Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 156/2021-T
Data da decisão: 2022-03-28  IRS  
Valor do pedido: € 119.229,87
Tema: IRS – Transmissão de ações – Divergência entre valor declarado e valor real - Art. 52.º do CIRS.
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umário

 

I.     Demonstrada a fundada possibilidade de divergência entre o valor declarado e o valor real de uma operação de alienação de ações, a AT tem a faculdade de proceder oficiosamente à sua determinação, ao abrigo do artigo 52.º do CIRS.

II.    No caso de ações não cotadas, de acordo com o critério legal, o valor de alienação é o que lhes corresponda apurado com base no último balanço. O último balanço deve ser considerado na sua globalidade, não existindo razão para excluir qualquer das suas componentes.

III.   O facto de o Requerente não ter ilidido os pressupostos de aplicação do artigo 52.º do CIRS, não significa que este tem ínsita uma presunção inilidível, tão-só que o Requerente não logrou afastá-la.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), A. Sérgio de Matos e José Nunes Barata, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 25 de maio de 2021, acordam no seguinte:

 

 

 

 

  1. RELATÓRIO

 

A.   AS PARTES. CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO

 

            1. No dia 16 de Março de 2021, A..., contribuinte fiscal nº..., residente na Rua ..., nº..., ...-... Barcelos (doravante, abreviadamente, designado por Requerente), apresentou  pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e pelo artigo 12.º da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro (doravante, abreviadamente, designado RJAT), visando:

Objecto imediato - Declaração de ilegalidade da decisão de improcedência do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida com o pedido de anulação das liquidações de IRS e dos juros compensatórios, efectuadas com referência ao ano de 2016;

Objecto mediato – Declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IRS do ano de 2016, nº 2019..., de 25/01/2019 e da demonstração de acerto de contas nº 2019..., para pagar até ao dia 06/03/2019 a quantia de 119.229,87 euros, que inclui a liquidação de juros compensatórios no montante de 1.400,25 euros, efectuados pela Autoridade Tributária (doravante, designada, abreviadamente, por Requerida).

 

            2. No dia 18/03/2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

            3. Em 27/04/2021, a Requerida comunicou a designação dos juristas que a representam.   

            4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea a) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do tribunal arbitral colectivo em 05/05/2021, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

            5. Em 05/05/2021, as Partes foram notificadas dessas designações não tendo manifestado vontade de recusar.

 

            6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 25/05/2021.

 

            7. Em 14/06/2021, a Requerida juntou o processo administrativo.

 

            8. No dia 24/06/2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

            9. Em 25/06/2021, o Tribunal Arbitral determinou a notificação do Requerente para indicar os factos em relação aos quais pretendia ouvir as testemunhas, no prazo de 5 dias. A Requerente não deu satisfação ao requerido.

 

            10. No dia 08/09/2021, foi proferido despacho arbitral determinando a notificação das Partes para, querendo, se pronunciarem, no prazo de 5 dias, sobre a dispensa de produção de prova testemunhal e da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT, por desnecessária. As Partes optaram por não se pronunciar.

 

            11. Por despacho de 21/09/2021, o Tribunal Arbitral determinou a notificação das Partes para apresentarem alegações, facultativas e sucessivas, fixando o prazo para a decisão e advertindo a Requerente da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente até à prolação da decisão arbitral.

            12. Em 21/09/2021, o Requerente requereu ao Tribunal Arbitral a reapreciação da relevância e utilidade da diligência de prova testemunhal, admitido a sua produção.

 

            13. Em 30/09/2021, o Requerente veio requerer que fosse dado sem efeito o despacho arbitral de 21/09/2021, até à decisão do requerimento de 21/09/2021, no sentido de ser admitida a produção de prova testemunhal.

 

            14. Em 04/10/2021, o Tribunal Arbitral indeferiu os dois requerimentos apresentados pelo Requerente.

 

            15. Em 06/10/2021, a Requerente apresentou alegações escritas, tendo a Requerida optado por não apresentar alegações.

 

            16. Por despachos de 12/11/2021 e de 10 de janeiro de 2021, foi sucessivamente prorrogado por dois meses o prazo para a decisão arbitral, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

B.    PRETENSÃO DO REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS

 

            A fundamentar o Pedido de Pronúncia Arbitral, o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

  1. Em causa está a tributação de mais-valias mobiliárias decorrentes da alienação, em 16/07/2016, de 400.000 ações que o Requerente detinha na sociedade B..., S.A. na sequência da correcção, efectuada pela AT, do valor de realização declarado, ao abrigo do artigo 52.º do CIRS.
  2. A norma contida na alínea b) do n.º 2 do artigo 52.º do CIRS é inconstitucional quando interpretada no sentido de que, admitindo uma presunção legal de rendimentos, não admite prova de que o valor de realização é o preço efectivamente praticado e constante do contrato de compra e venda de ações, violando também o artigo 73.º da LGT.
  3. O princípio da legalidade, que abrange a reserva de lei formal e a reserva de lei material, e o princípio da igualdade e da capacidade contributiva resultam na obrigação de pagar impostos em função do rendimento efectivamente auferido.
  4. A alteração do rendimento declarado pressupõe a demonstração de que existe ou pode existir uma divergência entre o valor declarado e o valor real. Esta demonstração da existência ou probabilidade séria da divergência é o ponto de partida para a quantificação com recurso ao critério previsto no n.º 2 do artigo 52.º do CIRS (o da última cotação, caso se trate de ações cotadas em bolsa, ou, não estando cotadas em bolsa, o valor que se obtém a partir do último balanço). A divergência não pode ser aferida em função do “último balanço”, este é tão só o critério de quantificação.
  5. Da letra da lei não resulta o que deve entender-se por “último” e por “balanço”.  Contudo, dos princípios da reserva de lei, da certeza e segurança jurídicas, da igualdade e da capacidade contributiva resulta que por “balanço” devem entender-se apenas as componentes realizadas do capital próprio com exclusão dos créditos dos sócios (prestações suplementares e prestações acessórias) e das componentes não realizadas, potenciais ou latentes (excedentes de revalorização, ajustamentos em ativos financeiros, outras componentes de capitais próprios).
  6. O ato tributário é ainda ilegal por preterição de formalidades legais: ausência de fundamentação (artigo 77.º da LGT) e falta de prova dos pressupostos legitimadores da aplicação do disposto no artigo 52.º do CIRS.
  7. A AT não cumpriu o dever de procura da verdade material, não obstante a disposição do Requerente de colaborar na quebra do sigilo bancário.
  8. O ato tributário é ilegal por erro nos pressupostos de facto – errada perceção da realidade – e sobre os pressupostos de direito – errada interpretação e aplicação da lei aos factos.

 

C. RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS

 

            Na Resposta veio a Requerida, em síntese, alegar o seguinte:

 

  1. Deve considerar-se fundada a divergência identificada pelos serviços de inspeção tributária entre o preço declarado de venda das ações e o valor real da transmissão atendendo a que:
    1. A norma do n.º 1 do artigo 52.º do CIRS, basta-se com a demonstração de que “pode existir” divergência entre os valores declarado e real, o que não se confunde com a efectiva existência dessa divergência. Assim, a AT apenas tem o ónus de demonstrar factos que evidenciem a possibilidade de existir divergência e, já não, factos demonstrativos de que a divergência efectivamente existe;
    2. O preço de venda declarado no contrato de compra e venda, em 16/07/2016 foi de € 328.000,00, tendo sido depois alterado para € 180.000,00, por aditamento datado de 14/07/2017;
    3. O Requerente declarou o valor de venda de € 180.000,00, mas o aditamento celebrado em 14/07/2017, faz reportar ao ano de 2016 um pagamento de apenas € 100.000,00, estipulando para os anos de 2017 e 2018 o pagamento fracionado dos restantes € 80.000,00, o que está em flagrante contradição com a argumentação do próprio Requerente e com o valor por si declarado;
    4. O Requerente continua a ser maioritário (mesmo após a venda das 400.000 ações), detendo uma participação de 72% do capital social, não se compreendendo o valor da alienação muito abaixo do valor nominal (que, atendendo à percentagem de capital alienada, de 20%, corresponderia a € 400.000,00), uma vez que, face à situação líquida da empresa no ano anterior, de € 4.000.214,52, se verifica uma divergência fundada entre qualquer um dos valores declarados e o valor real da transmissão nos termos do artigo 52.º do CIRS;
    5. O valor de € 180.000,00€ corresponde a um valor, por ação, de € 0,45, significativamente inferior ao valor nominal das ações (€ 1) e até ao valor pelo qual, no mesmo ano de 2016 (ano da alienação), o Requerente adquiriu um lote de € 874.000,00 (€ 0,61);
    6. A AT não se sustentou apenas no balanço da sociedade para determinar a possibilidade de divergência;
    7. Não se entendem os motivos pelos quais o Requerente alienou ações em 2016 a um valor inferior ao valor de aquisição e ao valor de ações da mesma sociedade que tinha adquirido nesse ano de 2016, sendo certo que a situação financeira e patrimonial da sociedade, constante de informação contabilística, evidenciava uma significativa robustez;
    8. Tendo o Requerente declarado um valor de aquisição (correspondente ao valor nominal) significativamente superior ao de alienação e sendo o capital próprio da B..., S.A., no exercício de 2015, de € 4.000.214,52, conforme informação contabilística desta sociedade, conclui-se que as ações foram alienadas a um valor muito inferior ao seu valor real;
    9. Sobre a alegação do Requerente de que a AT, no âmbito de um PEF e da prestação de garantia, avaliou, em 2018, as ações da B..., S.A., em 0,91€/acção, montante próximo do valor de 0,82€/acção pelo qual foram alienadas em 2016, refere que o preço de venda (face à adenda ao contrato) não foi de 0,91€ por acção, mas significativamente inferior, de 0,45€/acção, além de que a liquidação controvertida respeita ao ano de 2016 e a avaliação a que o Requerente alude se reporta ao ano de 2018, ano económico distinto que, não pode ser chamado para justificar a bondade da correção efetuada dois anos antes;
  2. No caso das mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários sujeitas a IRS como incrementos patrimoniais o facto tributário ocorre no momento da alienação – v. das disposições conjugadas do nº 3 e da alínea b) do nº 1 do art. 10º do CIRS;
  3. Não se verifica a invocada inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 52.º do CIRS, porque a presunção aí estipulada não é inilidível. O que sucede é que, no caso concreto, o Requerente não logrou ilidir a presunção;
  4. Não se verifica falta de fundamentação, constando do relatório inspetivo, de forma inequívoca, a motivação da AT e o iter seguido;

 

            Concluindo que o Pedido de Pronúncia Arbitral deve improceder.

 

D.        QUESTÕES A DECIDIR

 

            Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, a principal questão decidenda reside em saber se se verificam os pressupostos de facto e de direito da correção subjacente à tributação de mais-valias mobiliárias decorrentes da alienação de uma parte das ações que o Requerente detinha na sociedade B..., S.A., e, bem assim, se aquela está devidamente fundamentada, em concreto:

 

  1. Se a AT demonstrou, como lhe competia, nos termos previstos no artigo 52.º do CIRS, a fundada possibilidade de divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão das ações da B..., S.A.;

 

  1. Se deve aplicar-se um conceito de balanço, expurgado de algumas das suas componentes.

 

            O Tribunal tem ainda de pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade suscitada pela Requerente, em relação ao n.º 2 do artigo 52.º do CIRS.

 

 

 

E.        PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

  

            O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1, do RJAT.

 

            - As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

            - O processo não enferma de nulidades.

 

            - Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

            Tudo visto, cumpre proferir

 

            II.        DECISÃO

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos dados como provados

 

       Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

 

  1. O Requerente A..., contribuinte fiscal nº …, reside na Rua ..., nº..., ...-... Barcelos.
  2. O Requerente é acionista da sociedade B... SA, pessoa colectiva nº..., que tinha um capital social representado por 2.000.000 acções com o valor nominal unitário de 1 euro.
  3. As acções emitidas pela B... SA não se encontram cotadas em bolsa de valores.
  4. Em 16/07/2016, através de contrato de compra e venda, o Requerente alienou à C... SA, 400.000 acções da B... SA.
  5. Este contrato de compra e venda estabelecia o preço de € 328.000,00, correspondente a 0,82 € por acção, e as seguintes condições de pagamento:

- 100.000 euros no acto da assinatura do contrato;

- 80.000 euros no prazo de um ano a contar da data da assinatura do contrato;

- 148.000 euros a pagar futuramente com os dividendos que, no período de 5 anos, a contar da data da assinatura do contrato, viessem a ser atribuídos às acções vendidas, por deliberações sociais que validamente aprovassem as respectivas distribuições, dividendos que, pelo mesmo contrato, ficavam expressamente sub-rogados ao cumprimento da respectiva obrigação.

  1. À data desta alienação, o Requerente era titular de 1.849.800 de acções da B..., SA.
  2. Estas acções tinham sido adquiridas pelo Requerente nas seguintes datas, quantidades e preços:

- Em 28/02/2013 – 974.900 acções – 974.900,00 euros – valor por acção – 1 euro (por subscrição de aumento de capital, ao valor nominal de 1 euro por acção);

- Em 26/01/2016 – 874.900 acções – 536.000,00 euros – preço por acção – 0,61 euros.

  1. Em 14/07/2017 foi celebrado um aditamento a este contrato de compra e venda, que derrogou o contrato de compra e venda em relação ao preço, que foi alterado para € 180.000,00, i.e., a 0,45€/acção, estipulando-se que o pagamento dos 80.000,00 euros, a efectivar até 16/07/2017, nos termos do contrato de compra e venda, seria efectuado do seguinte modo: 30.000,00 euros até 31/08/2017; 10.000,00 euros até 30/11/2017; 10.000,00 euros até 31/12/2017; 10.000,00 euros até 31/08/2018 e 20.000,00 euros até 30/11/2018.
  2. O Requerente apresentou a declaração modelo 3, com referência ao ano de 2016, declarando rendimentos da categoria A e rendimentos da categoria G – Incrementos patrimoniais e um rendimento colectável de € 21.957,96.
  3. No quadro 09 do anexo G, o Requerente indicou como data de aquisição – a data da subscrição do capital e, como valor de aquisição – o valor nominal por que foram subscritas as acções, declarando, como valor de realização € 180.000,00, tudo nos seguintes termos:

Titular

NIF da entidade emitente

Código

Realização

Aquisição

Data

Valor

Data

Valor

A

...

G01

16-07-2016

180.000,00 €

28-02-2013

400.000,00 €

 

 

  1. Em 06/08/2018, a AT deu início a um procedimento inspectivo, visando a declaração modelo 3 do IRS do ano de 2016, a coberto da OS2018..., de 20/07/2018, em resultado do qual a Requerente foi notificada das seguintes correcções:

- Fixação do valor de realização em 800.042,91 euros;

- Fixação do valor de aquisição em 404.000,00 euros;

- Apuramento de um ganho de mais-valias de 396.042,91 euros.

  1. Estas correções foram precedidas de um Relatório de Inspeção Tributária, sobre o qual foi exercido o direito de audição, do qual constam os respectivos fundamentos, que se dão por reproduzidos e de que se extraem os seguintes excertos:

II.4.3 – Factos verificados

[…]

Constata-se uma divergência de valores entre o preço de venda fixado no 1.º contrato 328.000,00 EUR e o valor referido no aditamento ao contrato 180.000,00 EUR. Atendendo ao facto de o SP ser titular de cerca de 92% do Capital, mesmo após a venda de 400.000 ações continua a ser maioritário (72% do Capital), não se entende o valor da alienação muito abaixo do valor nominal, uma vez que, face à situação líquida da empresa no ano anterior, se verifica uma divergência fundada entre qualquer um dos valores declarados e o valor real da transmissão nos termos do artigo 52.º do CIRS.

Dispõe o n.º 1 do artigo 52.º do CIRS “Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tem a faculdade de proceder à respetiva determinação…” e que tratando-se de ações não cotadas em bolsa de valores presume-se que 2 “…o valor da transmissão é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço”, conforme estabelecido na alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo.

Segundo informação que se retira do balanço da empresa constante da declaração anual de informação contabilística e fiscal do ano de 2015 (IES/DA), a situação líquida patrimonial da sociedade à data da transmissão da participação social é exponencialmente superior ao valor declarado da transmissão.

Capital Próprio

Capital realizado

2.000.000,00 €

Reservas legais

328.333,91 €

Resultados transitados

- 81.200,00 €

Outras variações no capital próprio

1.316.003,44 €

Resultado líquido do período

437.077,17 €

Total do Capital Próprio

4.000.214,52 €

 

Considerando que o balanço e a demonstração de resultados são os documentos de síntese mais importantes e que melhor refletem a situação patrimonial da empresa e a formação dos lucros, propõe-se a aplicação do disposto no artigo 52.º do CIRS.

III – Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas

III.1 Imposto s/ o rendimento das pessoas singulares

Dispõe a alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º, conjugado com o n.º 1 do artigo 50.º e a alínea b) do artigo 51.º ambos do CIRS, que o ganho sujeito a IRS é apurado de acordo com a seguinte fórmula:

Mais ou Menos valia= Valor de realização – (Valor de aquisição x CCM + despesas)

Muito embora o SP não tivesse apresentado comprovativos da aquisição, consideramos que o valor e a data destes são os constantes da declaração de rendimentos.

Valor aquisição 400.000,00€

Ano aquisição 2013

Coeficiente de desvalorização monetária ano de 2013- 1,01

Valor de aquisição corrigido 404.000,00€

Valor da situação líquida no ano anterior 4.000.214,52€

400.000,00€ / 2.000.000,00€ = 20%

20% X 4.000.214,52€ = 800.042,91€

800.042,91€ - 404.000,00€ = 396.042,91€

Mais-valia apurada 396.042,91€

O valor da mais-valia assim determinado, está sujeito a tributação autónoma de 28% conforme disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS.

396.042,91€ x 28% = 110.892,02€

[…]

IX – Direito de audição

O SP exerceu o direito de audição que lhe é conferido pelo artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA, tendo alegado o seguinte:

Quanto aos factos determinantes da realização do negócio

Dificuldades financeiras decorrentes de um investimento efetuado acima do esperado, suportado em grande parte por fundos comunitários cuja amortização se iniciou no ano em causa, não tendo a empresa conseguido resultados de exploração que permitissem libertar meios para entregar ao IAPMEI. Além disso, fruto de uma inspeção tributária, a empresa teve de pagar um valor avultado de retenções na fonte por distribuição antecipada de lucros.

Face a este cenário, optou por “alienar ações que permitissem a entrada de novos acionistas capazes de potenciar a avaliação da empresa junto das instituições financeiras, de forma a colmatar a falta de capital, ainda que isso resultasse num bom negócio para o adquirente em detrimento do contribuinte”…

Quanto ao preço determinado e o realizado

“Embora tenha procedido à indicação do valor de €180.000,00, porque seria a parte quantificada e certa referente à realização, o contribuinte terá, ainda, de proceder à declaração como rendimento dos restantes € 148.000,00 no momento do seu recebimento se e quando estes se vierem a verificar…”

A este respeito alude ao conceito de rendimento real efetivo e ao princípio da anualidade patentes no código do IRS, referindo que só se pode atender ao rendimento efetivamente recebido naquele ano e que corresponde ao valor colocado à disposição do SP, aquando da celebração do contrato de compra e venda das ações.

Quanto ao capital próprio da sociedade e sua constituição

Sobre o capital próprio da sociedade, declara que o mesmo resulta, em parte, de situações ainda não verificadas, porque os resultados assentam na existência de benefícios fiscais que espera deduzir em lucros futuros e reconhecimento de subsídios ao investimento, totalizando essas duas rubricas 1.813.530,23 EUR. Em conclusão refere que “o custo de oportunidade no caso em concreto, foi tido em conta, uma vez que a empresa não é autónoma, necessitando de parceiros e credibilidade no mercado, dada, nomeadamente pelo aval dos seus acionistas”

Face às alegações do SP, consideramos:

As situações relatadas pelo SP, quanto aos factos negociais decorrentes das dificuldades financeiras, não procedem, face à desmedida divergência manifestada entre o valor das ações constante do balanço e o valor da venda. Refira-se ainda que, em boa verdade, o preço determinado de 328.000,00 EUR não foi o realizado, dependendo a realização dos 148.000,00 EUR de eventos futuros.

Atente-se para o facto de que, o que aqui está em causa, não é a situação financeira da empresa, mas o negócio efetuado pelo acionista.

O SP alega que o valor do capital próprio resulta, em parte, de situações ainda não verificadas, como a existência de benefícios fiscais futuros, reconhecimento de impostos diferidos por benefícios fiscais possíveis ainda não realizados e ainda da redução/anulação de subsídios ao investimento decorrentes das depreciações dos ativos

A este propósito convém referir que a única verba que se encontra a influenciar o capital próprio e referente a subsídios ao investimento é de 1.316.003,45 EUR, que será reduzida de acordo com as depreciações dos ativos, sendo que neste caso, o gasto considerado através das depreciações do período será anulado pela via da consideração do proveito na mesma medida. Por outro lado, se analisarmos o capital próprio do ano seguinte verificamos que a mesma rubrica apresenta um aumento e não uma diminuição. Consideramos que as alegações apresentadas pelo SP, quanto à constituição do capital próprio não procedem, uma vez que todas as situações já se encontram refletidas no valor do balanço.

Sendo o balanço um dos modelos das demostrações financeiras, um dos objetivos deste, é proporcionar informação relevante e fiável de forma a permitir uma análise fidedigna da situação financeira da empresa.”  

  1. A rubrica de “Outras variações no capital próprio”, que a 31/12/2015 se cifrava em € 1.316.003,44, respeita aos subsídios de investimento contabilizados/reconhecidos no momento da assinatura dos contratos de financiamento outorgados com o IAPMEI e a impostos diferidos relacionados com benefícios fiscais ao investimento.
  2. Do referido procedimento inspetivo resultou a liquidação adicional de IRS e dos juros compensatórios conjuntamente liquidados com o nº 2019..., de 25/01/2019, no montante de 119.229,87 euros, que foi notificada ao Requerente cujo prazo limite para pagamento foi fixado em 06/03/2019.
  3. O Requerente deduziu reclamação graciosa, no decorrer da qual foi notificado, em 16/10/2019, para exercer o direito de audição prévia, o que fez, a qual foi indeferida por despacho de 28/11/2019, notificado nesta data ao Requerente.
  4. Em 27/12/2019, o Requerente deduziu recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
  5. O recurso hierárquico foi julgado improcedente, tendo a decisão de improcedência de 11/12/2020, sido notificada ao Requerente em 22/12/2020.
  6. Em 16/03/2021, o Requerente apresentou o presente Pedido de Pronúncia Arbitral. cf. registo da entrada do PPA no SGP do CAAD.

  

A.2. Factos dados como não provados

 

        Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

           Os factos dados como provados estão baseados nos documentos carreados para o processo pelas Partes, incluindo o processo administrativo, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido validamente questionada.

 

De assinalar como irrelevante a factualidade ocorrida e reportada a exercícios ulteriores, pois apenas devem ter-se em consideração as circunstâncias contemporâneas à data do facto tributário ou que a este se reportem e não a eventos subsequentes (ex post facto) que a terem impacto será nos períodos de tributação respetivos.

 

B.    DO DIREITO

 

Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas:

 

Conforme resulta dos autos, está em causa a tributação de mais-valias mobiliárias decorrentes da alienação pelo Requerente à C...,SA, em 16/07/2016, de 400.000 acções, que detinha na sociedade B..., SA, e, especificamente, o valor de realização por este declarado, que foi objecto de correcção pela Requerida, ao abrigo do disposto no art. 52º do CIRS.

 

O Requerente pretende que seja anulada a liquidação adicional de IRS nº..., de 25/01/2019, que deu origem ao Documento de Acerto de Contas, em que são identificados e notificados os valores a pagar, com referência ao ano de 2016, no valor de 119.229,87 euros, que constituiu objecto do recurso hierárquico, que foi indeferido em 11/12/2020.

 

A liquidação impugnada resultou de um acto de correcção e fixação da matéria colectável, praticado ao abrigo do disposto no art. 52º do CIRS, com fundamento no Relatório de inspecção tributária.

 

Comecemos, então, a análise e apreciação das várias questões a decidir, que foram enunciadas em D, por aquela que é primordial e que consiste em saber se na situação em apreço se verificam os pressupostos de facto e de direito da correcção subjacente à tributação das mais-valias mobiliárias decorrentes da alienação pelo Requerente de uma parte das acções que detinha na sociedade B...,SA e se aquela está devidamente fundamentada.

 

Para tanto, passamos a verificar se a Requerida demonstrou, como lhe competia, nos termos do estabelecido no art. 52º do CIRS, a fundada possibilidade de divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão das acções da B..., SA, uma vez que cabe à Requerida esse ónus.

 

Da análise do processo, designadamente do que consta do Relatório da Inspecção Tributária, resulta que a AT, ao proceder à análise e controle das mais-valias e validação dos valores inscritos na declaração de rendimentos, instaurou um procedimento inspectivo, em resultado do qual terá constatado que a alienação das acções em apreço teria sido realizada por um valor significativamente inferior ao seu valor nominal.

 

Assim sendo, e tendo, ainda, em conta a situação líquida da empresa no ano anterior, o facto de, mesmo após a alienação das 400.000 acções, o Requerente continuar a ser maioritário com 72% do capital da sociedade; a divergência de valores entre o preço de venda fixado no contrato de compra e venda inicial e o valor que resulta do aditamento, que o derrogou em relação ao preço; e, por fim, a circunstância de no mesmo ano de 2016 o Requerente ter adquirido acções a 0,61€/acção e vendido as acções em causa nos presentes autos a 0,45€/acção, a Requerida procedeu à sua determinação, ao abrigo do disposto no art. 52º do CIRS.

 

Para tanto, e, uma vez que as acções emitidas pela sociedade B..., SA não estão cotadas na bolsa de valores, a Requerida recorreu ao disposto na alínea b), do nº 2, do mencionado artigo do CIRS, que  dispõe que: “Não estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço”.

 

Nesta conformidade, a AT verificou que, face ao balanço da sociedade, constante da declaração anual de informação contabilística e fiscal de 2015, a situação líquida patrimonial à data da alienação das acções era, na respetiva proporção, muito superior ao valor declarado da transmissão.

 

Quando confrontado com esta situação, o Requerente, em sede do exercício do direito de audição, atribuiu a mesma ao facto de a sociedade, perante dificuldades financeiras no ano em causa, resultantes de não ter conseguido resultados de exploração, que lhe permitissem libertar fundos para amortizar junto do IAPMEI um empréstimo, e de ter pago um valor avultado de retenções na fonte por distribuição antecipada de lucros (em resultado de uma inspecção tributária), ter decidido alienar acções que permitissem a entrada de novos accionistas capazes de potenciar a avaliação da empresa junto das instituições financeiras, de forma a colmatar a falta de capital, embora com prejuízo seu.

 

A Requerida entendeu que estes factos negociais, decorrentes de dificuldades financeiras, não justificavam a “desmedida divergência” entre o valor das acções constante do balanço e o valor de venda, acrescendo que o valor de 328.000,00 euros não foi o realizado, dependendo o valor de 148.000 euros de eventos futuros, situando-se em 180.000 euros, valor por que acabou por ser definitivamente fixado o preço de venda declarado mediante aditamento contratual.

 

Nestas circunstâncias, resultou do procedimento inspectivo a liquidação adicional de IRS e dos juros compensatórios conjuntamente liquidados, no montante de 119.229,87 euros, com o qual o Requerente não se conformou, reclamando graciosamente e deduzindo recurso hierárquico que não obtiveram vencimento, constando em ambas as decisões, a exemplo do relatório  inspectivo, que a Requerida recorreu ao dispositivo do art. 52º do CIRS, após ter fundadamente apurado a possibilidade de existência de divergência entre o valor declarado e o valor real da transacção.

 

Pergunta-se, agora, se, o que consta do relatório da inspecção tributária e a fundamentação da decisão que recaiu sobre o mesmo, repetida nas decisões tomadas sobre a reclamação graciosa e o recurso hierárquico, preencherão os pressupostos legais para a AT proceder à correcção do valor declarado, nos termos do art. 52º do CIRS, ou, se, pelo contrário, como pretende o Requerente, não existem evidências que o valor declarado diverge do valor real.

 

Conforme é entendimento comum e reconhecido pela jurisprudência, a lei não define nem limita os factos em que a AT se pode basear para considerar fundadamente que possa haver divergência entre o valor declarado e o valor real da transacção, para se socorrer do estabelecido na referida norma.

 

Portanto, o facto vertido nos autos da existência de uma alienação de acções pelo valor final de 0,45 euros, valor significativamente inferior ao seu valor nominal de 1 euro, acrescido do facto de, no mesmo ano, terem sido adquiridas acções por um valor de 0,61 euros, superior ao da operação em apreço, será suficiente para justificar a referida possibilidade.

 

Também, as vicissitudes porque aquele valor passou, em consequência do aditamento ao inicial contrato de compra e venda e a circunstância de haver pagamentos dependentes de eventos futuros, sem justificações satisfatórias, reforçam a convicção da possibilidade de haver divergência.

 

Na verdade, o Requerente, quando foi confrontado com esta situação, acaba por reconhecer indirectamente a possibilidade de poder ser considerado haver divergência, quando declara que foi um “bom negócio para o adquirente em detrimento do contribuinte”.

 

Também, nada adianta para justificar o negócio, nos termos em que foi efectuada  a declaração, a alusão  à necessidade da entrada de novos accionistas para “potenciar a avaliação da empresa junto das instituições financeiras de forma a colmatar a falta de capital”, uma vez que, de acordo com o vertido nos autos, nunca esteve em causa a sua estabilidade económica e  financeira, pois retira-se do balanço da empresa, relativamente ao ano de 2015, que a situação líquida patrimonial da mesma era muito superior ao valor declarado da transmissão.

 

Assim sendo, deve considerar-se estar demonstrado, de forma efectiva, a possibilidade de o valor que tinha sido declarado não corresponder ao valor real, porquanto o mesmo era manifestamente inferior ao valor nominal e, até, inferior àquele porque o Requerente tinha adquirido acções no ano em causa, para além dos outros fundamentos atrás indicados, pelo que é fundado o entendimento da AT de que ocorria a divergência passível de ser corrigida, nos termos e ao abrigo do art. 52º do CIRS, improcedendo o pedido no que respeita ao erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

Preenchido que se mostra o primeiro requisito para aplicação à situação sub judice do dispositivo do art. 52º do CIRS, haverá que apreciar a questão relativa à presunção, objectiva, instrumental, do preço da venda, estabelecida na alínea b), do nº 2 deste normativo, no ponto em que estipula que “… o preço de venda é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço.

 

Significa isto que a lei, nestas circunstâncias em que a AT não conhece o valor da transacção, preceitua que o mesmo seja determinado através da referida presunção, sendo omissa relativamente ao método que a AT deve utilizar para este efeito.

 

Uma coisa é certa, o valor deve ser apurado com base no último balanço. 

 

Nesta conformidade, há que tomar posição relativamente à questão levantada de se  saber qual o valor do balanço a tomar em consideração para a correcção, designadamente se será  o valor dos capitais próprios expurgado de diversas componentes.

 

É sabido que o balanço e a demonstração de resultados são os documentos de síntese que melhor reflectem a situação da empresa e a formação de lucros, proporcionando informação relevante e fiável de modo a permitir uma análise fidedigna da situação financeira da empresa.

 

Assim sendo, a letra e o espírito da lei não nos habilitam a concluir que o balanço deva necessariamente ser expurgado de algumas das suas componentes, para os efeitos do normativo em questão, pelo que haverá que averiguar se, face à factualidade demonstrada, designadamente em sede de contraditório, tal se justifica.

 

Alega o Requerente que o valor do capital próprio resulta, em parte, de situações ainda não verificadas, designadamente, a existência de benefícios fiscais futuros, reconhecimento de impostos diferidos por benefícios fiscais futuros não realizados e ainda da redução/anulação de subsídios ao investimento decorrentes das depreciações dos activos.

 

Na verdade, a rubrica “Outras variações no capital próprio”, que em 31/12/2015, se cifrava em 1.316.003,44 euros, respeita aos subsídios de investimento contabilizados/reconhecidos no momento da assinatura dos contratos de financiamento outorgados com o IAPMEI e a impostos diferidos relacionados com benefícios fiscais ao investimento (que alega serem futuros e incertos).

 

Ora, de acordo com o relatório inspectivo, a única verba que se encontra a influenciar o capital próprio e referente a subsídios ao investimento é de 1.316.003,44 euros, que será reduzida de acordo com as depreciações dos activos, sendo que, neste caso, o gasto considerado através das depreciações do período será anulado pela via da consideração do proveito na mesma medida, acrescendo que, da análise do capital do ano seguinte se verifica haver um aumento e não uma diminuição do capital próprio.

 

No que respeita aos impostos diferidos interessa notar que o seu reconhecimento contabilístico no activo pressupõe um julgamento prévio de probabilidade futura, no sentido de que o sujeito passivo vai gerar rendimentos (lucro tributável) que permitam utilizar a diferença temporária dedutível. Assim, sendo futuros, são também prováveis e não, como defende a Requerente, simplesmente “incertos”. Neste âmbito, a NCRF[1] 25, relativa a Imposto sobre o Rendimento refere no parágrafo § 16 que “Está inerente no reconhecimento de um activo que a sua quantia escriturada será recuperada na forma de benefícios económicos que fluam para a entidade nos períodos futuros” e no parágrafo § 25 que “Um activo por impostos diferidos deve ser reconhecido para todas as diferenças temporárias dedutíveis até ao ponto em que seja provável que exista lucro tributável relativamente ao qual a diferença temporária dedutível possa ser usada […]”. Se estas condições não estão reunidas nem sequer devia ter sido reconhecido o activo. Contudo, como foi reconhecido, partimos do pressuposto que foi estimado que o crédito fiscal relacionado com benefícios fiscais ao investimento é passível de ser utilizado em anos futuros e, portanto, é um ativo da sociedade com tradução pecuniária.

 

Tratando-se de uma presunção, face ao disposto no art. 73º da LGT, admitiria prova em contrário, que, como referido anteriormente, não se mostra demonstrada no exercício do direito ao contraditório, pelo que improcede, também quanto a esta matéria o pedido do Requerente.

 

Suscita, ainda, o Requerente a questão relativa à inconstitucionalidade do nº 2 do art. 52º do CIRS, mormente na forma como terá sido interpretado pela Requerida no plano infraconstitucional.

 

No entender do Requerente, a interpretação do art. 52º do CIRS efectuada pela Requerida é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, previstos nos arts. 13º e 18º da CR e do art. 73º da LGT, tendo o legislador desta última norma, afastado, para o campo da incidência fiscal, as presunções inilidíveis, não se podendo admitir no CIRS qualquer presunção que não admita prova em contrário, concluindo que se está perante uma presunção inilidível e, portanto, inconstitucional.

 

A isto responde a Requerida dizendo que a AT lançou mão do disposto no art. 52º do CIRS, após ter fundadamente apurado, através de factos índices ou pressupostos, a possibilidade da existência de divergência entre o valor declarado e o valor real da transacção, procedendo à correcção do valor declarado, nos termos da alínea b), do nº 2 do art. 52º do CIRS, recorrendo aos valores inscritos no balanço da sociedade, cujas acções foram alienadas, relativamente ao exercício de 2015, e, ainda, que no exercício do direito ao contraditório, o Requerente não apresentou fundamentos credíveis que justificassem o afastamento da correcção oficiosa, concluindo que nem a interpretação da norma pela AT, nem a norma,  estão ferida de inconstitucionalidade.

 

Vejamos, então:

 

Por força do disposto no art. 73º da LGT, as presunções contidas em normas de incidência tributária são todas ilidíveis, uma vez que está estabelecido expressamente que essas presunções admitem sempre prova em contrário.

 

No entanto, deve entender-se que, para os efeitos do disposto no art. 73º da LGT, a referência a normas de incidência é utilizada na acepção lata, pois as razões que justificam a admissibilidade de ilidir presunções, que se ligam à comprovação da existência dos pressupostos subjectivos e objectivos da tributação, que é exigido pelo princípio constitucional da igualdade, valem relativamente a cada um destes pressupostos (neste sentido – Ac. STA de 29/02/2012, (proc. 441/11).

 

O Tribunal Constitucional (designadamente, Acs. 348/97 - proc. 63/96 e 211/03 – proc. 203/02) tem admitido a constitucionalidade de utilizações de presunções para determinar a matéria colectável desde que seja permitida a sua ilisão, o que é reclamado pelo princípio constitucional da igualdade, que exige que a imposição das obrigações de impostos seja feita segundo a capacidade contributiva de cada um, concretizando o objectivo da repartição justa de rendimentos e riqueza, que é objetivo primacial do sistema fiscal (art, 103º, nº 1 da CRP).

 

Assim sendo, temos que concluir, em sintonia com a mencionada jurisprudência, que o nº 3 do art. 52º do CIRS estabelece uma presunção ilidível, constitucionalmente admissível, pelo que caiem as questões de constitucionalidade que o Requerente coloca no pressuposto errado que a referida presunção seria inilidível. O que sucede é que o Requerente não logrou afastar a presunção.

 

Também não se constata o incumprimento do dever de procura da verdade material pela Requerida, tendo esta coligido os elementos factuais relevantes em suporte da sua actuação, não tendo o Requerente produzido outros que os abalassem.

Aduz, ainda, o Requerente que o acto tributário em apreço é ilegal por estar inquinado do vício de falta de fundamentação.

 

A fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (art. 268º da CRP) e legal (art. 77º da LGT).

 

Relativamente a esta matéria há que dizer que se considera que a fundamentação exigível a um acto tributário é aquela que funcionalmente é necessária para que o mesmo não seja encarado como fruto de mero arbítrio da Administração, em consequência de não serem apreensíveis os motivos de facto e de direito em que assenta.

 

Da análise do teor do Relatório de Inspecção, resulta, de modo claro e compreensível por um destinatário médio, a motivação que determinou o recurso ao estabelecido no art. 52º do CIRS, bem como estão explicadas as correcções efectuadas, em condições de permitir ao Requerente conhecer todo o caminho seguido até à decisão final, de modo a aceitar ou contestar tais correcções, dispondo, assim, o Requerente de todas as condições para conferir se os valores liquidados estão correctos.

 

E tanto assim é que a fundamentação foi suficiente, clara e congruente, que o Requerente contestou os argumentos da AT, designadamente, os vertidos no relatório inspectivo, na audição prévia, na reclamação graciosa, no recurso hierárquico e no presente processo arbitral, demonstrando, deste modo, ter conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela AT, ora Requerida.

 

Termos em que improcede, também, o pedido de declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação adicional, em apreço, por falta de fundamentação.

 

 

 

C.   DECISÃO

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a acção improcedente, com as legais consequências.

 

D.   Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em 119.229,87 euros, nos termos do artigo 97º-A, nº 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

E.    Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 3.060,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Requerente, nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 5, do citado Regulamento.

 

 Notifique-se

(Esta decisão foi redigida pela ortografia antiga)

 

Lisboa, 28 de Março de 2022

 

A Árbitro Presidente

 

 

(Alexandra Coelho Martins)

 

O Árbitro Vogal

 

 

(José Nunes Barata)

 

 

O Árbitro Vogal

 

                                              

(A. Sérgio de Matos)

 

 

 



[1] Acrónimo de norma contabilística e de relato financeiro.