Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 175/2021-T
Data da decisão: 2021-12-14  IVA  
Valor do pedido: € 2.330.024,20
Tema: IVA – prazos do exercício do direito à regularização.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Acordam os Árbitros José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Raquel Franco e Filipa Barros (Árbitras Adjuntas), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar Tribunal Arbitral Coletivo na seguinte decisão arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 25 de março de 2021, A..., S.A., (Sucursal em Portugal) com número de identificação fiscal..., matriculada na conservatória do registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, e sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-..., Lisboa, doravante designada por Requerente, solicitou a constituição do Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos dos artigos 2.º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT);
  2. O presente pedido tem por objeto a declaração de ilegalidade do indeferimento expresso do recurso hierárquico n.º ...2018..., aduzido contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa (Processo n.º ...2018...), apresentada contra 7 (sete) liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), 19 (dezanove) demonstrações de liquidação de IVA, 19 (dezanove) demonstrações de acerto de contas de IVA, 19 (dezanove) demonstrações de liquidação de juros de IVA e 19 (dezanove) demonstrações de acertos de contas de juros, no valor total de € 2.055.682,08 (dois milhões e cinquenta e cinco mil e seiscentos e oitenta e dois e oito cêntimos) de imposto e respetivos juros compensatórios, no valor total de € 274.342,12 (duzentos e setenta e quatro mil trezentos e quarenta e dois euros e doze cêntimos);
  3. As liquidações adicionais de IVA, e respetivos juros compensatórios, reportam-se ao período compreendido entre janeiro de 2014 e dezembro de 2015 (doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, doravante PPA);
  4. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o presente coletivo, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.
  5. O Tribunal Arbitral foi constituído no dia 01 de junho de 2021, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação do Tribunal Arbitral que se encontra junta aos presentes autos.
  6. A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 5 de julho de 2021, defendendo-se por impugnação.
  7. Em 3 de setembro de 2021, a Requerente apresentou um requerimento, pronunciando-se ao abrigo do princípio do contraditório, relativamente ao esclarecimento de factos constantes da resposta da Requerida.   
  8. Atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de exceção sobre a qual as partes carecessem de se pronunciar antecipadamente, e que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis ao abrigo do disposto nas alíneas c) e e) do artigo 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
  9. Por despacho de 09 de outubro de 2021, o Tribunal decidiu determinar o prosseguimento do processo para alegações escritas de facto e de direito, a apresentar pelas partes no prazo simultâneo de vinte dias.
  10. Adicionalmente, o Tribunal indicou o dia 29 de novembro de 2021 como data previsível para a prolação da decisão arbitral, devendo até essa data a Requerente pagar a taxa de arbitragem subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
  11. No dia 02 de novembro de 2021, a Requerente apresentou alegações escritas de facto e de direito.
  12. Seguidamente, no dia 04 de novembro de 2021, a Requerida apresentou as suas contra-alegações.
  13. Por despacho proferido em 28-11-2021 e pelas razões aí invocadas, foi prorrogado, nos termos do artigo 21º-1 e 2, do RJAT, o prazo para prolação e notificação da decisão arbitral final.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

  1. A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IVA, referentes ao período compreendido entre janeiro de 2014 e dezembro 2015, e respetivos juros compensatórios, no seguinte:

 

  1. A Requerente é uma sucursal em Portugal da sociedade “B..., SA.”, sedeada em Espanha, cuja atividade consiste no comércio por grosso de chocolate e produtos de confeitaria.
  2. No decurso dos anos 2012 e 2013, no âmbito da sua atividade, procedeu à emissão de notas de crédito tendo em vista suportar (i) “descontos contratuais celebrados com clientes” – situações em que a Requerente, em momento posterior à faturação de vendas, emite notas de crédito relativas aos descontos atribuídos aos seus clientes, os quais variam em função da sua natureza, dimensão, quantidades e outras situações específicas do modelo de negócio desenvolvido; (ii) “devolução de mercadorias” – situações em que a Requerente emite notas de crédito (anulando ou corrigindo parcialmente faturas anteriormente emitidas) quando procede à recolha de unidades dos seus produtos que se encontram nos retalhistas, de modo a garantir que nenhum produto seja vendido após ultrapassado o prazo de validade, nem fora da estação do ano em que deve ser comercializado – tal como acordado nos contratos celebrados entre a Requerente e os seus clientes; (iii) “diferenças detetadas nas quantidades de stocks” – Por vezes, são detetadas diferenças entre o inventário físico e o inventário contabilístico, pelo que, sempre que o inventário físico tem mais quantidade que o contabilístico, a Requerente emite notas de crédito com o mero intuito de acertar as quantidades (sem que haja qualquer movimento físico dos bens); (iv) “anulação de faturas” – estas situações podem estar relacionadas com três realidades: − A fatura que titula a operação foi emitida (erradamente) em duplicado, pelo que é emitida uma nota de crédito a anular essa fatura duplicada; − Foi emitida (erradamente) uma fatura, mas os produtos não foram efetivamente entregues ao cliente, sendo então emitida uma nota de crédito tendo em vista cancelar essa fatura; e − Quando o cliente deteta que existem diferenças entre as quantidades ou o tipo de produto descritos nas faturas e os produtos/quantidades entregues, a Requerente emite uma nota de crédito para corrigir a situação.
  3. Neste contexto, a Requerente regularizou a seu favor o IVA constante das notas de crédito por si emitidas aos seus clientes posteriormente à obtenção de prova de que estes tomaram conhecimento da retificação ou de que foram reembolsados do imposto. Tendo em seu poder a referida prova, a Requerente registou IVA regularizado a seu favor no campo 40 da Declaração Periódica.
  4. A propósito de um procedimento de inspeção externa de âmbito parcial, que incidiu sobre os anos de 2014 e 2015, e com base nos ficheiros disponibilizados pela Requerente, a AT propôs um conjunto de correções em sede de IVA, incidente sobre todas as operações reportadas no campo 40 das Declarações Periódicas do período em análise, tendo a Requerente aceite as correções que diziam respeito aos casos em que não tinha na sua posse a prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação, bem como as correções relativas às diferenças de stocks.
  5. No demais, a Requerente considerou que as correções efetuadas pela AT padecem de ilegalidade, respetivamente no que toca às notas de crédito referentes aos “descontos contratuais celebrados com os clientes”, a “devoluções de mercadorias”, e à “anulação de faturas”;
  6. Quanto aos “descontos contratuais celebrados com os clientes” e “devoluções de mercadorias”, a Requerente não pode conformar-se com a interpretação conferida aos n.ºs 2 e 5 do artigo 78.º do Código do IVA, em concreto, no que se refere ao prazo que os sujeitos passivos dispõem para efetuar a regularização a seu favor do IVA anteriormente liquidado;
  7. A Requerente refere que, para todas as situações em análise, possui a prova específica, exigida por lei, de que o adquirente dos bens tomou conhecimento das correções efetuadas, conforme exigido pelo n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA, facto este reconhecido pela AT;
  8. No entanto, entende a Requerente que não resulta da lei que os sujeitos passivos têm de obter a prova mencionada no prazo previsto no n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA, defendendo uma interpretação conjunta dos dois normativos legais no sentido em que o direito à regularização do imposto a favor do sujeito passivo mencionado em notas de crédito apenas nasce após o cumprimento do requisito previsto para o efeito, - i.e. a obtenção da referida prova. Assim, o prazo para a regularização do imposto só pode ser contado a partir da data de obtenção da prova por parte do adquirente.
  9. Entende que aceitar a tese da AT levaria à possibilidade de ocorrência de situações em que o prazo para o exercício do direito à regularização do IVA caducava ainda antes de esse direito se constituir na esfera do contribuinte. Ora, argumenta a Requerente que, nesse caso, o sujeito passivo não poderia regularizar o imposto nem antes de serem cumpridos os requisitos necessários (o que se aceita), mas também não poderia regularizar o imposto depois, uma vez que, de acordo com a interpretação da AT o prazo para o exercício do direito teria caducado.
  10. Tal interpretação seria, segundo a Requerente, contrária aos princípios constitucionais da proporcionalidade, violando ainda o princípio da equivalência e da neutralidade;
  11. Acresce que uma tal exigência estaria completamente desadequada face ao quotidiano das empresas portuguesas, uma vez que não é razoável exigir, no limite, que um sujeito passivo consiga obter uma ação por parte dos seus clientes no prazo de pouco mais de um mês, porquanto tal interpretação resulta no estabelecimento de um prazo muito restritivo para a regularização do IVA.
  12. Por conseguinte, segundo entende a Requerente, um prazo de retificação de 2 anos não compromete o princípio da segurança jurídica e a necessidade de decorrido um período razoável, as situações jurídicas estabilizarem e se consolidarem;
  13. Neste âmbito, a Requerente opõe-se à posição da AT baseada na jurisprudência do Tribunal Central Administrativo (TCA) do Sul, segundo a qual, “o exercício da regularização que deve ocorrer até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinam a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável, não cabendo a invocação das normas referentes ao exercício do direito à dedução do imposto suportado “.  
  14. A Requerente entende que a jurisprudência do TCA se encontra viciada por erros manifestos, pois quer a regularização do imposto, quer o direito à dedução conduzem à aplicação do princípio da neutralidade fiscal, sendo que, no caso em apreço, a Requerente defende que a regularização deve poder ocorrer no prazo de 2 anos, contado a partir do momento da confirmação da nota de crédito e não da emissão da mesma, sendo esse um prazo razoável.
  15. Defende que, no caso, se verificou uma situação de erro material, pois estando cumpridos todos os requisitos que lhe permitiam regularizar o IVA a seu favor, por lapso, não transcreveu essa informação para os registos contabilísticos e, consequentemente, para a declarações periódicas.
  16. Por conseguinte, reconhece que laborou em erro, pois nalgumas situações, apesar de ter obtido prova junto do cliente dentro do prazo previsto no número 2, do artigo 78.º do Código do IVA, apenas concretizou a retificação do IVA na declaração periódica nos períodos de imposto posteriores, mas sempre no prazo máximo de 2 anos, nos termos do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA.
  17. Defende que uma interpretação conforme ao direito comunitário, designadamente aos princípios da efetividade, proporcionalidade e equivalência, conduz ao entendimento de que mesmo ultrapassado o prazo previsto no n.º 2 artigo 78.º do Código do IVA, os sujeitos passivos podem regularizar o imposto a seu favor, pelo menos, no prazo de 2 anos, desde que se encontre previamente reunida a prova documental exigida por lei;
  18. Acrescenta que a obtenção do comprovativo mencionado no n.º 5 do Código do IVA deverá ser considerado um elemento constitutivo do direito à regularização do imposto a favor do sujeito passivo mencionado em notas de crédito. De outra forma, o direito à regularização existiria num plano meramente teórico, estando vedado em todos os casos que as empresas não conseguissem obter a prova da tomada de conhecimento por parte dos seus clientes no final do período seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinaram a redução do valor tributável (ou seja, em pouco mais de um mês).    
  19. Assim, conclui a Requerente que admitir apenas o direito à regularização do IVA num prazo tão curto como o que defende a AT, e não aceitar a possibilidade de correção de erros materiais ou declarativos, por parte do sujeito passivo, seria uma medida desproporcional e desadequada à tutela do princípio da segurança jurídica, salientado que, no caso em apreço, nunca existiu qualquer risco para o Estado ou esteve em causa uma situação de fraude fiscal na medida em que a Requerente obteve sempre a prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação;
  20. No que respeita à anulação de faturas, a Requerente explica que estão em causa situações em que as faturas foram emitidas erradamente (em duplicado nuns casos, sem que os produtos tenham sido efetivamente entregues ao cliente noutros casos, ou ainda quando o cliente deteta que existem diferenças entre as quantidades ou o tipo de produto descritos nas faturas e os produtos ou quantidades entregues), sendo que a Requerente emite a nota de crédito para corrigir a situação de erro;
  21. A Requerente defende que não se aplica o previsto no n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA, pois estamos perante simples anulações de faturas e não de operações. Não estão em causa devoluções de mercadorias ou descontos realizados após o registo das operações. Por conseguinte, o prazo para a correção dos erros será de pelo menos 2 anos (n.ºs 3 e 6 do artigo 78.º do Código do IVA) nas situações de correção de faturas inexatas e de erros materiais ou de cálculo no registo, sendo de 4 anos nas outras situações, (erros de direito, que não estão em causa nos autos);
  22. Em qualquer das mencionadas situações, a Requerente procedeu à correção das faturas dentro do prazo de 2 anos e, por conseguinte, a regularização do IVA foi efetuada nos termos das Lei.       
  23. Conclui, pedindo a anulação parcial dos atos de liquidação de IVA no valor de € 2.055.682,08, e de juros compensatórios, em virtude da ilegalidade das liquidações emitidas em sede de IVA, sub judice, com fundamento em erro na qualificação do facto tributário e violação de lei e, ainda, a condenação da AT no pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia.

III. Na sua Resposta, a Requerida invocou, em síntese, o seguinte:

 

  1. Apesar de a Requerente ter demonstrado de forma fidedigna a comprovação de todas as notas de crédito por parte dos clientes, nem sempre procedeu à regularização do IVA no período seguinte à receção da confirmação da nota de crédito por parte do cliente;
  2. A Requerida reconhece que a regularização do IVA efetuada pela Requerente nunca ocorreu para além do período de 2 anos, contudo entende ainda assim que foi feita fora do prazo estipulado na lei, pois o prazo para a regularização do IVA aplicável às operações encontra-se definido no número 2 do artigo 78.º do Código do IVA, sendo este o final do período seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinaram a redução do valor tributável;
  3. Para este efeito, a Requerida remete para vários exemplos constantes do RIT, os quais comprovam que no âmbito das regularizações de IVA de “descontos contratuais celebrados com os clientes” e de “devoluções de mercadorias”, apesar de ter sido obtida prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação, a Requerente não procedeu à regularização do IVA até ao final do período de imposto seguinte “àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável”, violando assim o disposto no número 2 do artigo 78.º do Código do IVA;
  4. Defende a Requerida que a referida norma configura uma “regra geral aplicável aos casos em que ocorrem reduções ou anulações da base de incidência das operações tributáveis já faturadas e contabilisticamente registadas, que se consubstancia na possibilidade legalmente conferida ao fornecedor de bens ou prestador de serviços de retificar o imposto anteriormente liquidado a mais, podendo fazê-lo até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinam a anulação ou redução da liquidação do imposto”.
  5. Por outro lado, nota que tais regularizações não constituem uma obrigatoriedade, antes assumindo uma mera faculdade concedida aos sujeitos passivos, sendo certo que o exercício pleno dessa prorrogativa se encontra condicionado pela condição imposta pelo n.º 5 do mesmo artigo, ou seja, o transmitente que exerce essa opção deve obrigatoriamente ter em sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da redução para menos ou de que foi reembolsado do imposto.  
  6. Por seu turno, a par da regularização de IVA efetuada a favor do sujeito passivo, nos casos em que o adquirente já tenha procedido ao registo contabilístico este fica por sua vez obrigado a corrigir a dedução inicialmente efetuada, procedendo à regularização a favor do Estado do correspondente montante de imposto até ao fim do período seguinte ao da receção do documento retificativo, nos termos do n.º 4 do artigo 78.º. Por conseguinte, defende a Requerida que é a articulação entre estes três preceitos legais que salvaguardam o respeito pelo princípio da neutralidade em que assenta o funcionamento do IVA.
  7. A ser de aceitar, por mera hipótese académica, a tese da Requerente, os prazos de regularização do imposto seriam potencialmente intermináveis, bastando que os clientes da Requerente só enviassem o comprovativo da tomada de conhecimento anos após a emissão das notas de crédito;   
  8. Por outro lado, a Requerida entende que a norma do artigo 78.º n.º 6 do Código do IVA que estabelece o prazo de dois anos - “para a correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos” – não pode ser aplicável à Requerente, ao contrário da tese por esta defendida.
  9. Entende que os pressupostos para o exercício desse direito são: (i) tratar-se de um erro interno da empresa que não tenha interferência na esfera de terceiros, e (ii) estar-se perante um erro material “isto é quando se pretendia inscrever um determinado montante e por descuido ou lapso se inscreveu um montante diferente, o que nos termos expostos não foi o caso. A A... não registou determinadas operações porque não aplicou corretamente o artigo 78.º”.
  10. Acrescenta que o disposto no artigo 78.º n.º 2 e n.º 5, no que respeita ao prazo de regularização, é aplicável quer no caso de ser a Requerente a emitir notas de crédito que envia ao cliente, quer no caso em que é o cliente a emitir uma nota de débito e concordando com o valor a Requerente procede à anulação da nota de crédito.       
  11. Refere ainda que, permitir à Requerente proceder à correção da liquidação do imposto nos termos peticionados, aplicando o prazo previsto no artigo 78.º n.º 6, constituiria uma violação do princípio da neutralidade, na medida em que lhe seria permitido regularizar o imposto em condições, nas quais, aos demais sujeitos passivos de imposto, tem vindo a ser negado, designadamente na sequência de um acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo, criando-se assim distorções no mercado, em virtude da aplicação das regras do IVA.
  12. No que diz respeito à anulação de faturas relativas a operações que não chegaram a ocorrer, defende a AT que se trata da anulação de operações e não da correção de faturas, considerando igualmente aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA, e não o disposto no n.º 3 do mesmo preceito. 
  13. Conclui a Requerida que não assiste razão a Requerente sendo legais as correções efetuadas pela Inspeção Tributária, devendo, em consequência improceder o pedido de pronúncia arbitral.

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de pronúncia arbitral e alegações da Requerente, Resposta e contra-alegações da Requerida), o processo administrativo instrutor e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente foi constituída a 20 de setembro de 1991, sendo uma sucursal em Portugal da sociedade “B..., SA.”, sedeada em Espanha, cuja atividade consiste no comércio por grosso de chocolate e produtos de confeitaria; - (cf. Processo Administrativo (doravante PA)).
  2. Para efeitos de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA, praticando operações que conferem direito à dedução;
  3. A Requerente foi objeto de procedimento de inspeção externa de âmbito parcial, dirigido à análise do IVA ao exercício fiscal de 2014 e 2015, realizado ao abrigo das Ordens de Serviço OI 2017... e OI 2017..., emitidas pela Direção de Finanças de Lisboa a 26.04.2017, do qual resultaram as correções efetuadas em sede de IVA pelo montante global € 2.330.376,51 dos quais € 2.056.034,39 são relativos a regularizações a seu favor referentes a descontos contratuais, devoluções de mercadorias, diferenças de stocks e anulação de faturas, sendo € 274.342,12, referentes a juros compensatórios, os quais vieram a dar lugar às liquidações adicionais objeto do presente pedido; - (cf. PA).
  4.    As liquidações adicionais de que a Requerente foi alvo, decorreram da constatação, em sede inspetiva, que nos exercícios de 2014 e 2015, efetuou regularizações a seu favor do IVA mencionado em notas de crédito e notas de débito, tendo em consideração o disposto no artigo 78.º do Código do IVA; - (cf. PA);
  5. No âmbito da sua atividade, a Requerente emitiu no decurso dos anos 2012 e 2013 a notas de crédito tendo em vista suportar as seguintes operações:
  1. Descontos contratuais celebrados com clientes – situações em que a Requerente, em momento posterior à faturação de vendas emite notas de crédito para suportar os descontos que atribui aos seus clientes, os quais variam em função da sua natureza, dimensão, quantidades e outras situações específicas do modelo de negócio desenvolvido;
  2. Devolução de mercadorias – situações em que a Requerente emite notas de crédito (anulando ou corrigindo parcialmente faturas anteriormente emitidas) quando procede à recolha de unidades dos seus produtos que se encontram nos seus retalhistas, de modo a garantir que nenhum produto seja vendido após ultrapassado o prazo de validade e frescura, nem fora da estação do ano em que deve ser comercializado – tal como acordado nos contratos celebrados entre a Requerente e os seus clientes;
  3. Diferenças detetadas nas quantidades de stocks – tendo em vista o armazenamento do seu inventário, a Requerente subcontrata uma empresa de logística, a qual procede, periodicamente, a uma reconciliação física do mesmo. Por vezes, são detetadas diferenças entre o inventário físico e o inventário contabilístico, pelo que, sempre que o inventário físico tem mais quantidade que o contabilístico, a Requerente emite notas de crédito não dirigidas a nenhum cliente com o mero intuito de acertar as quantidades (sem que haja qualquer movimento físico dos bens);
  4. Anulação de faturas – estas situações podem estar relacionadas com três realidades:

− A fatura que titula a operação foi emitida (erradamente) em duplicado, pelo que é emitida uma nota de crédito a anular essa fatura duplicada;

− Foi emitida (erradamente) uma fatura, mas os produtos não foram efetivamente entregues ao cliente, sendo então emitida uma nota de crédito tendo em vista cancelar essa fatura; e

− Quando o cliente deteta que existem diferenças entre as quantidades ou o tipo de produto descritos nas faturas e os produtos/quantidades a Requerente emite uma nota de crédito para corrigir a situação.

 

- (cf. PPA bem como PA);

  1. No que concerne às situações identificadas em (i) e (ii) do ponto E, em casos previamente acordados (nos termos da lei) com os seus clientes, além da nota de crédito emitida pela Requerente, os clientes também emitem notas de débito a titular as operações em causa e assim, aquando da receção da nota de débito, a Requerente emite uma fatura, por forma a anular a nota de crédito por si emitida; - (cf. PPA bem como PA).
  2. Nas situações mencionadas no ponto anterior, quer as notas de crédito, quer as faturas emitidas pela Requerente, destinam-se apenas a controlo interno da Requerente, não sendo enviadas ao cliente. Neste caso a dedução do IVA é feita com base na nota de debito emitida pelo cliente - (cf. PPA bem como PA).
  3. Nos casos que se refere o ponto F) supra a Requerente só regulariza o IVA a seu favor no momento da receção da nota de débito emitida pelo cliente, correspondendo ao momento em que as partes ajustam de comum acordo o ajustamento do valor da operação.
  4.  A Requerente declara a favor do Estado o imposto da fatura que emitiu para anulação da nota de crédito; - (cf. PPA bem como PA). 
  5. Em muitos casos a Requerente regularizou o IVA constante das notas de crédito, até ao final do período de imposto seguinte àquele em que recebeu a confirmação dos clientes, - (cf. doc. n.º 15 junto com o PPA);
  6. Em todas as situações de regularização do IVA objeto dos autos, a Requerente apenas regularizou a seu favor o IVA constante das notas de crédito emitidas aos seus clientes após obter prova de que estes tomaram conhecimento da retificação ou de que foram reembolsados do imposto - (cf. doc. n.º 15 junto com o PPA);
  7. As regularizações de IVA em causa nos autos, efetuadas com base nas notas de débito emitidas pelo cliente, só foram realizadas após aceitação das mesmas pela Requerente, considerando-se ser esse o momento em que as partes chegaram a acordo quanto ao ajustamento do valor da operação - (cf.  PPA); 
  8. Em várias situações objetos dos autos, a Requerente apenas conseguiu obter o comprovativo da tomada de conhecimento da nota de crédito por parte do cliente em momento posterior ao final do período seguinte, tendo procedido à respetiva regularização no mês seguinte à data da receção destes comprovativos, vide, entre outros exemplos: NC n.º 13816757, emitida dia 15-01-2013, tendo a Requerente recebido o comprovativo da tomada de conhecimento por parte do cliente no dia 13-12-2013, e reportado o IVA a seu favor na declaração periódica de janeiro de 2014. - (cf. doc. n.º 15 junto com o PPA);
  9. Nalguns casos a Requerente, por lapso, só procedeu à regularização do IVA a seu favor após o final do período seguinte àquele em que obteve o comprovativo dos clientes, embora nunca tenha ultrapassado o prazo de dois anos para correção de erros declarativos, contados da data da emissão das notas de crédito - (cf., PA);
  10. As regularizações constam do campo 40 das Declarações Periódica de IVA submetidas pela Requerente; - (cf., PA);
  11. Na sequência do procedimento de inspeção externa de âmbito parcial a Requerente foi notificada através do ofício n.º ... de 13 de março de 2018, do projeto de relatório de inspeção; -(cf., doc. n.º 2 junto com o PPA);
  12. Subsequentemente, por não concordar com os argumentos apresentados pela AT, no dia 29 de março de 2018, a Requerente exerceu o direito de audição prévia;
  13. A AT manteve na integra as correções propostas, tendo a Requerente sido notificada em maio de 2018 do Relatório (final) de Inspeção Tributária, que efetivou correções aritméticas em sede de IVA, no montante de € 2.058.090,95; (cf., RIT contante do PA, documento que se dá por integralmente reproduzido);
  14. O Relatório de Inspeção Tributária, na parte relevante refere o seguinte:

(...) “Foi solicitado à A... Portugal que identificasse os tipos de operações que motivaram a emissão de Notas de Crédito. A A... Portugal remeteu um ficheiro informático, a que nos referimos no Anexo 3, onde identifica, para cada Nota de Crédito emitida, o tipo de operação que motivou a sua emissão. Desta forma, a A... Portugal identificou o tipo de operações que motivaram a emissão de todas as Notas de Crédito que deram origem a regularizações de IVA reportadas no campo 40 das declarações periódicas do período em análise.

Procedemos à análise de todas as operações constantes desse ficheiro e solicitámos os documentos de suporte de uma amostra dessas operações, que a A... Portugal remeteu e a que nos referimos nos Anexos 2 a 4.

A análise desses documentos de suporte permitiu concluir que a informação prestada pela A... Portugal era fidedigna. Ou seja, a informação que a A... Portugal nos remeteu encontrava-se confirmada nos respetivos documentos de suporte e estamos aqui a referir-nos, designadamente, ao número da Nota de crédito, à data de emissão da Nota de crédito, ao nome do cliente, ao montante bruto da operação, ao valor do IVA correspondente, ao tipo de operação que motivava a emissão da Nota de Crédito e à confirmação da Nota de crédito pelo adquirente6. Por essa razão, não foram solicitados mais, ou todos, os documentos.

A A... Portugal considera em direito de audição prévia, conforme resumimos no ponto IX.2.1. anterior, que o apuramento das correções propostas com base numa amostragem é ilegal.

Por um lado, temos a referir que o apuramento das correções propostas não foi efetuado com base numa amostragem.

A análise efetuada, que conduziu ao apuramento das correções propostas, descrita nos parágrafos anteriores, incidiu sobre todas as operações que deram origem às regularizações reportadas no campo 40 das declarações periódicas de IVA no período em análise. Decidiu-se posteriormente circunscrever essa análise às regularizações de IVA efetuadas por Notas de Crédito emitidas pela empresa, tendo estas sido todas analisadas tendo por base o referido ficheiro disponibilizado pela empresa. A técnica de amostragem cingiu-se à análise dos documentos de suporte dessas operações.

(...)

III.1.6. Na análise dos documentos que suportam a regularização do IVA efetuada por Notas de Crédito emitidas pela A... Portugal por motivo de Descontos contratuais celebrados com os clientes, concedidos fora da fatura, remetidos pelo sujeito passivo, verificámos que:

(…)

Como referimos, as circunstâncias que deram origem à regularização ocorrem no momento em que é apurado o referido abatimento ou desconto, o que, regra geral, tem lugar no mês seguinte àquele em que termina o período de referência do desconto e que coincide com o mês de emissão da nota de crédito. A título ilustrativo da regularização do IVA fora do prazo estipulado na Lei, juntamos em Anexo 5, cópia do Documento 4 (do 2º pedido de elementos), relativamente ao qual, a Nota de Crédito foi emitida pela A... Portugal em 11-01-2012, a Nota de Crédito foi confirmada pelo cliente em 17-01-2012 e a A... Portugal regularizou o IVA a seu favor na DP de janeiro de 2014.

(…)

III.1.7. Na análise dos documentos que suportam a regularização do IVA efetuada por Notas de Crédito emitidas pela A... Portugal por motivo de Devolução de mercadorias, remetidos pelo sujeito passivo, verificámos que:

(…)

As notas de crédito analisadas confirmam que se trata de devoluções de mercadorias e confirmam a informação colocada pela A... Portugal na coluna “Tipo de Operação” do ficheiro preparado pelo sujeito passivo em resposta ao ponto 1 do nosso pedido de elementos enviados por e-mail de 10-01-2018, cuja resposta se juntou em anexo como “Devoluções de mercadoria”

(...)

Parte do IVA das Notas de crédito analisadas foi regularizado a favor do sujeito passivo fora do prazo estipulado na Lei, violando o disposto no n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA, que conforme descrevemos no ponto III.1.5 anterior requer que o IVA seja regularizado até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que deram origem á regularização, sempre que a A... opte por efetuar tal regularização e que tenha na sua posse a prova de que o cliente tomou conhecimento dessa retificação ou de que foi reembolsado do imposto conforme requer o n.º 5 do Código do IVA.

Como referimos, as circunstâncias que deram origem à regularização ocorrem no momento em que é efetuada a devolução física da mercadoria vendida, o que, regra geral, coincide com o mês da emissão da nota de crédito. A título ilustrativo da regularização do IVA fora do prazo estipulado na Lei, juntamos em Anexo 8, cópia do Documento 8 (do 2º pedido de elementos), relativamente ao qual, a devolução física da mercadoria ocorreu em 09-05-2013; a Nota de Crédito foi emitida pela A... Portugal em 13-05-2013, a Nota de Crédito foi confirmada pelo cliente em 20-05-2013 e a A... Portugal regularizou o IVA a seu favor na DP de janeiro de 2014.

(…)

III.1.8. Diferenças de stock

Na análise dos documentos que suportam a regularização do IVA efetuada por Notas de Crédito emitidas pela A... Portugal por motivo de Diferenças de stock, remetidos pelo sujeito passivo, verificámos que:

 (…)

- as Notas de Crédito emitidas pela A... Portugal por este motivo, como referimos no ponto III.1.2. anterior, equivalem a uma devolução de mercadorias da Empresa de Logística à A... Portugal, para acertar as quantidades em excesso existentes no operador logístico face ao inventário contabilístico da empresa; por esta razão, o prazo para a regularização do IVA aplicável a estas operações encontra-se definido no número 2 do artigo 78º do Código do IVA.

(…)

III.1.9. Anulação de faturas

Na análise dos documentos que suportam a regularização do IVA efetuada por Notas de Crédito emitidas pela A... Portugal por motivo de Anulação de faturas, remetidos pelo sujeito passivo, verificámos que:

(…)

- as Nota de Crédito emitidas pela A... Portugal por este motivo, das quais destacamos os Documentos 6, 10, 22 e 29 (do 1º pedido de elementos), foram emitidas para anular a operação inicial. De acordo com a resposta do sujeito passivo, que se juntou no Anexo 3, no ponto 3., refere que informamos que as notas de crédito foram emitidas para anular faturas que os clientes informaram nunca terem sido recebidas. Neste contexto, as notas de crédito não são enviadas aos clientes. O número 2 do artigo 78º do Código do IVA contempla as situações em que, após ter sido realizado o registo das transmissões de bens e prestações de serviços efetuadas pelo sujeito passivo na contabilidade, a operação é anulada em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato; devolução de mercadorias ou concessão de abatimentos ou descontos. A emissão de Notas de Crédito por motivo de anulação da operação inicial enquadra-se neste número e, consequentemente, o prazo para a regularização do IVA a favor do sujeito passivo é o determinado neste artigo.

 (…)

IX.2.3. Relativamente à regularização de IVA de “descontos contratuais celebrados com os clientes” e de “devoluções de mercadorias”, a A... Portugal considera que nas situações em que obteve a prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação, mas não procedeu por lapso à regularização do IVA até ao final do período de imposto seguinte, incorreu num erro material, previsto no número 6 do artigo 78º do Código do IVA.

(…).”

 

  1. A AT emitiu liquidações adicionais de IVA e demonstrações de liquidação de IVA com as correções ao valor do crédito de imposto na sua conta-corrente e respetivas demonstrações de acertos de contas de IVA efetuados, referentes aos anos 2014 e 2015, no valor global de € 2.058.090,95. - (cf. PA).
  2. Adicionalmente, a AT emitiu demonstrações de liquidações de juros e respetivas demonstrações de acertos de contas de juros, referentes aos anos 2014 e 2015, num montante global de € 274.342,12. - (cf. PA).
  3. Em 27 de setembro de 2018, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra as referidas liquidações; - (cf. cópia de documento n.º 10 junto com o PPA).
  4. Em 14 de novembro de 2018, a Requerente foi notificada do projeto de indeferimento da reclamação graciosa; - (cf. cópia de documento n.º 11 junto com o PPA).
  5.     Por não concordar com os argumentos aduzidos pela AT, em 28 de Novembro de 2018, a Requerente exerceu o seu direito de audição; - (cf. cópia de documento n.º 12 junto com o PPA).
  6. No dia 11 de dezembro de 2018, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, tendo a AT mantido na íntegra as correções anteriormente efetuadas no âmbito da inspeção tributária. – (cf. cópia de documento n.º 13 junto com o PPA).
  7. Por não se conformar com a decisão da AT, a Requerente apresentou, no dia 19 de dezembro de 2018, recurso hierárquico, tendo em vista contestar o indeferimento da referida reclamação graciosa apresentada contra os atos de liquidação, no valor de € 2.056.034,39 e, respetivos juros compensatórios, no valor de € 274.342,12.  – (cf. cópia de documento n.º 14 junto com o PPA).
  8. No âmbito da reclamação graciosa e recurso hierárquico apresentados a Requerente aceitou parte das correções relativas a “descontos contratuais celebrados com clientes” e “devoluções de mercadorias”, relacionadas com as regularizações de IVA efetuadas sem ter na sua posse a prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, no montante total de €2.056,56, não sendo tal montante objeto do pedido. (cf. cópia de faturas identificadas como documentos n.º 5 e n.º 18 juntos ao RIT); 
  9.             Relativamente às situações identificadas no processo administrativo como “diferenças de stock”, a Requerente também optou por não proceder à contestação do valor em causa, no montante de € 352,31. – (cf. ponto 31 do PPA);
  10. A Requerente não procedeu ao pagamento voluntário do montante de € 2.330.024,20, resultante dos atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios tendo sido instaurado um processo de execução fiscal;
  11. No âmbito desse processo de execução fiscal, a Requerente prestou garantia bancária junto do Banco C... (cf. documento n.ºs 16 junto com o PPA);
  12. A Requerente suportou encargos com a referida garantia bancária, até ao momento da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, no valor de € 47.561,52 (cf. documento n.º 17 junto com o PPA)
  13. No dia 25 de março de 2021 a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral; - (cf. requerimento eletrónico submetido no CAAD).

 

  1. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

VI. Do Direito

 

 

Delimitação das questões a decidir

 

Os atos impugnados procederam à liquidação adicional de IVA por três tipos de motivos:

- IVA regularizado pela Requerente a seu favor nos anos de 2014 e 2015 relativo a notas de crédito emitidas em 2012 e 2013 tendo em vista suportar descontos contratuais celebrados pelos clientes;

 - IVA regularizado pela Requerente a seu favor nos anos de 2014 e 2015 relativo a notas de crédito emitidas em 2012 e 2013 tendo em vista suportar devoluções de mercadorias, conforme acordado nos contratos celebrados com os clientes;

- IVA regularizado pela Requerente a seu favor nos anos de 2014 e 2013 relativo a anulações de faturas incorretamente emitidas.

 

As questões a decidir nos presentes autos são duas:

(i) Como interpretar o conjunto normativo decorrente do artigo 78.º do CIVA, nomeadamente saber como dever ser contado o prazo para o exercício do direito à regularização nos termos do n.º 2;

(ii) Como devem ser qualificadas as situações de “anulação de faturas” e se as mesmas devem ser enquadradas no número 2 ou nos números 3 e 6 do artigo 78.º.

 

Nos períodos de imposto em que ocorreram os factos relevantes para o presente processo, a redação do artigo 78.º do CIVA era a seguinte:

 

Artigo 78.º

Regularizações

1 - As disposições dos artigos 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a factura ou documento equivalente, o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo[1].

2 - Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

3 - Nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos.

4 - O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada.

5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.

6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

(...)

   

Em face do artigo 78.º do Código do IVA, podemos agrupar as situações em que existe a faculdade (e, eventualmente, a obrigatoriedade) de regularização do IVA liquidado e deduzido, da seguinte forma (tal como sistematizadas por Alexandra Martins e Pedro Moreira, in “Regularizações de IVA - A Alteração Superveniente dos Elementos da Operação, o Erro Material ou de Cálculo e o Erro de Enquadramento ou de Direito”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 61-62)

 

“i) A alteração superveniente das condições objectivas e subjectivas que presidiram à realização das operações, traduzida na anulação da operação ou na redução do seu valor tributável;

ii) A inexactidão da factura ou o erro material ou de cálculo na transcrição dos seus elementos para a contabilidade ou declarações periódicas de IVA dos sujeitos passivos;

iii) O erro de enquadramento da operação, espelhado na factura ou na contabilidade dos sujeitos passivos.”

 

Relativamente às faturas inexatas, como explica João Canelhas Duro (“Dedução de IVA, Regularizações e Revisão da Autoliquidação”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2015, Coimbra, Almedina, 2015, p. 338), em conformidade “com o n.º 3 do art. 78.º, no caso de “faturas inexatas”, já registadas contabilisticamente, a retificação é facultativa quando houver imposto liquidado a mais e pode ser efetuada no prazo de dois anos. Para que seja corrigida a autoliquidação com imposto liquidado a mais, a retificação da fatura é obrigatória, de forma a que também o adquirente proceda à regularização do imposto deduzido (em excesso) com base nessa fatura.

 

O procedimento de regularização de faturas visa, não só permitir ao sujeito passivo “reaver” o IVA que entregou indevidamente ao Estado, mas, também, em especial quando o adquirente é sujeito passivo de imposto, acautelar, em igual medida, a regularização do IVA deduzido pelo adquirente com base na fatura que titula a operação tributável (art. 78.º, n.º 4), o que depende da atempada comunicação da regularização (art. 78.º, n.º 5).”

 

No caso concreto, a Requerente optou por efetuar a retificação daquelas faturas, mediante a emissão das aludidas notas de crédito (cf. artigo 29.º, n.º 7, do Código do IVA), e a correspondente regularização do imposto autoliquidado a mais. 

 

Por isso, importa atentar no disposto no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA, de acordo com o qual, quando o valor tributável de uma operação seja retificado para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da referida retificação ou de que foi reembolsado do imposto; nos termos do n.º 13 do mesmo artigo, o montante da redução deve ser repartido entre a contraprestação e o IVA.

 

A lei não impõe qualquer limitação quanto ao meio de prova que pode ser utilizado para o efeito, pelo que qualquer suporte documental idóneo tende a ser suficiente para o efeito (cf. a esse propósito, o que se prevê no Ofício-Circulado n.º 33129/1993 e ainda o entendimento da AT plasmado na informação vinculativa prestada no processo n.º 6770, por despacho de 06.06.2014, do SDG do IVA, por delegação do Diretor Geral da AT, na qual é, além do mais, afirmado que “é possível considerar idóneas as «mensagens de correio eletrónico», desde que sejam observados os requisitos referidos no Ofício-Circulado n.º 33129/1993, nomeadamente no n.º 4, alínea a) «(…) documentos emitidos pelo cliente e na posse do fornecedor do bem ou prestador do serviço (…) com referência expressa ao conhecimento da retificação do IVA» e no n.º 5”.

 

À luz do exposto, analisemos agora as situações em causa nos presentes autos:

 

I) “Descontos contratuais celebrados com os clientes” e “devoluções de mercadorias”

 

Na decisão de indeferimento do recurso hierárquico e no relatório de inspeção, a Autoridade Tributária refere que “entende-se, desde logo, não ser de conceder razão à Recorrente na sua interpretação conjugada dos números 2 e 5 do art.º 78º do Código do IVA quanto à questão da alegada tempestividade das operações de regularização, determinante das correções técnicas e que se encontra no centro da discórdia. O exercício da faculdade de regularização concedida pelo n.º 2 do art.º 78.º do Código do IVA está condicionado ao cumprimento do prazo nele previsto, que se conta a partir da circunstância que determinou a anulação da liquidação, como é expressamente determinado na parte final da disposição em causa.” Acrescenta ainda que “o n.º 5 do art.º 78.º do Código do IVA estabelece, complementarmente, que a regularização «só pode ser efetuada» pelo sujeito passivo quando este tiver na sua posse o comprovativo”. Assim, conclui que “é indevida a regularização efetuada após dispor do comprovativo, mas fora do prazo previsto no n.º 2 do art.º 78.º do Código do IVA.”

 

A Requerente entende que a interpretação propugnada pela Autoridade Tributária contraria princípios constitucionalmente consagrados na Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e princípios basilares do imposto que vêm sendo sucessivamente erigidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) na interpretação que efetua da Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006 (“Diretiva IVA”) e na qual se funda o Código do IVA português.

 

Em concreto, a Requerente sustenta que não resulta da lei que os sujeitos passivos têm que obter a prova prevista no n.º 5 do artigo 78.º do CIVA no prazo previsto no n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA. Defende, ao invés, que o direito à regularização (a favor do sujeito passivo) do imposto mencionado em notas de crédito apenas nasce após o cumprimento do requisito previsto para o efeito – i.e. a obtenção da referida prova. Esse requisito formal é, no entendimento da Requerente, um elemento constitutivo do direito à regularização do imposto a favor do sujeito passivo, pelo que o prazo para se regularizar o imposto só pode ser contado a partir da data de obtenção da prova por parte do adquirente.

 

A Requerente sustenta que, a admitir-se a interpretação da Autoridade Tributária, isso levaria à possibilidade de ocorrência de situações em que o prazo para o exercício do direito à regularização do IVA caducava ainda antes de esse direito se constituir na esfera do contribuinte. Em tal cenário, o sujeito passivo não poderia regularizar o imposto nem antes de serem cumpridos os requisitos necessários nem depois, uma vez que, de acordo com a interpretação da Autoridade Tributária, o prazo para exercer o direito teria caducado.

 

Acrescenta que essa interpretação da Autoridade Tributária coloca em causa princípios constitucionalmente consagrados, desde logo, o da proporcionalidade ínsito no artigo 2.º e no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, pois tal interpretação, a vingar, consubstanciaria uma restrição grave e injustificada, impondo desnecessário sacrifício ao sujeito passivo, e violaria ainda o princípio da equivalência, como critério do princípio da igualdade tributária.

 

Defende que, a vingar a interpretação pretendida pela Autoridade Tributária, o prazo para exercer o referido direito estaria completamente desadequado face ao quotidiano das empresas portuguesas, uma vez que não é razoável exigir, no limite, que um sujeito passivo consiga obter uma ação por parte dos seus clientes no prazo de pouco mais de um mês (i.e., considerando o entendimento da Autoridade Tributária, sempre que um sujeito passivo – enquadrado, para efeitos de IVA, no regime normal mensal – emita notas de crédito no último dia de um mês, para regularizar o respetivo imposto terá que conseguir obter uma prova por parte do seu cliente até ao final do mês seguinte).

 

Concluindo que não se pode admitir uma interpretação da lei portuguesa que dificulte injustificadamente o exercício do direito da Requerente a regularizar o IVA a seu favor (ao ponto de o tornar, em muitas situações, impossível) com fundamento no não cumprimento de um prazo que começa a correr antes de cumpridos os requisitos previstos para o efeito (e que são igualmente impostos pela lei).

 

A Requerente recorre ao direito europeu, do qual nasceu o Código do IVA, para sustentar a sua posição. De acordo com o artigo 90.º da Diretiva IVA “em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.”

 

Transpondo a jurisprudência do TJUE para o caso sob apreciação, só no momento em que a A... obtém prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto ficam reunidas as condições substantivas e formais que dão direito à Requerente a regularizar o IVA mencionado nas notas de crédito – vide conclusões do TJUE nos processos C-8/17, de 14 de abril de 2018 e C-533/16, de 21 de março de 2018.

 

No Acórdão proferido no âmbito do processo C-8/17, de 12 de abril de 2018 – caso Biosafe (processo entre partes portuguesas) o TJUE é claro ao afirmar que “não se pode considerar que um prazo de preclusão cujo termo tem por consequência punir o contribuinte não suficientemente diligente que não reclamou a dedução do IVA a montante, fazendo-lhe perder o direito a essa dedução, é incompatível com o regime fixado pela Diretiva IVA, desde que, por um lado, se aplique de igual modo aos direitos análogos em matéria fiscal que se baseiam no direito interno e aos que se baseiam no direito da União (princípio da equivalência) e, por outro, não impossibilite ou dificulte excessivamente, na prática, o exercício do direito à dedução do IVA (princípio da efetividade)”.

 

O TJUE confirma que a definição de prazos para o exercício do direto à dedução não contraria o princípio da neutralidade do IVA, mas que esses prazos não podem impossibilitar ou dificultar excessivamente, na prática, o exercício desse direito que a lei lhes confere, uma vez que tal poria em causa o princípio da efetividade – tal como a Autoridade Tributária pretende agora impossibilitar a Requerente de exercer o seu direito de regularizar o IVA mencionado em notas de crédito, impondo-lhe um prazo que poderá, no limite, corresponder a 1 mês e 1 dia para exercer o seu direito, com a necessidade de, em tal prazo, recolher ainda junto do seu cliente um comprovativo de receção da nota de crédito.

 

A este respeito salienta que a jurisprudência do TJUE vertida no caso Biosafe foi já acolhida pela Autoridade Tributária na informação vinculativa de 6 de novembro de 2019, referente ao processo n.º 15042, onde sancionou o entendimento de que “(…) o exercício do direito à dedução pelo sujeito passivo adquirente não pode ser negado apenas com o argumento de que se encontra expirado o prazo legal de exercício do direito à dedução contado da data de emissão das faturas iniciais, se apenas com o recebimento dos documentos retificativos da fatura o adquirente toma conhecimento de que é devido aquele acréscimo do imposto, ficando apenas nesse momento reunidas as condições (formais e materiais) para o exercício do direito à dedução”.

 

Cita ainda a decisão do TJUE no processo Kraft Foods, C-588/10, de 26 de janeiro de 2012, relativo a uma empresa produtora e distribuidora de produtos alimentares. 126.º No decurso das vendas das suas mercadorias a um vasto leque de clientes, a empresa emitiu um número significativo de notas de crédito relativamente a descontos, devolução de mercadorias ou erros identificados. 127.º No caso mencionado, o TJUE considerou que os princípios da neutralidade do IVA e da proporcionalidade não se opõem à exigência de que, para ter direito à redução do valor tributável previsto na fatura inicial, o sujeito passivo deva possuir aviso de receção de uma fatura retificada pelo comprador dos bens ou serviços, para efeitos do artigo 90.º, n.º 1, da Diretiva.

 

A Requerente defende que, pese embora seja deixada aos Estados-Membros a possibilidade de fixarem os prazos de que dispõem os sujeitos passivos para deduzir ou corrigir o IVA por si liquidado ou suportado, bem como os prazos à disposição das autoridades tributárias para efetuarem as suas correções, o TJUE tem consistentemente afirmado que sempre devem ser respeitados os princípios da efetividade, da neutralidade, da equivalência e da proporcionalidade na construção da legislação nacional relativa a estas matérias – referindo os casos C-228/96 – Aprile; C-95/07 e C-96/07 – Ecotrade; C-385/09 - Nidera; C-284/11 – EMS, C-138/12 – Rusedespred e C-8/17 - Biosafe.

 

O TJUE opõe-se a soluções (quer legislativas, quer interpretativas) que sejam demasiado restritivas quanto aos prazos concedidos aos sujeitos passivos para exercerem o seu direito à dedução/regularização, considerando que um prazo de 2 anos (casos C-95/07 e C-96/07 – Ecotrade) ou, por maioria de razão, um prazo de 3 anos (caso C-472/08 – Alstom Power Hydro), não colocam em causa o princípio da efetividade, sendo, portanto, prazos razoáveis à luz deste princípio.

 

Veja-se a este respeito o Acórdão proferido no âmbito do processo C-564/15, de 26 de abril de 2017, onde o TJUE afirma que “ (…) não havendo regulamentação da União em matéria de pedidos de restituição de impostos, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro prever as condições em que esses pedidos podem ser exercidos, devendo estas condições respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a impossibilitar na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União.”.

 

Por outro lado e no mesmo sentido, no processo C-588/10 já acima referido (Kraft Foods), o TJUE sublinha ainda que, caso seja impossível ou excessivamente difícil ao sujeito passivo fornecedor de bens ou serviços obter o referido aviso de receção num prazo razoável, não lhe pode ser negada a oportunidade de o comprovar, em primeiro lugar, que tomou todas as medidas necessárias para se certificar de que o comprador está de posse da fatura corretiva e dela está ciente e, em segundo lugar, que a transação em questão foi de facto realizada de acordo com as condições estabelecidas na nota de crédito.

 

A  Requerente relembra ainda que, não obstante o artigo 273.º da Diretiva IVA mencionar que “(…) os Estados-Membros podem prever outras obrigações que entendam necessárias para assegurar a cobrança exata do IVA e evitar a fraude”, é jurisprudência assente que os Estados-Membros não devem ir além do estritamente necessário para atingir esses objetivos, não podendo estabelecer requisitos que coloquem sistematicamente em causa o direito à dedução do IVA nem, por conseguinte, a neutralidade deste imposto (vide processos C-153/11, de 22 de março de 2012, C-80/11 e C-142/11, de 21 de junho de 2012, C-499/13, de 26 de março de 2015, C-533/16, de 21 de março de 2018, e C-8/17, de 12 de abril de 2018), o que seria manifestamente o caso, se a interpretação que a Autoridade Tributária faz dos números 2 e 5 do artigo 78.º do Código do IVA vingasse.

 

Aliás, aceitar o entendimento da Autoridade Tributária violaria ainda o princípio da proporcionalidade – um dos princípios gerais do direito da União Europeia. 138.º De facto, na interpretação da Autoridade Tributária, o esforço exigido ao contribuinte para exercer o seu direito à regularização seria completamente desproporcional ao benefício resultante do princípio da segurança jurídica – i.e., a fixação de um prazo limite

 

Neste âmbito, importa referir que o TJUE já afirmou que, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, “(…) os Estados‑Membros devem recorrer a meios que, ao mesmo tempo que permitem alcançar eficazmente o objetivo prosseguido pelo direito interno, causem o menor prejuízo possível aos objetivos e aos princípios decorrentes da legislação da União em causa” (vide, a este respeito, o Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, proferido no âmbito do processo C-307/16). 142.º Acrescentou ainda o TJUE, no Acórdão de 14 de dezembro de 2017, proferido no âmbito do processo C-305/16, que para que “um ato da União relativo ao sistema do IVA respeite o princípio da proporcionalidade, as disposições que contém devem ser consideradas.

 

A Requerente termina dizendo que a interpretação da Autoridade Tributária colide com a interpretação que o TJUE faz aos artigos 90.º e 273.º da Diretiva IVA e dos princípios comunitários, nomeadamente os da efetividade, da proporcionalidade e da neutralidade do imposto.

 

Vejamos:

O artigo 90.º da Diretiva do IVA[2] prevê o seguinte:

Artigo 90.o

1.   Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efectuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.

2.   Em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados-Membros podem derrogar o disposto no n.o 1.

 

Por sua vez o artigo 273.º da Diretiva do IVA prevê o seguinte:

 

Artigo 273.o

Os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exacta do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efectuadas entre Estados–Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de facturação suplementares às fixadas no Capítulo 3.

 

Em cumprimento do estabelecido no artigo 90.º da Diretiva, o artigo 78.º do CIVA prevê as situações em que, depois de emitida a fatura, o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto sofrem retificações e o que deve ser feito em cada uma delas:

1) Nos casos em que, em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, a operação tributável é anulada ou é reduzido o respetivo valor, o  fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

2) Nos casos de faturas inexatas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos.

3) Nos casos de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º, a correção é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

 

Os números 4 e 5 da mesma disposição legal acrescentam ainda que:

 

4 - O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada.

5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.

 

No caso concreto, e nas situações em que ocorreram descontos contratuais e devoluções de mercadorias, está em causa uma situação enquadrável no disposto no n.º 2 do artigo 78.º, que prevê, relativamente ao procedimento a adotar, que o  fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efetuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

 

A divergência surgida entre as Partes diz respeito à interpretação da parte final da norma, i.e., saber a partir de que momento é que se deve contar o prazo estabelecido de “até ao final do período de imposto seguinte.”

 

Na interpretação da AT é a partir do momento em que ocorre a invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, a devolução de mercadorias ou a concessão de abatimentos ou descontos que dão lugar à anulação da operação tributável ou à redução do respetivo valor.

 

Na interpretação da Requerente é a partir do momento em que ela obtém a prova exigida nos termos do n.º 5, isto é, a prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem a qual se considera indevida a respectiva dedução.

 

De acordo com a AT, e em consequência da interpretação que defende, será indevida a regularização efetuada após dispor daquela prova, mas fora do prazo previsto no n.º 2 do art.º 78.º do Código do IVA. Ou seja, a AT admite que a prova é necessária para se exercer o direito à regularização, mas não reconhece razão à Requerente quando esta argumenta que, antes de se encontrar reunida aquela prova, não pode exercer o seu direito pelo que não faz sentido que se inicie o prazo para o respetivo exercício.

 

Na verdade, e em termos de pura lógica, a Requerente tem razão ao dizer que não faz sentido que o prazo para o exercício de um direito se inicie antes de estarem reunidas as condições necessárias para o exercício desse direito – sobretudo quando essas condições dependem de atos de terceiros que não podem ser controlados pelo sujeito.

 

Ora, defender-se uma interpretação das normas jurídicas que conduza a resultados ilógicos é, antes de mais, defender-se a inconsistência e irracionalidade do sistema formado por essas mesmas normas. E essa é, desde logo, uma boa razão para questionar se tal interpretação fará sentido.

 

A AT aceita pacificamente a conclusão de que o sujeito passivo - que não pode exercer o direito sem a prova que tem que lhe ser enviada pelo respetivo adquirente na operação em causa – deixará de o poder exercer se a prova chegar depois de decorrido o prazo previsto no final do n.º 2 do artigo 78.º. Ora, esta consequência não é aceitável desde logo pela sua irrazoabilidade. Que sentido faria um sistema jurídico que conferisse aos sujeitos um direito através de uma norma retirando-lhos através de outra? Nenhum. A possibilidade de se chegar a esta conclusão através da interpretação da AT é o primeiro sinal de que ela não é sustentável.

 

Em segundo lugar, importa atender ao facto de que a legislação portuguesa de IVA, mormente o Código do IVA, resulta da transposição de atos de Direito da União Europeia que, conferindo aos Estados uma margem de liberdade na conformação das normas jurídicas, não autorizam a criação de condições que, na prática, inviabilizem o exercício dos direitos criados pela Diretiva – desde logo por uma questão de igualdade. Se o sistema de IVA é um sistema comum a todos os países da União Europeia, o facto de um Estado impor exigências maiores através da sua legislação coloca os sujeitos passivos que a ela estejam sujeitos numa situação pior do que a de outros sujeitos passivos que estejam sujeitos a sistemas normativos menos exigentes. Esta é, portanto, uma questão que tem que ser analisada do ponto de vista do Direito da União Europeia e do level playing field visado pelas Diretivas.

 

Ora, no que diz respeito às regularizações, e em concreto nos casos em que elas se sucedem a descontos e devoluções de mercadorias, o que está em causa é refletir no IVA que foi liquidado a alteração ocorrida na operação, ou no valor da operação, que lhe deu origem. É bom ter presente que é por causa dessa operação, e do valor de que a mesma se revestiu, que o IVA é liquidado e é liquidado em determinado valor. O imposto não se autonomiza da operação tributável – é apenas porque ela ocorreu e nos termos em que ocorreu que o Estado tem direito a receber determinado valor a título de imposto. Portanto, as condições estabelecidas pelos Estados para que os sujeitos possam exercer o direito à regularização não podem ser de molde a inviabilizar esse direito ou a tornar o seu exercício demasiado oneroso – o mesmo é dizer que a interpretação que se faz das normas que estabelecem essas condições não pode inviabilizar o exercício do direito ou torná-lo demasiado oneroso. Concretamente no que se refere ao prazo para o exercício do direito à regularização, considera este Tribunal que a interpretação defendida pela AT impõe aos sujeitos passivos um exercício demasiado oneroso porquanto limita o prazo de que dispõem para efetivar a regularização de uma forma excessiva ao ignorar que o sujeito precisa da uma prova que vem de terceiros para poder exercer o seu direito pelo que o prazo para esse exercício nunca poderá iniciar-se antes do sujeito dispor daquela prova. Quanto a este ponto, o Tribunal entende, portanto, ser de aceitar a argumentação da Requerente de que o início do prazo a que se refere a parte final do n.º 2 do artigo 78.º do CIVA só pode ter lugar após a obtenção da prova exigida nos termos do n.º 5.

 

Em termos de valores, refira-se que a Requerente aceitou parte das correções relativas a estas situações, nomeadamente aquelas em que as regularizações de IVA foram efetuadas sem ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, no montante total de € 2.056,56, não sendo esse valor objeto do presente pedido de pronúncia arbitral. Do mesmo modo, relativamente às “diferenças de stock”, a Requerente optou também por não proceder à contestação do valor em causa (i.e. € 352,31), pelo que não também o exclui do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

II) Anulação de faturas

 

Relativamente aos casos de anulação de faturas, estão aqui em causa três tipos de situações:

 

a) A fatura que titula a operação foi emitida (erradamente) em duplicado, pelo que é emitida uma nota de crédito a anular essa fatura duplicada;

b) Foi emitida (erradamente) uma fatura, mas os produtos não foram efetivamente entregues ao cliente, sendo então emitida uma nota de crédito tendo em vista cancelar essa fatura; e

c) Quando o cliente deteta que existem diferenças entre as quantidades ou o tipo de produto descritos nas faturas e a os produtos/quantidades entregues, a Requerente emite uma nota de crédito para corrigir a situação.

 

A Requerente entende que nenhuma destas três situações diz respeito a uma anulação de operação ou redução do seu valor tributável “em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos”. Em consequência, entende a Requerente que o previsto no n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA não tem aplicabilidade a estes casos.

 

Nas situações mencionadas em a) e b), as notas de crédito em causa foram emitidas tendo em vista corrigir erros, ou seja, tendo em vista anular faturas que, por erro, foram emitidas. Considerando que são situações de erro, entende a Requerente que o prazo para correção dos mesmos será, pelo menos, de 2 anos (n.ºs 3 e 6 do artigo 78.º do CIVA nas situações de correção de faturas inexatas e de erros materiais ou de cálculo no registo, sendo de 4 anos (n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA) nas restantes situações (como erros de direito). Uma vez que a Requerente corrigiu os erros em causa dentro do prazo de 2 anos, defende a legitimidade de tal correção.

 

Relativamente às situações mencionadas em c), entende que estamos perante casos que dizem respeito à correção de faturas inexatas (por exemplo, titulam a transmissão de 100 unidades, quando de facto só foram transmitidas 90). Estas situações encontram-se expressamente previstas no n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA, em que se estabelece um prazo de 2 anos para o sujeito passivo efetuar a correção.

 

Relativamente a estas situações, a divergência está, portanto, na qualificação das operações. A Requerente entende que se tratam de situações de faturas inexatas e de faturas emitidas por erro ou decorrentes de erros, a AT qualifica as situações como situações de anulação da operação ou de redução do seu valor tributável em virtude de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, devolução de mercadorias ou concessão de abatimentos ou descontos. Está em causa uma correção no montante de € 10.619,43 ao valor declarado pelo sujeito passivo no campo 40 – Regularizações a favor do sujeito passivo das declarações periódicas de IVA referentes a 2014 e no montante de € 62.562,26, referentes a 2015, por não ter sido respeitado o disposto nos números 2 e 5 do artigo 78º do Código do IVA.

 

Mais uma vez, entende o Tribunal que assiste razão ao sujeito passivo uma vez que as situações descritas não correspondem a anulações de operações tributáveis mas a erros e inexatidões das faturas que as titulam. Como tal, não podem ser sujeitas ao mesmo tratamento que as situações vistas no ponto anterior, devendo ser enquadradas nos números 3 e 6 do artigo 78.º do Código do IVA, com a consequência de o prazo de que o sujeito passivo dispõe para a regularização ser de dois anos. Tendo este prazo sido cumprido em todas as situações, deverá ser anulada a correção destas regularizações, quer no exercício de 2014 (€ 10.619,43), quer no exercício de 2015 (€ 62.562,26).

 

 

(iii) Indemnização por prestação de garantia indevida

 

Por fim, a Requerente peticiona o pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida uma vez que, não tendo procedido ao pagamento do montante total de € 2.330.024,20 resultante dos atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios, lhe foi instaurado um processo de execução fiscal no âmbito do qual a Requerente procedeu à prestação de garantia bancária, no valor total do imposto devido e respetivos juros, para assegurar a sua suspensão até à decisão do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Para prova do alegado, a Requerente junta os documentos 16 e 17, o primeiro correspondente à cópia da garantia bancária prestada pelo Banco C... e o segundo correspondente ao documento resumo dos custos já suportados, no valor de € 47.561,52.

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 53.º da LGT, “[o] devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida”. O n.º 2 do mesmo preceito acrescenta que “[o] prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.

 

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 171.º do CPPT determina que “[a] indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda”. O n.º 2 do mesmo preceito acrescenta que “[a] indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

 

A competência dos tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD para conhecer e apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida já foi reconhecida em diversas decisões arbitrais, nomeadamente as proferidas em 04.11.2013, no processo n.º 66/2013-T, em 18.05.2016, no processo n.º 695/2015-T, em 02.01.2017, no processo n.º 220/2016-T e em 28.06.2017, no processo n.º 508/2016.

 

Ficou dado como provado (vd. supra os pontos DD EE do probatório) que a Requerente procedeu à prestação de garantia bancária para suspender o processo executivo instaurado e que suportou, até à data da apresentação da presente ação arbitral, custos com comissões com tal garantia no montante de € 47.561,52, tendo ainda que suportar os custos adicionais que se vencerem desde aquela data até que a AT, como beneficiária, tenha comunicado ao Banco o cancelamento da garantia.

 

Deste modo, a prestação da referida garantia bancária por parte da Requerente em ordem à suspensão do processo de execução fiscal instaurado tem que se julgar indevida, pelo que a Requerente tem direito a ser ressarcida pelos prejuízos que efetivamente sofreu com a prestação daquela garantia bancária.

 

Nestes termos, reconhece-se à Requerente o direito à indemnização prevista no citado artigo 53.º da LGT pelos custos suportados com a garantia bancária prestada até ao seu cancelamento, condenando-se a Requerida no montante já apurado de € 47.561,52 e no que se vier a apurar em liquidação a processar em sede de execução de julgado (art. 609.º, n.º 2 do CPC), sem prejuízo da limitação do quantum indemnizatório estabelecida pelo n.º 3 do art. 53.º da LGT (“a indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei”).

 

VII. Decisão

 

Tendo em conta o supra exposto, o Tribunal decide:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial, com a consequente anulação parcial, dos atos de liquidação de IVA impugnados, no valor de € 2.055.682,08, e de juros compensatórios, na importância de € 274.342,12;
  2. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade, com a consequente anulação, do ato de indeferimento do recurso hierárquico que confirmou tais atos tributários;
  3. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira na indemnização prevista no art. 53.º da LGT, por prestação de garantia indevida, no montante já apurado de € 47.561,52 e no que se vier a apurar em liquidação a processar em sede de execução de julgado, sem prejuízo da limitação do quantum indemnizatório estabelecida pelo n.º 3 do art. 53.º da LGT;
  4. Condenar a AT no pagamento das custas processuais.

 

 

VIII. Valor do processo

 

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, aplicáveis por força das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 2.330.024,20 (dois milhões, trezentos e trinta mil e vinte e quatro euros e vinte cêntimos).

 

IX. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 5 do RCPAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 30.294,00, nos termos da Tabela I do mencionado RCPAT, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de dezembro de 2021

 

Os Árbitros,

 

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

 

 

 

 

Filipa Barros

(Árbitro Adjunto)

 

 

 

Raquel Franco

(Árbitro Adjunto)



[1] O D.L. n.º 197/2012, de 24 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2013, alterou a norma constante do n.º 1 ao retirar a expressão “documento equivalente”: “1 - As disposições dos artigos 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a fatura, o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto venham a sofrer retificação por qualquer motivo.”

[2] Directiva 2006/112/CE do Conselho, de  28 de Novembro de 2006 , relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.