Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 166/2020-T
Data da decisão: 2021-04-12  IRS  
Valor do pedido: € 8.633,12
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias obtidas por não residentes; aplicação da redução de 50% prevista no art.43º, nº 2 b) CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

A..., contribuinte nº ... (adiante designada por “Demandante”), residente em ... ..., ... -......, Países Baixos, apresentou, no dia 12-03-2020, ao abrigo do disposto no art. 2º, nº 1, a) e 10º, nºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), pedido de pronúncia arbitral com vista a:

1)            Declaração da ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IRS – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº 2019...;

2)            Declaração da ilegalidade e anulação da liquidação de IRS – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº 2019...;

3)            Condenação da Demandada Autoridade Tributária e Aduaneira à devolução do imposto indevidamente pago e ao pagamento dos correspetivos juros indemnizatórios.

É demandada a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Demandada”, “Autoridade Tributária” ou simplesmente “AT”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT na mesma data, em 13-03-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 06-07-2020, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 05-08-2020.

A Demandante baseia a sua pretensão nos seguintes factos e argumentos:

             Tendo a Demandante, em 30 de agosto de 2018, alienado a fração de imóvel designada pela letra “N”, do prédio urbano sito em ..., nº..., Oeiras, e tendo realizado uma mais-valia tributária com essa alienação, na liquidação do imposto incidente sobre essa mais-valia, a Autoridade Tributária, não aplicou a redução de 50% prevista no art.  43º, nº 2, al. b) do CIRS ao valor tributável, aplicando a taxa autónoma de 28% sobre a totalidade da mais-valia;

             A Demandante entende que a omissão de aplicação da redução prevista no art. 43º, nº 2, al. b) do CIRS é ilegal por ser incompatível com o disposto no art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que estabelece a liberdade de circulação de capitais, uma vez que se traduz numa discriminação de tratamento fiscal entre residentes e não residentes;

             Quando o art. 43º, nº 2 do CIRS estabelece que a matéria coletável, relativamente às mais-valias decorrentes da venda de um imóvel por um residente, é apenas considerada em 50% do seu valor, sujeitando um não residente a uma carga fiscal superior, está a restringir os movimentos de capitais, violando a discriminação constante do art. 63º do TFUE;

A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para o efeito, apresentou resposta em que defendeu a improcedência da impugnação, alegando em síntese:

             Não obstante o facto de o TJUE, no seu acórdão de 11-10-2007, no processo C-443/06 (Hollman) ter considerado incompatível com a livre circulação de capitais garantida no art. 63º do TFUE o regime previsto no art. 72º, nº 1 do CIRS na redação anterior à Lei nº 67-A/2007 de 31/12, o facto normativo atual e aplicável à situação objeto dos autos é distinto.

             Isto porque, no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão do TJCE, foi aditado ao art. 72º do CIRS o nº 7, cuja redação à data dos factos era a seguinte: “os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do nº 1 e no nº 2, pela tributação desses rendimentos à  taxa que, de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português”.

             Igualmente o nº 8 do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei nº 67-A/2007, prescrevia, à data dos factos, que “para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.

             Por força dessa alteração legislativa as declarações de rendimentos de IRS respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes têm um campo para que possa ser exercida a opção pela taxa consagrada no artigo 68º do CIRS.

             Compulsada a declaração de IRS entregue pela Requerente verifica-se que no Quadro 8 do Rosto foi assinado o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da EU) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).

             A Requerente manifestou vontade de ser tributada pelo regime geral, aliás a tributação de acordo com as taxas previstas no artigo 68º do CIRS pressupõe o conhecimento da totalidade dos rendimentos obtidos fora do território nacional, dado obviamente desconhecido da Requerida.

             O nº 8 do art. 72º do CIRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro).

             A Requerente fez uma opção por ser tributada pelo regime geral, logo não pode vir agora imputar tal responsabilidade à Requerida.

             Ainda que assim não fosse, a norma estabelecida no nº 2 do art. 43º, cuja aplicação a Requerente defende, encontra-se no capítulo II do CIRS que tem com epígrafe “determinação do rendimento coletável”.

             Para efeitos de incidência, e no que respeita à matéria das mais-valias que nos ocupa, relevantes são os artigos 9º e 10º do CIRS. Assim, o disposto no nº 2 do artigo 43º do CIRS não é aplicável ao caso aqui em análise.

             Não é defensável que o quadro normativo atual, resultante da alteração legislativa ocorrida em 2007 para vigorar a partir de 2008, continua a violar o artigo 63.º do TFUE.

             Pois é jurisprudência assente que “(...) o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas Convenções sobre Dupla Tributação, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus”.

             Pugnar por um entendimento diverso do supra consubstanciaria uma discriminação positiva, violadora do princípio constitucional da igualdade, e totalmente inaceitável à luz do direito nacional e comunitário.

Por despacho do Tribunal Arbitral de 18-10-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT por desnecessária, atendendo a que as Partes não requereram a produção de prova adicional para lá da prova documental já incorporada nos autos, a que não existe matéria de exceção sobre a qual as Partes careçam de se pronunciar e tendo ainda em conta que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT.

 

II. Saneamento

No introito da sua petição inicial, a Demandante refere a notificação da liquidação nº 2019..., dizendo em seguida, que o pedido “visa a declaração da liquidação acima identificada”. Contudo, o número da liquidação de IRS relativo a 2018 da Demandante não é 2019..., mas sim 2019 ... sendo aquele primeiro o número do documento que contém a liquidação.

Todavia, no pedido formulado a final, a Demandante esclarece que o objeto principal do seu pedido é a decisão de indeferimento tácito da “reclamação graciosa apresentada”, identificando esta reclamação graciosa pelo seu número correto.

Quanto ao objeto da reclamação graciosa apresentada, resulta claro não apenas, quer da petição, quer da documentação junta, que a mesma se refere à liquidação nº 2019..., mas também que a Autoridade Tributária entendeu da mesma forma.

E assim sendo, não existe irregularidade na identificação do objeto do pedido, mas apenas um lapso secundário e irrelevante.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é materialmente competente.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não existem exceções a apreciar.

O processo não enferma de nulidades.

 

III. Questões a apreciar

Constitui questão a apreciar no presente processo a de saber se a norma do art. 43º, nº 2 do CIRS, ao prever a redução em 50%, da matéria coletável correspondente a mais-valias imobiliárias, apenas para as mais-valias realizadas por residentes, constitui violação do art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que consagra o princípio da liberdade de circulação de capitais

 

IV. Fundamentação

Matéria de facto

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

A)           A Demandante alienou, em 30-08-2018, o prédio urbano sito na ..., ..., nº..., Oeiras, pelo preço global de 155.000,00 euros;

B)           Com essa alienação, a demandante realizou uma mais-valia, calculada nos temos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, de 61.665,13 euros;

C)           Na liquidação do imposto incidente sobre a mais-valia resultante da alienação, a Autoridade Tributária não aplicou a redução de 50% prevista no art.  43º, nº 2, al. b) do CIRS ao valor tributável;

D)           Na liquidação do imposto incidente sobre a mais-valia resultante da alienação, a Autoridade tributária aplicou ao valor total da mais-valia a taxa autónoma de 28% prevista no art. 72º do CIRS;

E)            No ano 2018, a Demandante é considerada não residente para efeitos fiscais.

F)            Na liquidação do imposto referente aos rendimentos de 2018 da Demandante, foi apurado um imposto, relativo a tributações autónomas, no valor de 17.266,23 euros;

G)           A Demandante pagou a totalidade do imposto liquidado.

Não existem factos alegados e não provados com relevância para a decisão do mérito da causa.

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Demandante e na falta de contestação, pela Parte contrária, dos factos alegados por cada uma das Partes.

 

Discussão da matéria de direito

Atualmente, o art. 43º, nº 2 do CIRS estipula:

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c), d) e i) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é:

(...)

b) Apenas considerado em 50 % do seu valor, nos restantes casos.

Segundo a letra da disposição, apenas os residentes podem beneficiar da redução de 50% prevista na al. b), sendo este o aspeto que opõe os Demandantes, residentes em Macau, e a Autoridade Tributária.

A questão da compatibilidade da norma do art. 43º, nº 2, al. b) do CIRS com o direito europeu, nomeadamente com o art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (e anteriormente o art. 56º do TCE) não é recente.

Em 2006, ela foi remetida, pelo Supremo Tribunal Administrativo, para apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo C-443/06, tendo este tribunal emitido pronúncia no sentido da incompatibilidade da norma com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado, então, no art. 53º do Tratado CE.

Na sequência de tal acórdão, o legislador português aprovou uma alteração ao regime de tributação das mais-valias imobiliárias, passando a prever um regime especial para a tributação de mais-valias imobiliárias quando realizada por não residentes.

Tal regime que assenta essencialmente numa tributação autónoma, consta do artigo 72º, cujo nº 1 dispõe:

1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:

a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

Esta norma é completada por uma possibilidade de opção de englobamento, hoje estabelecida no nº 14 do mesmo preceito, facultada apenas aos residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, que diz:

14 - Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 6, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

Entende a Administração Tributária que os não residentes que façam esta última opção não ficam apenas sujeitos às taxas do art. 68º, nº 1, como também beneficiam da redução de 50% prevista no art. 43º, nº 2, al. b). (Dizemos que se trata de um entendimento da Administração Tributária, pois não encontramos esta norma expressa na lei).

E sendo assim, entende ainda a Autoridade Tributária, os não residentes teriam passado a ter, com a alteração legislativa ocorrida em 2007, a opção de receberem o mesmo tratamento ou um tratamento diferente do que é dado aos residentes, em matéria de mais-valias imobiliárias, com o que o tratamento que é dado hoje aos não residentes já não pode considerar-se incompatível com o direito europeu.

Após esta alteração legislativa, os tribunais dividiram-se quanto à questão da compatibilidade do novo regime com o direito europeu (vg. decisão arbitral CAAD 22.04.2019, proc. nº 539/2018-T; decisão arbitral CAAD 09.06.2020, proc. n.º 846/2019-T).

Recentemente, porém, o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se sobre a matéria num recurso de uniformização de jurisprudência (STA, acórdão de 09.12.2020, processo nº 075/20.6BALSB), tendo confirmado o entendimento de que a norma da al. b) do nº 2 do art. 43º do CIRS continua a ser incompatível com os Tratados Europeus.

Diz nesse aresto o Supremo Tribunal Administrativo:

“Os ganhos obtidos por pessoas singulares com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, quando não constituam rendimentos empresariais e profissionais, são tributados, em sede de IRS, no âmbito da categoria G (incrementos patrimoniais), como mais-valias, nos termos do disposto nos arts. 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS.

Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos [art. 18.º, n.º 1, alínea h), do CIRS], pelo que ficam abrangidos pela incidência de IRS quando auferidos por titulares não residentes (cf. arts.13.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2, do CIRS).

O valor desses rendimentos que seja qualificado como mais-valias, quando obtidos por sujeitos passivos residentes é sujeito a englobamento e a tributação é efectuada às taxas gerais progressivas estabelecidas no art. 68.º do CIRS, mas apenas é considerado em 50%, como resulta do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável.

Quanto aos sujeitos passivos não residentes, a tributação desse valor faz-se à taxa fixa especial de 28%, nos termos do art. 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, ou, se forem residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (EEE), neste caso por opção, às taxas gerais progressivas do art. 68.º o CIRS, considerando-se então todos os seus rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, mas sobre 100% da mais-valia imobiliária realizada (cf. arts. 72.º, n.ºs 9 e 10, na redacção aplicável).

A questão que se coloca é a de saber se, como alega a Recorrente, este regime opcional, que foi introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), então sob os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14 e n.ºs 9 e 10, na redacção aplicável), aditados ao art. 72.º do CIRS, veio pôr termo à discriminação negativa dos não residentes, que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) tinha já considerado verificar-se relativamente ao n.º 2 do art. 43.º do CIRS.

Na verdade, o TJCE – em acórdão (Hollmann) proferido em 11 de Outubro 2007, no processo n.º C-443/06 (...) em resposta ao reenvio prejudicial efectuado pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 493/06 (Vide os acórdãos proferidos nesse processo n.º 439/06, o primeiro fazendo o reenvio prejudicial e, o segundo, já referido na nota 3 supra, decidindo o recurso, após a pronúncia do TJCE de 28 de Setembro de 2006 (...)

julgou «incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE».

É certo que o legislador nacional, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), procurou obviar a esse tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do EEE, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao art. 72.º do CIRS os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14). Ou seja, após a referida alteração legislativa ficaram a vigorar, na área da tributação das mais-valias imobiliárias, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do EEE, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

Mas esse regime específico de opção, não só constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes, como não afastou a referida discriminação negativa. Como bem concluiu a decisão recorrida, «o regime de equiparação actualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o carácter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal».

Como também salientou a decisão recorrida, o acórdão (Gielen) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 18 de Março de 2010, proferido no processo n.º C-440/08 (...) após salientar que «a opção de equiparação [que] permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório» não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais, concluiu que «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório» e que o Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes». Ou seja, o regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, não veio sanar a discriminação negativa resultante da norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS para os não residentes e a violação do art. 63.º do TFUE que dela resulta.

Assim, bem andou a decisão recorrida quando julgou incompatível com o Direito da União Europeia a norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE e, em consequência, quando anulou os actos de liquidação em causa (de IRS e de juros compensatórios) na parte em que desconsideraram aquela limitação.”

Depois de expor assim o seu entendimento, o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo concluiu:

“2.2.3 Em face de tudo quanto deixámos dito, uniformizamos jurisprudência no seguinte sentido: o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.”

A jurisprudência uniformizada, apesar de não ter o valor vinculativo que outrora tinha o “assento” previsto no revogado art. 2º do Cód. Civil, tem um valor reforçado que lhe advém, por um lado, da hierarquia do órgão jurisdicional que a definiu e, por outro lado, da lei processual que prevê (art. 142º, nº 3, al. c) do CPTA) que o não acatamento de jurisprudência uniformizada, por parte de uma decisão proferida em primeiro grau de jurisdição, constitui motivo especial de admissibilidade de recurso (neste sentido, vejam-se os acórdãos TCA-N 1ª Secção -  Contencioso Administrativo de 03-06-2016, proc. nº 329/12.5BEPDL; e TCA-N 1ª Secção -  Contencioso Administrativo de 24-02-2017, proc. nº 8/12.3BEMDL).

Assim sendo, não nos resta mais do que aderir à jurisprudência exposta e a toda a fundamentação em que a mesma assenta, concluindo pela ilegalidade da liquidação aqui impugnada, por se basear em norma legal incompatível com o direito da União Europeia.

Acrescentaremos apenas uma nota, que julgamos poder contribuir para concretizar a noção de que o atual regime de tributação de não residentes por mais-valias imobiliárias não assegura a igualdade de tratamento entre residentes e não residentes. Com efeito, o regime opcional estabelecido no nº 14 (atual) do art. 72º CIRS, para além de não fazer qualquer referência à determinação da matéria coletável, não asseguraria a igualdade de tratamento entre residentes e não residentes, ao não levar em conta os diferenciais de custo de vida e de rendimentos médios entre os vários países. Os escalões de tributação e respetivas taxas previstos no art. 68º, nº 1 têm por base os rendimentos médios e o custo de vida em Portugal. Aplicados esses escalões e essas taxas a rendimentos obtidos noutros países com rendimentos médios e custos de vida diferentes e em certos casos acentuadamente diferenciados dos portugueses, a tributação resultante não assegura a igualdade de tratamento entre residentes e não residentes, podendo resultar num esforço fiscal efetivo muito superior para os não residentes.

 

V. Juros indemnizatórios

Tendo a Demandante pago a totalidade do imposto adicional liquidado no ato aqui impugnado, pede ao Tribunal que condene a Demandada, em caso de procedência do seu pedido, à devolução do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43º do LGT.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT, que dispõe que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea” ”( CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

O n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

Na sequência da anulação do ato impugnado, a Demandante terá direito a ser reembolsada do imposto indevidamente pago, o que é efeito da própria anulação, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

Quanto ao direito a juros indemnizatórios, dispõe o art. 43º nº 3 LGT que “são também devidos juros indemnizatórios (...) d) em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.

É o caso dos presentes autos, em que se julga a al. b) do nº 2 do art. 43º do CIRS, incompatível com o art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Pelo que há que concluir que, transitada a presente decisão arbitral em julgado, a Demandada terá direito a ser ressarcida nos termos do art. 43º, nº 3, al. d), através do pagamento de juros indemnizatórios.

 

VI. Decisão

Assim, nos termos anteriormente expostos, decide-se:

(I)           Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade, por vício de violação de lei e consequentemente anular o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa nº 3085 2019 ...;

(II)          Consequentemente, anular parcialmente a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº 2019 ..., na parte em que não aplica à matéria coletável relativa a mais-valias imobiliárias, a redução em 50% prevista no artigo 43º, n.º 2, al. b)

(III)        Julgar procedente o pedido e condenar a Demandada à devolução do imposto liquidado e indevidamente pago;

(IV)        Julgar procedente o pedido e condenar a Demandada ao pagamento dos juros indemnizatórios calculados sobre o montante do imposto indevidamente pago, calculados nos temos do art. 43º da Lei Geral Tributária.

 

VII. Valor do processo

Nos termos do art. 97.º-A nº 1, al. a) do CPPT do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em €8.633,12 (oito mil, seiscentos e trinta e três euros, e doze cêntimos).

 

VIII. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Demandada.

Notifique-se.

 

Porto, 12 de abril de 2021.

 

O Árbitro

(Nina Aguiar)