Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 175/2019-T
Data da decisão: 2019-09-30  IRS  
Valor do pedido: € 6.601,33
Tema: IRS – Mais-Valias – Reinvestimento.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. No dia 11 de Março de 2019, A..., contribuinte n.º..., casado, com domicílio fiscal na Rua..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, (doravante Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Decreto--Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com a redacção introduzida pelos artigos 228.º e 229.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e pelos artigos 9.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro e 17.º da Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:

- Apreciação da legalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2018 ..., relativa ao exercício de 2017, com a consequente anulação.

- Condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) à restituição da prestação tributária indevidamente paga pelo Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT, em 12 de Março de 2019.

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.1. Em 6 de Maio de 2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

3.2. Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 27 de Maio de 2019.

4. No pedido arbitral, o Requerente impugna a liquidação em apreço por vício de forma por falta de fundamentação, por vício de violação de lei e por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Entende o Requerente que o acto de liquidação, tal como lhe foi notificado, não cumpre quaisquer requisitos legais de fundamentação, sendo omisso quanto às razões de facto e de direito que levaram a entidade que praticou o acto de liquidação a agir daquele modo e não de outro, não sendo, pois, possível a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo por si percorrido.

Desconhece-se se a entidade que praticou o acto de liquidação desconsiderou a aplicação do regime de delimitação negativa da incidência previsto no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS, por falta do primeiro pressuposto, por falta do segundo, por falta do terceiro, por falta de todos ou por falta de uma qualquer combinação entre eles.

Além da falta de fundamentação, o acto de liquidação viola directamente o disposto no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS e, por isso, enferma do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos, não de podendo manter na ordem jurídica.

Caso assim não se entenda, a AT também errou de direito e de facto, ao não aplicar a sujeição de apenas 50% das mais-valias apuradas, nos termos do disposto no artigo 43.º do Código do IRS.

5. Em Resposta, a AT considera que, para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias) relevam os artigos 9.º e 10.º do Código do IRS pelo que o disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso em apreço.

 

Mais entende que, após a decisão proferida no Acórdão C-443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11 (Hollmann), o legislador nacional procedeu à adaptação da legislação nacional à decisão ali sufragada, aditando ao artigo 72.º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, o n.º 7 (actual n.º 9) e o n.º 8 (actual n.º 10).

Considera, ainda, a AT que o Requerente podia ter optado pela tributação desses rendimentos (mais-valias) à taxa que, de acordo com a tabela prevista no artigo 68.º, n.º 1, do Código do IRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

Acrescenta, ainda, que o Requerente podia ter optado, pela taxa autónoma de 28%, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

Conclui a AT que a alteração operada por via da introdução do actual artigo 72.º, n.ºs 9 e 10, do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território.

6. Por despacho de 19 de Julho de 2019, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral de dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e convidadas a produzir alegações escritas, tendo sido fixado o dia 30 de Setembro de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

7. As Partes apresentaram alegações escritas.

 

II – SANEADOR

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

III-1. DE FACTO

 

§1. Factos provados

Com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:

a)            Em 2017, o Requerente teve, para efeitos fiscais, dois estatutos fiscais: o estatuto de não residente, entre 1 de Janeiro e 21 de Setembro de 2017 e o de residente (parcial) de 22 de Setembro a 31 de Dezembro de 2017;

b)           O Requerente permaneceu na República Popular de Angola, onde esteve deslocado em serviço, entre 1 de Janeiro e 21 de Setembro de 2017;

c)            Em 10 de Abril de 2017, conjuntamente com a sua mulher B..., contribuinte n.º ..., com quem é casado em regime de comunhão de adquiridos, alienaram onerosamente, por contrato de compra e venda, a fracção autónoma designada pela letra “E”, que constitui o segundo andar e sótão, com garagem n.º ... na cave, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., n.º..., ... e..., união de freguesias de ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., que ambos haviam adquiridos ainda no estado de solteiros e onde mantinham a habitação própria e permanente do respectivo agregado familiar;

d)           Em 12 de Abril de 2017, o Requerente e a sua mulher adquiriam, por contrato de compra e venda, a fracção autónoma designada pelas letras “DX”, que constitui o rés-do-chão esquerdo, apartamento cento e vinte cinco, do Bloco M, com três lugares de estacionamento identificados com o n.º..., n.º ... e n.º ... e uma arrecadação identificada com o n.º ... localizados na cave, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., n.º ..., ... e ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o artigo ... e que os adquirentes declararam destinar à sua habitação própria e permanente, tendo-a aí instalado;

e)           O Requerente apresentou, como não residente e, em separado da sua mulher, a declaração de IRS correspondente ao período em que se verificou a alienação do prédio referido em c) e a compra do prédio referido em d);

f)            Nesta declaração de IRS, declarou a intenção de reinvestimento do valor de realização que lhe cabia (1/2) na alienação do imóvel referido em c);

g)            A declaração de IRS apresentada deu origem à liquidação n.º 2018..., com um montante de € 6.601,33, que inclui € 88,50 de juros compensatórios.

 

§2. Factos não provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultam, factos não provados.

 

§3. Fundamentação dos factos provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, na análise crítica da prova documental, que consta dos autos.

 

III- 2. DE DIREITO

 

III.2.1. Ordem de conhecimento dos vícios

 

Na apreciação dos vícios imputados ao acto cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos «vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos» [artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT], já que «a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» (artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

 

Por isso, não se apreciará prioritariamente o vício de falta de fundamentação, que tem natureza meramente formal e cuja procedência não afasta a possibilidade de renovação do acto com o mesmo conteúdo, começando-se por apreciar o pedido de reenvio prejudicial formulado pela AT e o vício de violação de lei, cuja procedência impede a renovação do acto de liquidação.

 

III.2.2. Do pedido de reenvio prejudicial formulado pela AT

 

Na Resposta, a AT sugeriu que as questões discutidas no presente processo fossem objeto de reenvio prejudicial para resposta pelo TJUE (cfr. artigo 37.º e seguintes da Resposta).

 

A este propósito sempre se poderá reafirmar o seguinte.

 

O instituto do reenvio prejudicial, previsto no artigo 267.º do TFUE, pode ser utilizado por este Tribunal Arbitral como, aliás, já foi reconhecido pelo TJUE no processo C-377/13, de 12 de Junho de 2014.

 

Nestes termos, e de acordo com o referido artigo 267.º, sempre que uma questão sobre a interpretação dos Tratados ou sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

 

Dito de outra forma, os tribunais nacionais – onde se inclui, naturalmente, este Tribunal Arbitral – devem proceder ao reenvio de questões prejudiciais, conforme previsto no artigo 267.º do TFUE – em consequência de questões ou dúvidas relativas à validade ou interpretação de normas de direito da União Europeia.

 

Tal significa que, não se suscitando quanto às normas em questão quaisquer dúvidas ou tendo as mesmas sido já esclarecidas pelo TJUE – considerando, nomeadamente a chamada “teoria do acto claro” (cfr. acórdão do TJUE CILFIT, de 6 de outubro de 1982, processo C-283/81) –, não devem os tribunais nacionais proceder ao reenvio prejudicial.

 

Assim, se já existir (i) jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou (ii) quando o modo correcto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco, um órgão jurisdicional nacional pode “decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece”. 

 

No caso em apreço, entende-se não ser necessário proceder ao reenvio ao TJUE de supostas dúvidas sobre interpretação de normas de Direito da União Europeia para que este Tribunal Arbitral profira a decisão.

 

III.2.3. Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral

 

A questão fundamental consiste em saber se se consideram ou não verificados os pressupostos para a exclusão de tributação de mais-valias, sendo que o Requerente era não residente em Portugal aquando a alienação do imóvel, o seu cônjuge tinha no imóvel, nessa mesma data, a sua residência própria e permanente e que o Requerente declarou, na sua declaração de IRS, a sua intenção de proceder ao reinvestimento das mais-valias.

 

A AT entende que não se encontram reunidos os pressupostos uma vez que o Requerente era, à data da alienação do imóvel, não residente em Portugal.

 

A resposta à questão prende-se com a interpretação do artigo 10.º, nº 5, do Código do IRS, sendo necessário examinar esta questão à luz da lei vigente à data a que se reportam os rendimentos objeto de tributação.

 

O artigo 10.º do Código do IRS determina que:

 

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

 

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…);

 

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

 

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respectiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

 

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efectuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

 

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respectivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

 

[destaque nosso]

 

O artigo 10.º, n.º. 5, do Código do IRS consagra a exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente do sujeito passivo ou do respetivo agregado familiar sempre que o valor de realização venha a ser reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim, dentro de determinados prazos e condições.

 

Tendo resultado provado que o Requerente declarou no Anexo G da sua declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2017, a sua intenção de proceder ao reinvestimento da mais--valia, pela totalidade, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, que o imóvel alienado era a habitação própria e permanente do seu agregado familiar, que o Requerente a sua mulher adquiriram, após a venda, outro imóvel no qual o agregado familiar Requerente passou a habitar, em termos de habitação própria e permanente, a questão essencial é saber se se encontram cumpridos todos os pressupostos para a exclusão da tributação ou se, o facto de à data da realização o Requerente viver em Angola, impõe que se considere que os ganhos assim obtidos não podem deixar de estar sujeitos, de forma imediata, a tributação nos termos do disposto no artigo 10.º , n.º 1, alínea  a) e 5 do Código do IRS.

 

Defende a AT que à data da alienação do imóvel, o Requerente tinha o estatuto de não residente fiscal em Portugal e, portanto, o seu domicilio fiscal, a sua residência própria e permanente e o seu centro de interesses vitais não se situava em território nacional, e sim em país terceiro (Angola).

 

Ora, o artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS admite a exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel se esta constituir a habitação própria e permanente e se a nova aquisição igualmente vier assumir idêntico destino, na perspetiva de salvaguardar a aquisição de imóvel que constitua a casa de morada de família do sujeito passivo ou do agregado no qual este se integre e que em conjunto o habitem (o que, segundo a AT, não seria o caso, não integrando o Requerente e a demais família um mesmo agregado familiar considerado para efeitos de tributação em IRS).

 

Apesar de o Código do IRS não conter uma definição de “agregado familiar”, a situação do Requerente não pode deixar de se enquadrar na previsão do seu artigo 13.º, na redacção à data dos factos.

 

À data da alienação do imóvel, o n.º 2 e o n.º 4 do artigo 13.º do Código do IRS determinam que:

 

2 - Quando exista agregado familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de facto, sem prejuízo do disposto relativamente aos dependentes, a não ser que seja exercida a opção pela tributação conjunta.

 

4 - O agregado familiar é constituído por:

 

a) Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, ou os unidos de facto, e os respetivos dependentes;

 

[destaque nosso]

 

Ora, entende o Tribunal Arbitral que a conjunção “ou” admite que, embora um dos sujeitos passivos não tenha, à data da alienação, a sua residência própria e permanente no imóvel alienado (sendo que até o teve antes), não fica precludido o direito àquele benefício se estiver em causa “a transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”.

 

A previsão normativa “transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar” não pode permitir, salvo melhor opinião, outra interpretação.

 

Se a norma restringisse a exclusão da tributação à “transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo”, poderia sufragar-se o entendimento da AT que nesse caso a mais-valia obtida pelo Requerente não poderia deixar de estar imediatamente sujeita a tributação.

 

Todavia, o texto da lei é diverso, bastando-se com o facto de o imóvel alienado fosse destinado a habitação própria e permanente do agregado familiar do Requerente, como é o caso.

 

Por conseguinte, o artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS é uma norma de exclusão de incidência de IRS relativa às mais-valias realizadas em bens imóveis, verificadas determinadas condições previstas na lei.

 

Como refere PAULA ROSADO PEREIRA, “Face aos contornos do regime em apreço, poder-se-á dizer que, na realidade, se está perante uma suspensão de tributação aplicável mediante simples manifestação, na declaração de rendimentos referente ao ano de realização, da intenção de proceder ao reinvestimento (…)” (Paula Rosado Pereira, Estudos sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Cadernos IDEFF, n.º 2, Almedina, Coimbra, 2005, p.101).

 

“A exclusão tem como objectivo favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente.” (cfr. José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 413).

 

“O objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias.” (cfr. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, p. 114).

 

“Trata-se, naturalmente, de não onerar fiscalmente a efectivação do direito fundamental à habitação” (cfr. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, ISG, Coimbra, 1999, p. 168).

 

Assim sendo, entende o Tribunal Arbitral que sempre seria de se reconhecer ao Requerente o direito à exclusão da tributação dos rendimentos de mais-valias que deram origem à liquidação impugnada, mediante simples manifestação, na declaração de rendimentos referente ao ano de realização, da intenção de proceder ao reinvestimento.

 

E como ainda não decorreu o prazo legal de 36 meses contado da data da realização, só mais tarde se apurará se o Requerente concretiza o reinvestimento da totalidade da mais-valia declarada e se ficará ou não excluída a tributação, no todo ou em parte, em termos definitivos.

 

Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que a liquidação de IRS do ano de 2017, aqui impugnada, é ilegal por configurar vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito em que assentou, dada a errada interpretação das normas legais aplicáveis.

 

Pelos motivos apontados, também no caso dos autos não poderá deixar de ser integralmente anulada a liquidação de IRS do ano de 2017, objecto do pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

III.2.4. Questões prejudicadas

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, por violação do artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS, que assegura efectiva e estável tutela dos direitos do Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados, seja o vício de falta de fundamentação, ou a não consideração de apenas 50% da mais-valia realizada.

 

Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no citado artigo 124.º do CPPT, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.

 

Com efeito, se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios imputados ao acto tributário seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.

 

Por isso, julgado procedente o pedido com fundamento num vício de violação de lei que impede a renovação dos actos impugnados com o mesmo sentido, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados, sejam formais e procedimentais, seja também de violação da lei.

 

III.2.5. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

 

O Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela AT, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto no artigo 24.º, alínea b),  do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Pese embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Cumpre, pois, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Pelo que se referiu, o pedido de pronúncia arbitral procede totalmente quanto à liquidação de IRS n.º 2018 ..., relativa ao ano de 2017, no valor de € 6.601,33.

 

Por isso, o Requerente tem o direito de ser reembolsado desta quantia, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

Pelo exposto, procede o pedido de reembolso da quantia de € 6.601,33.

 

A ilegalidade desta liquidação imputável à AT, pois emitiu-a por sua iniciativa, com errada interpretação da lei.

 

Consequentemente, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar.

 

Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que o Requerente efectuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil.

 

IV - DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a liquidação de n.º 2018 ..., relativa ao ano de 2017, no valor de € 6.601,33, com a consequente restituição do imposto pago;

b)           Julgar procedente o pedido na parte relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor do Requerente, em virtude do imposto indevidamente pago, desde a data em que o Requerente efectuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva.

 

V - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 6.601,33 (seis mil, seiscentos e um euros e trinta e três cêntimos cêntimos), nos termos do disposto nos artigos 299.º, n.º 1 e 259.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, e, bem assim, do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI - CUSTAS

Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da AT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 30 de Setembro de 2019

 

O árbitro,

(Hélder Faustino)