Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 161/2021-T
Data da decisão: 2021-11-12  IRC  
Valor do pedido: € 516.031,54
Tema: IRC. Gastos de financiamento. Contratos swap de taxas de juros.
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DECISÃO ARBITRAL

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 225.804,50, que explicitou ter sido determinado pela aplicação das taxas do IRC à correcção tributária contestada, no montante € 1.078.116,69, por via da não dedutibilidade dos juros de contratos swap e o consequente acréscimo da matéria colectável.

 

Por despacho de 28 de Outubro de 2021, o tribunal notificou as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de alteração do valor da causa. tendo em consideração o critério que resulta do artigo 97.º-A. n.º 1, alínea a), do CPPT, pelo qual, em caso de impugnação da liquidação, o valor da causa é o da importância cuja anulação se requer.

 

Em resposta, a Requerente veio dizer que, na interpretação que faz do disposto no artigo 97º-A, nº 1, alínea a), do CPPT, só quando da matéria tributável acrescida pela Autoridade Tributária não resulte liquidação de imposto a pagar é que será de adoptar o critério do “valor da matéria colectável contestada” para determinar o valor da ação e nos casos em que se pede a anulação da liquidação, o valor da causa a considerar será igual ao valor da prestação pecuniária que se pretende ver anulada, por ser esse que representa a utilidade económica imediata do pedido.

 

Atento o disposto no artigo 306.º do CPC, é ao tribunal que cabe fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.

 

O artigo 97.º-A do CPPT, sob a epígrafe “valor da causa”, no seu n.º 1, autonomiza os valores atendíveis consoante seja impugnada a liquidação, caso em que o valor a considerar é o da “ importância cuja anulação se requer” (alínea a)), ou se impugne o acto de fixação da matéria colectável ou o acto de fixação dos valores patrimoniais, caso em que o valor da causa é o “valor contestado” (alíneas b) e c)).

 

Interpretando conjugadamente as disposições do artigo 97.º-A com as do artigo 97.º, que se refere aos meios processuais tributários, conclui-se que o legislador distingue entre a impugnação da “liquidação de tributos”, mencionada na alínea a) do n.’ 1 do artigo 97.º, e a “impugnação da fixação da matéria colectável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo”, mencionada na alínea b) do n.º 1.

 

Constata-se, assim, que o critério a considerar é o valor da prestação pecuniária que se pretende ver anulada e só quando da fixação da matéria tributável não resulte o apuramento de imposto a pagar é que o valor a atender corresponderá ao valor contestado.

 

No caso vertente, a Requerente impugna a liquidação adicional de IRC de que resultou um valor a pagar de € 516.031,54, pelo que o valor da causa terá de ser fixado nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, correspondendo ao da importância cuja anulação se

pretende.

Assim sendo, fixa-se o valor da causa no montante de € 516.031,54, havendo lugar ao pagamento, pelo sujeito passivo, do valor remanescente da taxa de arbitragem em correspondência com o valor da causa fixado.

 

Notifique.

 

Lisboa, 12 de Novembro de 2021,

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

O árbitro vogal

 

 

Rui Duarte Morais

 

 

A árbitro vogal

 

 

Filipa Barros

 

 

 

 

 

 

Sumário:

O n.º 12 do artigo 67.º do Código do IRC, na redação da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, não considerava como gastos de financiamento líquidos, para efeitos desse artigo, os juros relativos a contratos swap de taxas de juro.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., Lda., com o número único de matrícula e de pessoa colectiva ..., com sede em ..., n.º..., ...-... Cascais, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2020..., e da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2020..., em que se apurou um montante a pagar de € 516.031,54, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma pequena média empresa imobiliária que para a prossecução da sua atividade necessita de recorrer ao financiamento bancário para a concretização e desenvolvimento dos seus projetos imobiliários.

 

Com a crise financeira mundial, a Requerente decidiu aderir aos contratos de swap de taxa de juro, que lhe foram propostos pelos seus bancos financiadores, como forma de permitir à empresa limitar a sua exposição aos juros bancários, dentro de limites pré-fixados.

 

Os swaps relativos a taxas de juro são um dos instrumentos financeiros derivados enumerados no artigo 2º do Código de Valores Mobiliários, cuja definição consta do parágrafo 5 da NCRF 27 e a que se refere o artigo 49º do CIRC.

 

A liquidação impugnada resultou de uma ação de inspeção tributária realizada ao exercício de 2016, em que se procedeu à correção relativa a gastos de financiamento líquidos, no montante total de € 2.845.702,27, que se considerou excederem os limites legais de dedutibilidade previstos nos termos do artigo 67º, nº 1, do Código do IRC, e que incluía juros de contratos de swap de taxa de juro, no montante de € 1.808.558,98, e que à data dos factos não relevavam para o limite de dedutibilidade referido artigo 67º, nº 1, do Código do IRC, por não integrarem a noção legal de gastos de financiamento, que apenas foi consagrada, para esse efeito, no nº 12 desse artigo, na redação dada pela Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

 

A norma não tem, por outro lado, natureza interpretativa, pelo que o ato de liquidação viola o princípio da legalidade e os princípios constitucionais da segurança e da certeza jurídica e da proibição da retroatividade em matéria fiscal.

 

            2. A Autoridade Tributária não apresentou resposta e, tendo sido notificada para juntar o processo administrativo, por despacho arbitral de 20 de Julho de 2021, veio a apresentar o processo administrativo em 20 de agosto seguinte.

 

No seguimento do processo, o tribunal notificou as partes para apresentarem  alegações escritas facultativas pelo prazo sucessivo de 10 dias.

 

A Requerente, nas suas alegações, manteve a sua anterior posição. A Autoridade Tributária alegou, em síntese, que o n.º 8 do artigo 67.º da Lei do Orçamento de Estado para 2013 (Lei n.º 66-B/2012, de 31/12), ao referir que, para efeitos da limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento, consideram-se gastos de financiamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente os diversos tipos de juros aí mencionados, pretende incluir, na interpretação da Circular n.º 7/2013, os instrumentos financeiros de cobertura de operações de endividamento, como é o caso de contratos de swap de taxa de juro, que satisfazem todos os requisitos para uma tal qualificação na medida em que esses gastos, resultando do diferencial das taxas de juros permutadas em resultado da evolução desfavorável da taxa de juro, estão relacionados com o próprio financiamento.

Por outro lado, a noção de “gastos de financiamento” introduzida pela Lei n.º 32/2019, na alínea a) do n.º 12 do artigo 67.º, ao referir-se aos “montantes de juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados ou de mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos obtidos”, não se destina  a colmatar eventuais omissões da lei anterior, mas a efetuar a transposição da  Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de 12 de Julho de 2016, que estabelece regras contra as práticas de elisão fiscal que tenham incidência direta no funcionamento do mercado interno, dirigidas a todos os Estados-membros, e que faz expressa referência aos juros nocionais no parágrafo 1) do artigo 2.º.

Nesse sentido, entende que a melhor interpretação da norma do n.º 12 do art.º 67.º, na redação em vigor em 2016, é a de que os gastos com instrumentos financeiros derivados, designadamente, com os contratos de swap de taxa de juro com a natureza de instrumentos de cobertura de endividamento, cabem na definição de “gastos de financiamento líquidos”.

Conclui pela improcedência do pedido arbitral.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 1 de Junho de 2021.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

  1. A Requerente é uma pequena média empresa cuja atividade consiste na construção e administração de bens imóveis próprios, compra e venda de bens imóveis, bem como a revenda de imóveis adquiridos para esse fim, urbanização de lotes para construção e prestação de serviços relativos à atividade imobiliária;
  2. Encontra-se enquadrada em IRC no regime geral de tributação de rendimentos;
  3. A Requerente celebrou contratos swap de taxas de juros com os seus bancos financiadores para limitar a sua exposição aos juros bancários, dentro de limites pré-fixados;
  4. Os gastos com os juros dos contratos swap totalizaram, em 2016, o valor de € 1.808.558,98, registados na conta 69.8.8.8.8 da contabilidade da Requerente;
  5. A Requerente suportou em 2016 gastos de financiamento líquido no total de € 2.845.792,27, montante esse que incluiu o valor dos custos com juros nocionais decorrentes dos contratos de swap;
  6. A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva incidente sobre o exercício de 2016, credenciada pela Ordem de Serviço n.º I2019..., que teve por objetivo verificar a coerência dos valores inscritos nas declarações relativas a IRC e IVA e o cumprimento do disposto no Código do IRC, designadamente no que se refere ao tratamento fiscal dos gastos de financiamento líquidos;
  7. O Relatório de Inspeção Tributária apurou um EBITDA de € 4.418.963,94 e, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do CIR, considerou um limite de dedutibilidade de gastos de financiamento líquido, em 2016, de 40% do EBITDA, correspondente a € 1.767.585,58;
  8. O Relatório determinou uma correção tributária relativa a gastos de financiamento líquidos não dedutíveis, no valor de € 1.078.116,69, que corresponde à diferença entre o total dos gastos de financiamento líquidos (€ 2.845.792,27) e o limite de dedutibilidade de gastos (€ 1.767.585,58);
  9.  O Relatório de Inspeção Tributária, na parte relevante, é do seguinte teor:

 

III.1.2 - Gastos de financiamento

No exercício de 2016 a A... recorreu a financiamentos bancários e suportou os correspondentes encargos financeiros que relevou contabilisticamente em subcontas da conta SNC 69- Gastos e perdas de financiamento, no montante acumulado de € 2.864.188,25.

(...)

12 - Para efeitos do presente artigo, consideram-se gastos de financiamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza.

(...)

Assim, para efeitos de apuramento dos Gastos de Financiamento Líquidos não dedutíveis nos termos do artigo 67.° do Código do IRC deve considerar-se o maior dos seguintes limites para o exercício de 2016:

  • € 1.000000,00 - alínea a) do n.º 1;
  • 40% do EBITDA - alínea b) do n.º 1, considerando já a aplicação do regime transitário.

Posto isto, há que analisar o montante de Gastos de Financiamento Líquidos que se encontra contabilizado e compará-lo com os limites do n.º 1 do artigo 67.°, considerando ainda o estabelecido pelo regime transitório. Caso esse montante seja superior a € 1.000.000,00 ou 40% do resultado antes de depreciações, amortizações, Gastos de Financiamento Líquidos e impostos (EBITDA apurado na contabilidade e corrigido nos termos do n.º 13, se aplicável), o excesso não concorre para a formação do lucro tributável do período de 2016, conforme se segue:

  1. EBITDA obtido na contabilidade - Corresponde ao campo A5017 do quadro 03-A do anexo A da IES = € 4.418.963,94
  2. Gastos de financiamento suportados - consta da contabilidade e corresponde ao campo A5022 do quadro 03-A do anexo A da IES = € 2.864.188,25
  3.  Juros e rendimentos similares obtidos - consta da contabilidade e corresponde ao campo A5022 do quadro 03-A do anexo A da IES = € 7.985,32
  4. Gastos de financiamento suportados não aceites fiscalmente - consta da contabilidade e está incluído no campo 728 do quadro 07 da Declaração Modelo 22 = € 10.500,66 (trata-se de juros de mora e compensatórios, relevados na conta SNC 69185 não aceites fiscalmente)
  5. Gastos de Financiamento Líquidos = € 2.845.702,27 (€ 2.864.188,25 - € 7.985,32 - €10.500,66)
  6.  40% de € 4.418.963,94 = € 1.767.585,58
  7. Os Gastos de Financiamento Líquidos são dedutíveis até ao maior dos seguintes limites: € 1.000.000,00 ou € 1.767.585,58, pelo que releva este último.
  8. Os Gastos de Financiamento Líquidos não dedutíveis correspondem à diferença entre € 2.845.702,27 e € 1.767.585,58, ou seja, € 1.078.116,69.

Do exposto conclui-se que não é dedutível para efeitos da determinação do lucro tributável do exercício de 2016 o valor de € 1.078.116,69, correspondente aos Gastos de Financiamento Líquidos que excedem os limites fiscalmente aceites nos termos do n.º 1 do artigo 67.° do Código do IRC, em conjugação com o disposto no regime transitório estabelecido pelo n.º 2 do artigo 192.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e mantido pelo n.º 7 do artigo 12.° da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.”

J) A correção tributária originou a liquidação de IRC e juros compensatórios n.º  2020...), no valor total de € 516.031,54, que constitui o documento n.º 1 junto ao pedido arbitral;

L) Em 13 de Janeiro de 2021, a Requerente procedeu ao pagamento do imposto devido.

M) O pedido arbitral deu entrada em 19 de Março de 2021.

 

Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

            Matéria de direito

 

5. A única questão em debate traduz-se em saber se os gastos com instrumentos financeiros derivados, e, em especial, os resultantes de contratos de swap de taxa de juro, poderiam ter sido considerados para efeitos do limite de gastos de financiamento ao abrigo do artigo 67º, n.º 12, do CIRC.

 

A Requerente entende que a correção efetuada pelos serviços inspetivos, relativa a gastos de financiamento líquidos, incluía juros de contratos de swap de taxa de juro, que no período de tributação em causa (2016) não relevavam para o limite de dedutibilidade referido artigo 67º, nº 1, do CIRC, por não integrarem a noção legal de gastos de financiamento, que apenas foi consagrada, para esse efeito, no nº 12 desse artigo, na redação dada pela Lei n.º 32/2019, de 3 de maio.

 

Em contraposição, a Autoridade Tributária defende que o n.º 12 do artigo  67.º do CIRC, vigente à data dos factos, e segundo a interpretação vertida na Circular n.º 7/2013, de 19 de Agosto, ao englobar nos gastos de financiamento “as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros ...”,  permite inferir que aí se encontram incluídos os instrumentos financeiros de cobertura de operações de endividamento, como é o caso de contratos de swap de taxa de juro, a que se refere a alínea f) da Circular, sob a epígrafe “instrumentos financeiros derivados”.

 

E acrescenta que o conceito de “gastos de financiamento” introduzido pela Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio, através da nova redação dada à alínea a) do n.º 12 do artigo 67.º, não pretendeu colmatar eventuais omissões que resultassem da formulação verbal da norma, mas efetuar a transposição para o direito interno da Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de 12 de Julho de 2016, que estabelece regras contra as práticas de elisão fiscal. Vindo a concluir que, segundo a melhor interpretação da norma do n.º 12 do art.º 67.º, na redação vigente em 2016, os gastos com instrumentos financeiros derivados, designadamente, com os contratos de swap de taxa de juro com a natureza de instrumentos de cobertura de endividamento, cabem na definição de “gastos de financiamento líquidos”.

 

Sendo esta a questão a decidir, importa ter presente o referido n.º 12 do artigo 67.º, na redação da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, vigente no período de tributação a que se refere a correção tributária, e que é do seguinte teor:

 

“Para efeitos do presente artigo, consideram-se gastos de financiamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza.”

 

Essa disposição começou por ser introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, correspondendo ao n.º 8 desse artigo 67.º, entretanto renumerado como n.º 12 por efeito das alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, e foi mantida pela Lei n.º 82-/2014, de 31 de Dezembro.

 

Entretanto, a Lei n.º 32/2019, de 3 de Maio, desdobrou o n.º 12 em duas alíneas e na alínea a), que corresponde ao antigo corpo do n.º 12, aditou ao conjunto de situações que se consideram gastos de financiamento “os montantes de juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados ou de mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos obtidos”.

 

A Lei n.º 32/2019 pretendeu transpor para a ordem jurídica nacional a Diretiva (EU) 2016/1164, do Conselho, de 12 de julho, que reforça as regras contra práticas de elisão fiscal que tenham incidência direta no funcionamento do mercado interno. E é essa mesma Diretiva que, no seu artigo 2.º, parágrafo 1), define como gastos com empréstimos obtidos, “os montantes de juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados ou de mecanismos de cobertura do risco relacionados com empréstimos contraídos por uma entidade”.[1]

 

Por outro lado, como se depreende do considerando (5) da Diretiva, a referência aos “juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados” teve em vista contribuir para o objetivo de evitar a erosão das bases tributáveis e a transferência de lucros para fora do mercado interno, especialmente no domínio da limitação à dedutibilidade de juros.

 

Resulta ainda da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 177/XIII, que originou a Lei n.º 32/2019, que houve o propósito de concretizar, na sequência da Diretiva, alterações ao Código do IRC em vários aspetos da tributação das empresas e, em especial, nas limitações à dedutibilidade dos juros (cfr. alínea i)), que acrescenta ainda o seguinte:

A presente proposta de lei propõe, assim, alterações ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), começando por, em matéria de limitação da dedutibilidade de gastos de financiamento, ajustar apenas a definição de «gastos de financiamento líquidos», visto que o regime consignado no artigo 67.º do Código do IRC, que estabelece que os gastos de financiamento líquidos apenas concorrem para a determinação do lucro tributável até ao montante de 1 milhão de euros ou, quando superior, até ao montante que corresponder a 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, já se afigura estar, nos restantes aspetos, em conformidade com o previsto na Diretiva (UE) 2016/114 e até com maior exigência do que esta no que respeita à possibilidade de reporte dos gastos que não sejam dedutíveis por força da aplicação deste regime e da parte do limite que não seja utilizada.

Como tudo indica, a Lei n.º 32/2019, ao efetuar a transposição para o direito interno da Diretiva (EU) 2016/1164, pretendeu reajustar a definição de gastos de financiamento, aditando, entre outras, a referência aos “juros nocionais no âmbito de instrumentos derivados”, na linha do entretanto estabelecido no artigo 2.º, parágrafo 1), da Diretiva, entendendo o legislador que, noutros aspetos, o regime consignado no artigo 67.º do Código do IRC já se encontrava em conformidade com o previsto no direito europeu.

 

 Por tudo o que antes se expôs, torna-se claro que os juros no âmbito de instrumentos derivados apenas foram qualificados como “gastos de financiamento”, para efeito dos limites à dedutibilidade previstos no artigo 67.º do CIRC, com a nova redação dada ao n.º 12 desse artigo pela Lei n.º 32/2019.

 

Nem seria possível extrair diferente conclusão com base no advérbio “designadamente”, que já constava da precedente redação desse n.º 12, na medida em que uma enumeração não taxativa da norma, como parece sugerir a sua utilização, não permite ao intérprete um juízo casuístico sobre o que se entende por gastos de financiamento, o que poderia colocar em causa o próprio princípio da tipicidade da lei do imposto. Pretende-se que o imposto, quanto aos seus principais elementos, seja desenhado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar, nem para a discricionariedade administrativa. Uma tal determinação constitucional funciona assim como uma garantia dos contribuintes, no ponto em que procura criar um quadro legal rigoroso, colocando os sujeitos passivos do imposto a coberto de uma interpretação administrativa variável e porventura menos publicitada (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 695/14).

 

É nesse sentido de determinabilidade, que corresponde a uma aceção material do princípio da legalidade fiscal, assente na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, que poderá falar-se na tipicidade legal no plano fiscal. E a tipicidade não é aplicável apenas quando esteja em causa a incidência do imposto, mas também as regras que permitem a determinação da matéria coletável.

 

Como é de concluir, a não dedutibilidade de juros relativos a contratos swap de taxas de juro, com referência ao exercício de 2016, quando não se encontrava previsto, a essa data, a sua inclusão como gastos de financiamento, para efeitos do disposto no artigo 67.º do CIRC, é ilegal por violação do disposto no n.º 12 desse artigo, na redação dada pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, então vigente.

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

6. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato tributário de liquidação de IRC n.º 2020 ... na parte em que desconsidera a dedutibilidade de juros de contratos swap de taxas de juros;
  2. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

Fixa-se o valor da causa em € 516.031,54, que corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar e constitui o valor atendível para efeitos de custas, segundo o critério fixado no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 7.956,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 12 de novembro de 2021,

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

 

 

Rui Duarte Morais

 

 

A Árbitro vogal

 

 

                                                     Filipa Barros

 

 



[1] A Directiva (EU) 2016/1164 do Conselho veio acolher um conjunto de recomendações em matéria de política fiscal internacional para ações legislativas concretas no contexto da iniciativa contra a erosão da base tributável e a transferência de lucros (BEPS) formuladas pela Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE). Nos considerandos primeiro e segundo da Directiva, refere-se a necessidade de implementar “uma tributação mais justa” e de definir um plano de ação para uma tributação eficaz das sociedades na União Europeia. Os relatórios finais sobre as 15 ações da OCDE contra a BEPS foram divulgados ao público em 5 de outubro de 2015. Nas suas conclusões salientavam-se “a necessidade de encontrar soluções comuns, mas flexíveis, a nível da União, coerentes com as conclusões da OCDE sobre a BEPS. Além disso, essas conclusões apoiavam uma execução eficaz, rápida e coordenada das medidas de luta contra a erosão da base tributável e a transferência de lucros a adotar a nível da União e consideravam que as diretivas da União deveriam, sempre que apropriado, ser o instrumento escolhido para executar as conclusões da OCDE (...)”.

No plano das recomendações apresentadas e que foram acolhidas pela Diretiva para a limitação da dedutibilidade fiscal dos juros, vide página 17 e ss. do Relatório da OCDE “Limiting base erosion envolving interest deductions and other financial payments” (OECD 2016).