Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 172/2020-T
Data da decisão: 2021-06-21  Selo  
Valor do pedido: € 15.379,81
Tema: Imposto do Selo – Verba 28.1 – Ano de 2014 - Terreno para construção – Afetação mista.
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Sumário:

 

I – Devem considerar-se como «terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI», aqueles terrenos em que o «edifício a construir» esteja definido como destinado a habitação em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projeto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva.

II – Face à redação introduzida pela Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE para 2014) não foi tida em conta pelo legislador a situação de um terreno para construção com afetação mista (habitação serviços, estacionamento e outros), mas apenas os prédios, incluindo terrenos para construção, com afetação habitacional, entendendo como tal um terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação. Acompanhando o STA nesta matéria (no Acórdão de 06-06-2018 – Proc. 080/2018), «para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de que são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação sob pena de carecermos de uma interpretação extensiva da norma de incidência em tudo desconforme com o disposto no art.º 103.º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa.»

III - O ónus da prova dos pressupostos da incidência do imposto cabe exclusivamente à AT e devem ficar demonstrados na liquidação de imposto.

IV - Os atos tributários impugnados padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que, uma vez anulados e demonstrado que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido o sujeito passivo tem direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

1.            A..., NIF ..., B..., NIF ..., e C..., NIF..., na qualidade de membros da Comissão Liquidatária nomeada no âmbito do processo de liquidação judicial de instituições de crédito e sociedades financeiras n.º .../18...T8LSB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa, Juízo ..., em que é insolvente o D..., S.A. - EM LIQUIDAÇÃO, NIPC ..., com sede na ..., ..., ..., ...-..., Lisboa (adiante abreviadamente designado por «D... »), apresentaram, em 13-03-2020, pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou ATA), para anulação dos atos tributários de indeferimento do pedido de revisão da liquidação de imposto do Selo (IS) a seguir melhor identificados.

 

2.            Pretendem os Requerentes a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito dos autos de procedimento administrativo de revisão oficiosa n.º ...2019..., junta à PI como documento nº 1, bem assim como a impugnação da liquidação de Imposto Selo (IS) n.º 2016..., referente ao ano de 2014, resultante da aplicação da taxa de 1% prevista na Verba 28.1 da Tabela Geral - TGIS, que incidiu sobre o imóvel, a que corresponde o artigo matricial urbano nº..., da União de Freguesias de ... e ..., concelho de Odivelas. Entende o Requerente que a liquidação em causa é ilegal por padecer de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, designadamente por o prédio em causa, ser um terreno para construção, com afetação múltipla, não exclusivamente destinado a habitação, o que, à luz da versão da lei em vigor ao tempo do facto tributário não preenchia os pressupostos de incidência previstos na verba 28.1, do CIS.

 

3.            Está em causa o valor de €15.379,81, já pago pelo insolvente D..., pelo que cumula com o pedido de anulação destes atos tributários a devolução do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

4.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16-03-2020. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a aqui signatária como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respetivo prazo. As partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento pelo que, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 05-08-2020.

 

5.            Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído desde 05-08-2020 para apreciar e decidir o objeto do processo e nesta mesma data foi a AT notificada do despacho arbitral proferido para se pronunciar nos termos do artigo 17º do RJAT. Em 29-09-2020 foi junta aos autos a resposta da AT e respetivo processo administrativo (PA).

 

6.            Em 01/10/2020 foi proferido despacho, devidamente notificado às partes, nos termos do qual se auscultou a sua opinião sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT. Apenas a Requerente se pronunciou afirmativamente, sendo que a AT já o havia manifestado na sua Resposta. Pelo que, o Tribunal, entendeu, em conformidade, dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e fixou prazo para alegações das partes.

 

As partes apresentaram as suas alegações, respetivamente, a Requerente em 12-11-2020 e a Requerida em 24-11-2020.

 

7.            Entretanto, já em contexto de suspensão de prazos judiciais e arbitrais, determinado em contexto da legislação de exceção determinada pela pandemia COVID 19, foi proferido em 05-02-2021, despacho arbitral a prorrogar o prazo para prolação da decisão arbitral, nos termos previstos no artigo 21º, nº2, do RJAT. Posteriormente, em 07-04-2021, em complemento ao despacho arbitral anterior foi proferido novo despacho a esclarecer os termos da contagem do prazo, considerando o período de suspensão COVID 19, nos termos seguintes:

 

“Esclarecimento sobre a data-limite para decisão arbitral: contagem de prazo.

Considerando o Despacho proferido em 06-02-2021 e a suspensão de prazos operada desde 22 de janeiro de 2021, decorrente do disposto no artigo 4º, da Lei nº 4-B/2021 de 01 de fevereiro, que procede à nona alteração à Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março,  que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS - CoV - 2 e da doença COVID -19, esclarece-se que, nos presentes autos, com a prorrogação do prazo decidida por despacho de 06-02-2021, a data limite para prolação da decisão arbitral passa a ser o próximo dia 21-06-2021, dado que a suspensão operou 15 dias antes da data limite para a decisão (05-02-2021), contando-se os dois meses da prorrogação a partir do próximo dia 21-04-2021.(…)”

 

8.            Em síntese, como fundamento do pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega que as liquidações de Imposto do Selo impugnadas são ilegais, com fundamento em diversos erros na aplicação do direito, imputáveis à AT, resultantes da violação da Verba 28.1 da TGIS e dos artigos 77.º da LGT, 153.º do CPA e 268.º, n.º 3, da CRP, na redação em vigor à data dos factos (2014), e em erro sobre os pressupostos de facto (qual seja o de considerar que o Terreno para construção tinha edificação prevista ou autorizada para habitação). Considera que o indeferimento do pedido de revisão é manifestamente ilegal, porquanto todos os pressupostos de revisão oficiosa estão preenchidos uma vez que: o pedido de revisão oficiosa é da iniciativa da AT (embora no caso em apreço, a pedido da Requerente); o pedido de revisão oficiosa foi apresentado no prazo legal de 4 anos a contar da data da liquidação e esta resultou, inequivocamente, de um erro imputável aos serviços na interpretação e aplicação das normas de incidência do imposto do selo.

 

9.            O que está em causa no presente pedido arbitral é a ilegalidade da liquidação do IS nº 2016..., referente ao ano de 2014, emitida nos termos da Verba 28.1. da TGIS (na redação em vigor à data dos factos) sobre um terreno para construção da titularidade da Requerente, no pressuposto errado de que o mesmo tinha, em 31.12.2014 uma edificação prevista ou autorizada exclusivamente para habitação. Não se verificando o referido pressuposto com base no qual foram emitidas as liquidações contestadas, é evidente que as mesmas assentam em erro sobre pressupostos de facto imputável à AT. Do ponto de vista da Requerente a AT incorreu igualmente em erro na aplicação do direito na medida em que, conforme referido, não se mostra preenchido um dos pressupostos legais de que depende a tributação dos terrenos para construção em Imposto do Selo da Verba 28.1 da TGIS e, em concreto, que “(…) a edificação, prevista ou autorizada [dos terrenos para construção], seja para habitação”.

 

Ora, no caso dos presentes autos, o que está em causa é a tributação de um prédio de um terreno para construção, o qual apesar de dispor de autorização de loteamento e construção não tinha afetação circunscrita a habitação, encontrando-se igualmente prevista, nos termos do respetivo Alvará de licenciamento, a afetação a comércio, serviços e estacionamento, com um único VPT, não estando diferenciado o valor de cada uma das partes. De resto, como resulta evidenciado na própria matriz predial urbana à data da emissão das liquidações contestadas, a afetação habitacional nela mencionada, significava apenas a indicação do «coeficiente de localização», ou seja, como mera indicação para determinação do VPT do prédio.

 

Alega ainda a requerente que cabia à AT a demonstração que o terreno para construção tinha edificação prevista ou autorizada exclusivamente para habitação, o que não alcançou demonstrar nem tal seria possível, pois que a edificação prevista ou autorizada do terreno para construção não é nem nunca foi exclusivamente para habitação. Assim, e por último, carece de fundamentação a liquidação do IS, porquanto não apresenta sustentação para a conclusão a que chegou e que a conduziu à emissão da liquidação de imposto impugnada. Donde resulta a ilegalidade dos atos tributários impugnados, ou seja, da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da liquidação que lhe está subjacente.

Por último, a Requerente invoca, em favor do seu entendimento, jurisprudência diversa, quer arbitral, quer dos nossos Tribunais superiores e conclui requerendo a anulação das liquidações com a consequente restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

10.          A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual pugna pela legalidade dos atos tributários impugnados, reitera que os mesmos devem persistir por serem legais e, alega que a Requerente não demonstrou que o prédio não tivesse afetação exclusivamente habitacional.

Alega ainda que a norma cuja inconstitucionalidade é suscitada passou, mais do que uma vez, no crivo do Tribunal Constitucional, mormente nos acórdãos n.ºs 590/2015, 247/2016, 568/2016 e 70/2017 e decisões sumárias n.º 268/2016 e 605/2016, todos consultáveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/home.html#, e não mereceu a censura que lhe era, e é no âmbito do presente pedido, apontada. Com efeito, em face do Acórdão n.º 250/2017 do Tribunal Constitucional, usado diversas vezes enquanto favorável à tese da inconstitucionalidade da Verba 28.1, a Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional nos termos e para os efeitos do art.º 79.º-D da LTC. Convoca o Acórdão do Plenário n.º 378/20181 (4/7/2018), onde se decidiu:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante na Verba 28.1 da TGIS (redação OE2014), na parte que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00;

b) Conceder provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

c) Revogar o Acórdão 250/2017.

 

11.          Alega, por fim, que em decisões proferidas em tribunais arbitrai constituídos sob a égide deste Centro Arbitral, foi já reconhecido este entendimento, nomeadamente, nas decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 212/2018-T, 497/2015-T e .255/2019, mantendo as liquidações de IS ali em crise na ordem jurídica por conformidade com a ordem jurídica vigente.

Conclui pugnando pela manutenção dos atos tributários impugnados.

 

 

II – SANEAMENTO

 

12.          O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

 

13.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

14.          O processo não enferma de nulidades.

 

15.          Não foram suscitadas exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

III – MATÉRIA DE FACTO

 

16.          Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos – tendo presente que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado (cfr. artº. 596.º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do CPC), e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artº. 123.º, nº.2, do CPPT).

 

A)           Matéria de facto:

17.          Assim, consideram-se, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, os seguintes factos:

a.            A Requerente foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º .../18... T8LSB que corre termos no Tribunal de Comércio de Lisboa – Juiz ...;

b.            Em 31-12-2014 a Requerente era proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial qualificado como terreno para construção, a que corresponde o artigo matricial urbano -..., da União de Freguesias de ...e ..., concelho de Odivelas.

c.            O prédio em causa corresponde a terreno para construção, dispondo de edificação prevista ou autorizada para habitação, serviços, comércio e estacionamento;

d.            Na Caderneta Predial do prédio em causa consta que o mesmo é um terreno para construção, com a seguinte indicação: "Tipo de Coeficiente de Localização: Habitação".

e.            No Alvará de Licença de Construção junto aos autos como documento nº6 consta: «obras aprovadas por despacho do Vereador (…) Área total de construção — 8210.65 m2; --- — ~N.° fogos—21;--- ~‘N.° de ocupações —6; — N.° de estacionamentos afetos ao uso exclusivo dos fogos — 82; -N.° de pisos acima da cota de soleira — 5 — N.° de pisos abaixo da cota de soleira — 2; — Cércea— 17.15/17,21; — Volumetria— 18592,78 m3; >Uso a que se destina a edificação — habitação e atividades económicas.»

f.             O prédio tem o VPT único atribuído de 1.537.981,47€.

g.            A Requerente foi notificada da liquidação de IS nº 2016..., referente ao prédio descrito e ao ano de 2014, por aplicação da taxa de 1% sobre o VPT, nos termos da verba 28.1 da TGIS, em vigor ao tempo do facto tributário, no valor de 15.379,81€.

h.            A Requerente pagou o imposto dentro do prazo de pagamento voluntário.

i.             A Requerente apresentou pedido de revisão da liquidação do imposto do selo, no qual juntou vários documentos, incluindo os alvarás de construção juntos ao pedido arbitral como documentos nºs 6 e 7;

j.             Este pedido de revisão foi indeferido em 20.12.2019, depois de tramitado e no âmbito do qual a Requerente foi ouvida em sede de direito de audição.

k.            Em 16.03.2020 foi apresentado o pedido de constituição arbitral.

 

 

B)           Fundamentação da matéria de facto:

 

18.          A matéria de facto dada como provada assentou no exame crítico da prova documental apresentada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo junto aos autos. Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada de não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 670º, nº 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis, da(s) questão (ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formando a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimentos das pessoas (cfr. artigo 670º, nº 3º do Código de Processo Civil, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 42/2013, de 26 de Junho).

 

19.          Não foram dados como não provados factos com relevo para a decisão da causa. Como resulta evidenciado por tudo o que vem exposto a questão essencial controvertida versa sobre a interpretação e aplicação da norma de incidência do IS no caso concreto descrito nos presentes autos.

 

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

20.          Conforme resulta do pedido arbitral, a Requerente manifesta a sua inconformidade com os atos de liquidação impugnados por entender ser ilegal a aplicação, ao caso, da verba 28.1 da tabela anexa ao CIS (Tabela Geral do Imposto do Selo). Com efeito, sustenta a Requerente que o prédio em causa se caracteriza como um terreno para construção, o qual não tinha ao tempo do facto tributário (31-12-2014) edificação prevista ou autorizada exclusivamente para habitação, o que afasta a aplicação da aludida verba 28.1 da TGIS.

Esta é, verdadeiramente, a única questão a decidir.

 

21.          A questão coloca-se em virtude da tributação, em sede de imposto do selo, da propriedade, usufruto ou direito de superfície, de prédios urbanos com afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário, constante da matriz, seja igual ou superior a € 1.000.000 €, caso em que é devido imposto, à taxa de 1%, sobre respetivo valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI. Questão que não é nova, tendo sido objeto de apreciação quer na jurisdição arbitral, quer na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e de diversas decisões arbitrais.

 

22.          É sabido que, de acordo com o CIMI, designadamente com o seu artigo 6.º, n.º 1, c), que os terrenos para construção poderão ter como afetação a habitação. Tal decorre do artigo 41.º, do mesmo código e que, como resulta, para além do mais, expressamente do artigo 45.º, nº 5, será determinada com base nos elementos a que alude o artigo 37.º do mesmo diploma, sendo que o n.º 3 deste artigo se refere: “Em relação aos terrenos para construção, deve ser apresentada fotocópia do alvará de loteamento, que deve ser substituída, caso não exista loteamento, por fotocópia do alvará de licença de construção, projecto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva”.

 

Ora, a este propósito, sobre idêntica questão de facto e de direito afirma-se na decisão arbitral nº 296/2019, que: “a menção da verba 28.1 da TGIS em análise deve ser lida, como remetendo para o conteúdo material do que, face ao CIMI, seja «terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação», não se bastando com a mera formalidade de a AT – bem ou mal -, em aplicação das normas daquele Código (CIMI), ter qualificado para efeitos matriciais um determinado imóvel como tendo essa afectação, já que se fosse essa a intenção do legislador, dentro da presunção de razoabilidade que lhe subjaz, seguramente que teria utilizado a expressão “terreno cujo tipo de coeficiente de localização utilizado para efeitos de determinação do VPT seja habitação”, ou outra, análoga (…) deverão considerar-se como «terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI», aqueles terrenos em que o «edifício a construir» esteja definido como destinado a habitação em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva.

Tal entendimento já havia, aliás, sido acolhido pelo STA, no Acórdão de 28-11-2018 – Proc. 0829/15.5BELLE -, ao referir que “Assim, no que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, devem, de acordo com o artº 6º, nº 3 do CIMI, ser considerados como tal os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo”.

Com algumas nuances pontuais, podemos dizer que esta é a orientação da jurisprudência arbitral sobre a matéria, reforçada pelo suporte da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, à qual se adere integralmente.

E, no que respeita aos acórdãos arbitrais invocados pela AT como exemplos de adesão ao entendimento que ela própria perfilha, diga-se, desde já, que não lhe assiste razão e incorre num equívoco de análise da dita jurisprudência. Em síntese, sobre este ponto, que fique claro que os Tribunais aplicam a lei e não temos dúvida que com a LOE 2014 o legislador alargou o âmbito de incidência aos terrenos para construção, com construção autorizada afeta a habitação. Mas o alargamento do âmbito de incidência está bem definido e limitado a estes casos. Por isso, no caso 497/2016 T o tribunal arbitral decidiu pela improcedência do pedido, por entender que um terreno para construção com licença de construção aprovada para habitação estava abrangido pela nova formulação da verba 28.1 do CIS. Mas basta comparar a matéria de facto assente nesse processo e a que resulta dos presentes autos para perceber que estamos perante situações de facto diversas. No caso dos presentes autos não resulta da matriz essa afetação a habitação, mas tão só uma consideração de coeficiente de localização como integrando zona afeta a habitação, sendo determinante o que consta nos Alvarás de licença de construção, dos quais se extrai sem margem para dúvida que este prédio tem construção autorizada com afetação mista, habitação, serviços e estacionamento. Estamos assim perante realidades de facto substancialmente diferentes.

 

23.          Ora, no caso em apreço, está assente que, relativamente ao prédio em causa, foram emitidos os Alvarás de Obras e Loteamento Nºs 22 e 23 de 2014(Doc. 6 e 7 juntos ao PA) deles constando edificação prevista ou autorizada mista (para habitação, comércio e estacionamento). Já a inscrição na Caderneta Predial é pouco clara, sem fundamentação explícita dos critérios utilizados, embora seja possível concluir que a percentagem para cálculo da área de implantação que seguiu o critério do tipo de coeficiente de localização habitacional foi apenas e só para efeitos de determinação do VPT, o que nos permite concluir que a AT ao proceder à avaliação deste prédio bem sabia que a sua afetação nunca seria exclusivamente para habitação. Mais não podemos concluir a partir da caderneta predial junta aos autos.

 

24.          Posto isto, importa referir que a situação dos terrenos para construção com afetação mista, foi objeto de apreciação expressa pelo STA, designadamente no Acórdão de 06-06-2018 – Proc. 080/2018, no qual se decidiu o seguinte:

 

“- Na presente situação em que foi concedido um alvará de loteamento de acordo com o qual os prédios se destinam «a habitação colectiva e comércio/serviços», não está em causa um prédio cujo destino é apenas a habitação.

 

- Não estabelece a verba 28 em análise qualquer critério ou necessidade de ponderação sobre a percentagem em que o prédio se destina a habitação ou a comércio/serviços para podermos considerar que o legislador teve em conta tal realidade e, nada havendo dito sobre ela, concluirmos que a pretende dissolver na afectação para habitação.

 

- A Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro esclareceu que os anteriormente por ele denominados prédios com afectação habitacional eram, afinal, os prédios urbanos ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

 

- Para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de se são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação. (…)

 

- Na presente situação sabemos que foi concedido um alvará de loteamento pelo Alvará de Loteamento n.º 5/2006, de acordo com o qual os prédios se destinam «a habitação colectiva e comércio/serviços», o que é diverso de se destinarem a habitação. Não estabelece a verba 28 em análise qualquer critério ou necessidade de ponderação sobre a percentagem em que o prédio se destina a habitação ou a comércio/serviços.

 

- Também se desconhece qual a frequência e peso específico no volume edificado para o mercado imobiliário da afetação de certas partes dos edifícios, mormente do respetivo rés-do-chão, a fins diversos da habitação, mormente, o comércio e os serviços, precisamente por força de razões económicas, de estratégia financeira, atinentes à rentabilidade e fruição de todos os espaços disponíveis, de que a norma em apreço não dá qualquer nota ou relevo. Existe, mas não sabemos se é significativa e, não podemos considerar que o legislador teve em conta tal realidade e, nada havendo dito sobre ela, concluirmos que a pretende dissolver na afectação para habitação.

 

- Ao invés, cremos que é uma realidade que não foi tida em conta pelo legislador, como antes não havia devidamente ponderado que a lei estabelece uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, que com a Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro esclareceu que os anteriormente por ele denominados prédios com afectação habitacional eram, afinal, os prédios urbanos ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação. Para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de que são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação sob pena de carecermos de uma interpretação extensiva da norma de incidência em tudo desconforme com o disposto no art.º 103.º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa”.

 

25.          Nesta mesma linha tem seguido a jurisprudência arbitral, incluindo a que vem mencionada pela AT. A título de exemplo e para que fique absolutamente claro, no Acórdão Arbitral proferido no processo nº 497-2016, no qual fomos um dos árbitros subscritores, o tribunal deixou bem clara a sua posição ao afirmar:

“- A opção legislativa que a Verba 28.1. da TGIS encerra, no sentido de limitar a tributação em Imposto do Selo aos «prédios urbanos habitacionais e terenos para construção cuja edificação prevista ou autorizada seja para habitação» deixa perceber o propósito consciente de não sujeitar a tributação desta verba, os prédios com afetação a serviços, indústria ou comércio, o que é, em tese, entendível em face da sua afetação à atividade económica e ao clima económico de recessivo que se vem vivendo em Portugal, com particular gravidade desde 2011. (sublinhado nosso)

Num contexto económico extremamente adverso como que tem vindo notoriamente a se observar nos últimos anos e a precariedade económico-financeira do País, a sujeição a tal verba poderia funcionar como um detonador com efeitos fortemente destrutivos sobre o já de si frágil tecido empresarial e consequentemente, não menos nefasto para o emprego e a coesão social.

A opção legislativa de apenas sujeitar a tributação os prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja habitação enquadra-se, a nosso ver e igualmente, numa opção política de fundo, com substrato de racionalidade e justificação objetivas ao nível das escolhas que cabem ao legislador, sem que daí decorra uma sobrecarga gratuita ou arbitrária.

É que, em qualquer caso, o valor da capacidade contributiva, não obstante da maior relevância para a aferição do princípio da igualdade em matéria tributária, não representa um valor constitucionalmente absoluto, pelo que não poderá deixar de ser ponderado e aferido tendo igualmente em atenção os objetivos do sistema fiscal com idêntica consagração constitucional e a racionalidade e justificabilidade das opções político-legislativas que no quadro do concreto contexto económico existente melhor defendam e acomodem uma justa repartição dos encargos fiscais, com vista a uma justa repartição da riqueza e fazer face às necessidades financeiras do Estado (Social).

 

Por tudo o que se deixa exposto é entendimento deste Tribunal que a verba 28.1, na redação introduzida pela Lei nº 83-C/2013 de 31 de dezembro se aplica aos terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja habitação, e que essa aplicação não padece de qualquer inconstitucionalidade.”

 

26.          Retornando ao caso dos presentes autos, face ao exposto e, designadamente, à jurisprudência citada, que acolhemos sem reservas, estando em causa terreno a que foram atribuídas diferentes afetações construtivas (que não exclusivamente habitação), nunca se poderá considerar que o Imposto do Selo, tal como previsto ao tempo do facto tributário (ano de 2014) incida apenas sobre a parte do prédio com afetação habitacional. Pelo contrário, sendo inquestionável que a afetação do prédio ora em causa apenas é parcialmente habitacional, pese embora a sua inscrição na matriz apenas com afetação habitacional (o que se afigura desconforme com a realidade material do prédio face aos Alvarás supra mencionados), e que a norma de incidência não prevê tal situação, impõe-se concluir que os atos de indeferimento do pedido de revisão do ato e o próprio ato de liquidação de IS, ambos impugnados no presente pedido arbitral, padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, subjacentes á norma de incidência tributária, pelo que se impõe a anulação de ambos, e em consequência da anulação há que repor a situação que existiria se não tivessem ocorrido, reembolsando o sujeito passivo do valor de IS pago acrescido de juros indemnizatórios, conforme a seguir melhor se explicita.

27.          Por último, impõe-se uma referência ao alegado pela AT na sua Resposta quando invoca que o sujeito passivo não demonstrou a natureza de «afetação mista» do prédio em causa. Ora, por tudo o que vem exposto resulta bem evidente o contrário, porquanto, se dúvidas houvesse, no processo de revisão oficiosa foi junta documentação que prova com toda a evidência essa natureza mista do terreno. Mas, diga-se que nesta matéria é grande o equívoco da Requerida, porquanto, o ónus da prova dos pressupostos da incidência do imposto cabe exclusivamente à AT. Dito de outro modo, era esta que estava sujeita ao ónus da prova da exclusiva afetação habitacional do terreno para construção em causa nos autos. O que não podia demonstrar desde logo face à prova inequívoca resultante dos Alvarás de licença de obras de construção juntos aos autos pelo sujeito passivo.

 

Face ao que vem exposto, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

 

Quanto ao pedido de JUROS INDEMNIZATÓRIOS:

 

28.          Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios. Pelo que fica explicito no ponto anterior da presenta decisão já se antevê que é entendimento deste tribunal assistir à requerente direito a juros indemnizatórios. Vejamos, apenas mais em pormenor a fundamentação para tal decisão.

 

29.          Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido. O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

30.          Ora, no caso em apreço, é manifesto que ocorreu, de facto, um erro imputável à AT na liquidação em crise que por sua iniciativa o praticou sem suporte legal, como bem se deixou expresso e fundamentado ao longo dos itens anteriores. Acresce que a AT teve a oportunidade de emendar o erro e revogar o ato, quando confrontada com o pedido de revisão do ato, tendo optado deliberadamente por manter o ato na ordem jurídica, o que só por si a responsabiliza de forma inequívoca pelo erro.

 

Pelo que, sem necessidade de mais considerandos, assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente àquele imposto.

 

 

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular os atos impugnados, a saber: o ato de indeferimento da revisão oficiosa procedimento administrativo de revisão oficiosa n.º ...2019..., bem assim como a impugnação da liquidação de Imposto Selo (IS) n.º 2016..., referente ao ano de 2014, com a consequente restituição à Requerente da quantia paga.

 

b)           Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

 V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em €15.379,81, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 918,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 21-06-2021

 

O Árbitro

(Maria do Rosário Anjos)