Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 170/2021-T
Data da decisão: 2021-11-09  Selo  
Valor do pedido: € 161.058,95
Tema: Imposto de Selo; isenção; artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo.
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SUMÁRIO:

 

  1. Nos termos da alínea e) do n.º 1 e n.º 7, ambos do artigo 7.º do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária;
  2. Esta isenção, à semelhança de todas as outras, enquadra-se no conceito de benefício fiscal fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;
  3. Uma SGPS não é uma entidade financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do BCE no âmbito da sua atividade;
  4. Não é possível extrair do regime jurídico das SGPS’s; do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36/UE, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento (UE) n.° 575/2013, que as SGPS's, como a Requerente, pelo objeto e natureza das participações, integram o conceito de “instituição financeira”.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dra. Ana Luísa Ferreira Cabral Basto e Dra. Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 I – RELATÓRIO

  1. No dia 22-03-2021, A..., SGPS, S.A., pessoa coletiva nº..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ..., Lisboa, com o capital social de € 50.000,00 (doravante “Requerente”), veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, (doravante, abreviadamente designado de “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
  2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2019..., na medida em que não reconheceu a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo, resultantes da utilização de crédito, juros e comissões, efetuados pelo B... S.A. (B...) e pelo Banco C..., S.A. (C...), referentes ao período compreendido ente maio de 2015 a dezembro de 2016, e, bem assim, a legalidade de tais liquidações de Imposto de Selo, no montante total de € 161.058,95, e, consequentes, anulação da liquidação de imposto do selo (doravante IS) e reembolso desta quantia, com juros indemnizatórios.
  3. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT”, “Administração Tributária” ou “Requerida”).
  4. Posição da Requerente:

A Requerente, para fundamentar o pedido que deduz, alega, em síntese, que, quer o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, quer os actos de autoliquidação de Imposto do Selo atrás identificados “padecem de vício material de violação de lei”, por violação do disposto na alínea e), do n.º 1, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo (“CIS”).

Defende que os montantes correspondentes às autoliquidações efectuadas, não se mostram devidos dado que, a Requerente, na qualidade de SGPS, beneficia da isenção de imposto prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Considera a Requerente que os actos de liquidação sub judice encontram-se incluídos na previsão daquela isenção, atendendo a que:

  1. o Imposto do Selo em causa foi liquidado tendo por referência os juros e as comissões suportados pela Requerente;

ii) os juros e as comissões em causa decorrem de créditos concedidos por instituições de crédito domiciliadas num Estado Membro da União Europeia (Portugal); e

iii) os juros e as comissões em causa foram pagos por uma sociedade também ela domiciliada num Estado Membro da União Europeia (Portugal), cuja forma e objecto preenche o tipo de instituição financeira previsto na legislação comunitária, nomeadamente, o de “sociedade gestora de participações”.

Argumenta ainda a Requerente que preenche o requisito subjetivo previsto no citado normativo e que, na qualidade de SGPS, deve ser considerada uma instituição financeira, no conceito previsto na legislação comunitária. A Requerente fundamenta o seu entendimento na interpretação conjugada que faz das normas constantes do ponto 22) do n.º 1 do artigo 3.º da Diretiva 2013/36 e, por via de remissão, do estabelecido no ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho (“Regulamento n.º 575/2013”), de onde concluí que o legislador europeu integra no conceito de “instituição financeira” qualquer empresa cuja actividade principal seja a aquisição de participações, como é o caso da Requerente, que atento o seu objecto social e actividade que desenvolve, se integra no tipo de “instituição financeira” previsto na legislação comunitária.

A Requerente alega ainda que “ (…) para além de preencher o conceito de instituição financeira na legislação comunitária, na modalidade de sociedade gestora de participações [cfr. o artigo 4.º, n.º 1, parágrafo 26, do Regulamento UE n.º 575/2013 e, consequentemente, o artigo 3.º, n.º 1, parágrafo 22) da Directiva 2013/36], não cai na exclusão desse conceito prevista para as sociedades gestoras de participações que controlem ou dominem uma (ou mais) empresas de seguro ou de resseguro (cfr. artigo 212.º, n.º 1, pontos f) e g) da Directiva 2009/138/CE).”

Refere ainda que sobre esta temática, se debruçaram já os acórdãos arbitrais, proferidos no âmbito dos processos nºs 819/2019-T e 836-2019-T que entenderam que “(…) integrando as participações detidas pelas SGPS o conceito de «participação» previsto na legislação europeia, sempre será de concluir que a Requerente é uma empresa, na acepção do ponto 26), do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013, «cuja actividade principal é a aquisição de participações sociais», integrando, portanto, o conceito de «instituição financeira» previsto naquele normativo e, consequentemente, passível de beneficiar da isenção do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo.”

Defende ainda a atuação arbitrária da Requerida ao considerar outras instituições, como instituições financeiras e recusar o mesmo tratamento e qualificação à Requerente.

Alega ainda, que “(…) a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo na redacção em vigor à data dos factos é inconstitucional quando interpretada (conforme pretendido pela AT) no sentido de excluir da lista de mutuárias susceptíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de instituições financeiras, as SGPS, num contexto em que é interpretada como incluindo os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento, os fundos de capital de risco, etc. por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias (artigos 2.º - Estado de Direito – e 13.º da Constituição da República Portuguesa).”

  1. Posição da Requerida:

A Requerida, na sua Resposta, e em sínteses, invoca a exceção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral em relação às autoliquidações de imposto do selo ocorridas antes de 20-05-2015 e depois de 30-03-201e contesta que a Requerente preencha o requisito subjetivo previsto no artigo 7.º, n.º1, alínea e) do CIS.

Defende a Requerida que a Requerente (…) não se qualifica, face à legislação comunitária, como «instituição financeira», não preenchendo, consequentemente, o pressuposto subjetivo da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.”.

A Requerida refuta ainda que as liquidações de imposto do selo em causa, padeçam de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, defendendo que as mesmas devem ser mantidas na ordem jurídica, para todos os efeitos legais, devendo em consequência o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, com a sua consequente absolvição de todos os pedidos.

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 22-03-2021, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 23-03-2021.
  2. Em 12-05-2021, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo as aqui signatárias, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  3. As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 12-05-2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, pelo que o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 01-06-2021.
  4. Em 02-06-2021, foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.
  5. Em 07-07-2021, a AT apresentou a sua Resposta, onde invocou em sede de exceção, a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral em relação às autoliquidações de imposto do selo ocorridas antes de 20-05-2015 e depois de 30-03-2016 e na qual em sede de impugnação, defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, com a sua consequente absolvição de todos os pedidos.
  6. Em 08-07-2021, foi proferido despacho arbitral determinando a notificação da Requerente, para no prazo de 10 dias, exercer o contraditório relativamente à matéria da exceção.
  7. Em 19-07-2021, a Requerente apresentou resposta à exceção de deduzida pela Requerida, defendendo a respetiva improcedência.
  8. Em 25-07-2021, o Tribunal Arbitral proferiu despacho a dispensar a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. No mesmo despacho as partes foram notificadas para produzirem alegações e foi designado o dia 2 de Dezembro de 2021 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

Ambas as Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.

 

II - SANEAMENTO

  1. A Autoridade Tributária suscitou a exceção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral em relação às autoliquidações de imposto do selo ocorridas antes de 20-05-2015 e depois de 30-03-2016, o que será analisado mais adiante, onde se conclui no sentido da tempestividade do pedido.
  2. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. O processo não enferma de nulidades.
  4. Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

III - DO MÉRITO

III-I- MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

a) A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (“SGPS”), domiciliada em Portugal, que se rege pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro (e alterações subsequentes), e que como tal exerce uma actividade económica de forma indirecta (cfr. documentos n.ºs 7 e 8, juntos com a PI[1]).

b) A Requerente, tem por objecto “a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividade económica.” (cfr. documento 8, junto com a PI e PA[2]).

c) A Requerente, no âmbito da actividade que desenvolve, celebrou com o D..., S.A. atualmente, B... (“B...”) os contratos de abertura de crédito, juntos com a PI, como documentos 9 a 14, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e celebrou com o Banco C..., S.A. (“C...”), o contrato de crédito, identificado no documento nº 15 junto com a PI.

d) As instituições de crédito identificadas no ponto antecedente, na qualidade de sujeitos passivos, liquidaram e entregaram o Imposto do Selo devido, com referência àqueles financiamentos, ao abrigo da Verba 17 da TGIS, procedimento efectuado através da correspondente declaração de liquidação, objecto do presente pedido de pronúncia arbitral (cfr. PA).

e) As mesmas instituições repercutiram o referido Imposto do Selo na esfera da Requerente, enquanto utilizadora dos créditos em causa e devedora dos juros e comissões cobrados, que suportou o encargo do referido Imposto do Selo (cfr. documentos n.º 1 e 2, juntos com a PI).

f) No âmbito dos contratos celebrados com o B..., a Requerente liquidou e suportou Imposto do Selo, nos termos que se detalham de seguida (cfr. documento n.º 1, junto com a PI): 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Período

Data da liquidação

Guia de pagamento

Valor de Imposto do Selo (€)

abr/15

mai/15

...

10 262,23

mai/15

jun/15

...

10 604,31

jun/15

jul/15

...

10 264,49

jul/15

ago/15

...

10 604,31

ago/15

set/15

...

11 010,90

set/15

out/15

...

10 264,05

out/15

nov/15

...

10 605,00

nov/15

dez/15

...

10 666,76

dez/15

jan/16

...

10 606,28

jan/16

fev/16

...

10 605,03

fev/16

mar/16

...

9 590,60

mar/16

abr/16

...

5 477,33

abr/16

mai/16

...

5 299,99

mai/16

jun/16

...

5 272,05

jun/16

jul/16

...

3 766,07

jul/16

ago/16

...

3 892,99

ago/16

set/16

...

2 134,19

set/16

out/16

...

0,32

out/16

nov/16

...

0,02

nov/16

dez/16

...

0,02

Total

 

 

140 926,94

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

g) No âmbito do contrato celebrado com o C..., a Requerente liquidou e suportou Imposto do Selo, nos termos que se detalham de seguida (cfr. documento n.º 2, junto com a PI):

Período

Data da liquidação

Guia de pagamento

Valor de Imposto do Selo (€)

mai/15

jun/15

...

4 951,85

jun/15

jul/15

...

1 615,15

jul/15

ago/15

...

1 668,97

ago/15

set/15

...

1 669,63

set/15

out/15

...

1 614,71

out/15

nov/15

...

1 668,86

nov/15

dez/15

...

1 615,66

dez/15

jan/16

...

1 668,88

jan/16

fev/16

...

1 667,99

fev/16

mar/16

...

1 559,71

mar/16

abr/16

...

430,6

Total

 

 

20 132,01

 

 

h) Em 20-05-2019, a Requerente, apresentou pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de imposto do selo resultantes da utilização de crédito, juros e comissões, efetuadas pelo E..., S.A. (atual F... S.A.), B..., S.A. (B...) e C..., S.A. (C...), entre março de 2015 e dezembro de 2016, nos termos e com os fundamentos que constam do documento nº 3 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cfr. documento n.º 3, junto com a PI e PA).

i) Em 11-10-2019 e em 28-02-2020, a Requerente apresentou requerimentos de aperfeiçoamento do pedido de revisão oficiosa identificado na alínea antecedente, nos termos que constam dos documentos nºs. 4 e 5 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e (cfr. documentos ns.º 4 e 5, juntos com a PI e PA).

j) O pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, foi indeferido por despacho de 21-12-2020, proferido pelo Subdiretor-Geral, nos termos e com os fundamentos que constam do documento nº.6, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e (cfr. documento n.º 6, junto com a PI e PA).

k) A Requerente conformou-se com o indeferimento, com fundamento na respetiva intempestividade do pedido de revisão oficiosa, no que respeita à legalidade dos actos de autoliquidação de Imposto do Selo realizadas antes de 20 de maio de 2015 (cfr. PI e artigos 9º a 12º do requerimento de resposta à matéria de excepção, apresentado pela Requerente).

l) O pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral tem por objeto o indeferimento do pedido de revisão oficiosa supra referido, e, consequentemente, os actos de autoliquidação de Imposto do Selo resultantes da utilização de crédito, juros e comissões efectuados pelo B... e pelo “C...”, referentes ao período compreendido entre 20 de maio de 2015 e dezembro de 2016 (cfr. PI e artigos 9º a 12º do requerimento de resposta à matéria de excepção, apresentado pela Requerente).

m) Em 22-03-2021, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. sistema informático de gestão processual do CAAD).

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e nºs. 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Finalmente, importa sublinhar que a questão essencial a decidir é de direito e assenta na prova documental junta aos autos pela Requerente, bem como a constante do PA.

 

III-II- DO DIREITO

III-II-1- Questão prévia

Como ficou dito, em sede de Resposta, veio a Requerida suscitar a exceção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral em relação às autoliquidações de imposto do selo ocorridas antes de 20-05-2015 e depois de 30-03-2016.

Alega a Requerida, entre o mais, que, tratando-se de um tributo autoliquidado pelo sujeito passivo, como é o caso do imposto do selo previsto na verba 17 da TGIS, a impugnação será sempre precedida de reclamação graciosa apresentada no prazo de dois anos após a apresentação da declaração, nos termos do disposto no artigo 131.º do CPPT.

Decorrido aquele prazo, como sucede no caso presente, fica afastado o recurso ao meio de defesa previsto no artigo 131.º do CPPT, restando apenas o recurso ao mecanismo previsto no artigo 78.º da LGT.

“7. Até à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento do Estado de 2016) os nºs. 1 e 2 do artigo 78.º da LGT tinham a seguinte redação:

“1 – A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 – Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.”

8. A Lei do Orçamento de Estado de 2016 revogou o n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

9. Com a revogação deste número somos confrontados com a necessidade de determinar qual a versão do preceito é aplicável aos factos ocorridos, sendo que, o que releva é o momento da prática do erro, independentemente da data de instauração do procedimento de revisão do ato tributário.

10. Deste modo, aplicar-se-á a “lei antiga” quando o erro invocado e que serve de fundamento ao procedimento de revisão oficiosa do ato tributário, previsto na 2.º parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, respeite a atos tributários autoliquidados praticados até 30 de março de 2016, dado que, até essa data, estes se encontram abrangidos pela “ficção legal” de “imputabilidade do erro aos serviços” contida no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

11. Aplicar-se-á a “lei nova”, ou seja, a redação do artigo 78.º da LGT em que o n.º 2 está revogado, a todos os procedimentos de revisão que tenham por objeto atos tributários autoliquidados, praticados a partir (inclusive) do dia 31 de março de 2016, dado que é a partir dessa data que, por força da entrada em vigor da revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, os atos tributários autoliquidados deixaram de estar abrangidos pela “ficção legal” de “imputabilidade do erro aos serviços”.”

Em suma, o argumento fundamental reside no sentido e alcance da redação dada ao artigo 78.º, nº2, da LTG ao ser eliminada a “ficção  legal” de “imputabilidade de erro aos serviços”. 

A Requerente alega, em síntese, que, tal como consignado na Decisão arbitral proferida no processo n.º 911/2019-T  “(…) tendo sido invocado um erro imputável aos serviços  e tendo o pedido de revisão oficiosa dado entrada (…) no prazo de quatro anos após a liquidação, não se verifica a pretendida intempestividade desse pedido.”  

 

Vejamos.

No caso sub judice o contribuinte não recorreu, portanto, a uma “reclamação graciosa”, antes recorreu diretamente ao pedido de revisão. Acontece que nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação, é igualmente proporcionada à AT, com esse pedido, oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do contribuinte, antes de este recorrer à via jurisdicional. Por outro lado, excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado devia ter sido uma reclamação prévia graciosa seria violar os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva.

Com efeito, como vimos, a regra, quer para a impugnação judicial, quer para a arbitragem, é que se submetam ao crivo da AT todos aqueles atos relativamente aos quais esta entidade ou ainda não se pronunciou ou ainda não teve qualquer intervenção, razão pela qual lhe deve ser dada a oportunidade para se pronunciar antes de o Tribunal judicial ou arbitral se pronunciar quanto à sua legalidade.

Por outro lado, o instituto da revisão constitui uma concretização do dever de revogar atos ilegais por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira que deve proceder dessa forma nas hipóteses em que ocorram erros nas liquidações que se corporizem na arrecadação de tributos em valor superior ao legalmente previsto. Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade que enformam a atividade de cobrança de impostos impõem à Autoridade Tributária e Aduaneira essa correção oficiosa[3]. Assim, se por um lado é admissível a revisão do acto por iniciativa do contribuinte no prazo da impugnação administrativa, por outro, a Autoridade Tributária e Aduaneira, ainda que por impulso do contribuinte[4], deve igualmente promover essa revisão oficiosa.

Na verdade, como ficou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da seção do CT, processo n.º 0793/2014), de 3 de junho de 2015, “(…) o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)…”.

Por outro lado, quanto ao prazo de recurso à via da revisão oficiosa, constitui, hoje, jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (artigo 78.º, n.º 1, da LGT), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento. Em suma, o pedido de revisão oficiosa do ato tributário é um mecanismo de abertura da via contenciosa perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária, porquanto serve o propósito de permitir que a AT se pronuncie sobre os atos de autoliquidação. Neste sentido, ver entre outras, as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 577/2016-T, n.º 668/2016-T e 333/2018-T e, mais recentemente, n.º 45/2020-T.

Finalmente, quanto à inexistência de erro imputável aos serviços, recorde-se que constitui igualmente jurisprudência assente que “existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei” (neste sentido, cfr. Decisão Arbitral proferida no processo n.º 911/2019-T). Reafirmando-se que, ao analisar o pedido de revisão oficiosa, a Requerida não tem apenas a possibilidade, mas até o dever de corrigir a situação.

Nesses termos, tendo sido invocado um erro imputável aos serviços e o pedido de revisão oficiosa dado entrada no prazo de quatro anos após a liquidação, não se verifica a pretendida intempestividade desse pedido.

Termos em que improcede, assim, esta exceção de intempestividade.

 

III-II-2 - Quanto às alegadas ilegalidades    

A questão central que se discute, nos presentes autos, recai sobre a alegada ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2019..., em consequência da AT não ter reconhecido a alegada ilegalidade dos atos de auto-liquidação de IS, realizados entre 20 de Maio de 2015 e Dezembro de 2016, que incidiram sobre juros e comissões cobrados pelas instituições de crédito B... e C..., ao abrigo de contratos de crédito celebrados com a Requerente, na esfera de quem aqueles foram legalmente repercutidos (cfr. alíneas f) e g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS).

Em suma, de acordo com a Requerente, os referidos actos serão ilegais, designadamente, por violação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, e por inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias (artigos 2.º - Estado de Direito – e 13.º da Constituição da República Portuguesa).

 

A - Da ilegalidade por violação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS

No caso em apreço, está em causa a aplicação da isenção constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que prevê que são isentos do respetivo imposto “[o]s juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”. Sendo de referir que, de acordo com o n.º 7 do referido normativo “[o] disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”.

A Requerente entende que, ao abrigo norma de isenção prevista pela alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, enquanto sociedade gestora de participações sociais, qualifica como “instituição financeira” para efeitos da legislação comunitária, enquadrando-se na definição constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22 da Diretiva n.º 2013/36/UE e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26 do Regulamento n.º 575/2013.

Em sentido diverso, a Requerida considera que “a Requerente não preenche o elemento subjetivo da isenção previsto para o mutuário no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, por não se subsumir no conceito de “Instituição financeira” utilizado no quadro dos atos legislativos da União Europeia aplicáveis” (cfr. ponto 39 das Alegações da Requerida).

 

A1 - Da isenção de IS prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS

A alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, já identificado, visa isentar as operações financeiras strictu sensu promovidas no âmbito da atividade bancária e de intermediação financeira entre instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

Estão em causa situações contempladas na verba 17 da Tabela Geral de IS, conforme decorre do n.º 1 do artigo 1.º do CIS, quando as entidades concedentes do crédito ou da garantia e as entidades utilizadores do crédito ou beneficiárias da garantia, umas e outras, sejam domiciliadas nos Estados Membros da União Europeia (UE) ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado.

A questão do sentido e alcance deste preceito ficou tratada na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T, em termos tais que, por continuarem a merecer a nossa adesão, passamos a transcrever:

“Em linha com a jurisprudência afirmada no processo n.º 348/2016-T, do CAAD, pode concluir-se que a alínea e), do n.° 1, do artigo 7.° do CIS divide-se em duas partes, com a subdivisão de uma delas:

  1. uma primeira, de natureza objetiva, onde se enunciam taxativamente "os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido";
  2. a segunda, de natureza subjetiva, que se subdivide em duas secções:
  1. "instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras";
  2. “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças";

O n.° 7 do artigo 7.° do CIS dispõe ainda que a isenção prevista na alínea e) do n.° 1 "apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”

Assim, nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, nas seguintes operações:

- utilização do crédito concedido;

- garantia prestada na concessão do crédito;

- juros cobrados pela concessão do crédito;

- comissões cobradas "diretamente destinadas" à concessão do crédito.

Da leitura das disposições ficamos a compreender que esta isenção, à semelhança de todas as outras, tem uma delimitação fechada. Por este modo, os benefícios fiscais como tal, saem da indisponibilidade própria do quadro normativo tributário e entram no campo da disponibilidade, fora daquilo que constitui o núcleo essencial da tributação.

Não obstante afastarem as normas de incidência, os benefícios fiscais também estão submetidos à reserva de lei, por via do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. Na verdade os motivos que justificam a integração dos benefícios fiscais no âmbito da exigência constitucional de reserva de lei, apesar do seu carácter desonerador, tem que ver com a excecionalidade que caracteriza os benefícios fiscais[2], mas também com a necessidade de uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, quando se discriminam positivamente contribuintes, sem perder de vista o princípio da coerência sistemática que necessariamente rege o sistema fiscal.

Ademais, esta excecionalidade evidenciada resulta de uma opção política de fundo centrada no incentivo individual, de natureza económica, social e cultural, do comportamento dos sujeitos passivos.

Em concreto, no caso sub judice, e não obstante a inexistência de uma norma geral de incidência, percebe-se que o selo visa tributar manifestações da capacidade contributiva. Deste modo, a extrafiscalidade associada aos benefícios fiscais deste imposto derroga necessariamente aquela capacidade contributiva identificada. É de assinalar, nesse sentido, que os benefícios fiscais no imposto do selo inserem-se em dois grupos:

  1. o primeiro que chamamos benefícios fiscais acessórios, e que por razões de uniformidade tributária, associa a extrafiscalidade dos benefícios criados, à extrafiscalidade criada para outros impostos estaduais, como sejam o IRC e IRS.

Esta extrafiscalidade por associação não retira o valor atribuído nos outros tributos. Apenas uniformiza o tratamento dos sujeitos passivos ou contribuintes, cujo comportamento é desagravado por razões extrafiscais. Isto vem demonstrar que não é o carácter eclético do legislador no imposto do selo que impede uma determinada uniformidade no tratamento das matérias que merecem relevância extrafiscal, dado o acolhimento constitucional devido, que legitima a cedência da capacidade contributiva.

  1. o segundo grupo, que abrange os benefícios fiscais exclusivos do imposto. Estes são, porém em menor número, e visam objetivos muitos concretos.

São de apontar dois exemplos: o dos benefícios respeitantes aos contratos de futuros e opções (previstos no artº 7º/1, alíneas c) e d) do CIS e os respeitantes aos contratos de reporte de valores mobiliários realizados em bolsa (previstos no artigo artº 7º/1, alínea m) do CIS). Estão aqui em causa, como legitimadores da derrogação à capacidade contributiva, os artigos 61.º e 87.º, ambos da CRP. O legislador cria, assim, condições para propiciar à celebração de determinados contratos relativos a valores mobiliários, pela remoção de barreiras, tendo em vista o financiamento de entidades públicas e privadas, atraindo o investimento interno e externo, potenciando os interesses dos adquirentes.

Com relevância para o caso concreto, o núcleo essencial do imposto, no que respeita às operações financeiras identificadas na verba 17 da Tabela Geral, é desta forma recortado pelo artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do mesmo CIS, derrogando a igualdade, pelo revestimento de um benefício ao investimento e à desoneração do crédito. E esse recorte do núcleo essencial, pelo referido benefício, determina que os elementos objetivos e subjetivos nele constantes não possam sofrer qualquer ampliação ou derrogação para além do previsto.

Por isso, desde logo, nos parece que encontrar argumentos que extravasem esta delimitação fechada de um benefício fiscal exclusivo do IS serão abusivos e desprovidos de qualquer fundamento”.

 

A2 - Quanto a saber se a Requerente preenche o requisito subjetivo previsto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS

 Nesta sede, a questão central gira em torno de averiguar se a Requerente, pelo simples facto de ter como objeto social a gestão de participações sociais, cabe na definição de instituição financeira, cujo conceito é delimitado por remissão para os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, em especial, na definição de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013.

Esta questão também já foi analisada, primeiro, na Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 856/2019-T e, posteriormente, de forma mais desenvolvida, no processo n.º 37/2020-T, que passamos a reproduzir, para os devidos e legais efeitos:

“Na lei portuguesa não encontramos uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/12, de 31/12, a proceder à enumeração de entidades que qualifica casuisticamente como “Instituições de crédito” (artigo 3.º), “Empresas de investimento” (artigo 4.º-A) e “Sociedades financeiras” (artigo 6.º), e, no artigo 6.º n.º1, alínea b) refere que são instituições financeiras  as referidas nas subalíneas ii) e iv da alínea z) do artigo 2.º-A, nas quais se incluem: i)As sociedades  financeiras de crédito; ii) As sociedades de investimento; iii) As sociedades de locação financeira; iv) As sociedades de factoring; v) As sociedades de garantia mútua; vi) As sociedades gestoras de fundos de investimento; vii) As sociedades de desenvolvimento regional; viii) As agências de câmbio; ix) As sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos; x) As sociedades financeiras de microcrédito.”

“Esta opção do legislador nacional vai, aliás, no mesmo sentido do Direito das União.

Nos termos e para os efeitos do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, entende-se por “Instituição Financeira”(artigo 4.º, n.º1, ponto 26): “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE[3], incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamentos na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamentos no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE.”           

1.     No ponto 27) do artigo 4.º Regulamento (UE) n.º 575/2013, uma “Entidade do setor financeiro” compreende:

  1. Uma instituição;
  2. Uma instituição financeira;
  3. Uma empresa de serviços auxiliares incluída na situação financeira consolidada de uma instituição;
  4. Uma empresa de seguros;
  5. Uma empresa de seguros de um país terceiro;
  6. Uma empresa de resseguros;
  7. Uma empresa de resseguros de um país terceiro;
  8. Uma sociedade gestora de participações do setor dos seguros;
  9. (…)”.

 Do legislador da União retira-se que uma instituição financeira é uma empresa que não seja uma “instituição” (ou seja, uma instituição de crédito ou empresa de investimento – artigo 4.º , n.º1,  3), e cuja atividade principal seja a gestão de participações sociais em empresas que desenvolvam atividades no setor bancário e financeiro (as atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE).[4]

Elemento não menos importante reside no facto de tais entidades ficarem sujeitas ao regime jurídico desta Diretiva e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, a seguir tão só “Regulamento”.

Com efeito, o que o intérprete não pode deixar de ter em vista, na interpretação de qualquer conceito ou definição, é o objeto dos diplomas mencionados. Ora, o “Regulamento” é muito claro ao estatuir que o mesmo visa estabelecer” regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais que as instituições sujeitas à supervisão ao abrigo da Diretiva 2014/36/UE cumprem…(…)” (artigo 1.º do “Regulamento), bem como a estabelecer que “Para efeitos do cumprimento do presente regulamento, as autoridades competentes dispõem dos poderes e respeitam os procedimentos estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.”

Por sua vez, no Considerando (5) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, podemos ler:

“Conjuntamente, o presente regulamento e a Diretiva 2013/36/UE deverão constituir o enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento (a seguir conjuntamente designadas por “instituições”. Por conseguinte, o presente regulamento deverá ser interpretado em conjunto com a referida diretiva.”

Por sua vez, no Considerando (6), lê-se:

“A Diretiva 2013/36/UE, baseada no artigo 53.º, n.º1, do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE), deverá, nomeadamente, conter as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, tais como as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, o exercício da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços, aos poderes das autoridades competentes do Estados -Membros de origem e de acolhimento nesta matéria e as disposições que regem o capital inicial e a supervisão das instituições.” 

Destaca-se, ainda, o Considerando (7) que refere:”

“O presente regulamento deverá, nomeadamente, conter os requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionadas com o funcionamento do mercado bancário e do mercado de serviços financeiros e que se destinam a garantir a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível de proteção dos investidores e dos depositantes. O presente regulamento visa contribuir de forma determinada para o bom funcionamento do mercado interno (…)”.

“Mais impressivo são, ainda, como vimos, os preceitos referentes ao estabelecimento de regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais, bem como os poderes de supervisão estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.

“Do exposto resulta que as entidades abrangidas pelos diplomas comunitários mencionados se encontram sujeitas a um regime especial, com vista a garantir, atenta a natureza da sua atividade, com potencial gerador de risco sistémico, a estabilidade financeira do mercado bancário e dos mercados dos serviços financeiros, assim como proteger os investidores e depositantes.” (…)”. Daí que essa atividade se encontre reservada às entidades para tal autorizadas ou habilitadas pelo Banco de Portugal, no quadro do regime do Mecanismo Único de Supervisão – cfr. Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho de 15 de outubro de 2013, que confere ao Banco Central Europeu (BCE) atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito e Regulamento (UE) n.º 468/2014 do Banco Central Europeu de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão (MUS).

“Significa isto que o exercício desta atividade é apenas permitido a entidades que foram objeto de um processo de autorização ou habilitação (este, no caso de instituições financeiras autorizadas noutros Estados Membros da União Europeia), realizado junto do Banco de Portugal, no quadro do MUS. No âmbito deste processo, é assegurada a observância de uma série de requisitos que asseguram a solvabilidade e a capacidade da entidade e dos membros dos principais órgãos sociais para prosseguirem a atividade financeira. Neste quadro, o RGICSF prevê que o exercício de atividade financeira por entidade não autorizada ou habilitada pode constituir crime, sendo uma contraordenação grave, punível, entre outras sanções, com coima, de acordo com aquele regime”.

Ora, no quadro exposto, não oferece dúvidas que, se tivermos por referência os sujeitos passivos mutuantes em causa (B... e C...), os mesmos preenchem o conceito de instituição financeira, sendo que, no caso das instituições de crédito portuguesas, são qualificadas como bancos. Conforme resulta da alínea w) do artigo 2.º-A e artigo 4.º, ambos do RGICSF, são definidas como instituições de crédito, os bancos, as caixas económicas, a G... e as H..., as instituições financeiras de crédito, as instituições de crédito hipotecário e outras empresas que, correspondendo à definição do artigo anterior, como tal sejam qualificadas pela lei.

Diferentemente se passam as coisas em relação à Requerente, uma vez que, além de não constar do elenco estabelecido no artigo 4.º, n.º 1, ponto 27) do Regulamento n.º 575/2013, não cabe no conceito de instituição financeira previsto no artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), nem desenvolve quaisquer atividades das enumeradas no anexo I, pontos 2 a 15 da Diretiva 2013/36/UE, que relevem do sector bancário ou financeiro, que compreende, além do bancário, os setores dos seguros e dos valores mobiliários.

Acresce que estão sujeitas a um regime jurídico completamente diferente das entidades mutuantes. Com efeito, a Requerente, como fixado na matéria de facto dada como provada, é uma sociedade gestora de participações sociais, nos termos do Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS), previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro (com as alterações subsequentes). Em concreto, no caso da Requerente, a sua atividade tem como objeto “a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta de atividade económica”, a qual se traduz no CAE principal 64202 – “Atividades das sociedades gestoras de participações sociais não financeiras” (cfr. Documentos n.os 7 e 8 do Pedido de Pronúncia Arbitral). Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 1.º do Regime Jurídico das SGPS, estas "têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, corno forma indireta de exercício de atividades económicas", não se referindo a qualquer atividade bancária e financeira que as qualifique como instituições financeiras.

Quanto à forma de constituição das SGPS, refira-se que não há dependência de qualquer autorização prévia, embora se estabeleça o dever de comunicação, enquanto a forma de fiscalização fica limitada à verificação da manutenção dos requisitos que a lei exige para a definição do seu tipo e para a atribuição dos benefícios de natureza fiscal, sendo a Inspeção-geral de Finanças, a entidade a quem compete a supervisão das SGPS, nos termos dos artigos 9.º e 10.º do Regime Jurídico das SGPS.

Assim, a criação das SGPS não obedece às mesmas regras que obedecem a constituição de instituições financeiras, pois é, na sequência do Direito Europeu mencionado, que o RGICSF estabelece, em Portugal, as condições de acesso e de exercício de atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos.

No quadro exposto, impõe-se concluir que, para aplicação da isenção em sentido subjetivo, prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, não basta estarmos perante uma entidade que se dedique à tomada e gestão de participações noutras sociedades. É preciso atender ao tipo de atividade e à natureza dessas participações. Apenas cabem no conceito europeu de instituição financeira as entidades enumeradas no artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 [artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE, ponto 26)].

Assim sendo, a Requerente não cabe no conceito de instituição financeira – nem sequer numa interpretação lato sensu –, não consta daquela enumeração, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do BCE no âmbito da sua atividade. Ou sujeitas a autorização ou registo de outra entidade reguladora do sector financeiro como, por exemplo, a CMVM.

Sem prejuízo, analisemos mais de perto os argumentos da Requerente.

 

A2.1. - Da remissão para o direito comunitário sobre a qualificação de entidade mutuária para efeitos da aplicação da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS e, consequente, não aplicação das disposições nacionais

A Requerente, alegando não existir qualquer limitação do conceito de instituição financeira à luz do direito nacional, afasta por completo que o registo ou o licenciamento das entidades mutuárias junto do Banco de Portugal constitua requisito válido para aferir da sua qualificação, enquanto SGPS, como instituição financeira, em conformidade com a legislação comunitária. Em concreto, a Requerente faz alusão à inaplicabilidade das regras previstas pela alínea z) do artigo 2.º-A e n.º 1 do artigo 117.º, ambas do RGICSF, de acordo com as quais apenas as SGPS sujeitas à supervisão do Banco de Portugal – ou seja, as sociedades gestoras de participações sociais, quando as participações detidas, direta e indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades – qualificam como instituições financeiras. De facto, tal requisito não resulta diretamente da norma de isenção do IS prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, mas resulta, ainda que indiretamente, dos normativos da UE com relevância para a definição de “instituição financeira” – i.e., ponto 22) do n.º 1 do artigo 3.º da Diretiva n.º 2013/36/UE e ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 –, para os quais a referida alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS remete.

Ora, um normativo, como o previsto no artigo 117.º do RGICSF, ainda que não tenha diretamente paralelo na legislação da UE, não é incompatível com esta legislação, porquanto o seu objetivo não é o de colocar em causa o conceito de instituição financeira à luz da legislação comunitária. Com efeito, este preceito é alheio ao referido conceito, pois tem como única finalidade trazer para o perímetro da supervisão do Banco de Portugal determinadas SGPS, em concreto, aquelas que detenham participações que lhes confiram influência na gestão de “instituições de crédito” ou “sociedades financeiras”.  Como não podia deixar de ser, pois trata-se de entidades que, por relevarem, ainda, da atividade financeira, exigem igualmente preocupações do ponto de vista prudencial, razão pela qual o legislador as terá sujeitado à supervisão do Banco de Portugal.  Por conseguinte, esta norma não contende com o conceito comunitário de instituição financeira. Por conseguinte, ainda que a Requerente, atento o seu objeto e natureza das participações detidas, coubesse no artigo 117.º do RGICSF, o que não se verifica, essa subsunção seria irrelevante para o efeito da aplicação da isenção em causa.

 

A2.2. - Da jurisprudência do CAAD invocada pela Requerente

Neste contexto, a Requerente invoca jurisprudência do CAAD, designadamente, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 911/2019-T e a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 819/2019-T, como contendo argumentos válidos para considerar esta isenção como lhe sendo aplicável. Porém, os argumentos neles contidos, salvo o devido respeito, interpretam grosseiramente as normas aplicáveis, ao concluírem no sentido de que a norma do artigo 7.º, n. º 1, alínea e) do CIS remete para um conceito europeu de instituição financeira, porque não encontra guarida nos normativos nacionais aplicáveis. Na realidade, a remissão que é feita naquelas decisões arbitrais para a Diretiva n.º 2013/36/UE e para o Regulamento n.º 575/2013 desconsidera por completo que aqueles instrumentos normativos financeiros têm como objeto o sector bancário e as entidades sujeitas à supervisão bancária, pelo que não podem abranger (nem abrangem) SGPS como a Requerente.

Por outro lado, para justificar a qualificação da Requerente como instituição financeira, invoca-se igualmente a definição de “participação” constante entre as definições do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 (ponto 35) do artigo 4.º, n.º 1[5]). Pretender extrair do simples facto de a Requerente deter participações noutras sociedades e se dedicar à gestão dessas participações, que se subsume no conceito de instituição financeira, afigura-se uma interpretação sem o mínimo de sustentação, quer na letra, quer na teleologia dos normativos de direito da UE atrás referenciados. Afigura-se mesmo destituído de qualquer fundamento pretender extrapolar da definição de “participação”, que a mesma sirva, só por si, para delimitar o conceito de “instituição financeira”. Esquece-se, desde logo, que as definições desempenham uma função instrumental à interpretação e aplicação do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, com vista a tornar efetivo o seu âmbito e regime jurídico. A definição de participação, sobretudo relevante para efeitos de supervisão prudencial, não pode, assim, deixar de referir-se, repete-se, às que são detidas pelas entidades que atuam no mercado bancário e financeiro, nos termos e para os efeitos dos diplomas acima mencionados. Para esse efeito basta atentar nas definições de Companhia financeira e Companhia financeira mista (cfr. artigo 4.º, pontos 20) e 21) do Regulamento n.º 575/2013).

 

A2.3. - Do âmbito da exclusão da definição de “instituição financeira” previsto pelo ponto 26 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013

Argumenta, ainda, a Requerente que: “o legislador sentiu a necessidade de delimitar de forma clara as sociedades em causa, excluindo expressamente as sociedades gestoras de participações do sector dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na acepção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Directiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro (“Directiva 2009/138/CE”), não o tendo especificamente feito para as demais sociedades gestoras de participações que operem em outros sectores” (cfr. artigo 80.º do Pedido de Pronúncia Arbitral). Consequentemente, conclui a Requerente que “…não cai na exclusão desse conceito prevista para as sociedades gestoras de participações que controlem ou dominem uma (ou mais) empresas de seguro ou de resseguro (cfr. artigo 212.º, n.º 1, pontos f) e g) da Directiva 2009/138/CE)” e, por conseguinte, “encontra-se cumprido o requisito subjectivo da isenção previsto para o mutuário na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo” (cfr. artigos 91.º e 92.º do Pedido de Pronúncia Arbitral).

Na ótica da Requerente, se a norma comunitária se limita a excluir expressamente sociedades gestoras de participações do sector dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas do conceito de instituição financeira, então é porque todas as outras, desde que se dediquem à gestão de participações sociais, integram o conceito de instituição financeira. Ora, mais uma vez, como se pode ler na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 37/2020-T, “esta interpretação não tem o mínimo apoio literal, sistemático nem teleológico dos preceitos em causa. Repete-se, a interpretação da norma tem de ter em conta que estamos a tratar de entidades que, pela sua atividade, estão sujeitas aos requisitos prudenciais e regime de supervisão a que se refere o “Regulamento”, no domínio do setor bancário e financeiro, como ficou dito”.  O que não é o caso da Requerente, como ficou demonstrado.

As definições constantes do Regulamento n.º 575/2013 não deverão ser interpretadas oportunisticamente, sendo que qualquer âmbito de exclusão de uma definição, por mais literal que seja, não poderá, por si só, determinar, a contrario, um âmbito de aplicação que não tem colhimento no âmbito do próprio Regulamento, o qual estabelece os “requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionados com o funcionamento do mercado bancário e do mercado de serviços financeiros e que se destinam a garantir a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível de proteção dos investidores e dos depositantes” (considerando 7 do Regulamento).

Com efeito, a mera exclusão literal das “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, pontos f) e g), respetivamente, da Diretiva 2009/138/CE” na definição de "instituição financeira", por si só, não poderá implicar a extrapolação de que todas as demais sociedades gestoras de participações são necessariamente instituições financeiras, extrapolação essa que ignora o âmbito de aplicação do Regulamento acima referido.

Ora, se atentarmos à própria organização sistemática das definições constantes no artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, percebemos que o conceito de “instituição financeira” (cfr. ponto 26 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento) integra o conceito “entidade do sector financeiro” (cfr. com a alínea a) do ponto 27) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento), conceito este que igualmente inclui as “sociedade[s] gestora[s] de participações no setor dos seguros, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto f), da Diretiva 2009/138/CE”. Pelo que se poderá concluir, precisamente através de uma interpretação sistemática, que, sendo a instituição financeira uma entidade do setor financeiro, esta nunca poderá integrar empresas cuja atividade principal seja a aquisição de participações de entidades excluídas do setor financeiro. Neste sentido se conclui que caberá no conceito de instituição financeira, previsto no ponto 26 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento, as sociedades gestoras de participações no setor financeiro. Só assim faz sentido a exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e sociedades gestoras de participações de seguros mistas, uma vez que as mesmas, pela sua natureza, seriam sempre qualificadas como entidades do sector financeiro, sendo que na ausência de uma expressa exclusão, as mesmas, implicitamente, qualificariam como instituições financeiras. E, na verdade, não o deixam de o ser, não para efeitos do Regulamento n.º 575/2013 e da Diretiva 2013//36/UE, mas antes para efeitos do regime de supervisão prudencial das empresas de seguros e resseguros que fazem parte de um grupo, previsto no Título III da Diretiva 2009/138/CE, de acordo com a qual qualificam como “[i]nstituição financeira” as “[e]mpresas de seguros, empresas de resseguros ou sociedades gestoras de participações no sector dos seguros na acepção da alínea f) do n.º 1 do artigo 212.º” (cfr. alínea b) do n.º 25 do artigo 13.º da referida Diretiva 2009/138/CE).

Neste sentido, também não é possível concordar com argumentação desenvolvida pela Requerente em torno das alterações introduzidas pelo Regulamento n.º 2019/876 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio (Regulamento n.º 2019/876), ao ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 que, em consequência, passou a dispor que: “uma empresa que não seja uma instituição nem uma sociedade gestora de participações no setor puramente industrial, cuja atividade principal seja a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas (…)”.

Sem prejuízo de à data dos atos tributários de liquidação impugnados a redação acima referida do ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 não se encontrar sequer em vigor, a mesma não deixa de reforçar precisamente a necessidade de o legislador clarificar que a definição de “instituição financeira” deverá apenas abarcar as sociedades gestoras de participações no setor financeiro, sendo excluídas as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial. De notar que, para efeitos da aplicação do ponto 26 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, foram remetidas à Autoridade Bancária Europeia dúvidas interpretativas sobre o significado de “sociedade gestora de participações no setor puramente industrial", sendo certo que estas respeitam inequivocamente a participações no setor não financeiro (pois a expressão industrial serve para ilustrar o setor não financeiro, por contraposição ao setor financeiro). Com efeito, as dúvidas em causa respeitam à determinação da extensão do caráter “puramente” não financeiro das participações sociais e não quanto ao facto de as mesmas poderem ou não respeitar a um qualquer outro setor de atividade não financeiro que não fosse o setor industrial (cfr.https://www.eba.europa.eu/single-rule-book-qa/qna/view/publicId/2021_5798).

Face ao exposto, não pode proceder a argumentação da Requerente de que é uma instituição financeira, “uma vez que não se enquadra nem na excepção prevista para o sector dos seguros (como atrás já se demonstrou), nem na excepção prevista para o sector puramente industrial” (cfr. artigo 100.º do Pedido de Pronúncia Arbitral).

Em suma, remete-se para Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 37/2020-T, com base na qual “[e]m síntese, podemos concluir que a Requerente, enquanto entidade meramente gestora de participações sociais, não preenche os requisitos que levam a classificar uma entidade como instituição financeira, a saber: i) O formal (pois não consta da enumeração dos diplomas Europeus mencionados, nem do nacional); e ii) O material, uma vez que a sua atividade não releva do mercado bancário ou financeiro, de modo a convocar a aplicação do regime de supervisão constante da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013 e o RGICSF.

Assim sendo, tal como se conclui na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 586/2019-T, não é possível extrair regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.

Assim, não ocorre, por tudo isto, a violação de lei invocada pela Requerente:

  1. Não só porque o conceito de benefício fiscal (no qual se enquadra o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS) é fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;
  2. Mas também porque que não é possível extrair de todo do regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".”

 Ora, esta conclusão é perfeitamente transponível para o caso em análise.

 

B - Da ilegalidade por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias (artigos 2.º - Estado de Direito - e 13.º da Constituição da República Portuguesa)

No âmbito das suas alegações, a Requerente veio suscitar, para além da ilegalidade, a inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade, da legalidade e da tipicidade (cfr. artigo 13.º, n.os 2 e 3 do artigo 103.º e n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 8.º da Lei Geral Tributária) da interpretação veiculada pela Requerida “ao redesenhar o conceito técnico-jurídico de “instituição financeira” para o efeito específico da qualificação da Requerente” (cfr. artigo 56.º das Alegações apresentadas pela Requerente).

Porém, não assiste à Requerente qualquer razão quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas. Nesse sentido, será mais uma vez transponível para o caso em apreço a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T, de acordo com a qual se concluiu que “o resultado interpretativo a que se chegou é o que resulta da conjugação dos elementos interpretativos de ordem literal, sistemático e teleológico e não viola quaisquer normas ou princípios constitucionais. Pelo contrário, a acolher-se a tese da Requerente, no sentido de poder ser classificada como uma instituição financeira, é que conduziria o Tribunal a criar verdadeiramente uma norma que não existe nem na nossa jurídica nem na comunitária, com violação do princípio da separação de poderes.

Também não colhe qualquer violação do princípio da igualdade. Repare-se no absurdo da Requerente ao pretender colocar-se em pé de igualdade, na aplicação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, tal como acontece com os seus mutuários, quando a mesma, pela sua natureza e atividade, não está sujeita aos requisitos e regime jurídico especialmente exigente em matéria de preenchimento de regras prudenciais, a que estão sujeitas as entidades submetidas à Diretiva e ao "Regulamento". Entre essas regras, temos, repete-se, as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, e, ainda, as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, etc. Regime este que, como vimos, se encontra justificado, na valoração feita pelos legisladores, quer da União, quer nacional, a garantir a estabilidade do mercado bancário e financeiro”.

 

III-2-3 - Questões de conhecimento prejudicado

Improcedendo o pedido principal e o subsidiário improcede, em consequência, o pedido de reembolso e de juros indemnizatórios.

 

IV- Decisão

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:

  1. Julgar improcedente a exceção de incompetência suscitada pela Requerida;
  2. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral (principal e subsidiário), com a consequente manutenção na ordem jurídica da decisão de indeferimento da decisão de reclamação graciosa;
  3. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

 

V- Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 161.058,95, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI- Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 9 de novembro de 2021

 

 

Fernanda Maçãs (árbitro presidente)

 

 

Ana Cabral Basto (Árbitro vogal)

 

 

 

Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz (Árbitro vogal)

 

 

 

 

 



[1] Petição inicial da Requerente.

[2] Processo Administrativo junto pela Requerida.

[3] V. Decisão arbitral do CAAD prolatada no processo n.º 414/2017-T, a que a Requerida faz apelo na sua resposta. No mesmo sentido, DIOGO LEITE CAMPOS e outros, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita editora, 4.ª edição, 2012, pág. 704.  

[4] V. DIOGO LEITE CAMPOS e outros, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita editora, 4.ª edição, 2012, pág. 705.

[5] “«Participação»: a participação na aceção do artigo 17.º, primeiro período, da Quarta Diretiva

78/660/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1978, relativa às contas anuais de certas formas de sociedades,

ou o facto de deter, direta ou indirectamente, 20 % ou mais dos direitos de voto ou do capital de uma

empresa”.