Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 166/2016-T
Data da decisão: 2017-02-10  IMT  
Valor do pedido: € 417.150,91
Tema: IMT - cisão; sócio único; aquisição 75% capital social - Artigos em causa: alínea d) do n.º 2 do art.º 2º do Código do IMT
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Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Dr. João Espanha (Vogal) e Dr. Américo Brás Carlos (Vogal), acordam o seguinte:

 

Decisão Arbitral

 

 

I.                   Relatório

 

1. A…, sociedade constituída segundo a lei Luxemburguesa, matriculada no Registo de Comércio e Sociedades do Luxemburgo sob o número …, com sede na…, …, …, no Luxemburgo, contribuinte fiscal português n.º…, (doravante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, ao abrigo do disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”), com vista à declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IMT no valor de € 417.150,91 (cfr.doc n.º1).

2.O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 01-04-2016.

2.1.No exercício da opção de designação de árbitro prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e em cumprimento do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 10.º e no n.º 2 do artigo 11.º, do mesmo diploma, a Requerente designou como Árbitro o Dr. João Espanha.

2.2.Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) designou como Árbitro o Prof. Doutor João Ricardo Catarino, que, por ter renunciado, veio a ser substituído pelo Prof. Doutor Américo Brás Carlos.

2.3.De acordo com o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD notificou a Requerente da designação do Árbitro pelo dirigente máximo do serviço da Administração Tributária a 16-05-2016 e notificou os árbitros designados pelas partes para designarem o terceiro árbitro que assume a qualidade de Árbitro presidente, tendo os Exmos. Árbitros designados pelas partes acordado, em 01-06-2016, na designação da Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs como Árbitro Presidente.

2.4.Em 15-06-2016, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT.

2.5.Em conformidade com o preceituado no n.º7 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído, em 30-06-2016.

2.6. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

3.A Requerente fundamenta o pedido argumentando, entre o mais, que :

a)      “(…) é uma sociedade de Direito Luxemburguês, cuja constituição resultou de processo de cisão ocorrido em 14 de Novembro de 2014”;

b)      No âmbito desse processo foi efectuado o destaque de um conjunto de activos e passivos integrantes de “compartimentos” da sociedade, igualmente de direito luxemburguês B…, para com os mesmos constituir 3 novas sociedades, a saber: a C…, a D…, e a A…, ora Requerente;

c)      Quer a B… quer as 3 sociedades resultantes do destaque dos activos e passivos daquela tinham nessa data, como sócio único, a sociedade E…;

d)      Entre os activos destacados do património da B… para a sociedade ora requerente, anteriormente incluídos no “Compartimento 4” da referida B…, encontrava-se a totalidade das quotas representativas do capital da sociedade F…, Lda.;

e)      À data da realização do processo de cisão – 14 de Novembro de 2014 -, a sociedade F…, Lda. possuía no seu activo os imóveis identificados no quadro discriminativo que constituí o Anexo VI ao relatório de inspecção;

f)       Consideram os Serviços de Inspecção Tributária que, possuindo a sociedade F…, Lda. bens imóveis em território português, a Requerente, ao adquirir a totalidade das quotas na mesma no âmbito do supra descrito processo de cisão realizado no Luxemburgo, deveria ter procedido à liquidação do IMT devido pela transmissão dos imóveis incluídos no património daquela sociedade ao abrigo do disposto no n.º 2, alínea d) do artigo 2.º do Código do IMT;

g)      Tal como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 2.º, do respectivo Código, o IMT incide, primacialmente, sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito;

h)      A par das transmissões previstas naquela regra geral, o mesmo preceito vem estender a incidência do imposto a situações para além da mera transmissão civil (resultante do contrato de compra e venda), criando ficções de transmissão fiscal, em que se inserem as realidades previstas nos números 2 e 3 do mesmo preceito;

i)       É o que sucede relativamente à regra prevista na indicada alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IMT: o que está em causa são situações em que, por qualquer facto, um anterior ou novo sócio passa a dispor de uma nova participação que lhe confere uma situação dominante na sociedade e, por conseguinte, de controlo económico sobre os bens imóveis que constituem o património da mesma;

j)       Como facilmente se alcança da análise das várias realidades equiparadas à transmissão da propriedade, verificamos que em comum a todas elas se encontra subjacente um conceito de transmissão económica de bens imóveis em moldes tais que justificam a respectiva tributação;

k)      Ora, tal não é o caso, manifestamente, das situações em que a transmissão da titularidade da quota resulte de uma mera cisão simples, com constituição de nova sociedade;

l)       “(…) como decorre da própria natureza do processo de cisão-simples, a sua concretização não faz operar nenhuma transformação ao nível da titularidade económica sobre os bens, na medida em que os sócios, ainda que com constituição de nova sociedade, mantêm exactamente as mesmas participações e, desta feita, o mesmo predomínio do capital social. Tanto para mais quando o sócio da sociedade cindida for, como no caso vertente, um sócio único”;

m)   Note-se que esta hipótese de incidência não se confunde com as situações previstas na alínea g) do n.º 5 do mesmo artigo 2.º do CIMT, que sujeita a imposto as transmissões de bens imóveis por fusão ou cisão das sociedades referidas na alínea e), ou por fusão de tais sociedades entre si ou com sociedade civil, bem como por fusão de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular;

n)      É que, nestes últimos, e contrariamente ao que sucede no caso dos autos, é a própria sociedade/entidade cindida ou fundida que detém directamente os bens imóveis, de onde resulta que qualquer uma daquelas operações opera efectivamente a transmissão jurídica da propriedade sobre os bens imóveis, conduzindo ao averbamento de novo proprietário para efeitos registais e fiscais;

o)      O que não sucede nas situações abrangidas pela alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do CIMT;

p)      “(…) o IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito”;

q)      Todas as demais ficções de transmissão criadas pelo legislador não podem deixar de ser analisadas à luz daquela permissão basilar da sujeição: para que exista incidência tem de estar subjacente uma operação onerosa de que resulte a transmissão, ainda que económica dos bens, manifestada por qualquer uma das situações jurídicas ou de facto assimiladas à transmissão civil;

r)       Argumenta a Requerente, em suma, que não consubstanciando o processo de cisão de que resultou a constituição da sociedade ora Requerente um facto/transmissão onerosa de que tenha resultado a aquisição de mais de 75% das quotas da sociedade F…, Lda., enferma o acto tributário de liquidação de IMT emitido com esse fundamento de ilegalidade por manifesto erro nos pressupostos de facto e de Direito da norma de incidência prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do CIMT;

s)      Mesmo que por qualquer razão se entendesse que o processo de cisão de que resultou a constituição da sociedade ora Requerente pudesse consubstanciar um facto constitutivo dos pressupostos da incidência do IMT resultantes da redacção da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do CIMT (…), sempre tal previsão normativa, interpretada com essa amplitude, seria manifestamente inconstitucional por violação do princípio basilar da capacidade contributiva, ínsito nos princípios da igualdade e justiça tributários, e do comando vertido no artigo 103.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;

t)       A Requerente conclui peticionando a anulação do acto de liquidação de IMT que constitui objecto do pedido arbitral.

 

4.A AT apresentou resposta e juntou processo instrutor, alegando, no sentido da improcedência do pedido, em síntese, que:

a)      A Requerente é uma sociedade não residente em território português com sede no Luxemburgo, em …, …, …, que se encontra registada como entidade não residente sem representante em território nacional desde 2014-12-24.

b)      No âmbito do procedimento inspectivo à entidade G… SA, com o NIPC…, detectou-se que a Requerente adquiriu a totalidade do capital da sociedade portuguesa F… Lda, com o NIPC…, ao adquirir a sua quota à entidade B…, cujo depósito na Conservatória do Registo Comercial foi efetuado em 2015-02-05 (cfr. cópia de “Demerger Process – Assignment of Quota” - Processo de Cisão-Cessão de quota. Cfr. anexo V ao Relatório de inspecção, fls. 15 do PA).

c)      Face ao cruzamento de informação, detectou-se o registo na Conservatória do Registo Comercial, a favor do sujeito passivo A…, de que passou a ser titular da quota representativa do capital da sociedade de direito português F… Lda (doravante designada por F…), com o NIPC…, em 2015-02-05.

d)      De acordo com este documento, em 2014-11-14 foi transmitida essa quota inicialmente detida pela entidade B…, mediante cisão, à entidade A…, que passou a deter a totalidade do capital da entidade F… Lda., proprietária de diversos imóveis localizados em território nacional (cfr. Anexo VI do RIT a  fls. 70 do PA).

e)      Ora, por força da aplicação conjugada dos artigos 2º, nº 1 e 2º nº 2, al.d) do CIMT, consideraram os serviços verificada a infracção da não liquidação de IMT, em consequência da aquisição, pela requerente, das participações sociais da sociedade portuguesa por quotas F…, que, por sua vez, era proprietária dos imóveis a que alude o artigo 14º da presente peça.

f)       A aquisição de partes sociais ou de quotas como valores mobiliários que são escapariam sempre à incidência do imposto, não fosse a sua sujeição a IMT decorrer do disposto na alínea d) do nº 2 do Código, como também antes decorria do parágrafo 1º do nº 6 do art. 2º do CIMSISD, cujos pressupostos se verificam no caso em apreço.

g)      Acresce que, tal aquisição pode decorrer de amortização ou de quaisquer outros factos, ponto é que o adquirente fique numa situação de predomínio ou de domínio da sociedade tal que se possa dizer que se torna, de facto e de direito, dono dela e, com isso, também dos imóveis que essa sociedade dispõe.

h)      É facto assente que em 14/11/14, a requerente passou a deter a totalidade do capital social da sociedade portuguesa F…, passando a deter, pelo menos, mais de 75% do capital social da mesma o que lhe confere uma posição de domínio sobre a sociedade portuguesa e implica a detenção de poderes para dispor dos bens imóveis que a mesma possui.

i)       Assim, tendo a requerente adquirido, independentemente da forma utilizada, a quota representativa da totalidade do capital da F…, pode-se dizer que se verifica o principal pressuposto de incidência da norma da al. d) do nº 2 do art. 2º do CIMT, na redacção à data aplicável aos factos,

j)       e aquele que justifica a tributação, fundamentada numa posição de predomínio que, por via desse facto, assegura ao adquirente da quota o poder económico sobre os bens que a mesma sociedade possui.

k)      Segundo a AT, para efeito de afastar a aplicação da al. d) do nº 2 do art. 2º do CIMT, é irrelevante o facto alegado pela Requerente de ter adquirido a participação social na F… por via de um processo de cisão que, segundo alega, terá ocorrido no Luxemburgo, podendo a aquisição da parte social ou da quota decorrer de “quaisquer outros factos”.

l)       Também não é aplicável o disposto no art. 2º do CIMT no seu nº 5 alínea g), porquanto, neste pressuposto de incidência do imposto, o que está sujeito a tributação, diferentemente do que se passa na al. d) do nº 2, em que se tributa a aquisição da posição de predomínio sobre o capital social, é a transmissão da propriedade dos bens, destacados da sociedade cindida para a titularidade da nova sociedade, resultante de processo de fusão ou cisão.

m)   No caso, os bens imóveis continuam sendo propriedade (como tal se encontram registados) da sociedade portuguesa. 

n)      Por outro lado, o alegado processo de cisão, a ter existido, sempre escaparia às regras do direito português que regem os processos de cisão e, como tal, não podemos concluir “tout court” que no presente caso existiu uma cisão.

o)      Os bens imóveis pertencem à sociedade portuguesa que já existia à data do invocado processo de “cisão” efectuado no Luxemburgo e foi esta que viu a sua quota ser adquirida pela requerente.

p)      Pelo que, não estamos seguramente perante uma aquisição inicial do capital social da F…, mas sim, perante uma cessão da sua quota, registada inclusivamente, como tal, no registo comercial português.

q)      Para a AT é irrelevante, para o direito nacional, a forma através da qual a requerente foi constituída, o que importa é que, efectivamente, houve uma cessão da quota da sociedade portuguesa, entre a sociedade que anteriormente a detinha e uma outra e nova sociedade.

r)       Ainda que a requerente invoque, sem que o prove, que neste caso os sócios mantêm exactamente as mesmas participações e, desta forma, o mesmo predomínio do capital social, cumpre referir que o art. 2º nº 2, al. d) não distingue entre sócios e sociedade e sendo esta última uma pessoa distinta dos sócios, a AT está, no presente caso, a tributar um sócio que antes não detinha qualquer participação social na sociedade portuguesa.

s)      Pelo que, tendo sido a sociedade requerente que adquiriu mais de 75% do capital social da F… e, sendo aquela uma outra e nova sociedade, o sócio único já não é o mesmo, a B… ou, indirectamente, o fundo que a detinha (a E…, cfr. art. 7º do p.p.a).

t)       Caso se entendesse, sem conceder, que a situação presente não se enquadraria na al. d) do nº 2 do art. 2º do CIMT face a esta evidência de existir uma nova sociedade que detém riqueza que não detinha antes, ainda que o sócio seja indirectamente o mesmo, tal situação sempre seria de tributar face à similitude do que acontece nas fusões e cisões de sociedades contempladas na al. g) do nº 5 do art. 2º do CIMT.

u)      É que tal como naquelas, no caso em concreto tendo a requerente personalidade jurídica própria, isto é, se se quiser atribuir relevo à cisão efectuada no Luxemburgo, sendo esta independente da sociedade cindida, houve uma transmissão dos bens da sociedade cindida para a nova sociedade, tendo-se transferido, directamente, o poder económico sobre os bens imobiliários de uma para outra sociedade.

v)      Finalmente, para a AT improcede a alegada violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, ao contrário do que invoca a Requerente, não tributar tal situação é que constituiria uma evasão ilegítima à tributação de IMT.

6. Por despacho de 20 de Dezembro de 2016, foi decidido: i) Indeferir o pedido de produção de prova, atendendo ao facto de a Requerente não ter indicado, no prazo concedido, a matéria de facto em relação à qual pretendia que a testemunha indicada fosse inquirida, por um lado, e, verificando-se, por outro lado, que a matéria de facto relevante não se afigurava controvertida, por a questão a decidir ser essencialmente de direito; ii) Dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo em ordem a promover a celeridade, a simplificação e a informalidade deste; e iii) Prorrogar o prazo da arbitragem por dois meses e designar-se o dia 27 de Fevereiro de 2017, como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

7.As partes ofereceram alegações pugnando, no essencial, pelo sustentado em sede de articulados.

 

II.                Saneamento

 

1.O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo porque apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

2.As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

3.O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

4.Não foram suscitadas quaisquer exceções de que cumpra conhecer.

5.Não se verificam nulidades que obstem ao conhecimento do mérito.

 

III.             Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

§1.       Factos provados

 

      Julgam-se provados os seguintes factos:

a)                  A Requerente é uma sociedade de Direito Luxemburguês, não residente em território português com sede no Luxemburgo, em…, …, …, que se encontra registada como entidade não residente sem representante em território nacional desde 2014-12-24 (cfr. Anexo V ao Relatório de Inspecção);

b)                  e cuja constituição resultou de processo de cisão da B…, ocorrido em 14 de Novembro de 2014 (cfr. Anexo V ao Relatório de Inspecção);

c)                  Por via do referido processo de cisão, foi efectuado o destaque de um conjunto de activos e passivos integrantes de “compartimentos” da sociedade, igualmente de direito luxemburguês B…, para com os mesmos constituir 3 novas sociedades, a saber: a C…, a D…, e a A…, ora Requerente (cfr. documentos n.ºs 2 e 3, juntos à p.i.);

d)                 Em cumprimento do disposto na Ordem de Serviço n.º OI2015…, emitida em 2015-06-15, e com despacho datado de 2015-06-16, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), 12.º, n.º 1 e 14.º n.º 1 alínea b), ambos do RCPIT, foi ordenado procedimento inspectivo, relativo ao exercício de 2014, à ora Requerente A… (cfr. PA);

e)                  No âmbito do procedimento inspectivo à entidade G… SA, com o NIPC …, a AT declarou ter detectado que a Requerente adquiriu a totalidade do capital da sociedade portuguesa F… Lda, com o NIPC …, ao adquirir a sua quota à entidade B…, cujo depósito na Conservatória do Registo Comercial foi efetuado em 2015-02-05 (cfr. PA);

f)                  Solicitada a cópia dos documentos que serviram de base àquele registo, junto da referida Conservatória, foi remetida cópia de “Demerger Process – Assignment of Quota” - Processo de Cisão-Cessão de quota (cfr. anexo V ao Relatório de inspecção, fls. 15 do PA);

g)                 Do registo na Conservatória do Registo Comercial, a favor do sujeito passivo A…, consta que este passou, por cisão da entidade B…, a ser titular da quota representativa do capital da sociedade de direito português F… Lda, com o NIPC…, em 2014-11-14;

h)                 Quer a B…, quer as 3 sociedades resultantes do destaque dos activos e passivos daquela tinham nessa data, como sócio único, a sociedade E… (cfr. documentos n.ºs 2, 4, 5 e 6, juntos à p.i.);

i)                   Entre os activos destacados do património da B… para a sociedade ora requerente, anteriormente incluídos no “Compartimento 4” da referida B…, encontrava-se a totalidade das quotas representativas do capital da sociedade F… Unipessoal, Lda. (cfr. documento n.º 3, junto à p.i.);

j)                   À data da realização do processo de cisão – 14 de Novembro de 2014 -, incluíam-se no activo da sociedade F…, Lda. os imóveis identificados no quadro discriminativo que constituí o Anexo VI ao relatório de inspecção junto à p.i. como documento n.º 3);

k)                 Por meio de contrato de compra e venda celebrado em 14 de Abril de 2015, a Requerente vendeu as quotas de que era titular na sociedade F…, Lda. à sociedade H… (cf anexos II, III e IV ao relatório de inspecção junto à p.i. como Documento n.º 3);

l)                   Mediante consulta às aplicações informáticas da Autoridade Tributária relativas ao património, esta identificou os imóveis que a sociedade F… Lda detinha (cfr. Anexo VI do RIT a fls. 70 do PA);

m)               Os serviços consideraram que por força da aplicação conjugada dos artigos 2º, nº 1 e 2º nº 2, al.d) do CIMT, se encontrava verificada a infracção da não liquidação de IMT, em consequência da aquisição, pela requerente, das participações sociais da sociedade portuguesa por quotas F…;

n)                 Consideraram, os referidos Serviços de Inspecção Tributária que, possuindo a sociedade F…, Lda. bens imóveis em território português, a Requerente, ao adquirir a totalidade das quotas na mesma no âmbito do supra descrito processo de cisão realizado no Luxemburgo, deveria ter procedido à liquidação do IMT devido pela transmissão dos imóveis incluídos no património daquela sociedade ao abrigo do disposto no n.º 2, alínea d) do artigo 2.º do Código do IMT (cfr. documento n.º 3, junto à p.i.);

o)                 Em 2015-09-23, foi a Requerente notificada na sua sede sita no Luxemburgo, através do ofício n.º…, do Projecto de Relatório de Inspecção, para efeitos do exercício do direito de audição, nos termos do artigo 60.º da LGT e 60.º do RCPITA;

p)                 A requerente pronunciou-se em sede de audição prévia, com fundamentação idêntica à vertida no presente pedido de pronúncia arbitral;

q)                 Os serviços de Inspecção mantiveram as conclusões já reflectidas no Projecto de Relatório, invocando que: «Em todo o caso verifica-se que o capital social da entidade portuguesa transita da titularidade da B… para a A…, que é uma nova entidade com personalidade jurídica própria, e que pelo facto de passar a deter o capital social da referida entidade portuguesa, que possui imóveis localizados em território português, se encontra a referida operação sujeita a IMT.» (PA);

r)                  Neste seguimento foi efectuada a respectiva liquidação de IMT, da qual resultou, com referência à data da cisão - 14 de Novembro de 2014, um imposto a pagar no montante de €417.150,91 nos termos do oficio n.º…, de 2016-01-26 (cfr. documento n.º 1, junto à p.i.);

s)                  A requerente foi notificada da liquidação em apreço em 1 de Fevereiro de 2016, de que consta, como data-limite para pagamento, o prazo de 30 dias a contar da assinatura do aviso de recepção do correspondente Ofício.

 

§2.Factos não provados

 

Não existem quaisquer outros factos, com relevância para a decisão arbitral, a julgar como não provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

 

No tocante ao julgamento da matéria de facto, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas partes em sede de facto, do teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e do processo administrativo.

 

III.2. Matéria de Direito

 

A questão central de direito a considerar neste processo arbitral gira em torno de saber se os factos descritos consubstanciam uma transmissão sujeita a IMT, por efeito da aplicação da norma vertida na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IMT.

Para a Requerente está subjacente à indicada norma de incidência uma aquisição derivada do controlo sobre a sociedade por parte de um determinado sócio que antes o não detinha, e, assim, um domínio económico superveniente sobre os bens imóveis.

No caso dos autos, na medida em que a sua concretização não fez operar nenhuma transformação ao nível da titularidade económica sobre os bens imóveis situados em território português, o processo de cisão de que resultou a constituição da sociedade Requerente não consubstancia uma transmissão onerosa para efeitos da referida norma de incidência.

Em suma, para a Requerente, o que aqui se discute, portanto, é saber se, como pretende a Requerida, quando uma sociedade com um sócio único é objecto de uma cisão e uma sociedade resultante da mesma cisão fica no seu activo com 100% do capital de uma sociedade com bens imóveis localizados em Portugal, se subsume ao estabelecido na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IMT citado, ou seja, por outras palavras, se tal operação traduz uma aquisição de bens imóveis para efeitos de sujeição da mesma ao IMT.

            Para a Requerida, segundo a fundamentação constante do relatório de inspecção, possuindo a sociedade F…, Lda. bens imóveis em território português, a Requerente, ao adquirir a totalidade das quotas na mesma no âmbito do referido processo de cisão realizado no Luxemburgo, deveria ter procedido à liquidação do IMT devido pela transmissão dos imóveis incluídos no património daquela sociedade ao abrigo do disposto no n.º 2, alínea d), do artigo 2.º do Código do IMT (cfr. pags. 5 a 9 do Relatório de Inspecção).

            Na Contestação, veio a Entidade Requerida invocar inovadoramente que “Caso se entenda, sem conceder, que a situação presente não se enquadraria naquele preceito, face a esta evidência de existir uma nova sociedade que detém riqueza que não detinha antes, ainda que o sócio seja indirectamente o mesmo, tal situação sempre seria de tributar face à similitude do que acontece nas fusões e cisões de sociedades contempladas na al. g) do nº 5 do art. 2º do CIMT”.

            No que diz respeito à argumentação invocada pela AT, limitar-nos-emos a atender à fundamentação constante do Relatório de Inspecção, a qual por ter presidido à prática do ato de liquidação é a única a ter em conta na aferição da legalidade da liquidação impugnada.

      Vejamos.

 

A)    Sentido e alcance do art. 2.º, alínea d), do Código do IMT

 

O mencionado preceito, sob a epígrafe “incidência objectiva e territorial”, à data dos factos, prescrevia o seguinte:

“1 – O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.

2 – Para efeitos do n.º 1, integram, ainda, o conceito de transmissão de bens imóveis:

(…)

d) A aquisição de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome colectivo, em comandita simples ou por quotas, quando tais sociedades possuam bens imóveis, e quando por aquela aquisição, por amortização ou quaisquer outros factos, algum dos sócios fique a dispor de, pelo menos, 75% do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois, sendo marido e mulher, casados no regime de comunhão geral de bens ou de adquiridos

e) (…).

f) (…).

g) (….)”.

O Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis visa tributar as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional. Tal é o que se estabelece no n.º 1 do art.º 2.º do Código do Imposto, sendo esta a regra fundamental da incidência material do tributo.

Mas, como é sabido, e como aliás já sucedia no âmbito do vetusto imposto de sisa, o legislador sempre sentiu a necessidade, em ordem a evitar fenómenos de evitação fiscal, de “(…) ficcionar, como transmissões sujeitas a imposto, determinadas operações que direta ou indiretamente implicam a transmissão de bens imóveis e que se revestem de características económicas que justificam o seu enquadramento no âmbito da incidência. É o caso, por exemplo, das promessas de aquisição e alienação acompanhadas da tradição dos bens, do contrato de locação em que seja desde logo clausulada a posterior venda do imóvel, dos arrendamentos a longo prazo e da aquisição de partes sociais que confiram ao titular uma participação dominante em determinadas sociedades comerciais se o seu ativo for constituído por bens imóveis.”[1]

Esta extensão do conceito de transmissão, operado pelas normas de incidência real do tributo, é amplamente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência.

JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES sistematiza tal extensão de incidência para além dos negócios jurídicos dos quais resulta a transmissão onerosa de bens imóveis, organizando as mais de três dezenas de factos tributários que, de acordo com as regras de incidência do IMT, dão origem à sujeição a imposto, em três grandes categorias:

1) as transmissões resultantes da celebração de actos ou contratos que têm como objecto e finalidade essa mesma transmissão;

2) as transmissões resultantes da celebração de actos ou contratos que não têm como objecto e finalidade essa mesma transmissão, mas a produzem como efeito colateral e necessário;

3) as ficções legais de transmissões onerosas para efeitos de IMT.

A respeito deste última categoria, esclarece o referido autor o seguinte:

“(…) Trata-se de factos que não configuram transmissões de imóveis para outros efeitos jurídicos, mas que o Código do IMT tipifica como transmissões sujeitas a imposto. (…) Nestes casos não ocorre qualquer transmissão de bens imóveis para outros fins, mas o Código do IMT considera que, para efeitos de aplicação de imposto, se verifica uma verdadeira transmissão sujeita ao pagamento de imposto. Trata-se de verdadeiras ficções legais de transmissão, determinada apenas pela vontade do legislador de sujeitar a imposto os actos ou contratos neles previstos. Trata-se de conceitos autónomos de transmissão, próprios do IMT, que não têm qualquer correspondência com idêntico conceito noutros ramos do direito. A elevação destes factos à categoria de transmissões para efeitos do IMT justifica-se pela necessidade de evitar a evasão e fraudes fiscais. Através desta técnica pretende o legislador evitar que os agentes económicos pratiquem actos ou negócios jurídicos sucedâneos de outros sujeitos a imposto, que produzam os mesmos resultados, mas com a única diferença de não serem sujeitos a imposto. Pretende-se evitar a distorção nos mercados que a Lei fiscal provocaria se os agentes económicos praticassem estes actos sucedâneos só para evitar o pagamento do imposto. Na verdade é o temor da evasão e da frauda fiscal que conduz o legislador do IMT num trabalho intenso de inventariar todo o tipo desses actos sucedâneos e a tipificá-los também como sujeitos a imposto”[2].

Esta preocupação com a possibilidade de elisão, evasão ou fraude fiscal na criação e construção das ficções jurídicas constantes das normas de incidência do IMT, é unanimemente assinalada pela generalidade da doutrina. Neste sentido, Saldanha Sanches[3], Casalta Nabais[4], Silvério Mateus e Corvelo de Freitas[5], Jónatas Machado e Paulo Nogueira da Costa[6], inter alia, assinalam esta realidade.

A jurisprudência dos Tribunais superiores, embora escassa, segue igualmente a mesma orientação. Por exemplo, no Acórdão de 4 de Dezembro de 2008, Processo 00328/01, do Tribunal Central Administrativo Norte, refere-se a dado passo que:"No entanto, se na elaboração do preceito se teve em vista, ao tributar aquelas cessões de quotas ou partes sociais, impedir que os imóveis daquelas espécies de sociedades pudessem ser praticamente adquiridos por qualquer dos sócios sem o pagamento de sisa, pelo que só nos casos em que o adquirente da quota ou parte social se tornou como que dono da sociedade é que a tributação pode justificar-se à luz dos princípios e é que ela se mostra necessária para impedir a grande maioria das fraudes, como emana do n.º 6 do relatório preambular do respectivo Código, torna-se evidente que, na razão essendi do preceito, se encontra também abrangido o caso, como o dos autos, em que um dos sócios, já detentor de 75 % ou mais do capital social, venha a adquirir novas parcelas ou partes desse capital, tomando-se, assim, quase o único detentor dos bens sociais e, por essa via, também dos imóveis da sociedade.”

Embora a decisão citada se reporte ao Imposto de Sisa, atenta a identidade dos preceitos de incidência a ratio é plenamente aplicável.

Podemos, assim, concluir, sem margem para dúvidas, que o preceito que a Administração Tributária aplicou constitui uma norma de incidência com a natureza de uma ficção jurídica, cuja mens legis é a de uma cláusula anti-abuso, ou seja, que visa prevenir a fraude, evasão ou elisão fiscal.

Contudo, desta conclusão não se retira outra coisa que não o escopo da norma. O facto de se tratar de uma norma anti-abuso não obriga a qualquer especialidade do ponto de vista hermenêutico, sendo-lhe aplicável as regras do art.º 9.º do Código Civil, aplicáveis ex vi, e com as necessárias adaptações, do artº 11º da Lei Geral Tributária.

Donde resulta que, na aplicação desta norma, além do teor literal, importa ter em consideração o pensamento legislativo, uma vez que “(…) letra e espírito podem não coincidir. Como veremos de seguida, o espírito prevalece então sobre a letra”[7].

Ora, tendo em conta a manifesta intenção do legislador e a letra da norma, mister é que na sua interpretação e aplicação se tenha em boa e devida conta a sua finalidade, o que vale por dizer o seu elemento teleológico: o que se visa com esta norma de incidência é evitar a fraude, evasão ou elisão fiscal, mandando tributar situações em que um sócio de uma sociedade em comandita ou por quotas adquire, por via da aquisição de partes sociais, a “quase propriedade” dos imóveis dessa sociedade.

 

B)    Aplicação ao caso dos autos

 

Comecemos por caracterizar a operação mediante a qual a Requerente adquire 100% do capital social da F…, Lda., sociedade que possuía no seu activo os imóveis identificados no quadro discriminativo que constitui o Anexo VI ao relatório de inspecção.

Trata-se, como resulta dos autos, de uma operação de cisão.

Uma cisão, na acepção da Sexta Directiva[8] é definida como a extinção da sociedade cindida, pela divisão e transmissão do seu património activo e passivo a várias sociedades beneficiárias com a integração dos respectivos sócios, mediante a atribuição das acções destas, contrapartida da transmissão operada e de uma quantia em dinheiro não superior a 10% do valor nominal das acções atribuídas.

O Estado Português foi o primeiro a conciliar o seu direito interno em matéria de cisões de sociedades anónimas com a transposição da Sexta Directiva. A maioria dos Estados da União Europeia transpôs a Sexta Directiva para os seus ordenamentos internos, havendo, contudo, algumas excepções – não sendo o caso do Grão-Ducado do Luxemburgo, como é bom de ver.

Como igualmente resulta dos autos, esta cisão traduziu-se no destaque de partes do património da sociedade cindida para com elas constituir novas sociedades (cisão simples). E uma vez que quer a sociedade cindida quer as três sociedades resultantes do destaque dos activos e passivos daquela tinham nessa data, como sócio único, a sociedade E..., ficou esta a sócia única da requerente.

Sucede que, como bem ensina JOANA DE VASCONCELOS[9], “Na sexta Directiva, a cisão é caracterizada pela extinção (“dissolução sem liquidação») da sociedade cindida, pela divisão e subsequente transmissão a várias sociedades de «todo o seu património activo e passivo» e pela integração dos respectivos sócios nas sociedades beneficiárias, mediante a atribuição das acções destas, contrapartida da transmissão operada, e, «eventualmente de uma quantia em dinheiro não superior a 10% do valor nominal das acções atribuídas».

Estes os elementos essenciais do conceito – restrito, na medida em que identifica cisão e cisão total – que se retiram das definições das duas modalidades segundo as quais a cisão pode realizar-se: cisão mediante incorporação (art. 2) e cisão mediante constituição de novas sociedades (art. 21).”

E em nota de rodapé (313) mais adianta: “Tendo como denominador comum a sua recondução a formas de cisão total, estas duas modalidades de cisão diferenciam-se entre si pelo facto de na primeira as sociedades beneficiárias preexistirem à operação, enquanto na segunda são constituídas pela própria sociedade que se cinde, em resultado da realização da mesma operação (CAPUCILLI, op. Cit., col 24; SANTOS MARTINEZ, op. Cit., pp 1000 segs.; CUSA, op. Cit., pág. 10.)”.

Esta aquisição originária, resultado necessário da constituição da sociedade resultante da cisão, não se subsume, pois, ao disposto no art.º 2.º, n.º 2, alínea d), do CIMT, porquanto só nos casos em que “(…) o sócio maioritário vier a adquirir posteriormente(à constituição da sociedade) uma quota ou parte social é que ficará sujeito a IMT de acordo com o preceito em anotação (neste sentido, vd. Circular 15/2002, de 28 de Maio).”[10]

Aliás, e como resulta da citação, é este o entendimento da Requerida: de acordo com o n.º 2 da mencionada Circular 15/2002, a qual se refere à interpretação do Código da Sisa mas a norma em tudo similar à agora interpretada,“(…) se no acto de constituição de uma sociedade que possua bens imóveis, algum dos sócios ficar a dispor de, pelo menos, 75% do seu capital social, não será devida sisa por esse facto; só quando tal sócio vier a adquirir, posteriormente, outra quota ou parte social, é que se verifica ficar sujeito a imposto municipal de sisa, de harmonia com o artigo 2º, § 1º, nº 6º e regra 2ª do § 3º do art. 19.º do Código citado.

Cabe aliás referir que, de harmonia com o estabelecido no n.º 1.º do art.º 68.º-A da Lei Geral Tributária, “A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias.” Pelo que se estranha, assim, a posição da Requerida – a não ser que lhe tenha escapado que de uma cisão simples resulta a constituição ex novo da (s) sociedade(s) resultante(s) da cisão.

Na verdade, e ao invés do que a Requerida afirma quer na contestação quer nas suas alegações, não houve cessão de quotas. Houve uma cisão simples.

Ainda que se entendesse, porém, estarmos perante uma operação onerosa coberta de alguma forma pela letra da norma do art.º 2.º, nº. 2, alínea d), do CIMT, sempre a mesma não encontraria aplicação ao caso concreto porque o tipo de situações em causa não é abrangido pelo pensamento legislativo que presidiu à sua criação.

Na verdade, e como resulta cristalino de tudo o que vimos de referir, repetimos: o que se visa com esta norma de incidência é evitar a fraude, evasão ou elisão fiscal, mandando tributar situações em que um sócio de uma sociedade em comandita ou por quotas adquire, por via da aquisição de partes sociais, a “quase propriedade” dos imóveis dessa sociedade. Se é esta a mens legis do preceito, se é este o fim que a norma prossegue, não faz sentido aplicá-la aos casos em que não há qualquer aquisição material ou de facto de património imobiliário (ainda que por via societária). Com efeito, se o sócio da sociedade cindida e da sociedade fruto da cisão são uma e a mesma entidade, não se verificou qualquer aquisição de partes sociais da qual algum dos sócios fique a dispor de, pelo menos, 75% do capital social.

Assim, no caso dos autos, a situação sub Júdice não é coberta, nem pela letra, nem pelo espírito da norma de incidência. Com efeito, (i) não há aquisição a posteriori de mais de 75% do capital social da F…, Lda., (ii) nem se verifica uma aquisição por uma nova persona jurídica. Pelo que quanto à operação em causa, da qual resultou a inscrição, a favor da Requerente, de 100% do capital da F…, Lda., não se verifica a incidência de IMT ao abrigo do art.º 2.º, n.º 2, alína d), do CIMT.

Ao decidir em sentido contrário, a AT incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito, o que implica a ilegalidade da liquidação sub judice.

Termos em que procede o pedido da Requerente, anulando-se o acto de liquidação de IMT no valor de € 417.150,91, objecto do presente pedido arbitral.  

 

C)     Questões de conhecimento prejudicado

 

            Sendo de anular a liquidação impugnada, com base nos fundamentos expostos supra, fica prejudicado, por inútil (artigo 130.º do CPC) o conhecimento dos restantes vícios arguidos.

 

IV. Decisão

 

Termos em que acorda o presente Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido arbitral e, nesta sequência, anular o acto de liquidação de IMT efectuada pelo Serviço de Finanças de … no valor de € 417.150,91, notificada por Ofício n.º…, de 26 de Janeiro de 2016.

 

V. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 417.150,91.

 

*

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2017

 

 

Os árbitros,

 

Fernanda Maçãs,

 

João Espanha

 

 

Américo Brás Carlos

 

 



[1] Citamos do Preâmbulo do Código do IMT, Código que foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro (no âmbito da Reforma dos Impostos sobre o Património). Sublinhado nosso.

[2]“Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, 2ª Edição, 2013, Almedina, p. 222-223.

[3]“Manual de Direito Fiscal”, Coimbra, 3ª Edição, 2007, p. 439.

[4]“Direito Fiscal”, Coimbra, 5ª Edição, 2009, p. 639.

[5]“Os Impostos Sobre o Património Imobiliário – anotados e comentados”, Lisboa, 2005, p. 321.

[6]“Manual de Direito Fiscal”, Coimbra, 2016, p. 429.

[7] Oliveira Ascensão, “O Direito – Introdução e Teoria Geral”, Coimbra, 13ª Edição refundida, 2005, p. 397.

[8] Sexta Directiva 82/891/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1982, fundada no nº 3, alínea g), do artigo 54º do Tratado, relativa às cisões de sociedades anónimas.

[9] “A Cisão de Sociedades”, Lisboa, 2001, pág. 94-95. Sublinhado nosso.

[10] Silvério Mateus e Corvelo de Freitas, ob. cit., pág. 319.