Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 160/2021-T
Data da decisão: 2021-10-13  IRC  
Valor do pedido: € 163.098,20
Tema: IRC - Venda de imóveis. Prova do preço efectivo. Ónus da prova
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.º Doutor Jónatas Machado e Dr. José Ramos Alexandre (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 01-06-2021, acordam no seguinte:

               

                1. Relatório

 

A..., S.A. (adiante apenas “Requerente”), contribuinte fiscal n.º..., com sede em ..., Rua..., n.º..., ..., ...-... ..., veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2020..., respetiva Demonstração de Acerto de Contas e Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios, que apuraram, com referência ao ano de 2018, um montante de imposto a pagar de € 163.098,21.

A Requerente pedem ainda a restituição da quantia paga com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 22-03-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 12-05-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 01-06-2021.

A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e defendendo que o tribunal arbitral é incompetente para apreciar o pedido e deveria ser usada a acção administrativa.

A Requerente respondeu à excepção.

Em 17-09-2021 realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita uma questão de incompetência material

 

 

2. Excepções da incompetência e impropriedade do meio processual

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou as excepções incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido e de erro na forma de processo, por entender dever ser usada a acção administrativa.

É à face do pedido ou conjunto de pedidos formulado pelo autor que se afere a adequação das formas de processo especiais e, consequentemente, a existência de erro na forma de processo. (  )

No caso em apreço, a Requerente pede que seja «declarada a ilegalidade do ato de liquidação de IRC e demais atos impugnados, referente ao ano de 2018, com a sua consequente anulação, nos termos e com os fundamentos acima expostos, sendo a Requerente ressarcida dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios».

 Nos termos do artigo 2.º, n. 1, alínea a), dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes para a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos.

Por isso é manifesta a competência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de anulação da liquidação e a adequação do processo arbitral para tal.

Quanto à competência para apreciar os pedidos de ressarcimento do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios é também clara a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, como tem sido pacificamente decidido pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

                Na verdade, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que « A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

                Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

                O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

                Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

                Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

                Assim, conclui-se que este Tribunal Arbitral é competente para apreciar todos os pedidos formulados pela Requerente e que o processo arbitral é meio processual adequado para essa apreciação.

Improcedem, assim, as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           A Requerente é a entidade dominante de um grupo de sociedades que se encontram

sujeitas a tributação, em sede de IRC, ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B)           O negócio principal da Requerente é a aquisição de “crédito mal parado”, ou seja, de dívida, a entidades bancárias, à qual vêm geralmente associados imóveis, como garantia dessas dívidas, que são depois geridos (depoimentos das testemunhas B... e C...);

C)           A D..., S.A. (adiante apenas “D...”), contribuinte n.º..., é a sociedade do grupo da Requerente que se dedica especificamente à compra desses imóveis mas também à sua posterior venda e colocação no mercado (depoimento da testemunha B...);

D)           Durante o ano de 2018, uma das sociedades que fazem parte do referido Grupo, a D... alienou 34 imóveis de que era proprietária, dispersos por vários concelhos de Portugal, por valores inferiores aos respetivos Valores Patrimoniais Tributários (adiante apenas “VPT”);

E)            Por vezes, a Requerente ou qualquer outra empresa do Grupo não têm acesso aos imóveis antes da sua aquisição, pelo menos no que se refere ao seu interior, sendo feita uma vistoria apenas após a concretização dessa aquisição – a exceção são os casos de dação em cumprimento, em que a vistoria é feita no momento da aquisição (depoimento da testemunha B...);

F)            Todas as vendas são precedidas de avaliações realizadas por uma entidade externa à Requerente ou ao Grupo, devidamente certificada pela CMVM, para que possam conhecer o seu estado, tendo sucedido isso em relação aos imóveis que são objecto do procedimento de prova do preço efectivo (documentos n.ºs 7 a 40 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e depoimentos das testemunhas B... e C...);

G)           Nessas avaliações é normalmente privilegiada a utilização do “Método Comparativo”, que consiste em comparação com outros imóveis em condições, estado de conservação e localização semelhantes (depoimento da testemunha C...);

H)           A fixação do valor de venda de todos os imóveis transacionados é feita através da conjugação de valores que são dados pelos relatórios de avaliação elaboradas pelas entidades externas e certificadas pela CMVM e pelo próprio gestor/mediador comercial (“broker”) do imóvel e pela validação e análise que é feita pelo departamento de avaliação (depoimentos das testemunhas B... e C...);

I)             A formulação do preço é feita sempre a visita ao interior de cada imóvel (depoimento da testemunha C...);

J)            O valor de venda é sempre superior ao montante apurado da forma acima descrita (depoimentos das testemunhas B... e C...);

K)           No ano de 2018, o grupo da Requerente vendeu mais de 1.000 imóveis e apenas quanto aos 34 relativamente aos quais prosseguiu o procedimento de prova do preço efectivo as vendas ocorreram por valores abaixo dos respectivos valores patrimoniais tributários (depoimentos das testemunhas B... e C...);

L)            A D...  apresentou um pedido de prova do preço efectivamente praticado naquelas operações de venda relativamente a 35 imóveis, incluindo aqueles 34, invocando o artigo 139.º do CIRC, defendendo que correspondeu aos valores declarados nos contratos e nas escrituras de compra e venda e não aos VPT’s (Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

M)          Para o efeito, instruiu aquele pedido com a cópia das respetivas escrituras de compra e venda e com os documentos de autorização de acesso à informação bancária da própria D... e dos seus administradores (Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha B...);

N)           A Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou o prosseguimento do procedimento quanto a 34 dos 35 imóveis, por imóvel correspondente ao artigo matricial ..., Fração E, da freguesia da União de Freguesias de ... e ..., ter sido alienado por um valor superior ao VPT (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

O)           No procedimento referido foi realizada, em 17-10-2019, a reunião de peritos, que não chegaram a acordo (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

P)           Na reunião de peritos do procedimento referido, o perito nomeado pela D... aventou a possibilidade de junção de documentação adicional, designadamente de natureza contabilística, contratos-promessa de compra e venda, contratos de mediação, cópias de facturas das mediadoras e relatórios de avaliação referentes ao estado do mercado imobiliário às datas das vendas e estado de conservação dos imóveis (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha B...);

Q)             O Perito nomeado pela Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu na reunião que a junção dos documentos referidos não iria alterar a situação de falta de acordo (documentos n.ºs 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e depoimento da testemunha B...);

R)           No laudo do Perito nomeado pela Autoridade Tributária e Aduaneira refere-se, além do mais, o seguinte:

  «Nos termos e para efeitos do n° 6 do artigo 139° do CIRC, a reclamante disponibiliza o acesso a toda a informação que se mostrar necessária para a prolação da decisão, incluindo as respectivas autorizações de acesso às contas bancárias, não tendo contudo estas sido utilizadas, pelo facto da informação disponível se mostrar mais que   suficiente para proceder á conclusão do procedimento de revisão.

As provas apresentadas pela empresa,  resumem-se assim às cópias dos contratos de compra e venda através dos quais a mesma vendeu  os imóveis em causa, sendo que, dadas as circunstâncias que são óbvias, não revelam mais do que já se conhece e é do domínio público, remetendo assim  a questão para a análise da razoabilidade dos valores registados numa óptica de mercado.

Tendo a análise agora efetuada, por objetivo,  conhecer e apreciar a realidade do mercado imobiliário atual e a sua evolução durante o período em causa que foi o ano de 2018, a fim de determinar o grau de razoabilidade e de credibilidade que a informação prestada pela reclamante merece.

 

b) - Da informação recolhida e dos resultados obtidos

Analisadas que foram as fontes de informação a seguir indicadas, que se entendeu como merecedoras de toda a credibilidade para o objetivo em vista, cumpre referir o seguinte:

Os elementos recolhidos numa análise aos valores publicados por entidades de reconhecida credibilidade (que são do domínio público) verifica-se que os mesmos contrariam os valores declarados pela reclamante, concluindo-se assim, que o preço justo, certo, ou de mercado, dos imóveis em causa, supera em muito (em alguns casos) os valores patrimoniais oficialmente estabelecidos, os quais, por sua vez e neste caso, também superam todos os valores que foram declarados nos respetivos documentos de venda (e note-se que para esta análise, foram utilizados os valores médios mais baixos, existentes para cada local ou região).

De facto, consultados que foram os elementos referentes á venda de imóveis realizada nos anos de 2018 e 2019 em várias regiões do país, constantes das publicações efetuadas pelo" INE" (Instituto Nacional de Estatística), pelo "Jornal de ...", pelo jornal "..." e no site "..."," relativas a "Estatísticas cie preços de Habitação" e outros, a nível local, conclui-se que os preços em causa neste procedimento de revisão, estão no mínimo desatualizados ou desfasados da realidade deste País.

Relativamente ao preço por m2 de venda de lojas e armazéns industriais segundo o "Jornal ...", (em anúncio de preços mínimos para leilão) verifica-se que, feita uma média ponderada entre os valores praticados, se obtém um preço médio por m2 de € 993,18, numa região considerada como equivalente à dos imóveis em causa neste procedimento. Variando contudo, entre os valores máximo de € 1.079,48 e o valor mínimo de € 914,76.

Relativamente a terrenos para construção urbana retira-se da mesma publicação, que em 2019, os preços mínimos dos mesmos poderão variar entre o preço médio de € 657,30, e o preço mínimo de € 601,77, numa zona fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto,

Da informação prestada pelo "Jornal ...", relativa à evolução dos preços de venda das casas nos 308 concelhos do país, retira-se que os preços variaram entre €130,00 em Pampilhosa da Serra e € 2.753,00 em Lisboa, no período compreendido entre 2016 e 2019.

Da mesma informação retira-se que foi registado um preço médio por m2 no país inteiro de € 969,00, sabendo-se que este preço, assumiu valores de € 2.753,00 em Lisboa e de € l .460,00 no Porto; registando em 2019 uma variação de + 20% relativamente ao ano anterior nestas duas localidades e de cerca + 8% a nível do resto do país.

Quanto aos dados constantes dos relatórios do INE, verifica-se que durante o ano de 2018 (do 1° ao 4° trimestre) em quarenta municípios do país houve acréscimos na ordem dos 20% nos preços de habitação relativos aos períodos anteriores. Tendo sido publicados os preços do m2 de alojamentos familiares/habitação em várias localidades e regiões do país, relativamente ao 1° trimestre de 2019.

Na publicação do INE designada por "Destaque-Informação à Comunicação Social - Estatísticas de Preços da Habitação ao nível local" relativa aos 2°,3° e 4° trimestres de 2018, são referidos valores do preço por m2 de habitação, registados em quarenta e dois municípios, que superaram o referido valor médio nacional de € 969,00/m2 (atrás referido), nomeadamente nos usados, que foi de € 963,00/m2.

Para consolidação e confirmação da informação recolhida consultou-se ainda o site ""...", tendo concluído que os valores por m2 praticados nos imóveis aí publicitados, ainda são superiores aos referidos anteriormente. Daí que para esta análise, se tenham utilizado os preços médios nacionais e não os médios regionais das grandes metrópoles do país (Lisboa e Porto), pelo facto do seu montante ser ainda muito mais elevado.

4 -    Conclusão sobre a prova do preço efectivo.

- Sabendo que nos termos do artigo 64° do CIRC é obrigação das partes contratantes adoptar valores normais de mercado para efeitos de IRC, constata-se que neste caso tal não aconteceu, afastando-se em alguns casos, substancialmente do preço praticado nos valores atrás referidos, pois constata-se que os mesmos se afastam da realidade retirando-lhe assim toda a credibilidade .

De facto, ao declarar tais preços, reduziu por decisão própria a declarante, o valor da matéria colectável do seu IRC do exercício de 2018, no montante de € 566.859,51 (cfr. quadro anterior) não tendo aduzido prova convincente, da inevitabilidade dessa decisão.

Em conformidade e porque neste acto não foram apresentados novos elementos que de forma inequívoca justifiquem o valor de venda declarado, considero que no decorrer deste procedimento não foi apresentada prova suficiente, que permita refutar a correcção prevista no artigo 64° do CIRC, não sendo assim possível o acordo entre os peritos, e devendo consequentemente ser mantido o respectivo valor patrimonial tributário de cada imóvel, para efeitos de apuramento da matéria tributável do IRC. »

 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

S)            Em 22-10-2019, foi proferida decisão no procedimento pela Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Lisboa, que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Após o debate contraditório

O Perito do Sujeito Passivo, no seu laudo, refere, em síntese, o seguinte:

"Em sede de comissão de revisão não houve lugar de acordo apesar de como perita responsável pelo processo referir que poderíamos entregar mais documentos de suporte, nomeadamente, balancetes e extratos contabilísticos de forma a fazer prova do preço depositado. Outros documentos como CPCV, sinais de CPCV, contratos de mediação, cópias de faturas das mediadoras da comissão imobiliária e mais importante, os relatórios de avaliação que demonstram o mercado imobiliário à data da mesma. Assim, como o estado de conservação dos imóveis. Os relatórios apresentam fotografias do interior e exterior que demonstram que na maioria dos casos o imóvel necessita de obras apesar de estar em condições de ser comercializado.

Entendeu-se que estes elementos não iam alterar a decisão de não acordo, pelo que como perita ressalvo apenas que reunimos elementos suficientes de prova efectiva do preço depositado, ou seja o preço de venda ser efetivamente o recebido e justo para o mercado imobiliário da zona e do imóvel em questão."

O Perito da Administração Tributária no seu laudo, refere que, na sequência do debate contraditório entre os peritos, não foi possível estabelecer o acordo previsto no n." 1 do artigo 92.° da LGT, referindo, em síntese, o seguinte:

• A diferença verificada entre os valores de alienação dos imóveis e os respetivos valores patrimoniais totaliza €566.859,51 (2,051.459,51 -1.484.600,00).

• Da consulta ao sistema informático da AT, constata-se que todos os imóveis transacionados, tinham atribuído à data da alienação valores patrimoniais tributários superiores aos valores constantes nos respetivos contratos de compra e venda. Sendo que em todos os imóveis os respetivos valores patrimoniais tributários situam-se abaixo dos respetivos valores médios de mercado, assumindo esta diferença em muitos casos, valores superiores aos praticados na venda.

« Conforme disposto no n.º 2 do artigo 64.° do CIRC, os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis, devem proceder à respetiva correção do lucro tributável para efeitos de determinação do IRC, do período em que se verificar o ato. acrescendo na respetiva declaração de rendimento Mod, 22 a diferença registada em cada contrato de compra e venda de imóveis que realizaram, no entanto tal não aconteceu.

• Veio o sujeito passivo, solicitar a não aplicação do referido artigo 64 ° do CIRC. alegando não haver lugar a qualquer correção, dado que os valores pelos quais os referidos imóveis foram transacionados, é o constante dos respetivos contratos de compra e venda, de que juntou cópias á petição, sendo estes inferiores aos respetivos valores patrimoniais tributários.

• O sujeito passivo, não apresenta outros argumentos, tendo apenas juntado ao pedido cópia das escrituras de compra e venda respetivas, bem como, os documentos de autorização para acesso à documentação bancária, e os respetivos documentos de identificação

• Refere o PAT, que as provas apresentadas pelo sujeito passivo, se resumem às cópias dos contratos de compra e venda através dos quais o sujeito passivo vendeu os imóveis em causa, considerando este que os referidos contratos não revelam mais que o já conhecido, pelo que considera ser necessário fazer"... uma análise da razoabilidade dos valores registados numa óptica de mercado."

• "De facto, consultados que foram os elementos referentes à venda de imóveis realizada nos anos de 2018 e 2019 em várias regiões do país, constantes das publicações efetuadas pelo" INE" (Instituto Nacional de Estatística), pelo "Jornal de ...", pelo jornal "..." e no site "..."," relativas a "Estatísticas de preços de Habitação" e outros, a nível local, conclui-se que os preços em causa neste procedimento de revisão, estão no mínimo desatualizados ou desfasados da realidade deste Pais."

• Prossegue o PAT, referindo que os valores publicados contrariam os valores declarados pelo sujeito passivo, concluindo que. "...o preço justo, certo, ou de mercado, dos imóveis em causa, supera em muito (em alguns casos) os valores patrimoniais oficialmente estabelecidos, os quais por sua vez e neste caso, também superam todos os valores que foram declarados nos respetivos documentos de venda...".

• Conforme espelhado no seu laudo o Perito, refere que o preço médio de venda por m2 de lojas e armazéns industriais segundo o "Jornal o ...", é de €993,18, numa região considerada como equivalente à dos imóveis em causa neste procedimento. Quanto aos terrenos para construção urbana, para o ano de 2019, os preços mínimos dos mesmos poderão variar entre o preço médio de €657,30, e o preço mínimo de €601,77, nas zonas fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

• O "Jornal de ...", refere o preço médio por m2, no país inteiro de €969.00.

• Os relatórios do INE, mencionam que durante o ano de 2018 (do 1° ao 4° trimestre) em quarenta municípios do país houve acréscimos na ordem dos 20% nos preços de habitação relativos aos anos anteriores.

• Ainda na publicação do INE designada por "Destaque-informação à Comunicação Social -Estatísticas de Preços da Habitação ao nível local" relativa aos 2°, 3° e 4° trimestres de 2018, são referidos valores do preço por m2 de habitação, registados em quarenta e dois municípios, que superaram o referido valor médio nacional de €969,00/m2, valor acima do usado que foi €963,00/m2

 • Do site "...", conclui-se que os valores por m2 praticados na venda dos imóveis aí publicitados, são superiores aos referidos anteriormente. Para análise, foram utilizados os preços médios nacionais e não os médios regionais nomeadamente de Lisboa e Porto, por este valor ser ainda muito mais elevado.

• Conclui o PAT referindo que nos termos do artigo 64.° do CIRC é obrigação do alienante e do adquirente para efeitos de IRC adotar valores normais de mercado, no entanto, verifica-se que no presente caso tal não aconteceu, sendo que em alguns casos os preços praticados se afastam substancialmente da realidade retirando-lhe assim toda a credibilidade.

• Termina o seu laudo o PAT considerando que: "Em conformidade e porque neste acto não foram apresentados novos elementos que de forma inequívoca justifiquem o valor de venda declarado, considero que no decorrer deste procedimento não foi apresentada prova suficiente, que permita refutar a correcção prevista no artigo 64° do CIRC. não sendo assim possível o acordo entre os peritos, e devendo consequentemente ser mantido o respectivo valor patrimonial tributário de cada imóvel, para efeitos de apuramento da matéria tributável do IRC."

 

B. Decisão

Pelo exposto e pelos elementos constantes do processo, pedido de revisão e as posições dos peritos intervenientes no debate contraditório, que aqui se dão como inteiramente reproduzidos, os quais foram abordados supra, compete-nos decidir:

O artigo 64.º do CIRC estabelece que:

"í - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos de determinação do lucro tributável (...), valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) (...).

2- Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável (...).

Não obstante o estabelecido neste normativo, o legislador não restringe, de todo, a possibilidade do alienante, caso pretenda, fazer prova de que os preços efetivamente praticados nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foram inferiores aos valores patrimoniais tributários que serviram de base às liquidações de IMT, tal como determina o vertido no n.º 1 do artigo 139.º do mesmo diploma.

Tais provas, devem ser efetuadas em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao Diretor de finanças competente e rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária (LGT) (n.ºs 3 e 5 do artigo 139.º do CIRC).

Pretende o sujeito passivo alienante, fazer a prova de que os preços efetivamente praticados nas transmissões dos imóveis identificados no Quadro 1, foram inferiores aos valores patrimoniais fixados de acordo com as regras estabelecidas no Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões onerosas de Imóveis (CIMT).

Da relação dos imóveis porque corre o procedimento de revisão, verifica-se que o valor total declarado nos contratos de compra e venda é de €1.484.600,00 e que o total do valor patrimonial tributário dos mesmos imóveis é de €2.051.459,51.

A remissão efetuada no n.º 5 do artigo 139.º do CIRC para o meio procedimental dos artigos 91 º e 92 º da LGT, abrange a necessidade de promoção de uma reunião de peritos, com o propósito de obter um acordo sobre os preços efetivamente pagos pelo adquirente dos bens imóveis, baseado, não só, nos elementos resultantes do acesso ao segredo bancário, mas também do exame das condições especiais ou normais de mercado que rodearam a transmissão.

O ónus da prova, de que os preços efetivamente praticados nas transmissões dos imóveis foram inferiores aos VPTS cabe ao sujeito passivo.

A prova de que os preços efetivos correspondem aos valores constantes dos contratos depende, pois, da justificação das condições anormais de mercado em que se realizaram as transmissões, de que resultaram as fixações de preços inferiores aos VPT's definitivos dos bens imóveis. Tendo em consideração todos os argumentos apresentados e os documentos exibidos, verifica-se que não foi demonstrado pelo sujeito passivo, nem pelo seu perito, que os preços efetivamente praticados nas transmissões onerosas em causa, foram inferiores aos VPT's fixados, tal como determina o disposto no n.º 1 do artigo 139.º do CIRC.

Esta posição também é defendida pelo Perito da Administração Tributária, constando do seu laudo que "(...) é obrigação das partes contratantes adoptar valores normais de mercado para efeitos de IRC constata-se que neste caso tal não aconteceu, afastando-se em alguns casos, substancialmente do preço praticado nos valores atrás referidos, pois constata-se que os mesmos se afastam da realidade retirando-lhe assim toda a credibilidade.

De facto, ao declarar tais preços, reduziu por decisão própria a declarante, o valor da matéria colectável do seu IRC do exercício de 2018, no montante de € 560.859,51... não tendo aduzido prova convincente, da inevitabilidade dessa decisão.

Em conformidade e porque neste acto não foram apresentados novos elementos que de forma inequívoca justifiquem o valor de venda declarado, considero que no decorrer deste procedimento não foi apresentada prova suficiente que permita refutar a correcção prevista no artigo 64º do CIRC,...devendo consequentemente ser mantido o respectivo valor patrimonial tributário de cada imóvel, para efeitos de apuramento da matéria tributável do IRC ."

Determina ainda o n.º 11 do Ofício-Circulado n.º 20136 de 11-03-2009 da Direção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, que a promoção de reunião de peritos, com o propósito de obter um acordo sobre os preços efetivamente pagos pelo adquirente dos bens, não se deve basear só nos elementos de acesso ao segredo bancário, mas também do exame das condições especiais ou normais de mercado que rodearam a transmissão.

Contudo, essas condições não foram justificadas no presente procedimento de revisão, não obstante o ónus da prova caber ao reclamante.

A prova de que o preço efetivo corresponde ao valor constante dos contratos depende, pois. da justificação das condições anormais de mercado em que se realizaram as transmissões, de que resultou a fixação de preços inferiores ao VPT definitivo dos imóveis.

No debate contraditório realizado em 17-10-2019 no procedimento de revisão e dos documentos exibidos pelo requerente ficou provado que:

             Os trinta e quatro imóveis identificados no Quadro 1, foram alienados através de contratos de compra e venda, cujo valor declarado totaliza €1 484.600.00, sendo o total do VPT de €2.051.459,51

             Conforme espelhado no Laudo do PAT, foram efetuadas várias consultas, relativamente aos valores normais de mercado para os imóveis alienados, tendo-se verificado que os mesmos contrariam os valores declarados pelo sujeito passivo, constatando-se que o preço de mercado, dos imóveis em causa, supera os valores patrimoniais oficialmente estabelecidos, mesmo tendo a análise sido realizada com base nos valores médios mais baixos, existentes para cada local ou região.

             Os valores referentes à venda de imóveis realizada no ano de 2018 em várias regiões do país, constantes das publicações efetuadas pelo" INE" (Instituto Nacional de Estatística), pelo "Jornal  ...", pelo jornal "..." e no site "..."," relativas a "Estatísticas de preços de Habitação" demonstra que os preços em causa no procedimento de revisão, se encontram desatualizados ou desfasados da realidade.

De realçar que o ónus da prova impende sobre o requerente, pelo que lhe competia ter demonstrado suficiente e cabalmente as operações em causa, o que não se verificou.

O Ofício-Circulado acima referido, e designadamente o seu n.º 15, determina que a prova do preço efetivo correspondente ao valor constante do contrato, depende de 2 requisitos, que devem ser preenchidos cumulativamente:

- Da justificação das condições anormais de mercado em que foi realizada a transmissão, de que resultou a fixação de um preço inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel transmitido;

- Da renúncia expressa do requerente e dos administradores ou gerentes à tutela conferida pelo segredo bancário.

Ora, no caso em apreço:

Não foram de forma inequívoca justificadas as condições anormais de mercado em que foram realizadas as transmissões, de que resultaram as fixações de preços inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos dos imóveis transmitidos.

 Contrariamente, como já referido, os elementos referentes à venda de imóveis realizada nos anos de 2018 e 2019 em várias regiões do país e que foram publicadas pelo" INE" (Instituto Nacional de Estatística), pelo "Jornal de ...", pelo jornal "..." e no site "..."," relativas a "Estatísticas de preços de Habitação" e ainda outros, a nível local, revelam que os preços em causa no presente procedimento de revisão, não apresentam conexão com a realidade do período em que foram realizadas as transmissões em causa.

De realçar que o ónus da prova impende sobre o requerente, pelo que lhe competia ter demonstrado suficiente e cabalmente a operação em causa, o que não se verificou.

Nos termos do art.º 64.º do CIRC é obrigação das partes adotarem valores normais de mercado para efeitos de tributação em IRC. Esta condição pode ser afastada pela justificação das condições anormais de mercado (especiais ou excecionais), que conduziram à fixação de preço inferior ao valor patrimonial, cfr. determina o n.º 2 do art.º 139.º do CIRC, no caso em apreço por remissão do n.º 6 do art.º 44.º do CIRS.

Em face do exposto, para efeitos de determinação da matéria coletável do ano de 2018, mantenho os valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base às liquidações do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), nos termos do n.º 1 do artigo 64.º do CIRC, devendo cessar a suspensão da liquidação na parte correspondente ao valor da diferença positiva prevista no n.º 2 do artigo 64.º do CIRC, nos termos do vertido no n.º 4 do mesmo artigo, no valor de €566.859,51.

 

T)            A Autoridade Tributária e Aduaneira não visitou os imóveis em questão, nem tomou conhecimento do seu estado de conservação (exterior ou interior) ou da sua localização e enquadramento, nem teve em consideração na decisão os Relatórios de Avaliação realizados por peritos avaliadores externos e que visitaram os imóveis (documentos n.ºs 4 a 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e depoimento da testemunha B...); 

U)           Em 25-10-2019, a D... foi notificada, através do Ofício n.º ... da Direção de Finanças de Lisboa, da decisão proferida no procedimento de revisão em causa, que indeferiu o seu pedido, por considerar que não foi apresentada prova suficiente que permitisse refutar a correção prevista no artigo 64.º do Código do IRC e que não foi possível estabelecer um acordo entre os peritos (Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

V)           Em resultado do decidido no procedimento de prova do preço efectivo a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a uma correcção à matéria coletável do período de tributação de 2018, no montante total de € 566.859,51, e emitiu a liquidação adicional de IRC com o n.º 2020 ... e a liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ..., com um valor de imposto a pagar global de € 163.098,21 (documento n.º 1 pedido de pronúncia arbitral);

W)          Os factores que justificam a venda dos imóveis adquiridos pelo Grupo por valores inferiores ao VPT, são, designadamente, o estado de conservação (degradado ou com falta de habitabilidade) em que os mesmos se encontram e a sua localização, porque, na maioria das vezes, se trata de imóveis situados em zonas com pouca valorização comercial, como bairros sociais ou outras zonas degradadas (depoimentos das testemunhas B... e C...);

X)           Os imóveis relativamente aos quais prosseguiu o procedimento de revisão apresentavam uma localização e um estado de conservação que afectava negativamente os valores de venda que foram praticados e que constava dos respectivos contratos de compra e venda, estando essas características e os respetivos valores de venda indicados nos Relatórios de Avaliação que consta dos documentos n.ºs 7 a 40 cujos teores se dão como reproduzidos;

Y)            Em 19-03-2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo e, nos pontos indicados, com base na prova testemunhal.

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos dados como provados com base nos seus depoimentos.

A testemunha B... participou no procedimento de prova do preço efectivo, nomeada pela Requerente.

A testemunha C... é responsável pelas avaliações da Requerente desde 2019. 

 

 

4. Matéria de direito

 

A Requerente tem como área principal de negócio a aquisição de “crédito mal parado”, ou seja, de dívida, a entidades bancárias, à qual vêm geralmente associados imóveis, como garantia dessas dívidas, que são depois vendidos.

No ano de 2018, a Requerente vendeu mais de 1.000 imóveis, entre os quais 34 por preços inferiores aos respectivos valores patrimoniais tributários.

O artigo 64.º do CIRC estabelece que «os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto» (n.º 1) e que «sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável» (n.º 2).

O artigo 139.º, n.º 1, do CIRC estabelece que «o disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis».

Neste mesmo artigo prevê-se um procedimento especial para o sujeito passivo fazer a prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, estabelecendo-se, além do mais, o seguinte:

3 – A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

4 – O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor da diferença positiva prevista no n.º 2 do artigo 64.º, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, é da competência da Direcção-Geral dos Impostos.

5 – O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.

6 – Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.

 

 

A Requerente requereu a «prova do preço efetivo» dos 34 imóveis referidos (   ), nos termos deste artigo 139.º, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira decidido manter o valor patrimonial tributário definitivo que serviu de base à liquidação do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), nos termos do n.º 1 do artigo 64.º do CIRC porque, em suma:

No debate contraditório realizado em 17-10-2019 no procedimento de revisão e dos documentos exibidos pelo requerente ficou provado que:

             Os trinta e quatro imóveis identificados no Quadro 1, foram alienados através de contratos de compra e venda, cujo valor declarado totaliza €1 484.600.00, sendo o total do VPT de €2.051.459,51

             Conforme espelhado no Laudo do PAT, foram efetuadas várias consultas, relativamente aos valores normais de mercado para os imóveis alienados, tendo-se verificado que os mesmos contrariam os valores declarados pelo sujeito passivo, constatando-se que o preço de mercado, dos imóveis em causa, supera os valores patrimoniais oficialmente estabelecidos, mesmo tendo a análise sido realizada com base nos valores médios mais baixos, existentes para cada local ou região.

             Os valores referentes à venda de imóveis realizada no ano de 2018 em várias regiões do país, constantes das publicações efetuadas pelo" INE" (Instituto Nacional de Estatística), pelo "Jornal de ...", pelo jornal "..." e no site "..."," relativas a "Estatísticas de preços de Habitação" demonstra que os preços em causa no procedimento de revisão, se encontram desatualizados ou desfasados da realidade.

De realçar que o ónus da prova impende sobre o requerente, pelo que lhe competia ter demonstrado suficiente e cabalmente as operações em causa, o que não se verificou.

O Ofício-Circulado acima referido, e designadamente o seu n.º 15, determina que a prova do preço efetivo correspondente ao valor constante do contrato, depende de 2 requisitos, que devem ser preenchidos cumulativamente:

- Da justificação das condições anormais de mercado em que foi realizada a transmissão, de que resultou a fixação de um preço inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel transmitido;

- Da renúncia expressa do requerente e dos administradores ou gerentes à tutela conferida pelo segredo bancário.

Ora, no caso em apreço:

Não foram de forma inequívoca justificadas as condições anormais de mercado em que foram realizadas as transmissões, de que resultaram as fixações de preços inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos dos imóveis transmitidos.

 Contrariamente, como já referido, os elementos referentes à venda de imóveis realizada nos anos de 2018 e 2019 em várias regiões do país e que foram publicadas pelo" INE" (Instituto Nacional de Estatística), pelo "Jornal de ...", pelo jornal "..." e no site "..."," relativas a "Estatísticas de preços de Habitação" e ainda outros, a nível local, revelam que os preços em causa no presente procedimento de revisão, não apresentam conexão com a realidade do período em que foram realizadas as transmissões em causa.

De realçar que o ónus da prova impende sobre o requerente, pelo que lhe competia ter demonstrado suficiente e cabalmente a operação em causa, o que não se verificou.

Nos termos do art.º 64.º do CIRC é obrigação das partes adotarem valores normais de mercado para efeitos de tributação em IRC. Esta condição pode ser afastada pela justificação das condições anormais de mercado (especiais ou excecionais), que conduziram à fixação de preço inferior ao valor patrimonial, cfr. determina o n.º 2 do art.º 139.º do CIRC, no caso em apreço por remissão do n.º 6 do art.º 44.º do CIRS.

 

                A Requerente imputa a esta decisão e subsequente liquidação os seguintes vícios:

 

             Da violação do disposto nos artigos 64.º e 139.º do CIRC e do princípio da tributação pelo rendimento real;

             Violação do disposto no artigo 68.º-A da LGT, por assentar em doutrina administrativa publicitada pelo Ofício-Circulado n.º 20136, de 11/03/2009, que a Requerente entende não ser fonte de Direito e ser ilegal;

             Da ilegalidade do “valor de mercado” apurado pela AT – erro na quantificação;

             Falta de fundamentação.

 

                O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

                No caso de vícios geradores de anulabilidade, a alínea a) do n.º 2 daquele artigo 124.º estabelece que se deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

O vício de falta de fundamentação é de natureza procedimental e a anulação com base neles, não obsta necessariamente à renovação do acto anulado, com supressão do vício.

Por isso, começar-se-á por apreciar os outros vícios, pela ordem indicada pela Requerente.

O artigo 124.º do CPPT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

 

                4.1. Questões da violação do disposto nos artigos 64.º e 139.º do CIRC, do princípio da tributação pelo rendimento real e relevância do ofício circulado n.º 20136, de 11 de março de 2009

 

                A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

– a regra plasmada no artigo 64.º do CIRC não tem aplicação, se o sujeito passivo fizer prova “de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis;

– a Requerente deu cumprimento a todas as regras que constam artigo 139.º do CIRC;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira alegou que os valores das vendas não eram valores aceitáveis de mercado, sem cuidar de visitar ou saber qual a localização ou o estado de conservação dos referidos imóveis;

– a AT apenas tinha que verificar se os valores declarados pelas Partes envolvidas nestas transações correspondiam aos valores efetivamente pagos/recebidos pela aquisição dos imóveis e não, como fez, especular que as vendas ocorreram por preços inferiores aos valores de mercado (porque inferiores aos VPT) e que a D... e a Requerente agiram com a intenção de reduzir a matéria tributável do Grupo;

– a AT procedeu a uma errónea interpretação do instituto da prova do preço efetivo;

– a aplicação do princípio geral vertido no n.º 1 do artigo 64.º do CIRC não preclude o direito que o sujeito passivo tem de, legitima e comprovadamente, derrogar essa regra, nomeadamente, fazendo prova de que o preço efetivamente praticado – isto é, pago pelo comprador e recebido pelo vendedor;

– os valores de venda corresponderam aos valores efetivamente pagos pelos compradores e recebidos pela D..., tal como, de resto, a mesma tentou comprovar desde logo através das autorizações de levantamento do sigilo bancário, quanto à sociedade e aos seus administradores;

– admitir a tributação em sede de IRC, sem a obtenção de lucros – como sucede com o montante agora apurado pela AT e que corresponde à diferença entre o valor declarado de venda e o suposto valor de mercado -, é claramente inconstitucional, em face do que ditam os artigos 103.º, n.º 3 e 104.º, n.º 4 da CRP;

– o mecanismo previsto no artigo 139.º do CIRC foi criado pelo legislador para garantir que o sujeito passivo é tributado em conformidade com os proveitos obtidos, o que é feito através da prova do preço efetivamente praticado e recebido, não para corrigir valores de transações ou interferir com a autonomia contratual das Partes nessa matéria;

– AT não pode questionar ou colocar em causa o mérito (ou demérito) dos atos de gestão das pessoas coletivas sob pena de haver uma insuportável e intolerável ingerência na gestão das empresas e por tal ser manifestamente contrário aos mais elementares princípios de direito societário;

– não seria sequer compreensível que a D... aceitasse realizar as vendas dos imóveis por preços desajustados ou muito inferiores ao seu valor comercial, prescindido de uma margem de lucro que seria mais elevada que a suposta vantagem fiscal que obteria através da redução do pagamento do respetivo IRC;

– não é compreensível como a Requerente teria chegado a acordo de simulação com 34 compradores diferentes;

– a D... colocou à disposição da AT, no âmbito do procedimento de prova do preço efetivo, toda a prova que se afigurava, e afigura, necessária, à demonstração da veracidade dos valores declarados nas vendas em questão e a AT, prescindiu da análise das contas bancárias e dos aludidos Relatórios;

– os dados bancários da recorrida, enquanto alienante e contribuinte, surgem como elementos determinantes no apuramento do mencionado preço. Donde se infere que o acesso aos referidos dados bancários oferece-se como mecanismo adequado à comprovação do preço declarado do bem e inscrito na contabilidade da recorrida”.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida na decisão do procedimento de prova do preço efectivo e diz o seguinte, em suma:

– na transmissão de um direito real sobre um bem imóvel é obrigação das partes contratantes adoptar o “valor normal de mercado” para efeitos da determinação do lucro tributável em sede de IRC (artigo 64.º n.º 1 do CIRC);

– o ónus da prova, de que os preços efetivamente praticados nas transmissões dos imóveis foram inferiores aos VPT’S, cabe, pois, ao sujeito passivo, aqui Requerente;

– sendo que a prova de que os preços efetivos correspondem aos valores constantes dos contratos depende, pois, da justificação das condições anormais de mercado em que se realizaram as transmissões, de que resultaram as fixações de preços inferiores aos VPT’S definitivos dos bens imóveis;

– o “valor normal de mercado” tem que ser igual ou superior ao valor patrimonial tributário (VPT) definitivo que serviu de base à liquidação do IMT ou que serviria no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto: dos dois valores prevalecerá o mais elevado (artigo 64.º n.º 2 do CIRC);

– no artigo 64.º n.º 2 do CIRC, o VPT surge como o referencial mínimo do “valor de mercado”;

– o factor que determinou a não aceitação pela Requerida do preço praticado na transmissão dos imóveis, foi a incapacidade da Requerente provar que o preço efetivamente praticado na transmissão dos imóveis foi justificadamente abaixo do valor de mercado e inferior ao valor patrimonial tributário;

– a prova irrefutável das condições anormais de mercado é a condição maior para provar a fixação de um preço efetivo inferior ao VPT, nos termos do artigo 64.º n.º 2 do CIRC;

– não tendo, à partida, sido feita esta prova, a Requerida não acedeu às contas bancárias, para verificação de, como bem identifica a Requerente, eventuais situações de evasão fiscal;

– a norma do artigo 139.º n.º 6 do CIRC apenas faculta que a AT aceda à informação bancária do sujeito passivo e dos respetivos administradores para saber se tiveram lugar movimentações patológicas no período de tributação em que ocorreu a transmissão e no período de tributação anterior, caso aquela o entenda necessário, não obrigando a que tal acesso tenha sempre lugar;

– ainda que se entendesse que para a AT seria suficiente a mera verificação das contas bancárias para validar o preço de venda;

– não tendo a Requerida acedido a estes dados, não poderá o tribunal arbitral, caso se entenda que o procedimento do art. 139.º CIRC, se limita a unicamente comprovar o preço de transmissão, substituir-se à AT e verificar o preço de venda, desta ou de qualquer forma;

– as instruções administrativas veiculadas no Ofício-Circulado n.º 20136, de 11 de março de 2009 somente explicitam as normas legais.

 

 

O artigo 64.º n.º 2, do CIRC, estabelecendo que «sempre que o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável» tem ínsita uma presunção de que, quando o valor do contrato é inferior ao valor patrimonial tributário, se está perante uma simulação de preço, visando ilisão fiscal.

Para evitar essa presumida ilisão fiscal decorrente de simulação do preço, este n.º 2 do artigo 64.º do CIRC considera irrelevante, para determinação do lucro tributável, a diferença entre o valor indicado no contrato e o valor patrimonial tributário.

Porém, em sintonia com o princípio da  possibilidade de ilisão se todas as presunções consagradas em normas de incidência, enunciado no artigo 73.º da LGT e que é corolário do princípio da tributação do rendimento com base na capacidade contributiva, que emana dos princípios constitucionais da igualdade e da tributação das empresas fundamentalmente com base no seu rendimento real (artigos 13.º e 104.º, n.º 2 da CRP), o artigo 139.º, n.º 1, do CIRC admite expressamente a possibilidade de o sujeito passivo afastar a aplicação da presunção fazendo «prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis». (   )

No sentido de estar subjacente a este regime uma presunção de simulação, pode ver-se GUSTAVO LOPES COURINHA:

«Todavia, como existe o risco sério de tal solução conduzir à determi¬nação de lucros tributáveis - e, logo, a valores de imposto a pagar - para os quais não existe capacidade contributiva real, o legislador adotou um processo de ilisão da presunção de evasão. Segundo este, "O disposto no n.º 2 do artigo 64º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis".

Em resumo, esta exceção à relevância do preço contratado mais não é o que uma diferente metodologia para lidar com o fenómeno da oculta¬ção do verdadeiro valor da transmissão, pelo que mais não representa do que uma forma expedita e simplificada de combater os potenciais casos de simulação. (   )

 

Assim, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 139.º do CIRC, não se aplica a presunção «se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis».

Não havendo qualquer restrição aos meios de prova que o sujeito passivo pode utilizar, essa prova pode fazer-se com utilização de «todos os meios de prova admitidos em direito», quer neste procedimento tributário (artigo 72.º da LGT), quer no processo judicial [artigo 115.º, n.º1, do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT].

Neste sentido, tem afirmado reiteradamente o Supremo Tribunal Administrativo que no procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, o sujeito passivo pode «recorrer a qualquer meio de prova que se revele adequado no caso concreto para a demonstração do preço efectivamente praticado». (   )

Na decisão do procedimento, a Autoridade Tributária e Aduaneira, remetendo para o Ofício-Circulado n.º 20136 de 11-03-2009 da Direção de Serviços do Imposto Sobre O Rendimento das Pessoas Coletivas, partiu do pressuposto de que eram dois os requisitos da prova do preço efectivo:

O Ofício-Circulado acima referido, e designadamente o seu n.º 15, determina que a prova do preço efetivo correspondente ao valor constante do contrato, depende de 2 requisitos, que devem ser preenchidos cumulativamente:

- Da justificação das condições anormais de mercado em que foi realizada a transmissão, de que resultou a fixação de um preço inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel transmitido;

- Da renúncia expressa do requerente e dos administradores ou gerentes à tutela conferida pelo segredo bancário.

 

Neste caso, houve renúncia expressa da Requerente e dos seus administradores ao sigilo bancário, pelo que o único fundamento de indeferimento exigido pelo referido Ofício-Circulado foi o da não «justificação das condições anormais de mercado em que foi realizada a transmissão, de que resultou a fixação de um preço inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel transmitido».

À luz da jurisprudência que se referiu, conclui-se que enferma de erro de interpretação da lei a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão do procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, ao considerar como fundamento de indeferimento que «não foram de forma inequívoca justificadas as condições anormais de mercado em que foram realizadas as transmissões, de que resultaram as fixações de preços inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos dos imóveis transmitidos».

Na verdade, este entendimento não tem suporte legal, pois, pelo que se referiu, o sujeito passivo pode utilizar quaisquer meios de prova do «preço efetivamente praticado», independentemente de existirem ou não condições anormais de mercado e, por isso, a falta de  prova de anormalidade de condições não é um fundamento legalmente admissível de indeferimento do procedimento referido.

Por outro lado, por força do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, um ofício-circulado emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não tem a potencialidade de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer preceito de natureza legislativa, pelo que tem de prevalecer o regime de prova do preço efetivamente praticado, nos termos definidos no artigo 139.º do CIRC.

Assim, o Ofício-Circulado n.º 20136, de 11 de Março de 2009 apenas é vinculativo para  a Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, não havendo fundamento legal para impor à Requerente a restrição das possibilidades de prova que dele resulta.

Neste contexto, ao adoptar uma interpretação que aplica à Requerente as restrições probatórias que constam do ofício-circulado referido, designadamente afastando a relevância da documentação bancária a que alude o n.º 6 do artigo 139.º, a decisão do procedimento enferma de vício de erro de interpretação do artigo 68.º-A da LGT, como defende a Requerente, pois ele não atribui essa relevância externa ao ofício-circulado referido.

 A interpretação efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao exigir a prova da anormalidade das condições de mercado, para além de não ter suporte legal, conflitua co preceituado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, que estabelece que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real», o que não se compagina com restrições injustificadas à possibilidade de prova do rendimento efectivamente auferido.

Na verdade a possibilidade «recorrer a qualquer meio de prova que se revele adequado no caso concreto para a demonstração do preço efectivamente praticado», que o Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado, permite que o sujeito passivo faça essa prova, por exemplo, através da demostração do mau estado de conservação dos imóveis ou através do exame da documentação bancária.

  A esta documentação bancária é mesmo atribuído pelo n.º 6 do artigo 139.º do CIRC um especial relevo probatório, como decorre de a lei considerar imprescindíveis as autorizações para a Autoridade Tributária e Aduaneira lhe ter acesso e poder confirmar que não houve pagamento superior ao declarado nos contratos.

O acesso aos dados bancários do contribuinte, que é obrigatoriamente permitido à Administração Tributária, cria para ela uma vinculação de usar esses poderes para descoberta da verdade material, concretizando os princípios do inquisitório e da imparcialidade.

Esse direito de acesso às informações bancárias é um poder-dever da Administração Tributária. «Os poderes das administrações fiscais são também a medida dos seus deveres, uma ideia imposta pela coerência do sistema fiscal». (   )

Por isso, o acesso às informações bancária e apreciação do seu valor probatório é uma das diligências «necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material» que a Autoridade Tributária e Aduaneira está obrigada a realizar, por força do disposto no artigo 58.º da LGT.

Assim, ao entender, com base no Oficio-Circulado 20136, de 11 de Março de 2009, que a prova do preço efectivo só podia ser feita através da demonstração de condições anormais de mercado e que para tal prova não eram relevantes as informações bancárias,  a decisão do procedimento enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, designadamente erro de interpretação do artigo 139.º, n.ºs 2 e 6, do CIRC, 68.º-A da LGT e 104.º, n.º 2, da CRP, pelo que se justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4.2. Questões de conhecimento prejudicado

 

A Requerente defende ainda que «caso impendesse sobre a Requerente o ónus da prova do valor de mercado (ao invés do preço efetivo (...), os valores de venda dos imóveis foram adequados, justos e não mereciam qualquer reparo por parte da AT.

Tendo-se concluído que a Requerente não tem de fazer a prova da correspondência dos valores das vendas ao valor de mercado, tendo, antes, de fazer a prova do preço efectivo fica prejudicado o conhecimento do vício de quantificação imputado pela Requerente.

Por outro lado, o vício de falta de fundamentação, que não impede a renovação do acto com fundamentação adequada, não fornece melhor tutela dos interesses da Requerente do que os vícios de violação de lei referido no ponto 4.1 deste acórdão, pelo que, como se disse, decorre do artigo 124.º do CPPT que não se proceda à sua apreciação.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.

 

               

5. Reembolso da quantia paga com juros indemnizatórios

 

Em 03-12-2020, a Requerente pagou a quantia liquidada (€ 163.098,21) e pede o seu reembolso, além de juros indemnizatórios.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que « A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

                Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

                O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação da liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia indevidamente suportada, no montante de € 163.098,21.

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

No caso em apreço, conclui-se que há erro na liquidação que imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que a elaborou por sua iniciativa, com fundamento na decisão viciada do procedimento de prova do preço efectivo.

Os juros indemnizatórios devem ser contados desde 03-12-2020, data em que a Requerente efectuou o pagamento da quantia liquidada, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

 

                6. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular a liquidação adicional de IRC com o n.º 2020 ... e a liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., com um valor de imposto a pagar global de € 163.098,21;

c)            Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 163.098,21;

d)           Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos referidos no ponto 5 deste acórdão.

 

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 163.098,21, atribuído pela Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

               

Lisboa, 13-10-2021

 

Os Árbitros

(Jorge Lopes de Sousa)

(Jónatas Machado)

(José Ramos Alexandre)