Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 150/2019-T
Data da decisão: 2019-10-31  IRS  
Valor do pedido: € 25.175,37
Tema: IRS - Tabela prevista no artigo 151.º do CIRS. Administrador judicial.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. RELATÓRIO

 

1.1. A..., número de identificação fiscal ... e B..., número de identificação fiscal..., casados, residentes na Rua ..., s/n, ... ... (doravante designados por “Requerentes”) apresentaram em 04-03-2019, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

1.2. Os Requerentes pretendem a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade e anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) referentes aos anos de 2016 e 2017, respetivamente com os n.ºs. 2018... e 2019..., bem como dos respetivos juros compensatórios, no valor global de € 25.175,37 (vinte e cinco mil cento e setenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos).

1.3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).

1.4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 06-03-2019.

1.5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

1.6. As partes foram notificados, em 26-04-2019, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

1.7. De acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 16-05-2019.

1.8. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 16-05-2019, apresentou, em 12-06-2019, a sua Resposta e, na mesma data, juntou o Processo Administrativo.

1.9. O Tribunal Arbitral por despacho, de 15-06-2019, notificou os Requerentes para indicarem os factos sobre os quais pediam a inquirição da testemunha indicada no pedido de pronúncia arbitral.

1.10. Em 26-06-2019, os Requerentes indicaram os fatos sobre os quais pretendiam inquirir a testemunha.

1.11. Por despacho, de 27-06-2019, o Tribunal Arbitral designou o dia 8 de julho, às 15h, para inquirição da testemunha indicada pelos Requerentes.

1.12. A Requerida, em 01-07-2019, informou o Tribunal Arbitral que estava impossibilitada de comparecer na data indicada para a inquirição da testemunha.

1.13. Por despacho, de 02-07-2019, o Tribunal Arbitral designou o dia 10 de setembro, às 15h, como nova data para a inquirição da testemunha indicada pelos Requerentes.

1.14. Os Requerentes, em 10-07-2019, prescindiram da inquirição da testemunha.

1.15. O Tribunal Arbitral por despacho, de 10-09-2019, determinou: (i) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, considerando que não foi invocada matéria de exceção nem existe prova a produzir; (ii) caso as partes pretendam proferir alegações escritas, estas deverão ser produzidas no prazo de 10 dias, com caracter sucessivo, a partir da notificação do presente despacho; (iii) indicar o dia 18 de outubro de 2019 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral. A data limite para a prolação da decisão arbitral foi posteriormente adiada, através do despacho do Tribunal Arbitral, de 18-10-2019, para o dia 31 de outubro de 2019.

1.16. Os Requerentes e a Requerida não apresentaram alegações.

1.17. A posição dos Requerentes, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, é, em síntese, a seguinte:

1.17.1. A AT fundamenta as liquidações apresentadas no facto de o requerente exercer a atividade de “Administrador de Insolvência”, a qual corresponde a atividade com o CAE 1310- “Administradores de Bens” e não ao CAE 1519 referente a “Outros Prestadores de Serviços”. Por conseguinte, entende a AT, que o requerente inscreveu, indevidamente, no campo 404 Rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores, do Quadro 4-A, do respetivo anexo B, à declaração Mod. 3 do IRS, os rendimentos obtidos nos anos de 2016 e 2017, quando deveria tê-los inscrito no campo 403, referente aos Rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na Tabela ao abrigo do artigo 151.º do Código do IRS.

1.17.2. A AT incorre em errónea qualificação da atividade efetivamente exercida pelo requerente, a qual não se enquadrando em nenhuma das atividades especificamente previstas na Tabela Anexa ao Código do IRS, não permite a aplicação do coeficiente de 0,75, previsto no artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRS.

1.17.3. E, daqui decorre também um erro de quantificação da matéria coletável decorrente da aplicação de tal coeficiente. Porque não subsistem dúvidas que aos rendimentos auferidos pelo requerente no período de 01-01-2016 a 31-12-2016 e 01-01-2017 a 31-01-2017 deverá ser aplicado o coeficiente de 0,35 aplicável aos rendimentos da categoria B, nos termos previstos no artigo 31.º, n.º 2, alínea c), do Código do IRS.

1.17.4. Sendo patente que as liquidações em causa são ilegais por violação do disposto nos artigos 31.º e 151.º do Código do IRS.

1.17.5. Além disso, constituem uma ostensiva e intolerável violação do princípio da boa- fé e da proteção confiança criada aos requerentes.

1.17.6. Consequentemente, terão os requerentes direito a ver reembolsado os montantes pagos indevidamente e têm ainda os requerentes direito a receber juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e artigo 61.º do CPPT, calculados desde a data do pagamento até ao reembolso dos montantes indevidamente pagos.

1.18. A posição da Requerida, expressa na resposta, pode ser sintetizada no seguinte:

1.18.1. Em termos substantivos, devido à forma autónoma como é exercida, as funções de administrador judicial enquadram-se, em termos de incidência real de IRS, no artigo 3.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, cabendo na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, na atividade de administradores de bens, código 1310.

1.18.2. Assim, o que se verifica é que, ao contrário do preconizado pelo Requerente a atividade que este exerce é concreta e especificamente a de administração de bens do devedor ou do insolvente, singular ou coletivo e garantir o pagamento aos credores, pelo que a atividade que exerce como administrador judicial tem inequívoca e clara correspondência na tabela anexa ao artigo 151.º do Código do IRS, no código CIRS - Administrador de bens – Código 1310.

1.18.3. Consequentemente, deve ser aplicado o coeficiente 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º, nos termos da alínea b) do artigo 31.º do Código do IRS.

1.18.4. A atuação da AT baseou-se no estrito cumprimento dos princípios fiscais e constitucionais legalmente consagrados, tendo, em sede de procedimento inspetivo cumprido o previsto no artigo 60.º, n.º 1, alínea e), da LGT, notificado o Requerente para se pronunciar, sendo que, este o não fez. Para além de que, foi rigorosamente cumprido o estipulado no princípio da participação, prazo de caducidade e todo o âmbito do procedimento inspetivo.

1.18.5. Donde se conclui a não existência de qualquer violação da confiança e da boa-fé por parte da AT.

1.18.6. O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, derivado da anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse facto está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Tributária. O erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais. Uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

1.19. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

2. MATÉRIA DE FACTO

2.1. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A)           O Requerente, desde 29-09-2003, estava coletado, para efeitos de IRS, na categoria B (Regime Simplificado) - CAE Principal 6010 – Advogados, e, desde 01-02-2008, para efeitos de IVA no regime normal trimestral (vd., Informação n.º 431/19, de 04-04-2019, da Direção de Serviços do IRS, pp. 4, in 1ª Parte do Processo Administrativo e fls. 17 da 2ª Parte do Processo Administrativo);

 

B)           O Requerente entregou, em 02-03-2017, uma Declaração de Alteração de Atividade, no Serviço de Finanças ...  (cod. 0094), para exercer como atividade principal Administrador Judicial e registou-se no CAE 1519 (vd., Quadro 8 da Declaração de Alteração de Atividade constante do Documento n.º 5 anexo ao Pedido de Pronuncia Arbitral);

 

C)           Na Declaração de Alteração de Atividade, identificada na alínea anterior, o Requerente escreveu no Quadro 40 (Observações) o seguinte: “Esta Alteração deverá ter efeitos retroativos a 04/06/2015, tendo em conta que desde então é a única profissão (atividade) desenvolvida.” (vd., Documento n.º 5 anexo ao Pedido de Pronuncia Arbitral);

 

D)           Em 02-03-2017, o Requerente pagou a coima no montante de € 75,00 por entrega fora do prazo legal da Declaração de Alteração de Atividade, identificada na alínea B), no âmbito do processo n.º ...2017... (vd., Documento n.º 6 anexo ao Pedido de Pronuncia Arbitral);

E)            O Requerente, em 24-05-2017, procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS (n.º...) referente ao ano de 2016 tendo declarado como auferidos no Anexo B, rendimentos da Categoria B no valor de 63.135,59€, dos quais 7.001,59€ inscritos no campo 403 do Quadro 4A e 56.134,00€ inscritos no campo 404 do Quadro 4A. Para a determinação do rendimento tributável aos 56.134,00€ foi aplicado o coeficiente de 0,35 (vd., Informação n.º 431/19, de 04-04-2019, da Direção de Serviços do IRS, pp. 4, in 1ª Parte do Processo Administrativo e Documento n.º 7 anexo ao Pedido de Pronuncia Arbitral);

F)            Relativamente à Declaração de Rendimentos, identificada na alínea anterior, resultou a liquidação n.º 2017..., de 26-05-2017, com um valor de imposto a reembolsar de 11.942,26€ (vd., Informação n.º 431/19, de 04-04-2019, da Direção de Serviços do IRS, pp. 5, in 1ª Parte do Processo Administrativo);

G)           A Direção de Finanças de ..., em 26-02-2018, com base nas Ordens de Serviço n.ºs OI2018..., OI2018..., OI2018... realizou uma ação inspetiva externa, com a finalidade de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações do sujeito passivo e demais obrigados tributários relativamente aos anos fiscais de 2014, 2015 e 2016 (vd., 4ª Parte do Processo Administrativo);

H)           O Relatório de Inspeção relativamente ao ano de 2016 afirma o seguinte: “(…) os rendimentos auferidos pelo Dr. A... no âmbito da sua atividade de administrador de insolvência deveriam ter sido declarados no campo 403 do Anexo B da declaração modelo 3 de IRS campo a utilizar para as prestações de  serviços previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS às quais é aplicável o coeficiente 0,75. Assim, relativamente ao ano de 2016 apura-se uma correção ao rendimento tributável do Dr. A... no montante de € 22.453,60, determinado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS relativo às prestações de serviços no âmbito da atividade de administrador de insolvência, declaradas no campo 404 do Anexo B que deveriam ter sido declaradas no campo 403 do Anexo B.” (vd., Relatório Final de Inspeção Tributária, pp. 14, in 4ª Parte do Processo Administrativo);

I)             A Direção de Finanças de ..., através do ofício n.º..., de 16-07-2018, notificou o Requerente do projeto de relatório de Inspeção Tributária, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 60.º da LGT e no artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) para no prazo de 15 dias exercer o direito de audição prévia (vd., 3ª Parte do Processo Administrativo, fls. 87);

J)            O Requerente não exerceu o seu direito de audição prévia relativamente ao projeto do Relatório de Inspeção notificado nos termos da alínea anterior, tendo a AT mantido a posição vertida no Relatório Final de Inspeção (vd., Relatório Final de Inspeção, pp. 17, in 4ª Parte do Processo Administrativo);

K)           Na sequência do Relatório Final de Inspeção, notificado ao Requerente através do Ofício n.º..., de 08-10-2018, a AT elaborou: (i) boletim de alteração oficiosa de atividade passando o Requerente a estar coletado como CAE Secundário, no código de atividade 1310 – Administrador de Bens com efeitos reportados a 04-06-2015; (ii) declaração oficiosa modelo 3 de IRS n.º..., referente ao ano de 2016, inscrevendo no Anexo B campo 403 do Quadro 4A o valor total de 72.560,41€ (63.135,59€ +9.424,82); (iii) liquidação n.º 2018... de 07-09-2018, com um valor a reembolsar de 1.221,17€; (iv) acerto de contas da qual resultou a nota de cobrança n.º 2018... no valor de 10.721,09€, no qual se incluem os juros compensatórios por recebimento indevido no valor do 491,04€ (vd., Informação n.º 431/19, de 04-04-2019, da Direção de Serviços do IRS, pp. 6 e Documentos n.º 1 e 7 anexos ao Pedido de Pronuncia Arbitral);

L)            O requerente liquidou, em 01-12-2018 o montante de 10.721,09€ constante (iv) da alínea anterior (vd., Documento n.º 3 anexo ao Pedido de Pronuncia Arbitral);

M)          O Requerente, em 31-05-2018, procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS (n.º...) referente ao ano de 2017 tendo declarado como auferidos no Anexo B, rendimentos da Categoria B no valor de 96.501,18€, dos quais 204,00€ inscritos no campo 403 do Quadro 4A e 96.297,18€ inscritos no campo 404 do Quadro 4A. Para a determinação do rendimento tributável aos 204,00€ foi aplicado o coeficiente 0,75 e aos 96.297,18€ foi aplicado o coeficiente de 0,35 (vd., Informação n.º 431/19, de 04-04-2019, da Direção de Serviços do IRS, pp. 7, in 1ª Parte do Processo Administrativo);

N)           Relativamente à Declaração de Rendimentos, identificada na alínea anterior, resultou a liquidação n.º 2018..., de 02-06-2018, com um valor de imposto a reembolsar de 8.711,27€ (vd., Informação n.º 431/19, de 04-04-2019, da Direção de Serviços do IRS, pp. 7, in 1ª Parte do Processo Administrativo);

O)           O Requerente foi notificado, em 08-06-2018, pela AT de que a sua declaração de rendimentos referente ao ano de 2017 foi selecionada para análise devido à: “Necessidade de comprovação das contribuições obrigatórias dos rendimentos empresariais/profissionais ou de seguros de profissões de desgaste rápido associado” (vd., Documentos n.ºs 9 e 10 anexos ao Pedido de Pronuncia Arbitral).

P)           A Direção de Finanças de..., em 29-08-2018, com base na Ordem de Serviço n.º OI2018... realizou uma ação inspetiva interna, com a finalidade de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações do sujeito passivo e demais obrigados tributários relativamente ao ano fiscal de 2017, (vd., Informação n.º 431/19, de 04-04-2019, da Direção de Serviços do IRS, pp. 7 e 2ª Parte do Processo Administrativo);

Q)           O Relatório de Inspeção relativamente ao ano de 2017 afirma o seguinte: “(…) os rendimentos auferidos pelo Dr. A... no âmbito da sua atividade de administrador de insolvência deveriam ter sido declarados no campo 403 do Anexo B da declaração modelo 3 de IRS campo a utilizar para as prestações de  serviços previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS às quais é aplicável o coeficiente 0,75. Assim, relativamente ao ano de 2017 apura-se uma correção ao rendimento tributável do Dr. A... no montante de € 38.518,87, determinado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS relativo às prestações de serviços no âmbito da atividade de administrador de insolvência, declaradas no campo 404 do Anexo B que deveriam ter sido declaradas no campo 403 do Anexo B.”(vd., Relatório Final de Inspeção Tributária, pp. 14, in 2ª Parte do Processo Administrativo);

R)           A Direção de Finanças de ..., através do ofício n.º..., de 09-10-2018, notificou o Requerente do projeto de relatório de Inspeção Tributária, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 60.º da LGT e no artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) para no prazo de 15 dias exercer o direito de audição prévia (vd., 2ª Parte do Processo Administrativo fls. 25);

S)            O Requerente não exerceu o seu direito de audição prévia relativamente ao projeto do Relatório de Inspeção notificado nos termos da alínea anterior, tendo a AT mantido a posição vertida no Relatório Final de Inspeção (vd., Relatório Final de Inspeção Tributária, pp. 7, in 2ª Parte do Processo Administrativo);

T)            Na sequência do Relatório Final de Inspeção, notificado ao Requerente através do Ofício n.º..., de 13-11-2018, a AT elaborou: (i) declaração oficiosa modelo 3 de IRS n.º ... referente ao ano de 2017 inscrevendo no Anexo B campo 403 do Quadro 4A o valor total de 96.501,18€; (ii) liquidação n.º 2019..., de 18-01-2019, com um valor a pagar de 5.521,84€; (iii) acerto de contas com a liquidação anterior da qual resultou a nota de cobrança n.º ... no valor de 14.233,11€ no qual se incluem os juros compensatórios por recebimento indevido no valor de 212,78€ (vd., Documentos n.º 2 e 8 anexos ao Pedido de Pronuncia Arbitral);

U)           O requerente liquidou, em 04-03-2019 o montante de 14.233,11€, constante (iv) da alínea anterior (vd., Documento n.º 4 anexo ao Pedido de Pronuncia Arbitral);

 

2.2. Factos dados como não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

2.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.

Quanto à matéria de facto dada como provada a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação da prova documental junta aos autos, cuja autenticidade não foi colocada em causa.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

3. MATÉRIA DE DIREITO

3.1. A questão principal a decidir nos presentes autos arbitrais consiste em saber se, de acordo com a tabela prevista no artigo 151.º do Código do IRS, a atividade de administrador judicial exercida pelo Requerente, nos anos de 2016 e 2017, deve ser classificada, no Código 1310 - Administrador de bens ou no Código 1519 - Outros prestadores de serviços.

Cumpre apreciar.

3.2. O administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização e do processo especial para acordo de pagamento, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, (Estatuto do Administrador Judicial). De acordo com o disposto no n.º 2 do mesmo artigo o administrador judicial designa-se administrador judicial provisório, administrador da insolvência ou fiduciário, dependendo das funções que exerce no processo.

As competências do administrador judicial provisório estão definidas no artigo 33.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março), nos seguintes termos:  

“1 - O administrador judicial provisório a quem forem atribuídos poderes exclusivos de administração do património do devedor deve providenciar pela manutenção e preservação desse património, e pela continuidade da exploração da empresa, salvo se considerar que a suspensão da actividade é mais vantajosa para os interesses dos credores e tal medida for autorizada pelo juiz.

2 - O juiz fixa os deveres e as competências do administrador judicial provisório encarregado apenas de assistir o devedor na administração do seu património, devendo:

 a) Especificar os actos que não podem ser praticados pelo devedor sem a aprovação do administrador judicial provisório; ou

b) Indicar serem eles genericamente todos os que envolvam a alienação ou a oneração de quaisquer bens ou a assunção de novas responsabilidades que não sejam indispensáveis à gestão corrente da empresa.” (sublinhado nosso)

 

Ao administrador da insolvência, nos termos do artigo 55.º Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, compete:

“1 - Além das demais tarefas que lhe são cometidas, cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir:

a) Preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram;

b) Prover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica.” (sublinhado nosso)

 

Na insolvência das pessoas singulares as funções do fiduciário, definidas no artigo 241.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, têm o seguinte teor:

“1 - O fiduciário notifica a cessão dos rendimentos do devedor àqueles de quem ele tenha direito a havê-los, e afecta os montantes recebidos, no final de cada ano em que dure a cessão:

a) Ao pagamento das custas do processo de insolvência ainda em dívida;

b) Ao reembolso ao organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do próprio fiduciário que por aquele tenham sido suportadas;

c) Ao pagamento da sua própria remuneração já vencida e despesas efectuadas;

d) À distribuição do remanescente pelos credores da insolvência, nos termos prescritos para o pagamento aos credores no processo de insolvência.” (sublinhado nosso)

Importa acrescentar que, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, a massa insolvente destina-se á satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo. Assim, a massa insolvente é o conjunto de bens atuais e futuros do devedor os quais a partir da declaração de insolvência formam um património separado, adstrito à satisfação dos interesses dos credores (Vd., Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6.ª ed., 2014, Almedina, pp. 256).

O artigo 81.º, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas tem por epígrafe “Transferência dos poderes de administração e disposição” e o n.º 1 afirma “(…) a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.” (sublinhado nosso). Assim, por mero efeito da declaração de insolvência o devedor fica privado dos seus poderes de administração dos bens integrantes da massa insolvente e os poderes de administração da massa insolvente passam a competir ao administrador da insolvência com a cooperação da comissão de credores.

Em suma, o administrador da insolvência assume o controlo da massa insolvente, procede à sua administração e liquidação e, finalmente, reparte o respetivo produto final pelos credores. Havendo declaração da insolvência, em regra, passa a competir ao administrador da insolvência o poder de administrar os bens integrantes da massa insolvente.

3.3. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS a determinação do rendimento tributável, no âmbito do regime simplificado, obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.

De acordo com o disposto no referido artigo 151.º as atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística , ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

3.4. A tabela de atividades prevista no artigo 151.º do Código do IRS foi aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 2 de agosto.

Os diversos parágrafos da tabela agrupam, de forma sistematizada, os códigos correspondentes às atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS. Atendendo ao âmbito de incidência real do IRS verifica-se a existência de uma multiplicidade de atividades exercidas pelos sujeitos passivos deste imposto, consequentemente numa tabela deste tipo o legislador optou pela definição das atividades em sentido amplo .

A referida tabela no parágrafo 13 - Outras pessoas exercendo profissões liberais, técnicos e assimilados - inclui o código 1310 Administradores de bens.

O último parágrafo com carater residual, 15 - Outras actividades exclusivamente de prestação de serviços, inclui o código 1519 Outros prestadores de serviços.

Aos rendimentos provenientes do código 1310 Administradores de bens aplica-se o coeficiente 0,75 a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS.

Relativamente aos rendimentos provenientes do código 1519 Outros prestadores de serviços, a AT aplica o coeficiente 0,35 a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS, de acordo com o entendimento constante do ponto n.º 5 da Circular n.º 2/2016, de 2016/05/06.

3.5. Atendendo ao exposto no n.º anterior, a designação de Administrador de bens, constante da tabela supra identificada, deve ser entendida num sentido amplo, ou seja, refere-se à pessoa encarregada de gerir um património, praticando, portanto, os atos necessários à sua conservação e desenvolvimento . Assim, o Administrador de bens pratica os atos necessários à gestão normal de um património, conservando o seu valor e fazendo-o frutificar .

3.6. Efetivamente, na tabela de atividades prevista no artigo 151.º do Código do IRS não consta um código que se refira expressamente ao Administrador Judicial, mas daí não resulta necessariamente que este não possa estar incluído no código 1310 Administradores de bens, porque o elemento literal não é o único a ter em consideração no âmbito da tarefa interpretativa .

Sem prejuízo da especificidade do seu estatuto, o Administrador Judicial ao ter como função essencial administrar os bens do insolvente e garantir os pagamentos aos credores (vd., n.º 3.2. supra) enquadra-se na designação de Administrador de bens constante do código 1310 da tabela de atividades prevista no artigo 151.º do Código do IRS ao qual se aplica o coeficiente 0,75, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS.

Atendendo ao exposto, improcede o alegado pelo Requerente relativamente à errónea qualificação, por parte da AT, da sua atividade de Administrador Judicial para efeitos de categoria B do Código do IRS.

 

3.7. O Requerente alega também a violação do princípio da confiança e da boa-fé, porque a AT aceitou a alteração da atividade do Requerente (vd., alíneas B) e D) do n.º 2.1. supra), e validou as declarações de IRS de 2016 e 2017 (vd., alíneas E) e M) do n.º 2.1. supra), mas posteriormente a AT efetuou as correções oficiosas que deram origem às liquidações ora impugnadas (vd., alíneas K) e T) do n.º 2.1. supra). 

Verifica-se que as liquidações em causa nos presentes autos arbitrais resultaram de procedimentos inspetivos efetuados de acordo com o disposto lei, nomeadamente nas normas constantes no Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, tendo sido assegurado ao Requerente o direito de audição prévia, previsto no artigo 60.º da LGT (vd., alíneas I) e R) do n.º 2.1. supra).

Deste modo e face ao exposto, julga-se ser de improceder, neste ponto, o alegado pelo Requerente.

3.8. O Requerente solicita também que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.

A condição necessária para a atribuição dos juros indemnizatórios consiste na demonstração da existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da Administração Fiscal.

Tendo este Tribunal concluído que os atos tributários contestados não enfermam de qualquer vício, consequentemente, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não tem o Requerente direito a juros indemnizatórios.

4. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência, absolver a Requerida do pedido, com as devidas consequências legais.

 

5. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 25.173,37 (vinte cinco mil cento e setenta e três euros e trinta e sete cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 6. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 31 de outubro de 2019.

 

 

O Árbitro

 

Olívio Mota Amador