta cada uma delas, se não for a mesma a taxa aplicada para cálculo da totalidade dos juros;

d-A indicação dos diplomas legais que consagram a responsabilidade por juros compensatórios e os que prevêem as taxas aplicadas;

e-A situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a A. Fiscal a concluir que o atraso na liquidação se deveu a atuação culposa do contribuinte.

(…)”

85. In casu, verifica-se que a Requerente foi por sua iniciativa ou da sociedade dominante enquadra indevidamente no RETGS, o que motivou que a sua declaração de rendimentos modelo 22-IRC, referente ao período de tributação de 2015, só tivesse sido apresentada em 17.12.2019, quando devia ter sido apresentada em junho de 2016, o que motivou o real e efetivo retardamento da liquidação de IRC relativo àquele período de tributação.

86. Estando em causa a relação jurídica tributária em que é sujeito passivo a Requerente, é inquestionável que o atraso na apresentação da declaração de rendimentos motivou um efetivo retardamento da liquidação do imposto, o que representa um real e efetivo prejuízo para os cofres do Estado.

87. É despiciendo ou irrelevante advogar que o imposto em causa foi entregue nos cofres do Estado pela sociedade dominante, pois, é fundamental considerar que a sociedade dominante é o sujeito passivo de uma outra relação jurídica tributária que constitui uma realidade jurídica independente e autónoma da relação jurídica em que se integra a Requerente, pelo que não se pode pretender efetuar qualquer compensação ou interação entre as duas relações jurídicas tributárias, tal possibilidade não tem qualquer acomodação à luz da lei.

88. Nesta medida, é imperioso concluir que se verificou um errado enquadramento jurídico-tributário da Requerente que motivou a entrega da declaração de rendimentos modelo 22-IRC do período de tributação de 2015 fora do prazo legal, o que motivou o retardamento da liquidação do imposto devido, e este atraso só pode ser imputado ao sujeito passivo da respetiva relação jurídica tributária, porquanto, à luz da lei, o erro de enquadramento e o atraso na entrega da declaração não pode/deve ser imputado a outrem.

89. De igual modo, é irrelevante alegar que a Requerente atuou de boa-fé, ainda que assim tenha sido, é inegável que se verificou um erro de enquadramento jurídico-tributário que motivou o atraso da apresentação da declaração de rendimentos e o retardamento da liquidação do imposto devido.

90. Acresce que a norma jurídica que motivou o erro é concreta e objetiva, não oferecendo qualquer dificuldade de interpretação, pelo que o erro não foi provocado por qualquer divergência de interpretação, critérios ou de entendimento entre a contribuinte e a Autoridade Tributária e Aduaneira quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação jurídica, não se podendo, assim, considerar que a atuação da Requerente foi adequada, aceitável e plausível, pelo que, consequentemente, o erro praticado não é desculpável.

91. A razão de ser dos juros compensatórios assenta, necessariamente, num juízo de censura, a título de culpa e, por consequência, numa conduta, no mínimo, negligente, imputável ao sujeito passivo e que justifica a sua responsabilização cível, no sentido de indemnizar o Estado pelos prejuízos decorrentes do não recebimento atempado do imposto devido com suporte numa conduta ilícita ou de desvalorização normativa do quadro legal vigente e aplicável injustificável/indesculpável ou, dito de outra forma, censurável, não se podendo deixar de configurar neste quadro valorativo a atuação da Requerente.

92. O ato tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstrata e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objetivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efetuada, o que implica que o sujeito passivo da relação jurídica tributária cumpra integral, correta e atempadamente as obrigações tributárias.

93. As normas de incidência dos tributos, bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação ou enquadramento em regimes especiais, devem ser interpretadas nos seus exatos termos, e em função das regras e princípios gerais, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação, o que exige a inexistência de erros ou de incorretas atuações.

94. A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência, aptidão e conhecimento de um bónus pater familiae. A culpa exprime um juízo de responsabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. Assim, face ao preceituado nos art.ºs. 35.° da LGT e 102.º do CIRC, constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IRC, de um atraso na efetivação de uma liquidação desse imposto e a imputabilidade do atraso à atuação culposa do contribuinte.

95. Nesta medida, in casu verificam-se todos os pressupostos legais para a exigibilidade de juros compensatórios, pelo que a liquidação impugnada não enferma de qualquer ilegalidade, pelo que se deve manter no ordenamento jurídico.

96. Quanto à alegada falta de fundamentação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, há que salientar que o direito à fundamentação dos atos administrativos e tributários que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos é princípio constitucional com assento no artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e encontra-se concretizado pelo legislador ordinário no artigo 77.º da LGT. Nesta medida, a fundamentação terá de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do ato, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a atuar como atuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.

97. Há que que referir que se mostra fundamentado, do ponto de vista formal, o ato/decisão em matéria tributária se a Administração Tributária indicou os factos nos quais se baseou para praticar o ato/tomar a decisão e se de tais factos resultam claramente os motivos pelos quais decidiu em certo sentido e não noutro. Questão diversa, mas que se prende já com a validade substancial da fundamentação, é a de saber se os factos invocados pela Administração Tributária preenchem os pressupostos legais para a prática do ato/tomada da decisão.

98. Uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do ato, outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do ato, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.

99. Na verdade, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram o órgão da Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação. Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

100. A decisão em matéria de procedimento tributário, além de dever respeitar os princípios da suficiência, da clareza e da congruência, deve, por outro lado, ser contextual ou contemporânea da decisão/ato, sendo que, ainda que o tenha feito de forma suscita, a decisão de indeferimento do recurso hierárquico está devidamente fundamentada, porquanto, deu a conhecer à destinatária do ato o itinerário cognoscitivo que conduziu o órgão da AT a tomar a decisão no sentido em que tomou.

101. Há que referir que a destinatário do ato compreendeu na plenitude o sentido da decisão, porquanto, não teve dificuldades ou dúvidas quanto ao enquadramento e fundamentação da decisão e teve oportunidade de acionar os adequados meios de defesa no sentido de obter tutela plena e efetiva para os seus direitos e interesses legalmente protegidos.

102. Nesta medida, não se verifica falta de fundamentação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico e ou da reclamação graciosa.

103. Em face de todas as razões expostas, verifica-se que o pedido de pronúncia arbitral é improcedente, quer quanto ao alegado vício de falta de fundamentação, quer quanto à arguição de ilegalidade do ato de liquidação dos juros compensatórios, devendo, em consequência, manter-se na ordem jurídica os atos impugnados.

 

IV. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

104. No pedido de pronúncia arbitral, conjuntamente com a anulação do ato de liquidação de juros compensatórios, a Requerente pede o reembolso do valor pago indevidamente e o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos previstos nos artigos 43.º e 100.º da LGT.

105. Nos termos da norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

106. Há que referir que, em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral, pelo que, assim, importa conhecer do pedido.

107. O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto e/ou juros compensatórios por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

108. In casu, é manifesto que os serviços da AT se limitaram a aplicar a lei, porquanto, pelas razões supra expostas a liquidação de juros compensatórios é legal e o respetivo pagamento exigível. Nesta conformidade, não há lugar ao reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, sendo, outrossim, nesta parte o pedido de pronúncia arbitral improcedente.

 

  1. DECISÃO

Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar totalmente improcedente o pedido da Requerente;

b) Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 36.371,16 (Trinta e seis mil trezentos e setenta e um euros e dezasseis cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

  1. CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 06 de dezembro de 2021

 

 

O Árbitro

 

 

Jesuíno Alcântara Martins