Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 179/2020-T
Data da decisão: 2021-01-29  IVA  
Valor do pedido: € 42.569,29
Tema: IVA-Ginásios; Consultas de nutrição; Isenção (Artigo 9º, alínea1) do Código do IVA); Desnecessidade de reenvio prejudicial. Recurso de revisão de decisão arbitral - Instância internacional de recurso- Decisão arbitral (anexa à decisão).
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SUMÁRIO:

Face ao conceito de prestações acessórias, definido pela jurisprudência do TJUE, as consultas de nutrição/dietética, constituam prestações autónomas relativamente aos serviços de ginásio, e como tal, isentas de IVA, face ao disposto no artigo 9º, alínea 1) do CIVA e artigo 132º, nº 1, alínea c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

I-RELATÓRIO

1. A..., LDA., com o número de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., nº..., ...-... ...,  (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), veio em  2020-03-16, apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, 5º, nº 2 ,alíneas a) e b) e 10º, nºs 1 e 2,  todos os Decreto- Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT), e artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT),  com vista à declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidações adicionais de IVA, e juros compensatórios respectivamente nos valores de 39.095,57 € e 3.473,72 €, no montante global de 42.569,29 €, referentes aos anos de 2017 e 2018.

2. O pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado à Requerida em 2020-03-17.

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4. Em 2020-07-06, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2020-08-05, de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

6.  A fundamentar o seu pedido, com relevo para o aqui importa e em síntese, alega a Requerente o que se recorta das “conclusões”, com que encerra o pedido de pronúncia arbitral;

“a) Ao contrário que indevidamente alega a AT no RIT, a Requerente dispõe de meios físicos e humanos para prestar os serviços de nutrição”,

“b) Os factores “peso do activo tangível e de recursos humanos na nutrição e no ginásio” são incomparáveis, dada a especificidade de cada uma estas actividades, pelo que não se pode extrair qualquer consequência do diferente peso de ambos.”,

“c) A interpretação da AT, a saber, a de que a disponibilização de uma consulta de nutrição não beneficia da isenção de IVA, é manifestamente ilegal, o que foi já sancionado em diversas decisões deste Tribunal Arbitral.”,

“d) Como tem sido pacificamente aceite pela jurisprudência arbitral que se debruçou sobre esta matéria: “não pode constituir obstáculo à isenção o facto de os serviços previstos no contrato poderem vir a não serem efectivamente prestados aos clientes/sócios que aderiram ao contrato, mas não os utilizam, pois os serviços consideram-se prestados com a disponibilização, como é jurisprudência do TJUE.”,

“e) Foi ainda demonstrado que a Requerente, ao abrigo da sua liberdade de actuação comercial, como forma de fomentar os serviços de nutrição e assegurar maior oferta aos seus clientes, enveredou por um modelo de negócio no qual procede a um desconto na mensalidade do serviço de ginásio e cobra precisamente o valor desse desconto no serviço de nutrição”,

“f) O preço do serviço de nutrição cobrado aos sócios aderentes deste serviço, não é desfasado face ao serviço prestado: o valor é sensivelmente menor do que o cobrado a não sócios (o que é natural), mas é similar ao valor cobrado pela consulta a sócios não aderentes dos serviços de nutrição ou que pretendam uma consulta adicional à incluída na mensalidade”,

“g) Por fim, os serviços de nutrição não se devem considerar acessórios do serviço de ginásio; como tem sido reiterado pela jurisprudência arbitral: “Não se verifica, pois, a indissociabilidade das consultas de nutrição relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objectivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.”

7. Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2020-08-07 a Requerida apresentou a sua resposta, conjuntamente com o processo administrativo em 2020-09-30, propugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, suscitando ainda o reenvio prejudicial ou que os presentes autos sejam objecto de suspensão da instância até à decisão a proferir pelo TJUE no âmbito do processo nº 504/2018-T do CAAD.

8. Alega a AT, em síntese e com relevo para o que aqui importa, replicado em sede de alegações escritas, o seguinte que se menciona maioritariamente por transcrição:

“O que determina a subscrição dos serviços de nutrição são os serviços de ginásio (…),

“(…) apenas devem ser vistas como independentes as prestações que não possam ser objetivamente consideradas indissociáveis ou acessórias relativamente à prestação principal, apresentando apenas um nexo artificial com a referida operação principal isenta do IVA”,

“ Efectivamente, como puderam os SIT verificar, o serviço dietético é disponibilizada todos os meses e, consequentemente, facturado, independentemente de os clientes terem ou não uma das referidas consultas. (sublinhado no original)”,

“(…) dúvidas não persistem de que se trata de um só serviço (cuja decomposição reveste um carácter artificial), constituído por uma prestação principal (o ginásio), embora com diversas prestações acessórias quanto a esta, como sejam o acompanhamento nutricional”;

“Recordemos então as palavras do Ac., do TJUE de 06.05.2010 (proc. C-145/08 e 149/08), “(…) no caso de um contrato misto cujas diferentes partes (…) estão inseparavelmente ligadas, formando, assim, um todo indivisível, a operação em causa deve ser examinada no seu todo de modo unitário para efeitos da sua qualificação jurídica e deve ser apreciadas com base nas normas que regulam a parte que constitui o objecto principal ou o elemento preponderante do contrato (…)”,

“Em conclusão, e como se disse na Resposta, o acompanhamento nutricional como o aqui em crise, faz parte da relação entre serviços que, complementa a actividade física e de for geral promove a saúde e bem estar, relação na qual a prática desportiva é sem sombra de dúvidas a prestação principal e no RIT, apontam nesse mesmo sentido.”,

“Ou seja, como se viu, os contratos efectuados pela Requerente com os seus clientes, prevêem um conjunto de serviços, contratados em conjunto”,

“Desses serviços, o principal é o da prática desportiva e o de serviços dietéticos é, quando àquela, acessório, na medida em que sendo necessário ao resultado pretendido (ficar em forma), não pode ser autonomizado da prestação principal porquanto não constitui para os clientes, neste caso concreto, um fim em si mesmo mas sim uma forma de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal.”,

“Pelo que, forçosamente se tem de concluir terem agido os SIT corretamente quando se depararam com a decomposição artificial da operação levada a cabo pela Requerente, por forma a não liquidar imposto numa relevante fatia dos seus outputs, mantendo no entanto a dedução da esmagadora maioria dos inputs.”

 

9. Através de despacho arbitral de 2020-10-06 foi, para além do mais, dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, convidadas as partes a remeter ao CAAD os seus articulados e Relatório de Inspeção Tributária em formato editável, e indicada data para a prolação e notificação da decisão arbitral.

10. Em resultado do peticionado pela Requerente, e não oposição da AT, realizou-se em 2020-11-03, nas instalações do CAAD na cidade do Porto, a inquirição das testemunhas apresentadas pela Requerente.

11. Em 2020-11-24 ambas as partes apresentaram as suas alegações escritas.

12. O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT;

13.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT).

14. Não foram suscitadas excepções de que deva conhecer-se. 

15. O processo não enferma de nulidades.

16. Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II-FUNDAMENTAÇÃO

A.1. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas nos presentes autos, dão-se como provados e assentes os seguintes factos:

A.A Requerente é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social consiste na “actividade de ginásio (fitness), comércio a retalho de vestuário para adultos e outras actividades de saúde humana, nomeadamente fisioterapia, dietética e hidroterapia”. (cfr. documento nº 4, junto como pedido de pronúncia arbitral

B.A Requerente está inscrita com os códigos de actividade económica (“CAES”) 93192- actividades de ginásio (fitness) e CAE 86906- outras actividades de saúde humana (cfr. documento nº 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

C.A Requerente presta serviços de ginásio (fitness), bem como serviços na área da saúde humana de nutrição/dietética

D. Para efeitos de IVA encontra-se enquadrada no regime de periodicidade mensal que pratica operações como sujeito passivo misto com afectação real de todos os bens.

E. Em sede de IRC está enquadrada nas regras da alínea a) do nº 1 do artigo 15º do CIRC.

F. Para os diversos tipos de serviços prestados a Requerente contrata, sobretudo, em regime de prestação de serviços diferentes profissionais (cfr. Relatório da Inspecção Tributária).

G. Para os serviços ligados à saúde humana contratou uma nutricionista.

H. As instalações da Requerente situam-se na Rua ..., ...– Edifício ... em ...“...” e “...”.

I. No piso – 2 encontram-se instaladas as salas de musculação, três salas de aulas de grupo, piscina, campo de squash e balneários.

J. No piso -1, na loja 19, encontram-se instalados quatro gabinetes afectos exclusivamente e aptos a prestar os serviços de nutrição, fisioterapia, osteopatia, acupunctura, psicologia e podologia (…)

K. O piso -1 tema área de 60 m2 (cfr. documento nº 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

L. No que respeita aos serviços da área da saúde humana, estética e massagem, a Requerente presta também tais serviços a “não sócios”.

M. Para prestar serviços de nutrição quer a sócios quer a não sócios, a Requerente contratou em regime de prestação de serviços, uma nutricionista, inscrita na Ordem dos Nutricionistas Dra. B..., com a cédula ..., inscrita desde 2 de Janeiro de 2016 (cfr. página 12 do Relatório de Inspecção Tributária.

N. A Requerente dispõe de quatro gabinetes nas suas instalações, mais precisamente no piso -1, dedicados a esta área de actividade, nos quais são também utilizados para os serviços/consultas de nutrição.

O. Estes gabinetes estão devidamente equipados com os equipamentos necessários à actividade de nutricionistas, a saber, mesa, cadeiras, balança nutricional e medidor de gordura corporal.

P. Para frequentar o estabelecimento da Requerente, os clientes podem tornar-se sócios do mesmo, mediante a assinatura de um contrato de adesão, pagamento de inscrição e passam a suportar uma mensalidade.

Q. O valor da mensalidade depende do número de frequências semanais.

R. Aos sócios são apresentados dois contratos de adesão: um no qual se inclui o serviço de nutrição e outro em que tal serviços não está incluído (cfr. documentos nºs 7 e 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

S. A Requerente realiza constantemente campanhas de divulgação dos serviços de nutrição e de sensibilização para uma alimentação saudável.

T. Em 05-09-2019 os Serviços de Inspecção Tributária iniciaram uma acção inspectiva à Requerente, a coberto da ordem de serviço nº OI2019... que incidiu sobre o ano de 2017.

U. Na sequência da referida inspecção tributária a Requerente foi notificada do respectivo Projecto de Relatório de Inspecção, no qual a AT concluiu, para além do mais, “que as operações faturadas pela A..., LDA.” a título de aconselhamento nutricional não reúnem as condições para beneficiar da isenção de IVA constante no nº 1 do artigo 9º do CIVA”.

 V.A Requerente optou por não exercer o seu direito de audição, tendo sido emitido o Relatório Definitivo de Inspecção em que a AT manteve as correções preconizadas no Projecto, e que aqui se dá por reproduzido e integrado.

W. Do ponto III.1.3.7. CONCLUSÕES E APURAMENTO DO IVA EM FALTA, a fls. 21 a 23 do Relatório, retira-se o seguinte:

“ Os factos carreados para os pontos anteriores que se resumem de seguida:

1.            A entidade A..., LDA., declarou para efeitos de IVA, que em 2017, mais de um terço da sua atividade total se encontrava isenta ao abrigo do nº 1 do artigo 9º do CIVA, por se tratar da prestação de cuidados de saúde;

2.            De acordo com o TJUE considera-se estar perante prestação de cuidados de saúde na aceção da isenção em questão quando os serviços visam a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento de doenças ou outra qualquer anomalia de saúde.

3.            Da análise efetuada à atividade exercida nomeadamente com base na afetação dos investimentos incorridos, conclui-se, nomeadamente, pela utilização dada às  instalações, pela mão-de-obra que o sujeito passivo tem ao seu dispor e ainda pelos gastos incorridos pelo sujeito passivo, que a estrutura existente tem como principal objetivo a oferta de serviços de ginásio, proporcionando aos seus clientes condições para a prática desportiva acompanhada de monitor ou não;

4.            Com efeito, ficou sobejamente evidenciado na exposição desenvolvida nos pontos III.1.3.2.1 a 1.3.3., que a estrutura de gastos e investimentos realizados pela A..., LDA., tem subjacente, maioritariamente, prestação a jusante de serviços de ginásio e, apenas residualmente a prestação de serviços de aconselhamento nutricional;

5.            Ficou ainda demonstrada que o contribuinte não dispunha em 2017 de recursos suficientes - profissionais de nutrição devidamente credenciados para o efeito – para realizar o número de sessões de aconselhamento nutricional faturadas. Assim sendo, a referência a faturas a “Nutrição” corresponde, quando muito, à disponibilização do direito de usufruir de uma consulta de aconselhamento nutricional mensal, e não a uma efetiva consulta realizada:

6.            Através da análise aos preços cobrados, aferida através do Ficheiro SAF-T (PT) de faturação, verificou-se que os clientes adquirem um “pacote” que inclui a atividade de ginásio e aconselhamento nutricional o que se confere pela qual se total inexistência de clientes com adesão a apenas serviços de ginásio;

7.            O serviço de nutrição, ou, melhor, a disponibilização do direito a aceder ao serviço de nutrição, é um benefício potencial atribuído aos clientes do serviço principal;

8.            A situação descrita “obriga” os clientes à contratação ao aconselhamento nutricional e permite ao sujeito passivo camuflar a isenção atribuída a uma parte significativa da mensalidade contratualizada com os clientes, retirando vantagem através da diminuição do IVA a entregar ao Estado;

9.            A formação do preço dos serviços prestados pela A..., LDA., é destituída de qualquer racionalidade económica. Os serviços que mais recurso consomem (serviços de ginásio) são vendidos a preços que não permitem sequer cobrir os gastos com os recursos que lhe são afetos. Tal, só pode encontrar justificação numa discriminação artificial do preço, neste caso, com o objetivo de obter a vantagem fiscal;

10.          É de referir que, o facto de na tabela de preços e nos respetivos contratos celebrados, os preços dos serviços de ginásio e de aconselhamento nutricional serem apresentados, para as modalidades que incluem aconselhamento nutricional, separadamente, não significa que estejamos perante prestações de serviços distintas ou separáveis. Na verdade, trata-se de um preço único na medida em que o preço fixado para o serviço de ginásio depende da contratação do serviço de aconselhamento nutricional. O cliente não tem qualquer possibilidade de pagar apenas a parte do preço referente ao ginásio, tendo de, obrigatoriamente aderir ao serviço nutricional para beneficiar do mesmo;

Permitem à Inspeção Tributária afirmar;

i.             Que o contribuinte está a utilizar a “Nutrição” – que na realidade, será apenas residualmente e sempre a título acessório, utilizado pelos clientes – para, de forma artificial, discriminar as suas receitas, que mais não são do que derivadas da atividade que exerce a título principal, a atividade de ginásio;

ii.            Dito de outra forma, que os serviços de aconselhamento nutricional eventualmente realizados pela A..., LDA., nunca constituíram para os seus clientes um fim em si mesmo, mas antes, e, eventualmente, um meio de beneficiar, nas melhores condições de preço do serviço principal, prestado por aquela e, nessa exata medida, devem ter, em sede de IVA, o mesmo tratamento da prestação de serviços principal;

iii.           Que o serviço contratado pelo cliente da A..., LDA., é um serviço global, com um valor único e fixo, que engloba a prática desportiva e a possibilidade de beneficiar de serviços de aconselhamento nutricional. A prática do sujeito passivo de faturar o valor contratado em duas verbas, de serviço de ginásio e de serviço de aconselhamento nutricional, constitui uma divisão artificial de operação contratada, estando, consequentemente sujeita e não isenta de IVA pelo seu valor total à taxa normal de IVA; 

iv.           Por outro lado, tendo ficado demonstrada a falta de capacidade para a realização de todas as sessões de aconselhamento nutricional conclui-se a final, que a mera disponibilização de um serviço, quando não ocorra a efetiva realização, por falta de finalidade terapêutica e até de prevenção, não constitui um serviço isento nos termos da legislação invocada pelo contribuinte;

v.            Além disso, e apenas, em jeito de conclusão, questiona-se se, ainda que todos os serviços de aconselhamento nutricional e dietético tivessem sido realizados, poder-se-ia considerar que a oferta desse serviço, composto por uma sessão presencial mensal com um profissional de nutrição poderia, ainda assim, ser considerada prestação de cuidados de saúde na aceção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA?

 

Face ao exposto, concluímos que as operações faturadas pela A..., LDA. a título de aconselhamento nutricional não reúnem as condições para beneficiar da isenção de IVS constante do nº 1 do artigo 9º do CIVA (…)”

 

X. Na sequência da inspecção tributária foram emitidas as liquidações de IVA e juros compensatórios, constantes do documento nº 1, junto com pedido de pronúncia arbitral:   

LIQUIDAÇÕES ADICIONAIS DE IVA

 

LIQUIDAÇÕES DE JUROS COMPENSATÓRIOS

 

Y. Em 03 e 04 de Fevereiro de 2020, a Requerente procedeu ao pagamento das liquidações impugnadas.

Z. Em 16 de Março de 2020, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral junto do CAAD, que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a  decisão e discriminar  a matéria provada de não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 670º, nº 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis, da(s) questão (ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formando a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimentos das pessoas (cfr. artigo 670º, nº 3º do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 42/2013, de 26 de Junho).

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida na lei (vg., força probatória dos documentos autênticos) (cfr. artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

As testemunhas inquiridas nos presentes autos aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram, em especial no que concerne à identificação dos espaços onde são prestados os serviços de nutrição abertos a sócios e não sócios da Requerente.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental carreada para os autos, e a prova testemunhal produzida, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Não se deram como provados nem como não provados as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.

 

B. DO DIREITO

- as questões que se colocam nos presentes autos, têm a ver com os serviços de nutrição prestados pela Requerente e conduzem-se em saber se os mesmos estão isentos de IVA, a coberto do artigo 9º nº 1 do CIVA, e correlacionada com esta questão, saber se a aplicação de tal isenção pressupõe que os serviços de nutrição tenham que ser efectivamente prestados, ou se a mera disponibilização dos mesmos é causa bastante para aplicação da isenção.

Por fim, caberá analisar e decidir se os presentes autos devem ser objecto de reenvio prejudicial junto do TJUE, ou eventualmente suspensos até que seja proferida decisão relativamente ao pedido de reenvio prejudicial, suscitado no âmbito da decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 504/2019 de 22 de Julho de 2019.

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O artigo  9º nº 1 do CIVA, que constitui a transposição do artigo 132º, nº 1, alínea c) da Diretiva IVA (2006/112 CE, de 28 de Novembro de 2006) determinava antes da alteração produzida pela Lei nº 2/2020, de 31 de Março (LOE 2020) como segue:

 

“Artigo 9º- Isenções nas operações internas

Estão isentas do imposto:

1)            As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.

Por ser turno dispõe a alínea c) do nº 1 do artigo 132º da Diretiva IVA que se encontram isentas as “prestações de serviços de assistência efecutadas no âmbito do exercício de profissões médias e paramédicas, tal como definidas pela Estado-Membro em causa.

As razões objectivas da isenção do exercício de actividades no âmbito da saúde são absolutamente claras e consensuais, podendo sintetizar-se que “o objectvo subjacente à concessão destas isenções é o de não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e, em reduzir os custos médicos para os utentes da tributação e promover os cuidados de saúde” 

 

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da isenção de IVA aplicável aos serviços de nutrição 

 

“O exercício das atividades profissionais na área da saúde designadas por atividades paramédicas, encontra-se regulamentado pelo Decreto-Lei nº 261/93, de 24 de julho, que estabelece as respetivas condições e naquelas inclui a Dietética, definida como a “[a]plicação de conhecimentos de nutrição e dietética da saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares”- artigo 1º, nº 3 do referido diploma e nº 5 da Lista anexa.

 

De acordo com o artigo 1, nº 1 do citado Decreto-Lei nº 261/93, as atividades paramédicas “compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação”, visando assim, quer a fase de tratamento de um problemas, quer a sus prevenção, sendo este último aspeto particularmente importante e sensível no domínio da doenças crónicas como a hipertensão e diabetes, verdadeiros flagelos de saúde pública das sociedades modernas, cuja relação com a obesidade e a manutenção de hábitos sedentários é por todos conhecida.

 

Adicionalmente, o Decreto-lei nº 320/99, de 11 de agosto, em concretização da base I da Lei nº 48/90, de 24 de agosto (“Lei de Bases da Saúde”), veio definir os princípios gerais “em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica” e proceder à sua regulamentação, incluindo de forma expressa no seu âmbito a profissão de Dietista.

 

O exercício da profissão denominada de “nutricionista” ou “dietista” está dependente de título profissional, atualmente atribuído pela Ordem dos Nutricionistas, criada pela Lei nº51/2010, de 14 de dezembro, e sujeita às correspondentes regras técnicas e deontológicas.

 

A Ordem dos Nutricionistas abrange os profissionais licenciados na área das Ciências da Nutrição e ou Dietética, podendo a profissão de nutricionista ou dietista “ser exercida de forma liberal, quer a título individual que em sociedade, ou por conta de outrem” - cf, artigos 2º e 3º, nº 1. Conforme dispõe o Regulamento de Inscrição na Ordem dos Nutricionistas, nº308/2016, de 15 de março, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 58 de 23 de março, podem inscrever-se como “nutricionistas” os licenciados em ciências da nutrição, dietética ou em dietética e nutrição.

 

De acordo com a definição constante da página eletrónica da Ordem dos Nutricionistas, o “ nutricionista é um profissional de saúde que dirige a sua ação para a  salvaguarda da saúde humana através da promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença pela avaliação, diagnóstico, prescrição e intervenção alimentar a pessoas, grupos, organizações e comunidades, bem como o planeamento, implementação e gestão de comunicação, segurança e sustentabilidade alimentar, através de um prática profissional cientificamente comprovada e em constante aperfeiçoamento. Incorpora ainda as atividades técnico-científicas de ensino, formação, educação e organização para a promoção da saúde e prevenção da doença através da alimentação”

 

Os serviços de nutrição inserem-se, desta forma, na prestação de cuidados de saúde, sendo a sua área de atuação a alimentação humana, com objetivo de prevenir e tratar as doenças, associadas a uma incorreta alimentação, em linha com as políticas de saúde promovidas pelo Governo e por organizações com competência na área, como a Organização Mundial de Saúde. (destaques no original).

 

Proferindo ainda a acórdão arbitral que vimos de citar;

 

“A prestação de serviços de serviços de aconselhamento nutricional através de consultas presenciais ou por meios telemáticos é, nos termos da legislação acima referida, enquadrável no âmbito da prestação de serviços paramédicos e, em consequência, subsumível à norma de isenção de IVA, constante do artigo 9º, 1) deste imposto (…)”

 

Isto posto,

As  questões que emergem dos presentes autos têm sido objecto de várias decisões proferidas pelos tribunais tributários arbitrais, sob a égide do CAAD, de entre os quais, e a título meramente exemplificativo, se destacam  os processos números 454/2017 -T, de 2018.04.92; 373/2018-T, de 2019-04-24; 570/2018-T,de 2019-09-30;159/2019-T de 2019-11-05; 161/2019-T, de 2019-10-30; 164/2019-T, 169/2019-T de 2019-11-06; 174/2019-T de 2020-01-21; 181/2019-T de 2019-11-27; 544/2019-T, de 2020-04-23 e 760/2019-T de 2020-08-31.

Nestes identificados processos tem sido invariavelmente reconhecido o caracter autónomo das sessões de aconselhamento de nutrição/ dietética em relação a actividades físicas praticada nos ginásios, concluindo-se deste modo que tais serviços (desde que praticados por profissionais para tanto devida e legalmente habilitados) podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA.

 

Seguiremos de perto, data venia, a motivação e sentido decisório provindos do processo nº 159/2019-T, de 2019-11-05- T, que por sua vez convoca o processo nº 373/2018- T, (tendo em mente o artigo 8º, nº 3 do Código Civil que estabelece que “nas situações que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim se obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”)

Assim;

 

“(…) Desde logo, não pode constituir obstáculo à isenção o facto de os serviços previstos no contrato poderem vir a não serem efectvamente prestados aos clientes/sócios que aderiram ao contrato, mas não os utilizam, pois os serviços consideram-se prestados com a disponibilização, como é jurisprudência do TJUE.

Como se refere ao acórdão MEO, C-285/17, de  22-11-2018, nº 40 no tocante ao nexo direto entre o serviço prestado ao beneficiário e à efetiva contraprestação recebida, o Tribunal de Justiça já decidiu, quanto à venda de bilhetes de avião que os passageiros não utilizaram e cujo reembolso não conseguiram obter, que a contraprestação do preço pago na assinatura de um contrato de prestação de serviços é constituída pelo direito que  o cliente dele extrai de beneficiar do cumprimentos das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada elo facto de o cliente não fazer uso do referido direito (v. neste sentido, Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Air France KLM e Hop! Brit Air, C 250/14, EU.C 2015:841, nº 28)”

Por outro lado, a eventual relevância da não utilização dos serviços contratados poderia ser fundamento para a não tributação, mas não para afastamento de uma isenção, como se refere no acórdão arbitral de 14-06-2018, proferido no processo nº 373/2018-T.

Assim o único eventual obstáculo à aplicação da isenção referida, pode advir da invocada acessoriedade, a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira e poderá justificar que lhe seja aplicado o regime da prestação principal.

Afigura-se que esta questão está proficientemente tratada no acórdão arbitral nº 373/2018-T, que tem subjacente uma situação fáctica perfeitamente idêntica, em que, inclusivamente é Sujeito Passivo uma empresa do mesmo grupo da Requerente, pelo que se reitera aqui o entendimento aí adoptado, tendo em mente o artigo 8º, nº 3 do Código Civil que estabelece que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.

Este “tratamento análogo” justifica-se acentuadamente em situações como a presente em que situações fácticas e o enquadramento jurídico são idênticos e as questões a apreciar são as mesmas.

Refere-se nesse acórdão o seguinte:

“O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP.C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.

O regime regra pode, porém ser afastado e uma prestação ser considerada em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela em fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador”- Acórdãos CPP, C-340/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações  formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes”- Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008.

Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.

Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGZ Leaing. C-224/11, de 17 de janeiro de2013, Field Fisher, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada

O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única.

 

Segundo este Tribunal, atenta a “dupla circunstância de que por um lado, do artigo 2º , nº 1, da Sexta Diretiva [artigo 2º, nº 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais ou, uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007.

A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005.

Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidade de utilização dos bens e serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal”-Acórdão  Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.

 

Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientaram a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória.

 

Com efeito, as prestações de serviços das diversas áreas são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. Os clientes mantêm a faculdade de escolha dos prestadores e das modalidades de utilização dos serviços em causa. O facto de Requerente, por razões comerciais, ter estabelecido condições vantajosas que fomentam e promovem a adesão aos novos serviços de nutrição, tendo em vista o arranque dessa nova área de atividade, e assegurar uma oferta mais vasta de serviços, com o intuito de fidelização dos clientes, não conduz à consideração destes como meramente acessórios à utilização do ginásio. A prática de exercício físico é independente da adoção ou não determinado regime alimentar, pelo que devem ser consideradas prestações de serviços distintos.

 

Não se verifica, pois a indissociabilidade das consultas de nutrição, relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objetivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.

 

As referidas consultas valem por si, têm objetivos próprios e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio. Aliás, existem sócios que não aderiram aos referidos serviços de nutrição e, por outro lado, a Requerente presta serviços de nutrição a não sócios, que não utilizam o ginásio. Refira-se que a esta conclusão, chega de igual modo, a Decisão Arbitral, de 2 de abril de 2018, proferida no processo do CAAD nº 454/2017-T, que versa sobre situação análoga.

 

No que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços. De salientar que os referidos preços não são dirigidos a entidades relacionadas, sendo aplicados à generalidade dos seus clientes e ao público em geral.

 

Por outro lado, a diferente codificação “SDIET” e “NUT” aplicável às consultas de nutrição abrangidas pelo Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e às consultas de nutrição adquiridas avulso não afetam a natureza exatamente idêntica dos serviços prestados.

 

Trata-se de uma codificação que visa facilitar a análise/comparabilidade das consultas geradoras de receita incremental (up-selling), representando uma forma de tratamento da informação de gestão da Requerente que não patenteia ou indica realidades diferenciadas, sendo idónea a suportar uma re- caracterização das operações. Ficou demonstrado que as consultas, independentemente da forma como são remuneradas – na mensalidade ou de forma avulsa – são prestadas exatamente da mesma forma, com os mesmos objetivos, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações.

 

À face do exposto, conclui-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente, relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados”.

 

Reiterando que se subscreve sem quaisquer reservas o quanto vem de citar-se, e sem necessidade de quaisquer outras considerações é de concluir pela procedência do pedido formulado pela Requerente por vício de violação da lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, em conformidade com o disposto no artigo 163º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea d) do RJAT.

 

******

 

Adicionalmente, para concluir, e sem prejuízo de se subscrever entendimento absolutamente consolidado quanto ao eventual carácter vinculativo da informação circunscrito ao contribuinte que a suscita, sempre se convoca a ficha doutrinária/informação vinculativa nº 9215 de 2015-08-19, da SDG do IVA, onde se concluiu que:

“23. (…) os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pelo requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei nºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto.

24. Para o efeito, a requerente deve adicionar o exercício da nova atividade às que já exerce, mediante a entrega de uma declaração de alterações, nos termos do artigo 35º do CIVA, nela evidenciando a sua qualidade de sujeito passivo misto, bem como, indicar qual o método que pretende utilizar para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto.”

 

 do reenvio prejudicial

 

Na resposta, e como já sinalizado (ponto 7 do Relatório) a AT sugeriu que a questão suscitada no presente processo fosse objecto de reenvio prejudicial para resposta a proferir pelo TJUE, tendo avançado com as seguintes questões em concreto:

. “ginásios, que prestem serviços de sessões de dietista/nutricionista, a destinatários, que não tenham qualquer doença, beneficiam da isenção prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE ?

 

. numa prestação de serviços em que se incluem serviços como os vulgarmente prestado por ginásios, [que podem ou não compreender a utilização dos ginásios, aulas de diferentes tipos (como por exemplo, fitness, yoga, pilates, cardio, cycling, etc), utilização de balneários, banhos turcos, jacuzzis, piscinas, duches tropicais, etc.] e, associados a tais serviços (sujeitos e não isentos), forem também prestados serviços de sessões de dietista/nutricionista (isentos, se o forem), sem possibilidade de destacamento na contratação (porque a globalidade dos serviços fazem parte de um pack, que não permita destacar a os serviços de dietista/nutricionista, com a consequente redução do valor dos mesmos ao valor do pack), constitui ou não, uma decomposição artificial da prestação de serviços única em que o serviço principal é a utilização do ginásio e as sessões de dietista/nutricionista, são uma prestação de serviços acessória, em relação àquela, a facturação das sessões de dietista/nutricionista em separado, aplicando a isenção de IVA a esta parte ?

 

Em caso de resposta afirmativa a esta questão,

 

. deve a prestação de serviços acessória, de nutricionista/dietista, seguir o enquadramento em sede de IVA da prestação principal?

. a esta forma de faturação, em que percentagens de inputs como as em apreço, permitem a isenção de uma percentagem dos outputs, como os em apreço, a que acresce o facto de as consultas serem facturadas (com a aplicação da isenção) independentemente de serem prestadas, constitui uma utilização da isenção suscetível de criar distorções na concorrência (perante os demais atuais e potenciais operadores que pretendam usar  apenas os serviços sujeitos e não isentos e, como tal, contrária à Diretiva 2006/112/CE ?

 

Por seu turno, a Requerente em sede de alegações escritas pugna no sentido de “que não deverá ser atendido o pedido de reenvio prejudicial junto do TJUE requerido pela AT na sua resposta (…)”, apelando a decisões arbitrais proferidas sob a égide do CAAD no sentido da desnecessidade do reenvio.

Vejamos então;

Com já tivemos oportunidade de expressar,   o reenvio prejudicial é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia que tem por finalidade fornecer aos órgãos jurisdicionas dos Estados-Membros o meio de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes deste direito em toda a União.

Por força do artigo 19º-3/b do Tratado da União Europeia, e do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeias, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação do direito da União e sobre a validade dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Os tribunais arbitrais integram o conjunto de tribunais nacionais como expressamente resulta do previsto no artigo 209º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Enquanto tal, e no desempenho activo da sua função arbitral, atendendo à natureza excepcional do recurso da decisão dos tribunais arbitrais em matéria tributária, o legislador nacional deixou expresso no preâmbulo do Decreto-Lei nº 10/20122, que “(…) nos casos em que o tribunal arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é susceptível de reenvio prejudicial em cumprimento do § 3 do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”.

Não há dúvidas pois, que em caso de dúvida sobre a interpretação de normas jurídicas de direito europeu o tribunal arbitral pode recorrer ao mecanismo de reenvio prejudicial.

Os tribunais nacionais são considerados como tribunais comuns da Ordem Jurídica da União Europeia, dado o número considerável de normas e de actos comunitários, constituídos por disposições directamente aplicáveis ou com efeito directo, cabendo aos tribunais nacionais dos Estados-Membros aplica-las nos litígios que lhes sejam submetidos para apreciação. Cabe pois, aos tribunais nacionais o dever de aplicar o direito comunitário, mesmo contra disposições de direito interno em sentido contrário.

Assim, para recorrer ao processo de reenvio de uma ou mais questões a título prejudicial, para interpretação de uma ou mais normas jurídicas de direito comunitário, originário ou derivado, é necessário que subsistam dúvidas sobre a interpretação do texto em causa. Pelo contrário, se o texto é perfeitamente claro, não se trata de interpretar, mas sim de o aplicar, o que é da competência do Tribunal/Juiz/Árbitro incumbido da competência de julgar o caso concreto aplicando a lei, a nacional e/ou a comunitária de for esse o caso. Este entendimento é amplamente conhecido e defendido pela doutrina e pela jurisprudência com a “teoria do acto claro”.

 

Nesta conformidade, não antevendo dúvidas de interpretação que fundamentem o pedido de reenvio, decide-se rejeitar o mesmo, subscrevendo-se ainda, e adicionalmente, pela flagrante similitude factual com a dos presentes autos, o que vem dito a respeito deste segmento, no âmbito do processo nº 169/2019-T de 2019-11-06, que data venia se subscreve;

 

“ Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267º do TJUE (que substituiu o artigo 234º do Tratado de Roma, anterior artigo 177º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo nº 25128, publicado em Apêndice ao Diário da Republica de 31-1-2003, p. 3757, de 17-11-2001, processo nº 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602, de 7-11-2001, processo nº 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

Quando se suscita um questão de interpretação e aplicação de Direito de União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através do reenvio prejudicial.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como este Tribunal concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Processo nº 283/81.

A obrigatoriedade ou não  de efectuar o reenvio prejudicial não resulta da vontade das Partes nem pode ser decidida de forma genérica, dependendo apenas do juízo que o Tribunal nacional que tem de proferir a decisão fizer sobre a necessidade para decidir os litígios, como tem sido repetidamente afirmado pelo TJUE, :”Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisprudencial a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça (Acórdão de 10 de julho de 2018, Jehovan Todistajat, C-25/17, EU:C:2018:551, nº 31 e jurisprudência referida; Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C-52/16 e C-113/16, EU: C: 2018:157, nº 42, Acórdão de 02-10-2018 processo C-207/16; nº 45; Acórdão de 28-11-2018, processo C-295/17, nº 33)

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (nº 2 do artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril), é como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-se ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2º do RJAT e 99º e 124º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29, nº 1, alínea a), daquele].

Por isso, os actos de liquidação que são objecto de pedido de declaração de legalidade pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm  de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação  da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, de facto ou de direito, mesmo que seja, invocadas a posteriori pela Autoridade Tributária e Aduaneira em impugnação administrativa ou contenciosa.

Quanto ao reenvio prejudicial a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a questão de saber de “Ginásios, que prestem serviços de sessões de dietista/nutricionista, a destinatários, que não tenham, qualquer doença. Beneficiam da isenção prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE?”, trata-se de questão que não se coloca no caso em apreço, por não ter sido fundamento das liquidações impugnadas. Na verdade, não foi invocado com fundamento das liquidações a agora alegada prestação de serviços a destinatários que não tenham qualquer doença, nem isso foi averiguado pela inspecção tributária nem está demonstrado no processo, pelo que não se coloca a possibilidade de anulação das liquidações com esse novo hipotético fundamento, invocado a posteriori.

De qualquer forma, como já se referiu, há já jurisprudência do TJUE no sentido de as “prestações médicas efectuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas, beneficiam da isenção” (Acórdãos L.u.P., C-106/05, de 08-08-2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20-1-2003; D´Ambrumenil, C-307/01, de 20-11-2003, e Comissão/França, C-76/99, de 11-11-2001) e as consultas dietéticas visam beneficiam daquela isenção como reconheceu a Autoridade Tributária e Aduaneira na referida Informação Vinculativa.

Por isso, não se justifica o reenvio prejudicial para o TJUE, pois aos Tribunais do contencioso tributário cabe apenas a função de dirimir os litígios emergentes da prática do acto cuja legalidade é constestada, apreciando as questões suscitadas pelas partes cujo conhecimento seja necessário para apreciar essa legalidade, na estrita medida dessa necessidade, como decorre do princípio da limitação dos actos, actualmente enunciado de forma genéricano artigo 130º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

O mesmo sucede com a segunda e terceira questões relativamente às quais a Autoridade Tributária e Aduaneira sugere o reenvio prejudicial que são, em suma, a de saber se os referidos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos constituem ou nãom“uma decomposição artificial da prestação de serviços única em que o serviço principal é a utilização  do ginásio e as sessões de dietista/nutricionista, são uma prestação de serviços acessória, em relação aquela, a facturação das sessões de dietista/nutricionista em separado, aplicando a isenção de IVA a esta parte” e a de saber a aludida prestação acessória deve “seguir o enquadramento em sede de IVA da prestação principal”.

Na verdade, por um lado, a questões essenciais para decidir se as concretas consultas de nutrição que estão subjacentes às liquidações impugnadas têm natureza acessória, designadamente as de saber se constituem ou não para a clientela um fim em si ou são um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador, são questões essencialmente da factos, da exclusiva competência dos tribunais nacionais.”

 

De igual modo, não se vislumbram razões significativas para a suspensão da instância dos presentes autos, sugerida pela AT.

 

III- JUROS INDEMNIZATÓRIOS

De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou  impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, e até ao termo do prazo para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT, ex vi alínea a) do nº 1do artigo 29º do RJAT, que prevê;

Artigo 100º

Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo

A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do prazo da execução da decisão.

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT utilize a expressão “declaração  de ilegalidade”, para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Tributária (CAAD), não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências, os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação quede harmoniza e conjuga com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar  RJAT em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”

O nº 5 do artigo 24º do RJTA ao afirmar que é “devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário “, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efectuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

Perante o que vem de expor-se, e face ao sentido decisório quanto ao mérito da causa já sinalizado, decide este tribunal arbitral singular em condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a data do pagamento efectuado até à sua integral devolução.

 

IV-DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular, em;

a.            indeferir o requerimento de reenvio prejudicial apresentado pela Requerida,

b.            julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, e, em consequência,

c.            anular as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios identificados supra,

d.            condenar a Requerida ao reembolso à Requerente do imposto e juros indevidamente pagos, bem assim como ao pagamento dos juros indemnizatórios,

e.            condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

V- VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º-A, º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 42.569,29 € (quarenta e dois mil quinhentos e sessenta e nove euros e vinte e nove cêntimos)                       

 

VI-CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante de custas em 2.142,00 € (dois mil cento e quarenta e dois euros).

 

NOTIFIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.

 

[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas]

Vinte e nove de Janeiro de dois mil e vinte e um

 

O árbitro

(J. Coutinho Pires)

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira veio em 2021-04-07 interpor recurso de revisão, sobre o qual incidiu despacho de admissão liminar proferido nos termos do disposto do artigo 698º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com notificação à Requerente para sobre o mesmo se pronunciar.

Cumpre agora proceder à decisão sobre o recurso de revisão em causa, tendo em consideração que sobre este tema existem já pronúncias, sob a égide do CAAD em pelo menos cinco processos onde se discutia a mesma matéria e o mesmo fundamento, apresentados pela AT.

Estão nessas condições e sinalizados, os processos nºs 159/2019-T, 164/2019-T, 169/2019-T, estes em formação colectiva, e os processos nºs 181/2019-T e 727/2019-T, em formação singular.

Não encontrando este tribunal singular razões para se afastar dos fundamentos e sentido decisório proferidos em tais processos, seguir-se-á data venia, o que eloquentemente vem dito  no  processo nº 159/2019-T de 09/04/2021, que passa a transcrever-se em grande parte:

“A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de revisão da decisão arbitral proferida no presente processo, ao abrigo do artigo 696º, alínea f) do CPC, para que remete o artigo 293º, nº 1, do CPPT, que estabelece que a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão quando «seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português».

Neste caso, a decisão que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca como fundamento do recurso de revisão é uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferida em processo de reenvio prejudicial, no processo nº C-581/19, junta aos autos.

Não estando prevista no CPPT a tramitação dos recursos de revisão, na fase anterior à sua admissão, será aplicável subsidiariamente o regime do processo civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea s), do RJAT.

Por isso, nos termos do artigo 699º, nº 1, do CPC, há que proferir uma decisão liminar sobre a admissibilidade do recurso: «o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão».

No caso em apreço, “não há motivo para a revisão” pois é manifesto que o acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira não é proferido por “uma instâcia internacional de recurso”.

Na verdade, desde logo, não há qualquer recurso que possa ser interposto para o TJUE de decisões judiciais portuguesas, pelo que não pode ser considerada uma instância internacional de recurso para efeito da legislação processual portuguesa, que é a que está em causa aplicar.

Por outro lado, mesmo que se entenda que possam ser fundamento de recurso de revisão decisões proferidas pelo TJUE em acções de incumprimento instauradas pela Comissão Europeia contra Portugal ao abrigo do art. 258º do TFUE (como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 02-07-2014, processo nº 0360/13), no caso de acórdãos do TJUE proferidos em reenvio não se está perante uma acção desse tipo, pelo que não há razão para aplicar essa jurisprudência.

O TJUE nos processos de reenvio prejudicial não é uma instância de recurso, pois a sua decisão é anterior à decisão final do processo nacional e nenhuma das partes no processo tem a possibilidade de apelar para o TJUE.

Aliás, para além de ser evidente, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que as intervenções do TJUE em processo de reenvio não são assumidas na veste de instância de recurso, mas sim de colaboração entre juízes, como tem afirmado, inclusivamente, o próprio TJUE:

-28 Note-se a este respeito, que o artigo 234º CE 1 não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234º CE; (2);

- Uma vez que o artigo 267º TFUE não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente no tribunal nacional, o Tribunal de Justiça não pode ser obrigado a apreciar a validade do direito da União apenas porque esta questão foi invocada perante o mesmo por uma destas partes (acórdão de 30 de Novembro de 2006, Brünsteiner e Autohaus Hilgert, C-377/05, Colect., p.I-11383, nº 28);

 

1 Actual art. 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

2 Acórdão do TJUE de 10-01-2006, processo nº C-344/04.

 

-9 Com efeito, o reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio (3)

- “The relationship between national courts and the CJUE is reference-based. It is not an appeal system. No individual has a right of appeal to the CJEU. It is for the national court to make the decision to refer. The CJEU will rule on the issues referred to it, and the case will then be sent back to the national courts, which will apply the Union law to the case at hand” (4);

- «De acordo com o número 3 do artigo 4º do mesmo Tratado, cabe aos Estados-Membros assegurar a execução das obrigações decorrentes dos Tratados e facilitar o cumprimento da missão da União Europeia. Desta dicotomia resulta uma necessidade de diálogo entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus, razão pela qual se viria a prever o instituto jurídico do reenvio prejudicial, não como uma via de recurso, mas sim como um processo especial de cooperação direta, capaz de garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito da EU através de todo o território» (5);

- «Importa começar por referir que um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial e que a decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais.

 

3 Acórdãos do TJUE Kempler, de 12-02-2008, processo C-2/06, nº 41; Cartesio, C-210/06n nº 90; VE Pénzügyi Lizing ZRT, de 09-11-2010, processo C-137/08, nº 29; Jozef Krizän et alii, de 15-02-2013, processo C-416/10, nº 66.

4 Paul Craig e Gráine de Búrca, EU Law, Text, Cases and Material, 6th ed, Oxford: Oxford University Press 2011, p.464.

5 Luísa Lourenço, em O REENVIO PREJUDICIAL PARA O TJUE E OS PARECERES CONSULTIVOS DO TRIBUNAL EFTA, publicado em revista Julgar nº 35, página 189

 

Na sua arquitectura específica, não é também destinada a afrontar qualquer interpretação de normas internas alegadamente errónea ou aferir da violação de preceitos constitucionais dos diversos Estados-Membros.

Uma questão prejudicial antes corresponde a uma pergunta/pedido de resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária para estear a solução de um litígio que lhe cumpra avaliar.

O seu objectivo exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde ao de interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito». (6)

Aliás, a Autoridade Tributária e Aduaneira no requerimento que apresentou nem sequer explica qual a razão ou fundamento legal para que o TJUE possa ser considerado uma instância de recurso.

Os fundamentos de revisão de sentença previstos no artigo 696º do CPC, aplicável por remissão do artigo 293º, nº 1, do CPPT e 29º, nº 1, alínea e), do RJAT são taxativos, como resulta dor teor expresso do corpo daquele artigo 696º: «a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando…»

Tratando-se, neste artigo 696º, de normas excepcionais que permitem eliminar a força do caso julgado, e a obrigatoriedade geral a ela constitucionalmente associada (artigo 205º , nº 2, da CRP), elas não podem ser aplicáveis analogicamente a situações não previstas (artigo 11º do Código Civil), designadamente, a decisões de instâncias internacionais que não sejam, à face da legislação nacional e da União Europeia, proferidas por «instâncias de recurso».

 

 

6 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-07-2019, processo nº 18321/16.9T8LSB.L2-6.

 

Nestes termos, indefere-se o requerimento de recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento invocado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por uma instância internacional de recurso.

Sendo de indeferir o recurso com este fundamento fica prejudicada, por ser inútil (artigos 130º e 608º, nº 2, do CPC), a apreciação de outros requisitos do recurso de revisão previsto na alínea f) do artigo 696º do CPC, designadamente as questões de saber se a decisão do TJUE proferida no processo nº C-581/19 é inconciliável ou não com a decisão arbitral proferida no presente processo e de deve considerar-se ou não vinculativa para o Estado Português, para efeitos daquela norma”.

 

Publique-se esta decisão arbitral nos termos da alínea g) do artigo 16º da RJAT.

 

2021-04-27

O árbitro,

 

(J. Coutinho Pires)