Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 177/2019-T
Data da decisão: 2019-09-19  IRC  
Valor do pedido: € 5.718.745,66
Tema: IRC - Gastos de financiamento. Limitação de dedutibilidade. Grupo de sociedades. Aplicação da lei no tempo.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Prof. Doutor António Martins e Dra. Carla Castelo Trindade, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-05-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

                A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-..., ...– ...(doravante designada como “Requerente”), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea b), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 31 de outubro de 2018, bem como das demonstrações de liquidação de juros n.º 2018 ... e n.º 2018 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2018 ..., de 31 de outubro de 2018, relativo ao exercício de 2014, apurando o montante total de € 5.718.745,66 a pagar, com data limite de pagamento no dia 10 de dezembro de 2018.

                A Requerente pede ainda indemnização por garantia indevida.

                É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

                O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-03-2019.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 09-05-2019, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 29-05-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 09-07-2019 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a produção de alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre decidir.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           A Requerente A... SA, é a sociedade dominante de um grupo de sociedades (“Grupo B...”) que, em 2014, era composto ainda pelas sociedades C..., SGPS, S.A. ("C..."), D... Unipessoal, Lda. ("D..."), E..., Lda., ("E..."), F..., S.A. ("F..."), G..., Lda. ("G..."), H..., Lda. ("H..."), Parque Eólico I..., S.A. ("PE I..."), Parque de J..., S.A.  ("PE J..."), K...- Parque Eólico K..., S.A. ("K..."), L..., S.A. ("L..."), M..., S.A. ("M..."), Parque Eólico de N..., Lda. ("PE N..."), O..., Lda. ("O..."), P..., Lda. (“P...”) e Q..., S.A. (“Q...”);

B)           O grupo B... optou pela aplicação do RETGS a partir do período de 2009;

C)           A sociedade dominante, A... SA, comunicou à AT a sua opção pela aplicação da limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento líquidos do grupo, em 18-03-2014, tendo tal opção produzido efeitos desde 01-01-2014;

D)           Através da acção inspetiva interna realizada a coberto da OI 2018... à Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo B..., procederam os SIT ao reflexo, nos resultados do grupo, nomeadamente na declaração modelo 22, das correções efetuadas às seguintes sociedades:

 

a)            Correcções efetuadas à sociedade dominada K..., S.A (doravante “K...”):

Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016... de 09-05-2016, emitida pela Direção de Finanças de ..., realizou-se o procedimento de inspeção interno, relativo ao período de 2014, à sociedade K..., S.A (NIPC:...), tendo, na sequência da inspeção, sido efetuadas correcções ao resultado tributável desta sociedade que se fixaram no montante total de € 99.925,76;

 

b)           Correções efetuadas à sociedade dominada D... LDA

Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2018... de 15-05-2018, emitida pela Unidade dos Grandes Contribuintes, realizou-se o procedimento de inspeção interno, relativo ao período de 2014, à sociedade D... Unipessoal LDA (NIF...), tendo, na sequência da referida acção de inspecção, sido efectuadas correcções ao resultado tributável da sociedade acima mencionada que se fixaram no montante total de € 6.420.292,24;

 

c)            Correções efetuadas à sociedade dominada C...– SGPS, S.A. (doravante “C...”):

Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2015... de 17-09-2015, emitida pela Direção de Finanças de Lisboa, realizou-se o procedimento de inspeção interno, relativo ao período de 2014, à sociedade C... - SGPS S A (NIF...), tendo, na sequência da inspecção, sido efectuadas correcções ao resultado tributável desta sociedade que se fixaram no montante total de € 15.378.472,99;

 

E)            Em resultado das correções efectuadas aos resultados tributáveis das sociedades individualmente consideradas, as quais ascendem a € 21.898.690,99, a Autoridade Tributária e Aduaneira SIT efectuou correção do resultado tributável do grupo neste montante, como se discrimina no quadro seguinte:

 

 

F)            No Relatório da Inspecção Tributária relativo à inspecção à K..., que consta do anexo I ao Relatório da Inspecção à Requerente, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria Tributável.

Na sequência da análise à situação tributária do sujeito passivo, em conjugação com os mapas de depreciações e amortizações, verificou-se que, nos anos de 2012, 2013 e 2014, a empresa K..., S. A., NIPC: ..., registou na rubrica de Gastos/reversões de depreciação e de amortização. valores superiores aos aceitáveis para efeitos fiscais, nos termos do n.º 1 do artigo 34º do CIRC, e esse valor não foi acrescido no campo 719 do quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC para efeitos de determinação do rendimento tributável de IRC.

Analisadas as taxas de depreciação utilizadas pela empresa à luz do Decreto Regulamentar 25/2009 de 14 de setembro, verificamos o seguinte:

(...)

             Estão a ser depreciados bens com a designação de “terrenos” mas registados com o código 2470. que corresponde a Projetos de desenvolvimento, para os quais está prevista uma taxa máxima de depreciação anual de 33.33%, estando a contabilizar depreciações à taxa de 5%, conforme se descreve no quadro seguinte.

 

Os terrenos não estão sujeitos a deperecimento pelo que os gastos registados a este título não são dedutíveis para efeitos de IRC.

             Estão a ser depreciados bens registados com o código 2470, que corresponde a Projetos de desenvolvimento, para os quais está prevista uma taxa máxima de depreciação anual de 33,33%, estando a contabilizar depreciações à taxa de 5%, conforme se descreve no quadro seguinte:

 

Estão assim a ser praticadas depreciações inferiores às quotas mínimas sendo que, em conformidade com o previsto no artigo 18º do Decreto Regulamentar 25/2009 de 14 de setembro, as quotas mínimas de depreciações ou amortizações que não tiverem sido contabilizadas como gastos do período de tributação a que respeitem não podem ser deduzidas nos períodos de tributação seguintes. Assim, uma vez que para este tipo de bens a depreciação teria de ser efetuada num período mínimo de 3 anos e no máximo de 6, não poderão ser deduzidos para efeitos fiscais os valores registados como depreciações a partir do ano de 2009 para os bens adquiridos em 2004.

 

Em conformidade com o descrito, não são dedutíveis para efeitos fiscais, as seguintes depreciações e amortizações praticadas pela empresa nos anos de 2012, 2013 e 2014:

1.            Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 34º do CIRC, as depreciações da pane dos imóveis que corresponda a terrenos;

2.            2. Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 34º do CIRC, as depreciações praticadas para além do período máximo de vida útil dos bens que é o que se deduz das quotas mínimas de depreciação ou amortização, apuradas nos termos do n.º 4 do artigo 31º-A do CIRC, ou seja correspondentes a metade das taxas máximas aceites.

Apuramos assim que, com referência aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, foram efetuadas depreciações e amortizações não aceites para efeitos fiscais no valor de 99.925,76 €, em cada um dos anos, estando o apuramento do valor descrito no quadro seguinte:

 

(...)

IX - Direito de Audição

Foi remetido ao sujeito passivo, o ofício n.º 1903 de 2016-08-25 da Direção de Finanças de ..., enviado sob o registo RF ...PT, para que, no prazo de 15 dias, nos termos do artigo 60º da LGT, querendo, exercer o direito de audição.

O sujeito passivo exerceu o direito de audição por escrito em 2016-09-06.

Direito de Audição – Argumentos defendidos pelo sujeito passivo e resposta fundamentada

A argumentação defendida pelo sujeito passivo, em sede de direito de audição, assenta nos seguintes pontos:

1. Depreciações de terrenos (alínea b) do n.º 1 do artigo 34º do CIRC)

a. O sujeito passivo afirma que não é, nem nunca foi, proprietário de quaisquer terrenos;

b. Que os valores identificados nos mapas de depreciações e amortizações a este título referem-se a montantes despendidos com terrenos no período de construção do parque com obtenção dos direitos de utilização dos terrenos, indemnizações e rendas pagas a proprietários;

c. Não foram apresentados nenhuns documentos justificativos do alegado.

 

2. Depreciações praticadas para além do período máximo de vida útil dos bens (alínea d) do n.º 1 do artigo 34º do CIRC)

a. O sujeito passivo afirma que as depreciações e amortizações praticadas para além do período de vida útil foram acrescidas no campo 775 das respectivas declarações modelo 22 de IRC dos anos em análise, para além de estarem identificadas nos respetivos mapas de depreciações e amortizações;

b. Verificamos de facto que os valores estão devidamente identificados nos mapas de depreciações e amortizações na coluna correspondente a reintegrações e amortizações não aceites;

c. Contudo este valor não foi acrescido para efeitos de determinação do rendimento tributável de IRC, uma vez que as depreciações e amortizações não aceites como gastos, nos termos do n.º 1 do artigo 34º do CIRC são acrescidas no campo 719 da declaração modelo 22 de IRC e este campo das declarações modelo 22 dos sujeito passivo respeitantes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, não tem qualquer valor;

d. O campo 775 da declaração modelo 22 de IRC destina-se a registar valores a deduzir ao rendimento apurado pela contabilidade que não estejam expressamente previstos nos campos anteriores;

e. Assim, comprova-se que a empresa não deduziu estes valores para efeitos de apuramento do rendimento tributável de IRC dos anos de 2012, 2013 e 2014.

 

Conclusão:

                Pelo exposto, as alegações apresentadas não apresentam qualquer prova que contrarie o exposto pelo que se mantém as correções propostas no capítulo III do presente relatório.

 

G)           No decurso da inspecção à K..., em resposta a pedido de esclarecimento sobre a «amortização de terrenos», foi enviada à inspecção tributária mensagem de correio electrónico que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Caro inspetor

No seguimento do email abaixo, cumpre informar que:

             A K... não é, nem nunca foi, proprietária de quaisquer terrenos,

             Os 2 parques eólicos que detém encontram-se implantados em terrenos arrendados a terceiros (particulares, empresas, baldios), relativamente aos quais paga as devidas rendas

             Os valores identificados, no mapa de amortizações, como terrenos referem-se a valores despendidos com terrenos durante o período de construção do parque, como a obtenção dos direitos de utilização dos terrenos para a implementação dos parque e indemnizações e rendas pagas a proprietários durante o período de construção do parque.

Ao dispor para quaisquer esclarecimentos adicionais havidos por necessários

 

H)           A K... apresentou a declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2014, que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que não se indica qualquer valor no campo 719 (relativo a valores “a acrescer” para determinação do lucro tributável) e se indica no campo 775 (relativo a valores a deduzir para apuramento do lucro tributável) o valor de 196.363,88, que é o valor líquido indicado no “Mapa de Reintegrações e amortizações” como respeitando a “Reintegrações e Amortizações não aceites” calculado com base no valor de relativo à globalidade das reintegrações e amortizações (208.366,37) deduzido do valor de € 12.002,45, relativo a «reintegrações e amortizações não aceites» (documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

I)             Em 2014, a K... detinha no seu património 25 turbinas eólicas, instaladas em terrenos arrendados, identificadas nas cadernetas prediais que constam do documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

J)            Na Declaração de Informação Empresarial Simplificada (“IES”) de 2014, apresentada pela K... não consta a contabilização de quaisquer terrenos (documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

K)           O Parque K... (o “Parque”), localiza-se ao longo de cerca de 10 km (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

L)            Os valores referidos com a designação “terrenos” registados com o código 2470, não respeitam a terrenos que sejam propriedade da K...;

M)          A K... incorreu em custos com os direitos de utilização dos terrenos, incorridos até à fase inicial de construção do Parque K..., com base em contratos de arrendamento (documentos n.ºs 9 a 14 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

N)           Entre as correcções efetuadas no RIT relativo à inspecção à D..., que consta do anexo III ao RIT respeitante à Requerente, cujo teor se dá como reproduzido, incluem-se correcções no montante de € 5.220.292,54 relativa a «Reporte dos gastos de financiamento líquidos de períodos de tributação anteriores (art.º 67.º)», e de € 1.200.000,00 registado na conta “68881 – Indemnizações”, sobre as quais se refere no RIT, além do mais, o seguinte:

1.4.2 - Reporte dos gastos de financiamento líquidos de períodos de tributação anteriores (art.º 67.º)

O sujeito passivo deduziu ainda ao resultado tributável de 2014, no campo 795 [Reporte dos gastos de financiamento líquidos de períodos de tributação anteriores (art.º 67.º)] do quadro 07 da DRmod22, o montante de € 5.220.292.24, respeitante ao reporte dos gastos de financiamento líquidos não deduzidos ao resultado tributável do ano de 2013.

No entanto, dispõem as alíneas b) e c) do n.º 5 do art.º 67.º do CIRC, por aplicação ao caso em deduzidos e não dedutíveis em anos anteriores à aplicação do regime, deverá ser feita no resultado do grupo, mas até ao limite previsto no nº 1, daquele normativo, correspondente à sociedade a que respeitam.

Assim, dado que os gastos de financiamento líquidos da empresa do ano de 2014 já ultrapassam o limite previsto no n.º 1 do mesmo normativo, não existe margem para a dedução dos gastos de financiamento líquidos não deduzidos em períodos anteriores, pelo que vai ser corrigido o valor de € 5.220.292,24 deduzido indevidamente ao resultado tributável, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 5 do art.º 67.º do CIRC (ver ponto III.2).

1.4.3 - Gastos não aceites fiscalmente

O sujeito passivo reconheceu indevidamente como gasto fiscal o montante de € 1.200.000,00 registado na conta "68881 - Indemnizações".

No ano de 2014 a D... acordou com a Câmara Municipal da ... que esta abdicaria definitivamente do direito de adquirir gratuitamente uma participação de 5% no capital social do N... LDA, detido na totalidade pelo sujeito passivo, tendo como contrapartida o pagamento de € 1.200.000,00.

O sujeito passivo considerou indevidamente que o pagamento que efetuou a CM..., a título de indemnização por esta ter abdicado do direito que detinha, se tratava de um gasto, tendo reconhecido na contabilidade como tal e que se tratava de um gasto fiscalmente dedutível.

Efetivamente esta operação, que se consubstanciou no assunção do pleno direito sobre a participação que detinha no capital social do PET, dado que pelo acordo estabelecido findou o ónus que pendia sobre esta participação, não se trata efetivamente de um gasto mas sim de um custo com a participação, que teria que ser capitalizado no valor desta e enquadrado como um ativo, não é dedutível fiscalmente nos termos do n.º 1 do art.º 23º do CIRC.

Face ao exposto, o gasto reconhecido indevidamente pelo sujeito passivo não é aceite fiscalmente nos termos do art.º 23.º do CIRC, pelo que é acrescido ao resultado tributável o valor de € 1.200.000,00 (ver ponto III.3).

(...)

III.2 - Reporte dos gastos de financiamento líquidos de períodos de tributação anteriores (art.º 67.º)

Como referido no ponto anterior, o sujeito passivo declarou no campo 795 [Reporte dos gastos de financiamento líquidos de períodos de tributação anteriores (art.º 67.º)] do Q07 da DRMod22, o total de € 11.327.362.74. que se decompõe da seguinte forma:

• O valor de € 6.107.070,50 (analisado ponto -III.1);

• O valor de € 5.220 292,24 (analisado no ponto - III.2).

 

A. Os factos

Assim, além do valor mencionado no ponto anterior, o sujeito passivo deduziu ainda indevidamente ao resultado tributável o montante de € 5.220.292,34 (DRmod 22 - quadro 07 -campo 795 [Reporte dos gastos de financiamento líquidos de períodos de tributação anteriores (art. 67.º)]) respeitante ao reporte dos gastos de financiamento líquidos, não deduzidos ao seu resultado tributável do ano de 2013.

No sentido de justificar os ajustamentos efetuados na DRmod22, foi o sujeito passiva notificado nos seguintes termos: "Queiram discriminar e justificar estes ajustamentos, apresentando todos os elementos de apoio ao cálculo daqueles valores, e demonstrara dedutibilidade fiscal dos mesmos, nomeadamente nos termos do artigo 67.º do CIRC.".

Em resposta apresentou a seguinte justificação, e o quadro seguinte de apuramento dos gastos de financiamento líquidos não dedutíveis; "Os ajustamentos inscritos nos campos 743 e 795 do Q07 da Declaração de Rendimentos M22 decorrem da estrita aplicação do disposto no artigo 67º do Código do IRC, no âmbito da opção exercida nos termos do respetivo n.º 6 (nos termos da qual são apurados os gastos de financiamento líquido do conjunto de sociedades sujeito ao regime especial de tributação de grupos de sociedades), sem prejuízo do exercício do direito de reporte, ao longo de cinco períodos de tributação, do excesso de gastos de financiamento líquidos de determinado período de tributação, direito esse que, nos termos da lei, não é prejudicado pela referida opção de apuramento desses mesmos gastos numa ótica de grupo. Assim, o valor inscrito no campo 795 corresponde à soma algébrica dos valores inscritos no campo 748 nas declarações Modelo 22 relativas aos exercícios de 2013 e 2014.".

 

B. Enquadramento contabilístico-fiscal

Dispõem as alíneas b) e c) do n.º 5 do artigo 67.º do CIRC que:

"5 - Nos casos em que exista um grupo de sociedades sujeito ao regime especial previsto no artigo 69º, a sociedade dominante pode optar, para efeitos da determinação do lucro tributável do grupo, pela aplicação do disposto no presente artigo aos gastos de financiamento líquidos do grupo nos seguintes termos:

"a)(...)

b) Os gastos de financiamento líquidos de sociedades do grupo relativos aos períodos de tributação anteriores à aplicação do regime e ainda não deduzidos apenas podem ser considerados, nos termos do n.º 2, até ao limite previsto no n.º 1 correspondente à sociedade a que respeitem, calculado individualmente;".

c) A parte do limite não utilizado, a que se refere o n.º 3, por sociedades do grupo em períodos de tributação anteriores à aplicação do regime apenas pode ser acrescido nos termos daquele número ao montante máximo dedutível dos gastos de financiamento líquidos da sociedade a que respeitem, calculado individualmente;".

Como referido no ponto anterior, a sociedade dominante (A..., S.A) optou, nos termos dos números 5 e 7 do art.º 67.º do CIRC pela aplicação do disposto neste artigo relativamente à limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento no grupo de sociedades, para efeitos da determinação do lucro tributável. Tal opção produz efeitos desde 01.01.2014.

Assim, o montante a deduzir no ano de 2014, respeitante a gastos de financiamento não deduzidos em anos anteriores à aplicação do regime, deverá operar no resultado do grupo, mas até ao limite previsto no n.º 1 do artigo, correspondente à sociedade a que respeitam.

Ora, os gastos de financiamento líquidos da D..., calculados individualmente, como referimos no ponto anterior (II 1.1), já ultrapassam o limite previsto no n.º 1 do normativo supra referido, no montante de € 6.107.070,50, não subsistindo qualquer margem para a dedução dos gastos de financiamento líquidos não deduzidos em anos anteriores. Tal situação determina que o sujeito passivo não poderia ter deduzido ao resultado tributável do ano de 2014, o reporte do ano de 2013 no montante de € 5.220.292,24.

Cumpre acrescentar que, de acordo com as instruções de preenchimento da declaração de rendimentos modelo 22 (Despacho n.º 15632/2014 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais) - IRC 2014, que referem "O campo 395 deve ser preenchido pela sociedade dominante que tenha optado, para efeitos de determinação do lucro tributável do grupo, pela aplicação do n.º 5 do artigo 67.º do CIRC aos gastos de financiamento líquidos do grupo, quando estes excedem os limites previstos no referido artigo.", se, hipoteticamente, fosse possível ser utilizado o reporte dos gastos de financiamento líquidos, não deduzidos ao resultado tributável da empresa no ano anterior, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 5 do art.º 67.º do IRC, esta dedução teria de operar no resultado tributável do grupo, no campo 395 do quadro 09 da DRmod22 do grupo, e não no resultado tributável da empresa, conforme erradamente a A... fez.

C. Conclusão

Deste modo, pelo facto de em 2014 já ser ultrapassado o limite prevista no n.º 1 do art. 67.º, não pode ser utilizado o reporte dos gastos de financiamento líquidos não deduzidos fiscalmente no ano de 2013 da empresa D..., corrigindo-se o valor de € 5.220.292,24 deduzido indevidamente ao resultado tributável, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 5 do artº 67.º do CIRC.

III.3. - Gastos não aceites fiscalmente

 1. Os factos

1.1 -Registos contabilísticos

O sujeito passivo registou como gasto € 1.200.000,00 na conta "68881 - Indemnizações", a título de um "pagamento" naquele valor efetuado à Câmara Municipal da ... em 2014, ao abrigo de um contrato celebrado em 2014 (anexo 1).

O lançamento contabilístico n.º ... de 18-12-2014, exibe o registo a débito na conta "68881 -Indemnizações" e a crédito na conta "2785002343 – A..., S.A", no valor de € 1.200.000,00, e tem a descrição "Compra à Câmara da  ..." (anexo 2).

Resumidamente, a operação em análise é descrita pelo sujeito passivo nos seguintes termos.

Tem por base um acordo celebrado em 1999, com o Município da ..., o qual permitia a este Município vir a deter uma participação, a título gratuito, de 5% no capital social da empresa a constituir para a exploração dos parques eólicos no concelho da ...(Parque Eólico do N..., ida.);

A este direito do Município da ... correspondia uma obrigação (passivo contingente) na empresa que detinha a Parque Eólico do N..., Lua., a D..., Lda.;

A D..., Lda, de forma a desonerar-se desta obrigação, propôs-se indemnizar a Câmara da ...;

A Câmara da ..., concordou em - conforme consta da Proposta de deliberação apensa ao Acordo, que foi posteriormente confirmada pela Assembleia Municipal - renunciar ao seu direito, mediante o recebimento de uma quantia pecuniária de € 1.200.000.".

(...)

Como o sujeito passivo informou, em virtude de neste período decorrerem negociações entre os acionistas do grupo B... e um grupo empresarial sediado em Hong Kong, para aquisição do grupo B... por parte deste último, a D..., mesmo sendo detentora da totalidade do capital social do PET, pendia sobre esta participação o ónus da CM ... exercer o seu direito de adquirir a título gratuito 5% do capital social do PET, pelo que encetou negociações com a CM ... para pôr fim a esta obrigação.

Assim, foi acordado que a CM ... abdicava em definitivo do direito de subscrever a título gratuito 5% do capital do PET, e em contrapartida a D... pagava o valor de € 1.200.000,00, o que aconteceu, como se pode verificar pelos comprovativos do pagamento constantes do anexo 7. Tal veio a conferir à D... a detenção plena e sem ónus dos 5% da participação no PET, que nos termos supra referidos seriam atribuídos à CM ... .

O sujeito passivo optou por registar como gasto este pagamento, considerando que se tratou de uma indemnização paga à CM ... para esta abdicar do direito que detinha sobre a empresa PET. Como o próprio admitiu, estando em curso negociações para a venda do grupo, o facto de pender este ónus sobre uma das empresas do grupo condicionava o processo e o valor em negociação.

2. Enquadramento contabilístico-fiscal

Como demonstraremos seguidamente, este custo foi indevidamente registado como gasto, não cumprindo os requisitos para tal como preconizado nas normas internacionais de contabilidade, devendo sim ser capitalizado e acrescido ao custo de aquisição inicial da participação no PET, aumentando o valor registado da participação, que corresponde de facto em substância à operação em análise.

2.1 - Enquadramento contabilístico

O sujeito passivo relativamente a esta operação, optou por registar como gasto o valor de € 1.200.000,00, a título de pagamento de uma indemnização à CM ... .

É de todo inexato qualificar esta operação como uma indemnização, atendendo à definição deste termo que refere "dar ou receber compensação por um prejuízo ou uma perda sofrida; ressarcir", bem como, a título exemplificativo, todas as referências do Código Civil a este termo que referem a compensação devida a alguém por um dano, incumprimento contratual, violação de um direito, etc, situações bastante diferentes da que estamos a analisar.

De facto, a D... não ressarciu a CM ... por nenhum incumprimento contratual, antes pelo contrário, ambas acordaram, que esta última tinha um direito de adquirir 5% do capital social do PET, e que a primeira estava disposta a pagar o valor de € 1.200.000,00 para esse direito não ser exercido. De todo não se tratou do pagamento de nenhuma indemnização.

De acordo com as notas anexas às demonstrações financeiras da empresa, parágrafo 1.1 (bases de apresentação), estas "foram preparadas em conformidade com as Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS) conforme endossadas pela União Europeia (EU). As IFRS incluem as normas standards emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB) bem como as interpretações emitidas pelo International Financial Reporting Interpretations Committee (IFRIC) e pelos respetivos órgãos antecessores".

Por este facto, a nossa análise passa obrigatoriamente pela observância dos critérios de reconhecimento dos elementos nas demonstrações financeiras preconizados nas normas internacionais,

A estrutura conceptual para a Apresentação e Preparação de Demonstrações Financeiras do IASB 4 refere que o reconhecimento dos elementos das demonstrações financeiras "é o processo de incorporar no balanço e na demonstração dos resultados um item que satisfaça a definição de um elemento e satisfaça os critérios de reconhecimento estabelecidos no parágrafo 83 (...)" (parágrafo 82).

O parágrafo 83 estabelece que "um item que satisfaça a definição de uma classe deve ser reconhecido se:

a) for provável que qualquer benefício económico futuro associado com o item flua para ou da entidade; e

b) o item tiver um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade."

Neste sentido, os critérios definidos para o reconhecimento de gastos encontram-se plasmados nos parágrafos 94 a 98, e definem que:

Parágrafo 94: "Os gastos são reconhecidos na demonstração de resultados quando tenha surgido uma diminuição dos benefícios económicos futuros relacionados com uma diminuição num ativo ou com um aumento de um passivo e que possam ser mensurados com fiabilidade. (...)";

Parágrafo 95: "Os gastos são reconhecidos na demonstração de resultados com base numa associação direta entre os custos incorridos e a obtenção de rendimentos específicos. Este processo, geralmente referido como o balanceamento de custos com réditos, envolve o reconhecimento simultâneo ou combinado de réditos e de gastos que resultem direta e conjuntamente das mesmas transações ou de outros acontecimentos; (...);

Parágrafo 97: "Um gasto é imediatamente reconhecido na demonstração de resultados quando o dispêndio não produza benefícios económicos futuros ou quando, e somente se, os benefícios económicos futuros não se qualifiquem, ou cessem de qualificar-se, para reconhecimento no balanço como um ativo.".

Por outro lado, temos os critérios de reconhecimento de ativos (parágrafos 89 e 90), que indicam o seguinte:

• Parágrafo 89: "Um ativo é reconhecido no balanço quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a empresa e o ativo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade".

• Parágrafo 90: "Um ativo não é reconhecido no balanço quando o dispêndio tenha sido incorrido relativamente ao qual seja considerado improvável que benefícios económicos fluirão para a empresa para além do período contabilístico corrente. Em vez disso, tal transação resulta no reconhecimento de um gasto na demonstração de resultados. Este tratamento não implica que a intenção da gerência, ao incorrer no dispêndio, fosse outra que não a de gerar benefícios económicos futuros para a empresa, ou que a gerência fosse mal orientada. A única implicação é a de que o grau de certeza de que os benefícios económicos fluirão para a empresa para além do período contabilístico corrente é insuficiente para justificar o reconhecimento de um ativo.".

Assim, tendo presente os critérios de reconhecimento de gastos e de ativos, definidos na estrutura conceptual do IASB, analisemos a operação efetuada pelo sujeito passivo.

Um ativo deve ser reconhecido quando for provável que benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o ativo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.

Derivado desta operação a D... deixa de ter a contingência de a qualquer momento ter de dar 5% da participação no PET, tornando a deter o direito pleno sobre a participação, e o valor de € 1.200.000,00 está mensurado com fiabilidade, uma vez que resultou de um acordo entre as partes interessadas.

É também referido no parágrafo 53 (estrutura conceptual do IASB), relativamente aos critérios de reconhecimento dos ativos, que "Os benefícios económicos futuros incorporados num activo são o potencial de contribuir, direta ou indiretamente, para o fluxo de caixa e de seus equivalentes de caixa para a empresa. O potencial pode ser um potencial produtivo que faça parte das atividades operacionais da empresa. Pode também tomar a forma de convertibilidade em caixa ou equivalentes de caixa ou a capacidade de reduzir os exfluxos de caixa. (...)".

Decorre desta premissa, aplicada ao caso em concreto, que o pagamento do valor de € 1.200.000,00 da D... à CM ..., permite uma redução dos exfluxos de caixa futuros, dado que evita a alienação dos 5% da participação no PET, a título gratuito, a favor da CM ... .

Face ao exposto, conclui-se claramente que na operação em causa, o pagamento de € 1.200.000,00 à CM ... cumpre os requisitos de reconhecimento de um ativo, sendo um custo diretamente atribuível à aquisição e controlo da participação financeira que a D... detém no Parque Eólico do N..., pelo que se procede de seguida à sua caraterização e enquadramento como ativo.

A Norma Internacional de Contabilidade 27 - Demonstrações Financeiras Consolidadas e Separadas determina que as demonstrações financeiras dos investimentos em subsidiárias devem ser contabilizadas ou pelo método do custo ou de acordo com a IAS 39 (Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração).

O método do custo consiste na contabilização de um investimento em que este é reconhecido pelo custo na data de aquisição. Genericamente podem ser considerados custos relacionados com a aquisição inicial todos os custos que a entidade suporta para adquirir um ativo que lhe permita dispor de forma plena do mesmo.

Na operação em análise, são imputáveis ao custo de aquisição inicial todo o tipo de encargos relacionados com a aquisição da participação, ainda que não ocorram na mesma data. Assim o encargo que o sujeito passivo registou em 2014 é imputável ao custo de aquisição inicial aquando da obtenção do controlo da empresa Parque Eólico do N..., no ano de 2005, uma vez que nesta data já era do conhecimento da empresa que este encargo se iria concretizar, não sendo possível registar apenas pelo facto de não ser ainda quantificável.

Também a IAS 39 - Instrumentos financeiros - Reconhecimento e Mensuração, define custos de transação, que pode ser aplicado a esta operação, com as necessárias adaptações, como "... custos incrementais que sejam diretamente atribuíveis à aquisição, emissão ou alienação de um ativo financeiro ou de um passivo financeiro. Um custo incremental é aquele que não teria sido incorrido se a entidade não tivesse adquirido, emitido ou alienado o instrumento financeiro.".

Assim, como foi detalhadamente explicado no ponto anterior (1.3 - descrição da operação), o sujeito passivo efetuou no ano de 2014 um pagamento de € 1.200.000,00 à Câmara Municipal da ..., em cumprimento de um contrato de 1999, que estipulava que esta última poderia adquirir a título gratuito uma participação de 5% do Parque Eólico do N... . Ou seja, quando a D... adquiriu o controlo do PET no ano de 2005 já tinha conhecimento deste encargo, mas não o reconheceu naquela data, uma vez que não podia ainda quantificar o montante, capitalizando-o no custo de aquisição da participação.

2.2 - Enquadramento fiscal

Como referido o sujeito passivo optou por registar um gasto, que considerou como fiscalmente dedutível, mas que como anteriormente demonstrado não cumpre os critérios de reconhecimento de gasto preconizado pelas Normas Internacionais de Contabilidade. Trata-se de um ativo que aumentou o valor da participação financeira que detinha na empresa Parque Eólico do N..., Lda.

A luz da lei fiscal, refere o n.º 1 do art.º 23.º do CIRC que "Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos

De acordo com o regime geral de tributação das pessoas coletivas, o lucro é a base de tributação de uma sociedade. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 3.º do CIRC, o IRC incide sobre o lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial.

O lucro a que se refere o artº 3.º do CIRC é o lucro tributável que consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas no referido código.

Nos termos do n.º 1 do art.º 17.º do CIRC, "o lucro tributável das pessoas coletivas (...) é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código".

Adicionalmente, o n.º 2 do art.º 3.º do CIRC determina que o lucro, sobre o qual incide o IRC, consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, pelo que, tendo a D... registado um gasto indevidamente, estando por este facto o lucro sujeito a IRC influenciado incorretamente, vai ser efetuada a correção no montante de € 1.200.000,00.

Ora, atentos ao exposto, é evidente que o registo do gasto em apreço, não está de acordo com a normalização contabilística, que determinaria o registo de um ativo e, em razão desse facto, não pode a sua elegibilidade, enquanto gasto, ser aferida à luz do normativo que constitui a regra geral dos gastos dedutíveis, ou não para efeitos de IRC, plasmado no artº 23.º do CIRC.

De facto, aquele normativo ainda que não estabelecendo uma definição precisa do conceito de gasto fiscal - mas tratando, contudo, e apenas os gastos fiscais - antes elenca uma lista não exaustiva de gastos fiscalmente dedutíveis, considerando gastos para efeitos fiscais aqueles que são suportados pela empresa para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

Assim, integrarão este conceito os gastos que preenchem os requisitos gerais necessários à dedutibilidade fiscal, dos quais se destacam a prova material, a indispensabilidade, a conexão dos gastos com os rendimentos e a efetividade dos gastos realizados.

Em face do exposto é curial concluir-se que a aferição da dedutibilidade dos gastos se fará exatamente, e ab initio, em razão de poderem constituir-se, ou não, como gastos. Na situação controvertida, e como demonstrámos à saciedade, não estamos em presença de um gasto em razão do erro que subjaz ao seu registo contabilístico, mas sim de um ativo. Nessa medida a relevância que o sujeito passivo pretende atribuir ao gasto, erroneamente registado enquanto tal, é colocada em crise pelo próprio art.º 23.º uma vez que qualquer aferição da sua elegibilidade não se poderá efetuar uma vez que estamos em presença de um ativo, que deveria ter sido relevado contabilisticamente enquanto tal e jamais como um gasto.

Desta forma, e à luz do preconizado pelo artigo 23.º do Código do IRC não se encontram reunidas as condições para que o gasto, erroneamente relevado sob o ponto de vista contabilístico, releve para efeitos de determinação do resultado tributável, realidade que determina que o mesmo deva ser objeto de correção para efeitos de apuramento daquele resultado.

3. Conclusão

A D... afetou indevidamente o resultado líquida do exercício no montante de € 1.200.000,00, registado como gasto referente ao pagamento efetuado à Câmara Municipal da ..., em resultado do acordo estabelecido entre as partes para findar o direito que esta última detinha de adquirir a título gratuito 5% do capital social do Parque Eólico do N..., LDA (empresa detida na totalidade pela D...).

O sujeito passivo considerou indevidamente que o "pagamento" que efetuou à CM..., a título de indemnização por esta ter abdicado do direito que detinha, se tratava de um gasto, tendo reconhecido na contabilidade como tal e que se tratava de um gasto fiscalmente dedutível.

Efetivamente esta operação, que se consubstanciou na assunção do pleno direito sobre a participação que detinha no capital social do PET, dado que pelo acordo estabelecido findou o ónus que pendia sobre esta participação, não se trata efetivamente de um gasto mas sim de um custo com a participação (que teria que ser capitalizado no valor desta e enquadrado como um ativo) não é dedutível fiscalmente nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.

Face ao exposto, o gasto reconhecido indevidamente pelo sujeito passivo não é aceite fiscalmente nos termos do art.º 23.º do CIRC, pelo que é acrescido ao resultado tributável o valor de € 1.200.000,00.

 

O)           Entre as correcções efetuadas no RIT relativo à inspecção à C... SGPS, S.A, que consta do anexo II ao RIT respeitante à Requerente, cujo teor se dá como reproduzido, inclui-se um correcção relativa a "dedutibilidade dos gastos de financiamento mencionados na declaração Modelo 22 de 2014", sobre a qual se refere no RIT, além do mais, o seguinte:

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Dos balancetes analíticos, extractos de conta e restantes elementos fornecidos pelo S.P. foi extraída a seguinte informação:

a) No exercício em análise as contas da sociedade evidenciam os seguintes empréstimos remunerados:

 

Q.II. Empréstimos obtidos

 

 

 

b) No exercício em análise a sociedade incorreu nos seguintes gastos de financiamento.

 

Q.III. Gastos de financiamento incorridos

 

 

Os empréstimos concedidos pela D... são descritos como de cobertura de carências de tesouraria (conforme contratos fornecidos).

Os empréstimos concedidos pela A... (empresa-mãe) têm a natureza de suprimentos.

 

 c) No exercício em análise a sociedade não concedeu quaisquer empréstimos remunerados.

As contas da sociedade evidenciam os seguintes valores para empréstimos concedidos não remunerados à sociedade D..., Lda.

 

Q.IV. Empréstimos Concedidos

 

 

Do valor inscrito na linha 795 do Q.7 da M.22

Tendo em conta a natureza quantitativa e qualitativa dos financiamentos acima descritos importava perceber a origem da dedução no valor de 14.369.632,64 € inscrita na linha 795_- reporte dos gastos de financiamento líquidos de períodos de tributação .anteriores, do Q.7. da Modelo 22 do exercício, bem como o valor de 8.557.394,65 € acrescido na linha 746 – limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos, do mesmo Q.7..

Questionada a TOC da sociedade por correio electrónico (...pt), fomos informados do seguinte:

"Em 2014, o grupo optou pela faculdade prevista no n.º 5 do artigo 67° do CIRC. Em 2014, o grupo não só não teve encargos financeiros não dedutíveis como apresentou folga suficiente para absorver os encargos financeiros não deduzidos (e como tal tributados) em 2013."

"Ora, de acordo com o parágrafo n.º 22 da Circular n° 5/2015, "... Exercida a opção prevista no n.º 5 do artigo 67.° ..., deverá ainda haver lugar, sendo caso disso, à correção do lucro tributável do grupo do efeito da aplicação da opção aí estabelecida.". Contudo, o campo 395 da declaração de grupo não permitia ajustamentos de sinal negativo, o que impossibilitava a aplicação prática dos n.ºs 21 a 23 da referida Circular, apesar de o grupo ter efetivamente exercido a referida opção. Em lace do exposto, o grupo, impossibilitado de corrigir na declaração de grupo o ajustamento relativo aos encargos financeiros, optou por fazê-lo nas declarações individuais, de modo a dar cumprimento ao disposto na Circular, em particular no seu já citado parágrafo n. ° 22."

"Deste modo, o valor inscrito no campo 795 da Modelo 22 corresponde ao somatório (i) dos encargos financeiros acrescidos no campo 748 da declaração Modelo 22 de 2013, 5.812.237,99 €, com (ii) os encargos financeiros acrescidos no campo 748 da mesma declaração relativa ao ano de 2014, 8 557.394,65 €."

 

Da dedutibilidade dos gastos de financiamento mencionados na declaração Modelo 22 de 2014

• Dos encargos financeiros acrescidos no campo 748 da declaração M.22 relativos a 2013 - 5.812.237,99€

O montante a deduzir em 2014, relativo a gastos de financiamento de períodos anteriores (como no caso em apreço) nos termos da al. b) do n.º5 do artigo 67.º não aproveita do limite do "grupo" mas iria apenas até ao limite previsto no n.º 1 do art.º 67.º do CIRC, correspondente à sociedade a que respeitam - a C...- calculado individualmente, o que implica que, em primeiro lugar, se deve ter em conta se existe em 2014 "folga" para gastos de períodos anteriores

Acontece que, no exercício 2014, a sociedade incorreu em gastos de financiamento no valor de 9.566.235,00 €, o que, tendo em conta que não apresentou resultados positivos no exercício de 2014 (EBITDA) não são dedutíveis quaisquer valores de exercícios anteriores, uma vez que o limite de 1.000.000,00 € previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 67.º do CIRC foi utilizado pelo s.p. com gastos de financiamento do próprio exercício, não havendo "folga" para gastos de períodos anteriores.

• Dos encargos financeiros acrescidos no campo 748 da declaração M.22 relativos a 2014 - 8.557 394,65

O total dos gastos de financiamento em que a sociedade incorreu no ano 2014 foi de 9.566.235,00 €.

O valor dos gastos de financiamento resultantes da aplicação do n.º 5 do artigo 67.º do CIRC - os gastos de financiamento líquidos do grupo, quando estes excedam os limites previstos no referido artigo, não deve ser inscrito na declaração Modelo 22 da sociedade participada, pois a dedução materializa-se na esfera da sociedade dominante e consequentemente na declaração Modelo 22 do grupo de sociedades.

Nota - A declaração Modelo 22 do ano 2014 do grupo consolidado apresenta um resultado que reflecte o valor dos gastos de financiamento considerados dedutíveis em 2014 pela C... .

Mesmo que assim não fosse, não seria possível a dedução dos gastos de financiamento em análise por força da limitação já prevista no artigo 23.º do CIRC - que versa a dedutibilidade apenas dos gastos (de financiamento) incorridos de forma a obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC. Se na antiga redacção estava presente o conceito de "indispensabilidade", subsiste (e é dado ênfase) a necessidade (por parte do s.p.) e obrigação (por parte da AT) de verificar se existe uma ligação de causalidade entre os gastos incorridos (a da despesa) e a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC.

Face ao exposto se o financiamento obtido tivesse por base a obtenção de rendimentos tributáveis na esfera da SGPS, designadamente os decorrentes da prestação de serviços às participadas no âmbito das funções de uma SGPS (Decreto-Lei nº 495/85, de 30 de Dezembro - Regime jurídico das SGPS) os gastos que nele tenham origem preencherão os requisitos para a sua dedutibilidade – seriam exemplo destes financiamentos aqueles que servissem, por exemplo, para adquirir equipamento administrativo para a SGPS (STA, 26/06/2001, recurso n.º 4783/01, Relator: Valente Torrão).

Se assim não fosse, não seria de mencionar a necessidade desses gastos serem efectuados para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, deixando a discricionariedade da gestão a selecção dos gastos a incorrer pela sociedade, qualquer que fosse o seu beneficiário e/ou o objectivo desse gasto.

De forma congruente com o atrás descrito, nos termos do art.º 67.º do CIRC (para efeitos do cálculo dos gastos dedutíveis) foram afastadas algumas componentes de resultados para efeitos fiscais, tais como, lucros ou reservas distribuídos, mais-valias ou menos-valia, componentes essas que não concorrem para o lucro tributável do s.p - al. d) do n.º 13 do artigo 67.º do CIRC.

Se os gastos de financiamento incorridos com empréstimos a participadas não originam outros rendimentos que não aquele que, por via do regime da participation exemption, não concorrem para o lucro tributável (não sendo por isso sujeitos a qualquer tributação) não serão dedutíveis. Pela mesma ordem de razão, os rendimentos (dividendos, mais-valias) que não concorrem para a formação do lucro tributável, não podem integrar o conceito fiscal de EBITDA, uma vez que os gastos dedutíveis na esfera de qualquer sociedade são apenas aqueles incorridos para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC - os gastos dedutíveis que passam o crivo do artigo 23.º do CIRC - temos então que, para efeitos do artigo 67.º do CIRC (que limita a dedutibilidade destes a determinado valor) não poderíamos incluir como componente do EBITDA um rendimento sem gastos dedutíveis associados, que permitiria a dedutibilidade de gastos de financiamento, em montante muito superior ao rendimento sujeito a IRC da SGPS.

Face ao exposto verifica-se que a totalidade dos gastos de financiamento incorridos no exercício de 2014 e os gastos de financiamento não deduzidos no exercício de 2013, tiveram impacto negativo no lucro tributável do exercício no valor de 15.378.472,99 € (5.812.237,99 € (2013) + 9.566.235,00 € (2014)).

Pelo que, não sendo dedutíveis, resultam as seguintes correcções ao lucro tributável do exercido de 2014:

 

P)           Sobre o RIT relativo à C... SGPS, S.A, foi emitido pelo Chefe de Equipa, um parecer, com que o Director de Finanças de Lisboa manifestou concordância, em que se refere, alem do mais, o seguinte:

PARECER DO CHEFE DE EQUIPA

Confirmo o conteúdo do presente Relatório de Inspeção.

Resultam do presente procedimento inspetivo, correções aos gastos de financiamento deduzidos pelo sujeito passivo no exercício em análise, no montante total de € 15 378 472,99.

Conforme devidamente fundamentado no capitulo III do relatório anexo, o sujeito passivo procedeu indevidamente, nos termos do artigo 23.° do CIRC - que se sobrepõe ao disposto no artigo 67.° do CIRC - , a dedução do total dos gastos de financiamento incorridos e relevados nas demonstrações financeiras do exercício de 2014 no montante de € 9 566 235,00, bem como dos gastos de financiamento não deduzidos no exercício de 2013, no montante de € 5 812 237,99.

Foi o sujeito passivo notificado nos termos dos artigos 60.º da LGT e RCPITA para o exercício de audição previa, porem decorrido o prazo e até a presente data, verificou-se que este não exerceu o direito de audição.

Face ao exposto, procedeu-se:

- À elaboração do documento de correção de acordo com as correções determinadas no relatório;

- Ao levantamento do competente Auto de Notícia, o qual deve ser remetido para o Serviço de Finanças de Oeiras –... ... (...).

Nos termos e para efeitos do artigo 62° n° 2 do RCPITA e artigo 77° da LGT, proponho a notificação do sujeito passivo do resultado desta ação inspetiva.

 

Q)           Na sequência das inspecções, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2018..., bem como as demonstrações de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2018... e n.º 2018... e da demonstração de acerto de contas n.º 2018..., relativas ao exercício de 2014, apurando o montante total de € 5.718.745,66 a pagar, com data limite de pagamento no dia 10-12-2018 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

R)           A aplicação informática da Autoridade Tributária e Aduaneira destinada ao preenchimento da declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2014 do grupo não permitia, no campo 395, inserir ajustamentos de sinal negativo (a favor do sujeito passivo) razão pela qual a Requerente fez os ajustamentos resultantes da aplicação do n.º 5 do artigo 67.º do CIRC nas declarações individuais da C... e da D...;

S)            A Requerente prestou garantia bancária para suspender a execução fiscal n.º ...2018..., que foi instaurada para cobrança coerciva da liquidação impugnada no presente processo (documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

T)            Em 11-03-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.1. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

                Não se provou que a K... seja proprietária de quaisquer terrenos nem que o gasto em no valor de € 87.923,31 indicado com o código 2470, relativo a projectos de desenvolvimento, respeite a amortização de terrenos.

                Na verdade, as cadernetas prediais juntas aos autos mostram que as turbinas eólicas da K... estão instaladas em terrenos arrendados.

                De resto, sendo a titularidade da propriedade dos terrenos facto conhecido da Autoridade Tributária e Aduaneira, o facto de esta não ter apresentado qualquer prova de a K... fosse proprietária de terrenos corrobora as afirmações da Requerente.

 

 

                3. Questão da correcção à matéria tributável da K... relativa a amortização respeitante a «terrenos»

               

                A empresa K... registou na rubrica de Gastos/reversões de depreciação e de amortização, nos anos de 2012, 2013 e 2014, depreciações no valor de € 87.923,31, relativas a bens com a designação de “terrenos”, mas registados com o código 2470, que corresponde a Projetos de desenvolvimento.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, como os terrenos, em regra, não sofrem deperecimento, não são aceites gastos com depreciações, o que motivou a desconsideração da dedutibilidade fiscal.

                No entanto, como resulta da matéria de facto fixada, não se provou que a K... fosse proprietária de quaisquer terrenos.

                Por outro lado, afiguram-se críveis as afirmações que a Requerente faz de que aquele valor se refere a importâncias despendidas no período de construção do parque eólico, nomeadamente com a obtenção dos direitos de utilização dos terrenos, indemnizações e rendas pagas aos proprietários de terrenos.

                Na verdade, essas afirmações não são contrariadas por qualquer elemento de prova e são corroboradas pelos contratos de arrendamento juntos aos autos.

                Por outro lado, tendo Autoridade Tributária e Aduaneira a generalidade dos direitos reais sobre terrenos, que consta das matrizes prediais, o facto de não ter conseguido identificar qualquer direito sobre terrenos de que fosse titular a K... aponta no sentido aquele valor não se reportar a depreciação de terrenos.

                Assim, a prova produzida aponta no sentido de não estar subjacente àquele valor a depreciação de terrenos.

                Por isso, a correcção efectuada tem por base «factos» que não correspondem à realidade (estar em causa a depreciação de terrenos), pelo que enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, que constitui vício de violação de lei e justifica a anulação da liquidação na parte respectiva, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

                4. Questão da correcção à matéria tributável da K... relativa a depreciações praticadas para além do período máximo de vida útil

 

                As Partes estão de acordo quanto ao facto de terem sido efectuadas depreciações pela K... para além do prazo máximo de vida útil dos bens depreciados e que, nessa medida, não podem relevar para a determinação do lucro tributável.

                O montante dessas depreciações não relevantes para a determinação do lucro tributável é de € 12.002,45.

                No exercício do direito de audição a K... esclareceu que as depreciações e amortizações praticadas para além do período de vida útil foram acrescidas no campo 775 das respectivas declarações modelo 22 de IRC, para além de estarem identificadas nos respetivos mapas de depreciações e amortizações.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira confirmou que «os valores estão devidamente identificados nos mapas de depreciações e amortizações na coluna correspondente a reintegrações e amortizações não aceites», mas efectuou uma correcção porque «este valor não foi acrescido para efeitos de determinação do rendimento tributável de IRC, uma vez que as depreciações e amortizações não aceites como gastos, nos termos do n.º 1 do artigo 34º do CIRC são acrescidas no campo 719 da declaração modelo 22 de IRC e este campo das declarações modelo 22 dos sujeito passivo respeitantes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, não tem qualquer valor» e «o campo 775 da declaração modelo 22 de IRC destina-se a registar valores a deduzir ao rendimento apurado pela contabilidade que não estejam expressamente previstos nos campos anteriores».

                Como resulta da matéria de facto fixada, a K... não indicou qualquer valor no campo 719 (relativo a valores “a acrescer” para determinação do lucro tributável), mas indicou no campo 775 (relativo a valores a deduzir para apuramento do lucro tributável) o valor de € 196.363,88, que é o valor líquido indicado no “Mapa de Reintegrações e amortizações” como respeitando a “Reintegrações e Amortizações não aceites” calculado com base no valor de relativo à globalidade das reintegrações e amortizações (208.366,37) deduzido do valor de € 12.002,45, relativo a «reintegrações e amortizações não aceites».

                Isto é, apesar de não ter indicado no campo 719 o valor de € 12.002,45 respeitante à parte das depreciações não aceites, a K... não considerou esse valor como gasto, pois reduziu nesse mesmo montante o valor total das reintegrações e amortizações que indicou no campo 775.

                Embora a interpretação do mapa de amortizações não seja absolutamente clara, a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece que «os valores estão devidamente identificados nos mapas de depreciações e amortizações na coluna correspondente a reintegrações e amortizações não aceites» e não defende que o que é alegado pela Requerente não corresponda à realidade, tendo efectuado a correcção, segundo se infere da fundamentação que consta do RIT, apenas por a Requerente não ter indicado valor no campo 719 (relativo a valores “a acrescer” para determinação do lucro tributável). No entanto, uma vez que a Requerente indicou no campo 775 (relativo a valores a deduzir para apuramento do lucro tributável) não o valor total das depreciações e amortizações (208.366,37) mas o valor de € 196.363,88, que corresponde àquele valor total deduzido do valor das amortizações que excedem o prazo máximo de vida útil dos bens depreciados (€ 12.002,45), conclui-se a que o gasto que a K... considerou relativamente a reintegrações e amortizações foi precisamente o que devia ser considerado no valor de € 196.363,88.

                Sendo relevante para efeitos da determinação do lucro tributável a verdade material, (como se infere do artigo 58.º da LGT) e não a correcção formal do preenchimento da declaração modelo 22, tem de se concluir que não tem fundamento legal a correcção efectuada quanto a estas amortizações não aceites, pois foi considerado como gasto precisamente o valor que devia ter sido considerado.

                Por isso, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito quanto a esta correção, o que justifica a anulação da liquidação na parte correspondente, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

                5. Questão da não aceitação dos gastos de financiamento relativos ao ano de 2013, no valor de € 11.032.530,23

               

                5.1. Posições das Partes              

 

                A Requerente deduziu ao resultado tributável do grupo, no exercício de 2014, gastos de financiamento suportados no exercício de 2013, no valor de € 11.032.530,23.  

                O valor referido constitui a soma dos valores de duas correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente a gastos de financiamento suportados no exercício de 2013 por duas sociedades do grupo de que a Requerente é sociedade dominante:

– o montante de € 5.812.237,99 respeita à C...;

 – o montante de € 5.220.292,54, respeita à D... .

 

                Ao deduzir esses gastos, a Requerente fez aplicação do preceituado no artigo 67.º, n.º 5, do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que veio permitir que «nos casos em que exista um grupo de sociedades sujeito ao regime especial previsto no artigo 69.º, a sociedade dominante pode optar, para efeitos da determinação do lucro tributável do grupo, pela aplicação do disposto no presente artigo aos gastos de financiamento líquidos do grupo».

                A Requerente fez essa opção, mas a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, relativamente ao gastos de financiamento suportados no exercício de 2013, o limite dos gastos de financiamento líquidos dedutíveis, não é determinado com base no resultado do grupo, sendo aplicável o «limite previsto no n.º 1 do art.º 67.º do CIRC, correspondente à sociedade a que respeitam». (...) calculado individualmente, o que implica que, em primeiro lugar, se deve ter em conta se existe em 2014 “folga” para gastos de períodos anteriores».

                Constatando que os gastos de financiamento líquidos da C... e da D..., respeitantes ao exercício de 2014, calculados individualmente, já excediam o limite previsto no n.º 1 do artigo 67.º, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que não existia qualquer margem para a dedução dos gastos de financiamento líquidos não deduzidos em anos anteriores.

                A Requerente defende no presente processo que, na sequência da opção que fez nos termos do n.º 5 do artigo 67.º, na redacção de 2014, a dedução de gastos de financiamento de 2013 das aludidas sociedades deve ser efectuada tendo em conta o resultado fiscal do Grupo no exercício de 2014, tal como já se encontrava constituído, para efeitos de RETGS, nesse mesmo ano de 2013.

                A Requerente defende, em suma, o seguinte:

– está em causa uma sucessão de leis relativa à limitação da dedutibilidade de gastos de financiamento que surge já num momento em que um determinado grupo económico – em concreto, o Grupo B...– beneficiava da aplicação do RETGS;

– a lógica subjacente ao RETGS é a da tributação agregada do grupo, assentando por isso na consideração da realidade económica do grupo de sociedades como uma verdadeira unidade;

– o n.º 5 do artigo 67.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, «disciplina de forma relativamente completa o tratamento fiscal a conceder aos gastos de financiamento que tenham sido apurados antes da aplicação do RETGS e depois da opção pela aplicação desse regime»;

– após a entrada em vigor do artigo 67.º, n.º 5, do CIRC, ter sido dado o mesmo tratamento aos encargos financeiros suportados nos anos de 2013 e de 2014;

– do que se trata é da aplicação da nova redação de uma norma, tal como se encontrava prevista em 2014, aos encargos financeiros do grupo existentes a essa data;

– a lei de 2014 vem aplicar-se, de imediato e com efeitos prospetivos, a um direito já constituído em 2013, e que se consubstancia na possibilidade de reportar para os exercícios subsequentes o montante do excesso dos gastos de financiamento ainda não deduzidos quando a nova redação entrou em vigor;

– mesmo que se tratasse de uma aplicação retroactiva, ela seria constitucionalmente admissível por ser favorável ao sujeito passivo;

– uma vez exercida a opção pela aplicação do RETGS e pelo apuramento dos limites à dedutibilidade de acordo com os gastos de financiamento líquidos do grupo, o lucro tributável de cada empresa integrante do grupo é afetado pela limitação imposta pelo artigo pelo artigo 67.º, n.º 5, alínea a), do CIRC;

– em conformidade, foi alterado o artigo 70.º do CIRC, passando a determinar que o lucro tributável do grupo, uma vez exercida a opção pelo disposto no n.º 5 do artigo 67.º, pudesse ser apurado de modo a ajustar a soma algébrica dos lucros e prejuízos do efeito decorrente dessa opção;

– nenhuma norma especial, designadamente, de direito transitório, prevê expressamente o tratamento a conceder aos encargos de financiamento já apurados no ano de 2013 e que, por ultrapassarem os limites de dedutibilidade individual – na redação e numeração da norma em vigor nesse ano – poderiam ser considerados na determinação do lucro tributável de um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores (cf. artigo 67.º, n.º 2, do CIRC);

 – o legislador não quis distinguir a dedutibilidade de gastos líquidos de financiamento em função do ano em que os mesmos tivessem sido incorridos – desde que, naturalmente, já o tivessem sido no âmbito da aplicação do RETGS;

– o n.º 5 do artigo 67.º do CIRC apenas faz distinção entre gastos de financiamento anteriores e posteriores à aplicação do RETGS;

– os encargos de financiamento incorridos no ano de 2013 pela C... e pela D... já foram gerados no Grupo, i. e., quando era “aplicável o regime”;

– ao referir-se aos períodos de tributação anteriores à aplicação do “regime”, as alíneas em análise reportam-se ao regime a que alude o corpo do n.º 5 do artigo 67.º, i.e., ao RETGS, e não às regras de limitação da dedutibilidade dos gastos de financiamento, o que se conclui, inclusivamente, da comparação das regras com as do reporte de prejuízos fiscais;

– a alteração ao artigo 67.º do IRC e a previsão da sua aplicação ao RETGS visava o desencorajamento de “comportamentos de substituição e reorganizações motivadas exclusivamente pela necessidade de adaptar a realidade empresarial às suas diretrizes” e a Requerente cumpriu escrupulosamente tal espírito, na medida em que manteve a estrutura de financiamento que tinha antes da Reforma (até 2013), no cenário pós-Reforma de IRC (em 2014 e nos anos subsequentes);

– ao abrigo do princípio, fundamental, da legalidade fiscal, impõe-se a conclusão de que a parte do limite não dedutível – e, por isso, reportável – dos gastos de financiamento incorridos em 2013 (ano em que se encontrava em vigor, para todas as sociedades, o RETGS), deve ser dedutível ao nível do grupo no exercício de 2014, sob pena de, a entender-se de outro modo – como pretende, afinal, a AT que se faça – se adotar uma interpretação normativa do artigo 67.º, n.º 5, que viola o princípio da legalidade, ínsito nos artigos 103 e 165.º, al. i), da CRP,

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira mantém o entendimento adoptado nas inspecções à C... e à D... .

 

 

                5.2. Apreciação da questão

 

                Os artigos 67.º e 70.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 67.º

Limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento

 

 1 — Os gastos de financiamento líquidos são dedutíveis até à concorrência do maior dos seguintes limites:

a) € 3 000 000; ou

b) 30 % do resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e impostos. (   )

2 — Os gastos de financiamento líquidos não dedutíveis nos termos do número anterior podem ainda ser considerados na determinação do lucro tributável de um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores, conjuntamente com os gastos financeiros desse mesmo período, observando-se as limitações previstas no número anterior.

3 — Sempre que o montante dos gastos de financiamento deduzidos seja inferior a 30 % do resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e impostos, a parte não utilizada deste limite acresce ao montante máximo dedutível, nos termos da mesma disposição, em cada um dos cinco períodos de tributação posteriores, até à sua integral utilização.

4 — No caso de entidades tributadas no âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, o disposto no presente artigo é aplicável a cada uma das sociedades do grupo.

(...)

8 — Para efeitos do presente artigo, consideram-se gastos de financiamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza.

 

Artigo 70.º

Determinação do lucro tributável do grupo

1 – Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

 

                Com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, os artigos 67.º e 70.º do CIRC passaram a ter as seguintes redacções, no que aqui interessa:

 

Artigo 67.º

 

Limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento

 

1 - Os gastos de financiamento líquidos concorrem para a determinação do lucro tributável até ao maior dos seguintes limites:

 

a) (euro) 1 000 000; ou

b) 30 % do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos.

2 - Os gastos de financiamento líquidos não dedutíveis nos termos do número anterior podem ainda ser considerados na determinação do lucro tributável de um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores, após os gastos de financiamento líquidos desse mesmo período, observando-se as limitações previstas no número anterior.

 

3 - Sempre que o montante dos gastos de financiamento deduzidos seja inferior a 30 % do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, a parte não utilizada deste limite acresce ao montante máximo dedutível, nos termos da alínea b) do n.º 1, até ao quinto período de tributação posterior.

4 - Para efeito do disposto nos n.ºs 2 e 3, consideram-se em 1.º lugar os gastos de financiamento líquidos não dedutíveis e a parte não utilizada do limite referido no número anterior que tenham sido apurados há mais tempo.

5 - Nos casos em que exista um grupo de sociedades sujeito ao regime especial previsto no artigo 69.º, a sociedade dominante pode optar, para efeitos da determinação do lucro tributável do grupo, pela aplicação do disposto no presente artigo aos gastos de financiamento líquidos do grupo nos seguintes termos:

a) O limite para a dedutibilidade ao lucro tributável do grupo corresponde ao valor previsto na alínea a) do n.º 1, independentemente do número de sociedades pertencentes ao grupo ou, quando superior, ao previsto na alínea b) do mesmo número, calculado com base no resultado consolidado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, relativo à totalidade das sociedades que o compõem; (Rectificada pela Declaração de Rectificação 18/2014, de 13de Março)

b) Os gastos de financiamento líquidos de sociedades do grupo relativos aos períodos de tributação anteriores à aplicação do regime e ainda não deduzidos apenas podem ser considerados, nos termos do n.º 2, até ao limite previsto no n.º 1 correspondente à sociedade a que respeitem, calculado individualmente;

c) A parte do limite não utilizado, a que se refere o n.º 3, por sociedades do grupo em períodos de tributação anteriores à aplicação do regime apenas pode ser acrescido nos termos daquele número ao montante máximo dedutível dos gastos de financiamento líquidos da sociedade a que respeitem, calculado individualmente;

d) Os gastos de financiamento líquidos de sociedades do grupo, bem como a parte do limite não utilizado a que se refere o n.º 3, relativos aos períodos de tributação em que seja aplicável o regime, só podem ser utilizados pelo grupo, independentemente da saída de uma ou mais sociedades do grupo.

6 - A opção da sociedade dominante prevista no número anterior deve ser mantida por um período mínimo de três anos, a contar da data em que se inicia a sua aplicação.

7 - A opção mencionada no n.º 5 deve ser comunicada à Autoridade Tributária e Aduaneira através do envio, por transmissão eletrónica de dados, da declaração prevista no artigo 118.º, até ao fim do 3.º mês do período de tributação em que se pretende iniciar a respetiva aplicação.

8 - O previsto nos n.ºs 2 e 3 deixa de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efetuada a dedução ou acrescido o limite, que, em relação àquele a que respeitam os gastos de financiamento líquidos ou a parte do limite não utilizada, se verificou a alteração da titularidade de mais de 50 % do capital social ou da maioria dos direitos de voto do sujeito passivo, salvo no caso de ser aplicável o disposto no n.º 9 do artigo 52.º ou obtida autorização do membro do Governo responsável pela área das finanças em caso de reconhecido interesse económico, mediante requerimento a apresentar na Autoridade Tributária e Aduaneira, no prazo previsto no n.º 14 do artigo 52.º

 

Artigo 70.º

 

Determinação do lucro tributável do grupo

1 - Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, corrigido, sendo caso disso, do efeito da aplicação da opção prevista no n.º 5 do artigo 67.º

 

               

                A Requerente assenta a sua tese na inexistência de uma norma de direito transitório específica sobre a aplicação do antigo e novo regime previstos no artigo 67.º do CIRC, antes e depois da reforma do IRC operada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.

                No entanto, esta Lei contém uma norma geral sobre a sua aplicação no tempo, que é o artigo 14.º, em que se estabelece que o seguinte:

 

Artigo 14.º

 

Produção de efeitos

 

Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.

 

                O artigo 8.º que se refere neste artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 reporta-se à evolução das taxas, que não releva para a apreciação da questão que é aqui colocada.

                Em regra, o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade, considerando-se o facto gerador do imposto verificado no último dia do período de tributação (artigos 8.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, do CIRC).

                Em certas situações, é atribuída a factos ocorridos em determinados períodos de tributação relevância para a determinação do lucro tributável de períodos posteriores, como sucede nos casos das despesas de financiamento que ultrapassem os limites legais (e também com o reporte de prejuízos, a que alude a Requerente).

                Mas, nestes casos, o facto tributário que gera o montante que pode ser deduzido em períodos posteriores àquele em que aconteceu não deixa de se ter verificado nesse período em que ocorreu, sendo com base no momento dessa ocorrência que é determinado o limite temporal de relevância em períodos posteriores.

                Assim, a norma transitória especial que consta do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, para além de limitar a sua aplicação aos períodos de tributação que se iniciem a partir de 01-01-0214, ao referir-se também «aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014» exprime um pensamento legislativo no sentido de afastar a aplicação imediata da nova lei a factos ocorridos em períodos anteriores, mas a que é atribuída relevância nos períodos de tributação a partir de 2014.

                Na verdade, se se pretendesse a aplicação imediata da nova lei à globalidade da determinação do lucro tributável dos exercícios iniciados a partir de 01-01-2014, não seria necessário incluir referências cumulativas aos exercícios e aos factos tributários ocorridos a partir dessa data.

                Aliás, é também este o regime de aplicação da lei no tempo que decorre das regras gerais, quer a prevista no artigo 12.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece a regra de que «as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor», quer a do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil em que se estabelece que, quando a lei dispõe sobre efeitos de quaisquer factos, «entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos».

A lei nova não se aplica a factos constitutivos (modificativos e extintivos) verificados antes do seu início de vigência – no sentido de que será retroactiva sempre que se aplique a factos passados por ela própria assumidos ou visados como factos constitutivos (ou modificativos, ou extintivos) de situações jurídicas. (   )

Assim, embora ambas as redacções do artigo 67.º do CIRC se refiram a «gastos de financiamento líquidos», elas não se reportam aos mesmos gastos de financiamento líquidos, pois a redacção de 2013 aplica-se aos gastos gerados antes de 01-10-2014 (constituídos na sua vigência) e a redacção de 2014 aplica-se aos gastos em que a sociedade incorra a partir desta data (os que se constituam na sua vigência).

                No caso de consideração de gastos de financiamento líquidos não dedutíveis em 2013 na determinação do lucro tributável de períodos de tributação posteriores, está-se perante efeitos de factos ocorridos em 2013, pelo que esses efeitos são definidos pela lei vigente no momento em que ocorreram, só de aplicando o novo regime a factos tributários ocorridos a partir de 01-01-2014.

Isto é, à situação jurídica constituída em 2013, com a verificação da existência de gastos não dedutíveis e correlativo direito a eles poderem vir a ser considerados na determinação do lucro tributável de um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores, aplica-se a lei vigente no momento em essa situação se constituiu.

Assim, não existindo qualquer disposição transitória que afaste este regime de aplicação da lei no tempo, antes sendo ele confirmado pela norma do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014.

Por outro lado, esta interpretação, que é a que decorre linearmente do texto da lei, é também a que se sintoniza com a intenção legislativa de «promover a redução do endividamento excessivo da economia e a mitigar a histórica propensão do sistema fiscal para privilegiar o financiamento da atividade económica através de dívida restringir a dedutibilidade de gastos de financiamento», que foi anunciada no Relatório do Orçamento do Estado para 2013 (página 61) e concretizada nas alterações que a Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, efectuou ao artigo 67.º do CIRC.

                Na verdade, a intensidade acentuadíssima da preocupação legislativa com a redução do endividamento das empresas é patenteada pelo facto de no n.º 2 do artigo 192.º dessa Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, não se limitar a estabelecer uma redução para o período orçamental a que se reporta e antecipar, desde logo, com invulgar antecedência, a acentuação progressiva da redução em exercícios seguintes, estabelecendo que «nos períodos de tributação iniciados entre 2013 e 2017, o limite referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do Código do IRC, sem prejuízo do limite máximo dedutível previsto no n.º 3 do mesmo artigo, é de 70 % em 2013, 60 % em 2014, 50 % em 2015, 40 % em 2016 e 30 % em 2017».

                Esta intenção de restrição progressiva dos gastos de financiamento é reafirmada em termos idênticos pelo n.º 7 do artigo 12.º da Lei n. 2/2014, ao estabelecer que «nos períodos de tributação iniciados entre 2014 e 2017, o limite referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do Código do IRC, sem prejuízo do limite máximo dedutível previsto no n.º 3 do mesmo artigo, é de 60 % em 2014, 50 % em 2015, 40 % em 2016 e 30 % em 2017».

                Assim, estaria ao arrepio desta intenção legislativa expressa, reiterada e perdurável a interpretação defendida pela Requerente, que se reconduz a uma ampliação das possibilidades de relevância fiscal de gastos de financiamento, decorrentes de uma opção do sujeito passivo, para mais formulada a posteriori, em momento em que este já tem conhecimento da existência e dimensão dos gastos de financiamento não dedutíveis em períodos anteriores.

Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção.

               

 

                6. Questão da não aceitação dos gastos de financiamento relativos ao ano de 2014, indicados na declaração mod. 22 da C... SGPS, S.A.

 

A C... SGPS, S.A. contraiu empréstimos remunerados que são descritos como destinados a «cobertura de carências de tesouraria» que utilizou para conceder empréstimos não remunerados à sociedade D... Unipessoal, Lda.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não é dedutível ao lucro tributável da C... SGPS, S.A. a totalidade dos gastos de financiamento incorridos no exercício de 2014, no montante de € 9.566.235,00.

                O referido entendimento baseia-se, nos termos do Parecer que o Chefe de Equipa emitiu sobre o RIT relativo à C... SGPS, S.A. em «o sujeito passivo procedeu indevidamente, nos termos do artigo 23.° do CIRC - que se sobrepõe ao disposto no artigo 67.° do CIRC - , a dedução do total dos gastos de financiamento incorridos e relevados nas demonstrações financeiras do exercício de 2014 no montante de € 9 566 235,00».

                No RIT haviam sido indicados dois fundamentos para esta correcção, que são, em suma, os seguintes:

– «o valor dos gastos de financiamento resultantes da aplicação do n.º 5 do artigo 67.º do CIRC - os gastos de financiamento líquidos do grupo, quando estes excedam os limites previstos no referido artigo, não deve ser inscrito na declaração Modelo 22 da sociedade participada, pois a dedução materializa-se na esfera da sociedade dominante e consequentemente na declaração Modelo 22 do grupo de sociedades»;  (...) «a declaração Modelo 22 do ano 2014 do grupo consolidado apresenta um resultado que reflecte o valor dos gastos de financiamento considerados dedutíveis em 2014 pela C... »;

– «não seria possível a dedução dos gastos de financiamento em análise por força da limitação prevista no artigo 23.º do CIRC - que versa a dedutibilidade apenas dos gastos (de financiamento) incorridos de forma a obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, exigindo, por isso, uma ligação de causalidade entre os gastos incorridos (a da despesa) e a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC»; no caso das SGPS, «se os gastos de financiamento incorridos com empréstimos a participadas não originam outros rendimentos que não aquele que, por via do regime da participation exemption, não concorrem para o lucro tributável (não sendo por isso sujeitos a qualquer tributação) não serão dedutíveis».

 

                Segundo se infere do posterior Parecer do Chefe de Equipa que ordenou a elaboração do documento de correcção, é apenas este segundo fundamento o que lhe serviu de base.

De qualquer forma, tendo sido reflectido na declaração Modelo 22 do ano 2014 do grupo consolidado o valor dos gastos de financiamento considerados dedutíveis em 2014 pela C..., como devia ser por força da opção feita pela sociedade dominante, o que está em causa é apenas a dedutibilidade desses gastos ao lucro tributável da Requerente.

               

                6.1. Análise da questão da não dedutibilidade de gastos de financiamento suportados por SGPS

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira baseia o seu entendimento sobre a não dedutibilidade dos gastos de financiamento suportados por uma SGPS, como é o caso da C..., SGPS SA, no entendimento de que o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, apenas permite a dedução de gastos e perdas que tenham relação de causalidade com rendimentos tributados em IRC.

                O artigo 23.º, n.º 1, do CIRC estabelece o seguinte:

 

Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

                Na redacção anterior deste n.º 1 do artigo 23.º estabelecia-se que «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

                À face desta anterior redacção do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, foi-se estabilizando o entendimento doutrinal e jurisprudencial no sentido de para ser permitida a dedutibilidade de gastos e sua indispensabilidade para obtenção de rendimentos sujeitos a imposto não era necessária uma relação de causalidade entre os gastos e a obtenção de rendimentos, bastando que aqueles fossem suportados no interesse da empresa, como foi reconhecido nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21-9-2016, processo n.º 0571/13 e de 15-11-2017, processo n.º 0372/16:

I – No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar quanto à indispensabilidade como requisito para que um custo seja dedutível na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção anterior a 2009), está completamente arredada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos.

II – No mesmo entendimento, um custo será aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios.

 

                À face desta jurisprudência, não tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao dizer que na nova redacção «subsiste (e é dado ênfase) a necessidade (por parte do s.p.) e obrigação (por parte da AT) de verificar se existe uma ligação de causalidade entre os gastos incorridos (a da despesa) e a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC».

                Na verdade, a exigir-se na nova redacção uma relação de causalidade entre os gastos e a obtenção de rendimentos, tratar-se-á de uma inovação introduzida pela Lei n.º 2/2014, pois ela não era exigida pela redacção anterior.

                No entanto, no Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – 2013, não se alude a qualquer intenção de alterar o regime anteriormente previsto no artigo 23.º do CIRC quanto à desnecessidade de uma relação de causalidade entre gastos e rendimentos, antes se refere expressamente esclarecer essa desnecessidade:

 

Ora, na doutrina, é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos.

A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios.

Neste contexto, entendeu a Comissão propor uma evolução normativa quanto ao princípio geral da aceitação dos gastos. Tal proposta acolhe a linha que a doutrina e a jurisprudência vêm sustentando, e pode revelar-se um meio para incrementar o grau de certeza na aplicação concreta do princípio basilar relativo à dedutibilidade. Adicionalmente, pode ainda constituir uma via para o decréscimo da significativa litigância decorrente da aplicação do preceito em causa.

Assim, o artigo 23.º do Código do IRC passa a consagrar como princípio geral de que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados.

 

                É certo, no entanto, que a formulação proposta pela Comissão para o n.º 1 do artigo 23.º e a que veio a ser adoptada são diferentes.

                A Comissão propôs a seguinte redacção:

 

«Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados».

 

A redacção que veio a ser adoptada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, é:

 

«Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC».

 

                É com base nesta parte final da referência a «rendimentos sujeitos a IRC», que a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que não serão dedutíveis os gastos com financiamentos efectuados pela C..., SGPS SA a participadas, dizendo: «Se os gastos de financiamento incorridos com empréstimos a participadas não originam outros rendimentos que não aquele que, por via do regime da participation exemption, não concorrem para o lucro tributável (não sendo por isso sujeitos a qualquer tributação) não serão dedutíveis».

A restrição da relevância fiscal dos gastos, afastando a dedutibilidade dos que não estão relacionados com a obtenção de rendimentos tributados é uma possível solução legislativa razoável, que foi mesmo explicitamente aventada no âmbito da discussão pública do projecto da Reforma do IRC de 2014, designadamente, pelo Prof. Doutor FREITAS PEREIRA, em «Aumento da competitividade fiscal, com efeitos no investimento e emprego, ou simples erosão das receitas fiscais? - Reforma do IRC» (   ): «Neste domínio, seria até coerente, face designadamente à introdução de um regime alargado de "participation exemption", restringir a aceitação fiscal dos gastos, não permitindo a dedução daqueles que estão correlacionados com a obtenção de rendimentos isentos de tributação. Mas sobre isso, nada de especial se prevê, remetendo-se quanto a gastos financeiros ligados aos mesmos para a limitação geral prevista no artº 67º do CIRC».

No entanto, se é certo que a nova redacção do artigo 23.º inclui uma referência à relação entre os gastos e os rendimentos sujeitos a IRC que não constava da proposta de Comissão, também o é que a nova fórmula não é, neste ponto, substancialmente diferente da utilizada na redacção anterior do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, pois nela já de incluía uma referência ao referir que a realização de gastos «para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», que era generalizadamente interpretada, inclusivamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, como não exigindo uma relação de causalidade entre gastos e rendimentos.

Por outro lado, esta nova fórmula (como a anterior) ao fazer referência a «rendimentos sujeitos a IRC» nem sequer abrange, no seu teor literal, a globalidade dos rendimentos que não são tributados, pois rendimentos sujeitos podem não ser tributados, caso exista isenção.

Na verdade, como esclarece o artigo 4.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), não se confundem com benefícios fiscais, designadamente isenções, as situações de não sujeição tributária.

O n.º 2 deste artigo estabelece que se consideram, genericamente, não sujeições tributárias as medidas fiscais estruturais de carácter normativo que estabeleçam delimitações negativas expressas da incidência.

                Como resulta deste artigo 4.º, rendimentos não sujeitos a um imposto, são os que não se incluem no seu âmbito de incidência objectiva.

Por isso, numa interpretação que tenha em mente a unidade do sistema jurídico e a coerência dos conceitos nele definidos, não pode ver-se na referência a «rendimentos sujeitos a IRC» uma fórmula abrangente da globalidade das situações de não tributação (incluindo isenções), pois a leitura coerente é a de que se pretendem excluir os gastos relacionados com rendimentos não incluídos no âmbito de incidência do IRC, designadamente os abrangidos por delimitações negativas expressas da incidência (como é o caso das previstas nos artigos 6.º e 7.º do CIRC).

A correcção deste entendimento confirma-se pelo facto de que, quando no CIRC se pretende aludir a situações de não tributação, se aludir cumulativamente a não sujeição e isenção, como se constata abundantemente pela redacção de várias normas do CIRC de 2014:

– pelo n.º 3 do artigo 14.º ao referir «entidade residente em território português, sujeita e não isenta de IRC»;

– pelo artigo 15.º, n.º 2, subalínea 1), que refere «gastos comuns e outros imputáveis aos rendimentos sujeitos a imposto e não isentos»;

– pela alínea d) do n.º 1 do artigo 51.º ao aludir a «entidade que distribui os lucros ou reservas esteja sujeita e não isenta de IRC»;

– pela alínea b) do no 1 do artigo 51.º do CIRC ao referir «sejam distribuídos por entidades não sujeitas ou sujeitas e isentas de imposto sobre o rendimento, salvo quando provenham de rendimentos sujeitos e não isentos»;

– pelo n.º 3 do artigo 51.º-D que refere «esteja sujeita e não isenta de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC»;

– do n.º 3 do artigo 53.º do CIRC que alude a «entidades residentes em território português, sujeitas e não isentas de IRC»;

– pelo artigo 54.º que faz várias referências a «rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC», no corpo do n.º 1, nas suas alíneas a) e b), e no n.º 2;

– pelo artigo 54.º-A, n.º 1, em que se refere «lucros imputáveis a esse estabelecimento estável estejam sujeitos e não isentos»;

– pelo artigo 73.º, n.º 7, alínea a), em que se faz referência a «sociedades com sede ou direção efetiva em território português sujeitas e não isentas de IRC»;

– pelo artigo 87.º-A, n.º 1, ao referir a «parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas»;

– pelo artigo 95.º, n.º 2, que alude a «lucros que uma sociedade residente em território português e sujeita e não isenta de IRC».

 

                A esta luz, é manifesto que a não referência no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC a rendimentos isentos, além dos não sujeitos a IRC, foi intencional.

Ora, os rendimentos da C... SGPS, SA, estão sujeitos a IRC, pois enquadram-se no seu âmbito de incidência, genericamente definido nos artigos 3.º e 4.º do CIRC, e também no artigo 20.º do CIRC.

                Por outro lado, se é certo que rendimentos das SGPS derivados de lucros e reservas distribuídos pelas participadas e mais-valias realizadas mediante transmissão onerosa de partes sociais poderão não concorrer para a determinação do lucro tributável, se se verificarem as condições exigidas pelos artigos 51.º e 51.º-C do CIRC, também o é que estas condições são muito mais exigentes do que a prevista no artigo 32.º, n.º 2, do EBF (detenção por período não inferior a um ano), pelo que a hipotética não tributação de rendimentos é uma mera eventualidade que não é possível antecipar (como bem exemplifica a Requerente nos artigos 306.º a 309.º do pedido de pronúncia arbitral). Designadamente, no concerne a mais-valias, a realização pode vir a ocorrer muitos anos depois de serem suportados a gastos de financiamento e poderá vir a concluir-se que, nesse momento da realização, não estão reunidos todos os requisitos necessários para a não tributação, apesar de se verificarem quando os gastos foram suportados.

                Assim, o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redacção de 2014, não permite afastar a dedutibilidade de gastos de financiamento sujeitos a IRC, mesmo que haja a possibilidade de vir a ser excluída a tributação por aplicação do regime dos artigos 51.º e 51.º-C do CIRC.

Por outro lado, em sintonia com o que entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 21-02-2018, proferido no processo n.º 0473/13, a circunstância de os financiamentos c0ntraídos suportando encargos terem sido utilizados para a C... SGPS, SA efectuar empréstimos não remunerados a uma sua participada integrada no mesmo grupo de sociedades, não obsta à dedutibilidade dos encargos, pois estes «estão conexionados com a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da empresa participante que contraiu os empréstimos e pagou os encargos financeiros correspondentes. A lógica empresarial e de grupo de empresas frequentemente aconselhará que os empréstimos sejam contratualizados pela empresa dominante, tendencialmente aquela que, pela sua dimensão e prestígio, se encontra melhor posicionada para os obter junto das instituições bancárias com condições mais favoráveis. Nada na lei comercial o impede, competindo a análise desse procedimento às próprias empresas do grupo, sem que a Administração Tributária se possa imiscuir em tal opção empresarial, por o direito fiscal não impor comportamento diverso».

                Na linha desta jurisprudência, deverá entender-se, no âmbito do regime do artigo 67.º do CIRC na redacção de 2014, que havendo um grupo de sociedades e tendo sido formulada opção pela relevância dos limites de encargos de financiamento do grupo, não se justifica falar-se em exclusão da tributação dos rendimentos gerados pela detenção de participações de empresas do grupo. Sendo encarado o grupo com0 um todo unitário, inclusivamente para estes efeitos, o que releva é o destino a ser dado pelo grupo aos financiamentos pela empresa do grupo a quem são concedidos, que, neste caso se destinam à obtenção de rendimentos sujeitos a IRC e não isentos.

Por isso, enferma de vício de violação de lei, a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com fundamento no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, no sentido da indedutibilidade dos gastos com financiamentos suportados pela C... SGPS, SA, em 2014.

 

7. Questão da dedutibilidade de gasto fiscal registado como indemnização

 

A D... reconheceu na sua contabilidade um gasto fiscal o montante de € 1.200.000,00 registado na conta "68881 - Indemnizações", que se reporta a um pagamento que fez à Câmara Municipal da ... como contrapartida de esta ter abdicado definitivamente do direito de adquirir gratuitamente uma participação de 5% no capital social do N... LDA, detido na totalidade pela D... .

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, o seguinte:

 

– «o lucro a que se refere o artº 3.º do CIRC é o lucro tributável que consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas no referido código»;

– «nos termos do n.º 1 do art.º 17.º do CIRC, "o lucro tributável das pessoas coletivas (...) é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código";

– «o registo do gasto em apreço, não está de acordo com a normalização contabilística, que determinaria o registo de um ativo e, em razão desse facto, não pode a sua elegibilidade, enquanto gasto, ser aferida à luz do normativo que constitui a regra geral dos gastos dedutíveis, ou não para efeitos de IRC, plasmado no artº 23.º do CIRC»;

– «esta operação, que se consubstanciou no assunção do pleno direito sobre a participação que detinha no capital social do PET, dado que pelo acordo estabelecido findou o ónus que pendia sobre esta participação, não se trata efetivamente de um gasto mas sim de um custo com a participação, que teria que ser capitalizado no valor desta e enquadrado como um ativo, não é dedutível fiscalmente nos termos do n.º 1 do art.º 23º do CIRC»;

– a Requerente informou  Autoridade Tributária e Aduaneira que «em virtude de neste período decorrerem negociações entre os acionistas do grupo B... e um grupo empresarial sediado em Hong Kong, para aquisição do grupo B... por parte deste último, a D..., mesmo sendo detentora da totalidade do capital social do PET, pendia sobre esta participação o ónus da CM ... exercer o seu direito de adquirir a título gratuito 5% do capital social do PET, pelo que encetou negociações com a CM ...para pôr fim a esta obrigação»;

– não se trata de uma indemnização, nem de um gasto;

– «é referido no parágrafo 53 (estrutura conceptual do IASB), relativamente aos critérios de reconhecimento dos ativos, que "Os benefícios económicos futuros incorporados num activo são o potencial de contribuir, direta ou indiretamente, para o fluxo de caixa e de seus equivalentes de caixa para a empresa. O potencial pode ser um potencial produtivo que faça parte das atividades operacionais da empresa. Pode também tomar a forma de convertibilidade em caixa ou equivalentes de caixa ou a capacidade de reduzir os exfluxos de caixa. (...)".

– decorre desta premissa, aplicada ao caso em concreto, que o pagamento do valor de € 1.200.000,00 da A... à CM..., permite uma redução dos exfluxos de caixa futuros, dado que evita a alienação dos 5% da participação no PET, a título gratuito, a favor da CM ... .

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

– não existia um “ónus” em sentido próprio sobre o capital social da N..., ou sobre uma parcela de tal capital social, pelo que é incorreta a afirmação de o acordo com a Câmara Municipal de ... “veio a conferir à D... a detenção plena e sem ónus dos 5% da participação” na PE N...;

– a D... detinha uma participação correspondente a 99% do capital social da PE N... totalmente livre de verdadeiros ónus e encargos, existindo apenas uma obrigação meramente contratual a – em moldes e condições que nem sequer ficaram estabelecidos – proporcionar ao Município da ... uma forma de vir a deter uma participação naquela sociedade correspondente a 5% do seu capital social;

– a D... limitou-se a compensar o Município da ... pelo valor que as partes estimaram como apropriado e razoavelmente representativo dos lucros que adviriam para o Município da ... do eventual exercício do Direito Gratuito à Participação e consequente detenção de uma participação de 5% no capital social da PE N...;

– a capitalização no custo de aquisição que a AT procura é totalmente desfasada da realidade subjacente e insuscetível de representar fiel e fidedignamente a situação económico-financeira;

– nunca foi sequer possível ao Município da ... exercer esse direito;

– a D... detinha (e detém) uma participação representativa de 99% do capital social da PE N... (e o restante 1% era detido pela participada M...), relativamente à qual sempre recebeu e registou como proveito (rendimento) os correspondentes dividendos;

– tal participação revestia e reveste a natureza de um recurso controlado pela entidade, do qual se esperava que viessem a fluir, para a entidade, benefícios económicos futuros, pelo que foi e continua a ser corretamente classificada como um ativo;

– não se vislumbra que outros benefícios económicos futuros pudessem vir a fluir para a sociedade, com um mínimo grau de certeza, do pagamento efetuado ao Município da ...;

– nos termos da Estrutura Conceptual NIC, “a expectativa de que benefícios económicos futuros fluirão para (ou de) uma entidade tem de ser suficientemente certa para ir ao encontro do critério da probabilidade do §83 antes de um ativo (ou passivo) ser reconhecido”;

– em plena conformidade com este dispositivo, não só a D... nunca reconheceu nas suas demonstrações financeiras dos anos anteriores qualquer passivo ao qual fosse possível associar o exfluxo que se veio a revelar necessário em 2014;

– como nunca reconheceu nem poderia considerar – ao contrário do que a AT pretende – o reconhecimento de um (novo ou acrescido) ativo sem um grau de certeza relevante, grau de certeza esse absolutamente incompatível com a decorrência de 15 anos sobre o acordo com o Município da ... sem qualquer desenvolvimento quanto ao Direito Gratuito à Participação;

– aquilo que verdadeiramente foi acordado pelas partes foi a cessação de uma sujeição e a renúncia a um direito, ambos de fonte puramente contratual e natureza obrigacional, desfazendo um compromisso cujo cumprimento em termos práticos conduziria certamente a um litígio de sanabilidade incerta, optando a D... por prevenir os gastos que o mencionado litígio inevitavelmente acarretaria, através do pagamento da dita verba de Euros 1.200.000,00;

– ao cabo de 15 anos sem que o Município da ... tenha sequer tentado exercer o seu Direito Gratuito à Participação, é inadmissível invocar a NIC 39 “com as devidas adaptações” para tratar o pagamento em causa como se houvesse um “acordo de recompra” ou semelhante – aliás, com a ficção de se tratar de um encargo já antecipável desde 2005 e apenas não acrescido de imediato ao custo de aquisição por se desconhecer à data o valor;

– o pagamento efetuado pela D... a favor do Município da ... visou a remoção de um risco, como se de um seguro se tratasse;

– ainda que o risco, considerando o histórico, se afigurasse reduzido quanto à probabilidade de verificação, entendeu a D... que a já discutida indefinição quanto ao momento da concretização e à magnitude do valor que poderia representar justificava o esforço financeiro da sua erradicação;

– não tendo a D... incrementado o seu activo consistente na participação detida na PE N..., a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode exigir a capitalização do gasto consubstanciado no pagamento efetuado ao Município da ... .

 

                Afigura-se que é correcta a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Na verdade, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, o artigo 17.º do CIRC estabelece que o lucro tributável é determinado com base na contabilidade (com correcções previstas no Código), que deve «estar organizada de acordo com a normalização contabilística» (n.ºs 1 e 3).

A face da Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística, vigente em 2014, publicada no Diário da República, 2.ª série de 07-09-2009, «tem por base a Estrutura Conceptual do IASB, constante do Anexo 5 das "Observações relativas a certas disposições do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho", publicado pela Comissão Europeia em Novembro de 2003».

De harmonia com o § 92 da Estrutura Conceptual (§ 94 na versão citada pela Autoridade Tributária e Aduaneira) «os gastos são reconhecidos na demonstração de resultados quando tenha surgido uma diminuição dos benefícios económicos futuros relacionados com uma diminuição num ativo ou com um aumento de um passivo e que possam ser mensurados com fiabilidade».

Por outro lado, nos termos dos §§ 87 e 88 da Estrutura Conceptual (§§ 89 e 90 na versão citada pela Autoridade Tributária e Aduaneira) «um activo é reconhecido no balanço quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o activo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade" e «um activo não é reconhecido no balanço quando, relativamente ao dispêndio incorrido, seja considerado improvável que benefícios económicos fluirão para a entidade para além do período contabilístico corrente. Em vez disso, tal transacção resulta no reconhecimento de um gasto na demonstração dos resultados».

No caso em apreço, não se quer se vê que do pagamento da quantia referida à Câmara Municipal da ... possa advir «uma diminuição dos benefícios económicos futuros», pelo que não havia fundamento para o reconhecimento contabilístico de um gasto.

Independentemente da forma legal e do momento em que a efetiva cedência gratuita da participação de 5% à Câmara Municipal da ... viesse a efetivar-se, o certo é que sempre existia um ónus contratual que obrigaria a empresa. Assim, da operação de pagamento efetuada e da consequente titularidade definitiva da participação, sem o ónus que a desvalorizava, era provável que os benefícios económicos futuros viessem a fluir para a empresa, desde logo, no âmbito «das negociações entre os acionistas do grupo B... e um grupo empresarial sediado em Hong Kong, para aquisição do grupo B... por parte deste último» que foram indicadas à Autoridade Tributária e Aduaneira na inspecção à D... como justificação para o pagamento à Câmara Municipal da ... .

Acresce que, sem a libertação do ónus que impendia sobre a empresa, a Câmara Municipal da ... teria direito a prováveis dividendos futuros que seriam recebidos dessa participação. O pagamento da quantia acordada libertou ainda a empresa de tais obrigações futuras. Ora se, de acordo com a normalização contabilística, "os benefícios económicos futuros incorporados num activo são o potencial de contribuir, direta ou indiretamente, para o fluxo de caixa e de seus equivalentes de caixa para a empresa,... (podendo significar) capacidade de reduzir os exfluxos de caixa", então a quantia paga à Câmara Municipal da ... enquadra-se na definição de ativo, pois da aquisição da participação decorrem benefícios futuros na forma de uma redução de saídas esperadas de fluxos caixa.

Se um ativo se reconhece quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o activo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade, tratando-se, no caso presente, de uma valorização que podia ser mensurada com fiabilidade (o valor que foi pago), satisfaz-se a outra condição de reconhecimento contabilístico dessa valorização como activo.

Em face do que antecede, e também de acordo com a normalização aplicável, deve ser tal quantia incorporada no valor do ativo, e não levada a gastos do exercício tendo assim razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao fazer esta correcção por não se tratar de um gasto que devesse ser reconhecido na contabilidade não tendo assim enquadramento no artigo 23,º, n.º 1, do CIRC.

 

               

8. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente prestou garantia bancária para suspender a execução fiscal n.º ...2018..., que foi instaurada para cobrança coerciva da liquidação impugnada no presente processo.

O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

                1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

                2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, os erros subjacentes à liquidação de IRC são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as correcções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada, proporcionalmente ao vencimento que obtém nesta acção arbitral.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

                9. Decisão

 

                 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

a)            Julgar parcialmente procedente quanto às seguintes correcções;

  a relativa à amortização de «terrenos» (ponto 3 deste acórdão) com o valor de € 87.923,31;

– a respeitante a depreciações praticadas para além do período máximo de vida útil (ponto 4 deste acórdão) com o valor de € 12.002,45;

– a relativa à não aceitação dos gastos de financiamento relativos ao ano de 2014 (ponto 6 deste acórdão), no valor de € 9.566.235,00;

b)           Julgar parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral quando as seguintes correcções:

– não aceitação dos gastos de financiamento relativos ao ano de 2013 (ponto 5 deste acórdão) no valor de € 11.032.530,23;

– não dedutibilidade de gasto fiscal registado como indemnização (ponto 7 deste acórdão), no valor de € 1,200.000;

c)            Anular parcialmente a liquidação de IRC 2018... e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018... e n.º 2018..., na parte em que têm subjacentes correcções referidas na alínea a) supra;

d)           Absolver a Administração Aduaneira do pedido de anulação das referidas liquidações na parte em que têm subjacentes as correcções referidas na alínea b) supra;

e)           Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida, na proporção em que a Requerente obtém vencimento.

 

 

10. Valor do processo

Assim, de harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 5.718.745,66.

 

Lisboa, 19-09-2019

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(António Martins)

(com declaração de voto)

 

(Carla Castelo Trindade)

 

 

 

Declaração de voto

 

Pese embora a elevada consideração pelos Exmos. Senhores Árbitros que a subscreveram, não acompanho a posição que fez vencimento quanto à questão do reporte ao lucro tributável do grupo, em 2014, dos encargos financeiros não deduzidos por sociedades que já o integravam em 2013, e respetiva aplicação do artigo 67, nº 5, do CIRC.

 

Os dois pontos centrais desta divergência centram-se nas seguintes posições, que a seguir se transcrevem, constantes do Acórdão:

 

a)"No caso de consideração de gastos de financiamento líquidos não dedutíveis em 2013 na determinação do lucro tributável de períodos de tributação posteriores, está-se perante efeitos de factos ocorridos em 2013, pelo que esses efeitos são definidos pela lei vigente no momento em que ocorreram, só se aplicando o novo regime a factos tributários ocorridos a partir de 01-01-2014."

 

b) "Esta intenção de restrição progressiva dos gastos de financiamento é reafirmada em termos idênticos pelo n.º 7 do artigo 12.º da Lei n. 2/2014, ao estabelecer que «nos períodos de tributação iniciados entre 2014 e 2017, o limite referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do Código do IRC, (...) é de 60 % em 2014, 50 % em 2015, 40 % em 2016 e 30 % em 2017» (...) Assim, estaria ao arrepio desta intenção legislativa expressa, reiterada e perdurável a interpretação defendida pela Requerente, que se reconduz a uma ampliação das possibilidades de relevância fiscal de gastos de financiamento, decorrentes de uma opção do sujeito passivo, para mais formulada a posteriori....."

 

São as seguintes as razões da divergência.

 

1. Facto tributário e efeitos de um facto tributário

 

O artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro de 2014, ao dispor  que “a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.” não faz mais, quanto ao relevo dos factos tributários, do que reiterar o que decorreria da lei geral, designadamente do artigo 12.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. Neste preceito se estabelece que “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.”; e, ainda do que resultaria da própria proibição constitucional de tributação retroativa, que consta do art. 103º da CRP.

 

A definição de facto tributário parece-me bastante consensual na doutrina e na jurisprudência. Trata-se do conjunto de pressupostos cuja verificação é suficiente para produzir, de forma causal, o nascimento da obrigação tributária. Pode integrar um ou mais eventos de natureza jurídica ou económica, e inclui uma dimensão temporal (podendo assumir natureza instantânea, quando se esgota ao fim de algum tempo; ou periódica, se tende para se repetir ao longo do tempo).   Esta perspetiva adequa-se ao  equilíbrio entre o princípio da tutela da confiança que merecem os direitos adquiridos e as expetativas legítimas (devendo os factos já “perfeitos”  ser salvaguardados) e a preservação de uma certa margem de atuação jurídico-económica do Estado no ajustamento do sistema tributário, para viabilizar a prossecução das suas tarefas sociais e outras.

 

Ora deste brevíssimo excurso decorre uma questão que, neste caso, reputo de essencial: pode o legislador modelar os efeitos futuros de um facto tributário? Ou seja, perante um facto cujos efeitos perdurem no tempo, como se verifica na situação em causa, é vedada a modelação futura dos efeitos (ainda "vivos" ou em curso) de tal facto?  Julgo que tal impedimento não é absoluto, sendo concetualmente e praticamente possível. E, como adiante desenvolverei, foi isso que sucedeu aquando da introdução do artigo 67, nº 5, do CIRC, em 2014.

 

2. A modelação futura dos efeitos de factos tributário

 

2.1 Em tese geral, face aos comandos constitucionais

 

De entre as várias fontes que se poderiam citar sobre a análise da questão da retroatividade da lei fiscal, cite-se o que se escreveu no Processo 570-2016-T, decidido no CAAD. Com efeito, nele se desenvolve a seguinte posição, que creio representar a perspetiva dominante na doutrina e na jurisprudência (subl. meu):

 

"A retroatividade de primeiro grau (perfeita ou própria), verifica-se quando o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga no momento em que a nova lei entra em vigor (TC, acórdão nº 128/2009; TC acórdão nº 85/2010; STA, 14-02-2013, proc. nº 1375/12).

A retroatividade de segundo grau (imperfeita ou imprópria) ocorrerá quando o facto tributário que a lei nova pretende regular ocorreu, na sua totalidade, ie se consolidou, sob a vigência da lei antiga, mas os seus efeitos fiscais se produzem ou continuam a produzir-se no domínio da lei nova (STA, 14-02-2013, proc. nº 1375/12).

A retroatividade de terceiro grau tem lugar quando está em causa um facto tributário de formação sucessiva ou continuada e que não se formou completamente na vigência da lei antiga, mas continua a formar-se na vigência da lei nova (TC acórdão n.º 128/2009, TC acórdão nº 85/2010 e TC acórdão nº 399/2010).

O Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento de que a proibição da retroatividade fiscal apenas atinge a retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente (TC acórdão nº 617/202; TC acórdão n.º 128/2009; TC acórdão 85/2010)."

 

Como decorre desta leitura da norma constitucional, apenas nos casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, haverá proibição de retroatividade. Ora, como se refere no Acórdão, em certas situações é atribuída a factos ocorridos em determinados períodos relevância para o apuramento do lucro tributável de períodos posteriores, como sucede no caso dos encargos de financiamento. Tal significa, salvo melhor juízo, que os seus efeitos ainda se não esgotaram.

 

2.2 Na Lei 2/2014: um exemplo

 

Na Lei 2/2014, que tem para o caso em apreço importância central, estabelece-se, nas normas transitórias, no respetivo art. 12º, nº 6. que:

 

"Artigo 12.º - Disposições finais e transitórias

       6 - O disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC é aplicável à dedução, aos lucros tributáveis dos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, dos prejuízos fiscais apurados em períodos de tributação anteriores a 1 de janeiro de 2014, ou em curso nesta data."

 

É visível que legislador entendeu que a nova redação do artigo 52, nº 2, do CIRC - reduzindo a percentagem de dedução por via do reporte de prejuízos - se aplicaria não só a prejuízos ocorridos após 2014, mas que também se aplicaria aos efeitos (reporte) de factos tributários (prejuízos) já verificados em períodos de tributação anteriores.

Pode argumentar-se que não existe norma transitória equivalente para a questão que aqui se decide quanto aos encargos financeiros de 2013 e isso invalidaria a posição que aqui desenvolvo. Não o entendo assim. Vejamos.

 

2.3 A questão em análise: o art. 67, nº 5, b) do CIRC como regra de delimitação de efeitos do facto de 2013, quando aplicável a gastos financeiros reportáveis relativos a entidades integradas em grupos de sociedades antes de 2014

 

No caso concreto, a norma em epígrafe traduz-se na aplicação ao lucro tributável gerado no período de tributação de 2014 do disposto no n.º 5 do artigo 67.º na redação introduzida pela Lei 2/2014, e em particular das suas alíneas a) e b), que rezam:

 

“Nos casos em que exista um grupo de sociedades sujeito ao regime especial previsto no artigo 69.º, a sociedade dominante pode optar, para efeitos da determinação do lucro tributável do grupo, pela aplicação do disposto no presente artigo aos gastos de financiamento líquidos do grupo nos seguintes termos:

 

a)            O limite para a dedutibilidade ao lucro tributável do grupo corresponde ao valor previsto na alínea a) do n.º 1, independentemente do número de sociedades pertencentes ao grupo ou, quando superior, ao previsto na alínea b) do mesmo número, calculado com base na soma algébrica dos resultados antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos apurados nos termos deste artigo pelas sociedades que o compõem;

b)           Os gastos de financiamento líquidos de sociedades do grupo relativos aos períodos de tributação anteriores à aplicação do regime e ainda não deduzidos apenas podem ser considerados, nos termos do n.º 2, até ao limite previsto no n.º 1 correspondente à sociedade a que respeitem, calculado individualmente;

 

O legislador, ao estabelecer como restrição que “Os gastos de financiamento líquidos de sociedades do grupo relativos aos períodos de tributação anteriores à aplicação do regime e ainda não deduzidos apenas podem ser considerados, nos termos do n.º 2, até ao limite previsto no n.º 1 correspondente à sociedade a que respeitem, calculado individualmente”, pretendeu consagrar a possibilidade de recuperação  dos efeitos de factos anteriores, desde que a sociedade no domínio em que esse factos ocorreram estivesse já no âmbito da aplicação do RETGS. O que adiante (ponto 3) refiro sobre a razão de ser da norma enquanto regra que põe termo a uma fragilidade ou imperfeição da redação original da lei (em 2013) vai nesse sentido.

 

Da citada alínea b) resulta que os efeitos dos gastos de financiamento de 2013 (reporte de gastos ainda não deduzidos, como se afirma expressamente) por sociedades que integrem um grupo foram aqui modelados, possibilitando o seu reporte para o contexto da aplicação das novas regras de cálculo do limite de dedução de encargos financeiros.

A restrição referente a gastos de financiamento incorridos por sociedades em períodos antes da aplicação RETGS não tem a mesma natureza da restrição que emerge das mudanças do cálculo do limite do artigo 67º do CIRC:  o termo "regime" só pode significar o RETGS e não a nova forma ou solução de cálculo do limite. 

 

Ao legislador não estaria vedado modelar os efeitos futuros dos factos de 2013 que, todavia, continuam a ser fiscalmente relevantes em períodos posteriores, desde que a sociedade em questão estivesse já integrada num grupo. É isso que extraio do conteúdo do art.º 67, nº 5, b).  Diferentemente da posição que no Acórdão fez vencimento, a qual expressa que as condições do reporte para períodos futuros do excesso de encargos apurado no ano de 2013 ficam definitivamente fixadas pelo quadro normativo vigente nesse ano, entendo que o facto tributário não produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, e não estaria por isso impedido de ter impacto fiscal subsequente segundo regras entretanto alteradas.

 

A leitura constitucional das normas fiscais não impede, em meu entender, esta perspetiva. Além disso, a base doutrinal que se usa no Acórdão (Batista Machado) assume uma posição que não é unânime na aplicação à lei fiscal. Casalta Nabais  afirma que a retroatividade terá de ser vista de modo diverso consoante seja favorável ou desfavorável aos contribuintes, e que o primeiro tipo de retroatividade mereceria um acolhimento distinto do último.  Também Jorge Bacelar Gouveia  sustenta que só quando põe em causa o caso julgado é que a retroatividade favorável ao contribuinte será de afastar.

 Em suma, doutrinal e jurisprudencialmente jugo que questão não será assim tão determinística; pelo que, mesmo na ausência de norma especial, não estaria vedada a interpretação que aqui defendo do texto legal que passou a constar do art. 67, nº 5, do CIRC.

 

Pode, é certo, suscitar-se a questão no sentido de averiguar se o que sustento nesta declaração de voto constituirá uma posição demasiado flexibilizadora e facultando, como se infere do texto do Acórdão, um meio de planificação fiscal, porventura demasiado lato ou excessivamente generoso, ao grupo e respetivas sociedades.

 

Não o julgo assim, pois não só a modelação efetuada pelo legislador relativamente aos efeitos futuros pode ser mais restritiva (como sucedeu precisamente com o art. 12º, nº 6, da Lei 2/2014 que acima cito), como, conforme a seguir mostrarei, a razão de ser da norma em causa (art. 67, nº 5, e sua aplicação a grupos de sociedades) assentou precisamente, em contraponto ao que se enuncia  no Acórdão, numa lógica de flexibilização e de permitir aos grupos beneficiando do RETGS usar, para os encargos financeiros, uma gestão económica e fiscal  integrada deste tipo de gastos. Entendo assim que se podem enquadrar nesta perspetiva os efeitos do reporte de gastos financeiros incorridos em 2013 quando as sociedades integravam já um grupo fiscal.

 

3. A razão de ser da Lei: nota sobre o artigo 67º, CIRC, em especial do seu nº 5. Uma intenção de flexibilização e não de restrição

 

3.1 A solução portuguesa em confronto com as tendências europeias de restrição à dedução de encargos financeiros

 

A génese da limitação geral à dedução de gastos financeiros, com os contornos hoje consagrados legalmente, tem, como se sabe, origem na decisão do governo alemão, após a decisão do TJUE sobre o conhecido caso Lankhorst-Hohorst. Em 2007 foi aí criado o quadro de limitação à dedutibilidade de gastos financeiros que se veio a propagar.

 

Ora, nesse quadro original, a percentagem de 30% foi desde logo aplicada.   Tal significa que a opção do legislador português, em 2013 e 2014, de manter uma redução  faseada, durante 5 anos,   de 70% para 30%, é, no confronto com as soluções internacionais (v.g., Alemanha, Finlândia) bastante mais flexível, procurando facultar às empresas um prazo não despiciendo de adaptação das suas estruturas de financiamento, em especial reduzindo o endividamento. Onde o Acórdão enfatiza uma perspetiva claramente restritiva, encontro, ao invés, uma lógica de gradualismo e precaução quanto aos efeitos fiscais no mundo empresarial da implementação da limitação à aceitação dos gastos financeiros.

 

Adicionalmente, no quadro do regime inspirador (alemão) ficaram desde logo, em 2007, consagradas regras especiais para grupos de sociedades, como sejam cláusulas de salvaguarda que retiravam da alçada do regime da limitação as sociedades de um grupo que cumprissem certos indicadores de equilíbrio financeiro (v.g., o quociente entre capital próprio e ativo). Ou seja, excluía as empresas adequadamente capitalizadas, não as sujeitando, em certas condições, às novas regras da limitação à dedução de juros.

 

Assim, a solução portuguesa, de 2014, mais não fez do que corrigir uma lacuna óbvia: a falta de estatuição, em 2013, de uma solução que levasse em conta a realidade "grupo económico", como se fez na versão original dos regimes alemão e espanhol, para só referir estes.

 

Em suma, a norma (art. 67, nº 5), quando vista à luz do direito comparado, tem um propósito intencional: o de criar uma opção de aplicação da norma aos grupos nacionais que fosse alinhada com as soluções semelhantes vigentes em parceiros na União Europeia. Se um dos objetivos da reforma do IRC, que se traduziu na Lei 2/2014, foi expressamente fomentar a competitividade internacional do sistema fiscal e da economia em geral , entende-se que se tenha consagrado esta solução aplicável aos grupos e que não configura uma solução restritiva.

 

3.2 A razão se ser da introdução da opção pelo regime de grupos na norma de limitação à dedutibilidade de gastos financeiros: lógica económico-fiscal

 

O relatório da Comissão de Reforma do IRC refere, a p. 159, o seguinte:

 

"A Comissão pretende aperfeiçoar a regra de limitação da dedutibilidade de encargos financeiros constante do artigo 67.º do Código do IRC, com vista a desencorajar comportamentos de substituição e reorganizações motivadas exclusivamente pela necessidade de adaptar a realidade empresarial às suas diretrizes."

 

A opção legislativa de introduzir uma modalidade aplicável a grupos, decorrente da convicção da Comissão, acima expressa, visou evitar que o regime previsto em 2013 – dedução de gastos financeiros líquidos (GFL) apenas ao nível das sociedades individualmente consideradas – penalizasse grupos nos quais existisse divergência assinalável entre EBITDAs e encargos financeiros. O quadro 1 ilustra esta hipotética situação de divergência.  Suponha-se um grupo fiscal constituído, em 2013, pelas sociedades A e B. Admita-se que os respetivos EBITDAs individuais são os que constam do quadro e que o EBITDA fiscal do é dado pela simples soma dos EBTDAs individuais.

 

Quadro 1

EBITDA e dedução de encargos financeiros no âmbito de um grupo (M de euro)

Sociedades        A             B

EBITDA 1000      100

Enc. Financeiros               50           100

 

A dita sociedade A apresenta um EBITDA que permitiria uma maior quantia dedutível face aos GFL contabilizados. Já a sociedade B evidencia um EBITDA que não permite deduzir o montante total de juros suportados.

Na solução de dedutibilidade dos gastos ao nível da empresa individualmente considerada, o total de deduções viria – considerando, por hipótese, 30% do EBITDA como limite do artigo 67, nº 1:

Empresa A: 50

Empresa B: 30

O total de deduções no âmbito das duas empresas do grupo seria de 80. Porém, supondo em vigor em 2013 a opção fiscal prevista para os grupos, tal dedução elevar-se-ia a 0,3*1100= 330, o que permitia deduzir a totalidade dos GFL suportados pelas duas sociedades, pois não ultrapassam 150. A não ser criada a opção aplicável a grupos, haveria provavelmente realocação de dívida de B para A, face ao EBITDA desta última entidade (“comportamento de substituição”), ou até uma fusão de A com B (“reorganização”).

A opção introduzida pelo artigo 67º, nº 5, pretendeu evitar que, nos grupos, se verificassem processos de reafetação de dívida às sociedades que apresentem elevados EBITDAs. E, mesmo assim, as vantagens de tal “deslocação” de endividamento seriam problemáticas, em face da eventual variabilidade do EBITDA e da recorrente necessidade dessa reafectação.

 

Como fundamento adicional, procurou-se ainda manter a possibilidade de uma sociedade ser o veículo financeiro do grupo pois, com a opção consagrada, a dedutibilidade dos juros desta entidade não depende do seu EBITDA, mas do EBITDA do grupo.

 

3.3 Da natureza da norma. A qualificação recente do art. 67, nº 5, do CIRC

 

A enumeração e apreciação dos Benefícios Fiscais em Portugal foi muito recentemente efetuada por um Grupo de Trabalho nomeado âmbito do Ministério das Finanças e publicada em Relatório datado de Maio de 2019 .

 

Nesse Relatório, a p. 68, qualifica-se a opção constante do artigo 67, nº 5, do CIRC, como benefício fiscal. Se assim for, então quem o usa não esta abusar da norma e sim, apenas, a usufruir os efeitos pretendidos com a respetiva criação. Também esta qualificação confere à regra aqui em apreço (art. 67, nº 5) uma natureza não essencialmente restritiva.

 

As designadas "opções ou alternativas fiscais" expressamente estabelecidas na lei são, na perspetiva da doutrina e da jurisprudência, mecanismos tributários de utilização desejável, cuja aplicação não confere qualquer vantagem censurável; antes sendo instituídas para facultar mecanismos de gestão fiscal queridos pelo legislador.  No caso vertente as razões de tal opção estão anteriormente desenvolvidas.

 

Por fim, o Acórdão refere que a opção da Requerente, tomada em 2014, de aplicar o art. 67, nº 5, foi efetuada conhecendo já os encargos financeiros, o que permitiria uma gestão conveniente da mencionada opção. Deve sublinhar-se que a natureza dos gastos em apreço retira, em larga medida, impacto ao momento temporal da opção. Os encargos financeiros da dívida (juros, numa aceção mais corrente) dependem de três variáveis: montante em dívida, taxa de juro e tempo decorrido. Assim, seja em março, junho ou novembro, a previsão dos juros pagar é feita com elevado grau de previsibilidade, o que, em meu entender, não confere ao timing da opção uma influência decisiva, num aproveitamento além do razoável, da opção legislativa consagrada.

 

Eis, em suma, as razões da minha divergência.

 

O Árbitro

 

António Martins