Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 143/2020-T
Data da decisão: 2020-12-03  IVA  
Valor do pedido: € 37.945,81
Tema: IVA – Gasóleo – Limitação do direito à dedução – Compatibilidade com o direito comunitário – Norma anti-abuso.
Versão em PDF

Sumário

1. A limitação do direito à dedução do IVA contido na aquisição de gasóleo constante do artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, é compatível com o direito comunitário, conforme autorizada nos termos do artigo 17.º, n.º 6, da Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/05/1977, e artigo 395.º, conjugado com o Anexo XXXVI do Tratado de Adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa às Comunidades Europeias.

2. Essa limitação do direito de dedução mantém-se ainda que o sujeito passivo demonstre que essas despesas foram efetuadas para os fins das suas operações tributadas.

 

Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

I. Relatório

 

1. A..., UNIPESSOAL, LIMITADA, pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... Maia, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 04-03-2020, visa a declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 2019..., de 12-11-2019, referente ao primeiro trimestre de 2019, no montante a reembolsar de € 137.875,48, na parte em que espelha as correções efetuadas pela Autoridade Tributária em sede de IVA referentes aos períodos de tributação de 2016, 2017, 2018 e primeiro trimestre de 2019, no montante global de € 37.945,81, na sequência do procedimento de inspeção tributária desenvolvido a coberto das ordens de serviço n.ºs OI2019..., OI2019..., OI2019... e OI2019... .

 

3. Na medida da procedência do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente solicita também a devolução do imposto que considera indevidamente cobrado acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais

 

4. No âmbito do regime de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a Requerente pede, ainda, que o Tribunal:

a) Convide a Requerente a pronunciar-se sobre as questões concretas a submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia;

b) Suspenda a presente instância até à prolação de decisão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

5. Como fundamento do pedido que formula, argumenta a Requerente, em síntese, que a norma em que se suporta a liquidação impugnada – artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA - viola o regime comunitário do IVA em matéria do direito à dedução constante das normas aos artigos 176.º, 177.º e 395.º da Diretiva 2006/112/CE (Diretiva IVA), bem como os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade. Alega, ainda, que o citado preceito, limitativo do direito à dedução, presume implicitamente uma aquisição de combustível afeto a uma atividade de índole particular não admitindo prova em contrário, o que configura uma inadmissível presunção jure et jure.

 

6. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) juntou o processo administrativo, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, alegando, no essencial, ter o ato impugnado sido efetuado de acordo com o direito nacional e comunitário, pelo que o mesmo não enferma de qualquer vício, devendo, consequentemente, manter-se na Ordem Jurídica.

 

7. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

8. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

9. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as Partes.

 

10. Devidamente notificadas dessa designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

11. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 05-08-2020.

 

12. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, designadamente do processo administrativo, que se julga suficiente para a decisão, e considerando que o pedido se centra, essencialmente, em matéria de direito, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a inquirição de testemunhas e junção de alegações.

 

II. Saneamento

 

13. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

14. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

III. Matéria de facto

 

15. Com base nos documentos que integram o presente processo, destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

15.1. A Requerente é uma sociedade comercial com sede e direção efetiva em território nacional, cujo objeto social, enquadrável nos CAE 79110 («Atividades das Agências de Viagem») e 49320 («Transporte Ocasional de Passageiros em Veículos Ligeiros»), consiste na prossecução das seguintes atividades: «Agência de viagens e turismo e, ainda, as atividades de marketing e de promoção de serviços para convenções e visitas, disponibilizando informações e assistência a organizações sobre alojamento, centros e convenções e lugares de entretenimento; guias turísticos e outras atividades de reserva, associadas às viagens (inclui transporte, hotel, restaurantes, aluguer de veículos, entretenimento e desporto) e outros eventos recreativos e de entretenimento; exercício da atividade de transporte rodoviário de passageiros em veículos pesados, seja em serviços concessionados, seja em serviços ocasionais, serviços regulares especializados, serviços flexíveis, incluindo transporte coletivo de crianças; exercício da atividade de aluguer de veículos de passageiros com e sem condutor; exercício da atividade de transporte não urgente de doentes; exercício da atividade de animação turística, designadamente, atividades lúdicas de natureza recreativa, desportiva ou cultural.”

 

15.2. Para efeitos de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral desde 30-11-2012, realizando operações que conferem direito a dedução.

 

15.3. Ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2019..., OI2019..., OI2019..., OI2019..., de 21-05-2019 e 24-07-2019, a Requerente foi destinatária de ação de inspeção externa, de âmbito parcial, que teve por objeto a verificação da sua situação tributária em sede de IVA relativamente aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019.

 

15. 4. A referida ação inspetiva, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças do Porto, foi iniciada em 11-06-2019, a primeira, e 13-08-2019, as restantes, dirigindo-se, essencialmente, à verificação da legitimidade de crédito de imposto acumulado, no âmbito de um pedido de reembolso formalizado no período 2019/3T.

 

15.5. Relativamente às deduções efetuadas pelo sujeito passivo nos períodos a que se reporta o pedido de reembolso, foram propostas correções técnicas que, no segmento que constitui o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, respeitam à dedução do IVA relativo à aquisição de combustível (gasóleo), totalizando a importância de € 37 945,81.

 

15.6. A proposta de correção das deduções e respetiva quantificação encontra-se fundamentada no Ponto III, do projeto de relatório de inspeção nos seguintes termos:

“III. IVA INDEVIDAMENTE DEDUZIDO.

Combustíveis

No âmbito da atividade de transporte privado de passageiros efetua o SP o “transfer” dos seus clientes do hotel/aeroporto para diversos locais, incluindo passeios turísticos efectuados em viaturas de turismo e pesadas de passageiros afetas exclusivamente à sua atividade.

De harmonia com a alínea b) do n.º 1 do artigo 21.º, exclui-se do direito à dedução o imposto contido nas despesas relacionadas com a utilização de viaturas de turismo, relativas a “combustíveis normalmente utilizados em viaturas automóveis, com exceção das aquisições de gasóleo, de gases de petróleo liquefeitos (GPL), gás natural e biocombustíveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50%, a menos que se trate de bens a seguir mencionados, caso em que o imposto relativo aos consumos de gasóleo, GPL, gás natural e biocombustíveis é totalmente dedutível a veículos pesados de passageiros.

Tendo por base os gastos reconhecidos na rubrica 6242 – Combustíveis (Anexo 1) foi efetuada a análise das viaturas que se enquadram no exposto e corrigidas as situações inerentes a consumos que não cumpram o pressuposto para a dedução a 100%, dado que por regra considerou o SP a dedutibilidade do imposto na íntegra independentemente da tipologia do veículo.

Notar que o SP referiu o enquadramento dos serviços prestados na exceção prevista na subalínea ii) da alínea b) do n.º 1, do artigo 21.º do CIVA, isto é, que os combustíveis eram utilizados em “veículos licenciados para transportes públicos”. Diversas “Fichas Doutrinárias”, na sequência de pedidos de “Informação Vinculativa”, se têm pronunciado quanto à dedutibilidade do imposto inerente aos gastos com veículos ligeiros de passageiros (até 9 lugares) aqui se incluindo a utilização de veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (Ex....), cujo regime jurídico se encontra regulado pela Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto. De uma forma transversal resulta das mesmas que a dedutibilidade a 100% do imposto contido nos gastos com combustíveis (gasóleo) apenas se aplica a viaturas que se encontrem licenciadas para transporte públicos (situação que não se verifica no caso do SP). Refira-se que, em termos comparativos, o Decreto-Lei n.º 251/98,de 11 de Agosto, relativo ao acesso à atividade de transportes em táxi, prevê expressamente no seu artigo 12.º a obrigatoriedade de licenciamento dos veículos, o que não acontece na Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto, a qual apenas prevê, nos seus artigos 3.º e 17.º, o licenciamento de atividades e não de veículos (a obrigatoriedade de licenciamento da atividade também se encontra prevista no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 251/98, de 11 de agosto, mas existe cumulativamente a obrigatoriedade de licenciamento dos veículos, prevista, como se referiu, no seu artigo 12.º). Portanto, não se confirma que as viaturas utilizadas pelo sujeito passivo na sua atividade sejam “Veículos licenciados para transporte públicos”, não beneficiando, assim, do disposto na subalínea ii), da alínea b) do n.º 1, do artigo 21.º do CIVA.

Resultou da análise em apreço o desdobramento do gasto contabilizado em duas parcelas: a relativa a viaturas pesadas de passageiros cujo imposto seria dedutível a 100% e a relativa a viaturas de turismo cujo imposto seria dedutível apenas em 50%. O imposto dedutível inicialmente a 100% foi decomposto de acordo com as premissas já citadas, resultando da análise exposta o apuramento de imposto indevidamente deduzido de acordo com o evidenciado nas tabelas infra, por período de imposto:

 

15.7. Notificada do projecto de relatório da inspeção tributária, através do ofício n.º 2019..., de 07-10-2019, da Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, a Requerente exerceu o direito de audição, alegando, nesta sede, que, muito embora concorde com algumas correções propostas – IVA liquidado na prestação de serviços de transporte de passageiros em território nacional, IVA liquidado na prestação de serviços de cedência de motoristas e IVA deduzido relativamente a alojamento de motoristas - “… não pode a Requerente deixar de discordar relativamente à proposta de correção do IVA deduzido, na percentagem de 100%, na aquisição de combustíveis para utilizar em viaturas de turismo. De facto, de acordo com o entendimento referido pela própria AT na ficha doutrinária, processo n.º..., “no caso de considerar que a viatura ligeira constitui objeto de atividade negocial do sujeito passivo, à dedutibilidade do IVA relativo às despesas com as portagens, é dado o mesmo tratamento que é seguido para o IVA das viaturas a que respeitam, sendo dedutível”. No caso da A..., as referidas viaturas de turismo estão afetas à atividade tributada do sujeito passivo, sendo utilizadas na prestação de serviços de “transfer” dos seus clientes do hotel ou aeroporto para diversos locais. Conforme resulta do entendimento da AT, à Requerente é conferido o direito à dedução do IVA incorrido em despesas relacionadas com viaturas de turismo e portagens. Ora, sendo o IVA incorrido em despesas relacionadas com as viaturas e portagens dedutível, não poderá ser dado enquadramento diferente à aquisição de combustíveis» (Doc. 8).

 

15.8. Através do ofício n.º 2019..., de 15-11-2019, da Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, foi a Requerente notificada do relatório da inspeção tributária o qual, no que respeita à dedução do IVA relativo à aquição de combustrível, manteve o entendimento já anteriormente expresso no projecto de relatório nos seguintes termos: “De harmonia com a alínea b) do n.º 1 do artigo 21.º, exclui-se do direito à dedução o imposto contido nas despesas relacionadas com a utilização de viaturas de turismo relativas a “combustíveis normalmente utilizáveis em viaturas automóveis, com exceção das aquisições de gasóleo [...] cujo imposto é dedutível na proporção de 50%, a menos que se trate dos bens a seguir indicados, caso em que o imposto relativo aos consumos de gasóleo [...] é totalmente dedutível: i) veículos pesados de passageiros...”. Assim, não obstante a alínea a) do n.º 2 do artigo 21.º do CIVA permitir a dedução do IVA nas “despesas mencionadas na alínea a) do número anterior, quando respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objeto de atividade do sujeito passivo”, na parte final da norma prevê-se “sem prejuízo do disposto na alínea b) do mesmo número, relativamente a combustíveis que não sejam adquiridos para revenda...”, estando portanto os combustíveis expressamente excluídos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 21.º do CIVA. Por outro lado, pese embora o sujeito passivo remeta para entendimento administrativo relativo à dedutibilidade de IVA contido nas despesas com portagens, constante em ficha doutrinária relativa ao Processo n.º 3, foi referido no Capítulo III que diversas “Fichas Doutrinárias”, na sequência de pedidos de “Informação Vinculativa”, se têm pronunciado quanto à dedutibilidade do imposto inerente aos gastos com veículos ligeiros de passageiros (até 9 lugares), aqui se incluindo a utilização de veículos descaraterizados a partir de plataforma eletrónica (ex:...), cujo regime jurídico se encontra regulado na Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto, das quais resulta, de uma forma transversal, que a dedutibilidade a 100% do imposto contido nos gastos com combustíveis (gasóleo) apenas se aplica a viaturas que se encontrem licenciadas para transportes públicos (situação que não se verifica no caso do SP). Face ao exposto, a correção técnica relativa a IVA dedutível com combustíveis será de manter, perfazendo a mesma: [...] EUR 37.945,81» – (Docs.9 e 10).

 

15.9. Em 06-12-2019 foi a Requerente notificada da liquidação de IVA n.º 2019..., de 12-11-2019, referente ao primeiro trimestre de 2019, no montante a reembolsar de € 137 875,48, nesta importância se refletindo as correções operadas pela Administração Tributária relativas aos períodos de tributação de 2016, 2017, 2018 e primeiro trimestre de 2019, no montante global de € 37 945,81 (Doc.1)

 

16. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV. Matéria de direito

 

17. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente submete à apreciação deste Tribunal a legalidade dos atos de liquidação de IVA, relativos aos períodos trimestrais de tributação de 2016, 2017, 2018 e 2019, identificados na petição e documentos anexos, invocando, no essencial:

 

a) A desconformidade com o direito comunitário e princípios da neutralidade e proporcionalidade que o enformam, das normas do artigo 21.º do Código do IVA limitativas do direito à dedução;

 

b) A desconformidade do regime ínsito no artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, com o disposto no artigo 73.º, da Lei Geral Tributária, por consubstanciar uma presunção inilidível.

 

18. A par da declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial dos atos impugnados, a Requerente solicita ainda que o tribunal declare o direito a juros indemnizatórios, contados nos termos legais,

 

19. Embora considere desnecessário o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (Tribunal de Justiça - TJUE), no tocante à conformidade das normas do artigo 21.º do CIVA com as disposições da Diretiva IVA e violação dos princípios da neutralidade e proporcionalidade, a Requerente solicita que, caso o Tribunal considere insuficiente a interpretação firmada pelo Tribunal de Justiça considere necessário o reenvio prejudicial, seja convidada a pronunciar-se sobre as questões concretas a submeter àquele Tribunal, suspendendo-se, entretanto, a instância.

 

20. Pronunciando-se sobre o pedido formulado sustenta a Requerida que as correções que se encontram na base da liquidação impugnada resultam do facto de ter sido apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária que não se verificavam os pressupostos relativos ao exercício do direito à dedução de acordo com as normas de direito nacional e comunitário.

 

21. Das posições em confronto decorre, com meridiana clareza, que a questão a dirimir é essencialmente de direito, centrando-se, desde logo, na eventual desconformidade com o direito comunitário das normas limitativas do direito à dedução constantes do artigo 21.º do Código do IVA.

 

22. Invocando decisões do Tribunal de Justiça, posições doutrinais relativas ao direito à dedução no regime comunitário do IVA e condições do seu exercício, considera a Requerente que o legislador português, ao estabelecer no Código do IVA, as limitações deste direito o fez em violação do disposto no artigo 17.º, n.º 6, da Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, em vigor à data de adesão do Estado Português à então CEE, colocando o cerne da questão nos seguintes termos:

“C.2. DA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO, À LUZ DAS SEXTA DIRETIVA E DIRETIVA IVA - Da Ilegalidade da Liquidação de Imposto, à luz da Preterição da Cláusula de Standstill prevista nos artigos 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, e 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.

51.º Nos termos do então artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Diretiva: «O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente diretiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados-membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respetiva no momento da entrada em vigor da presente diretiva» [sublinhado nosso].

52.º Em conformidade, o atual artigo 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, dispõe: «O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-membros podem manter todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respetiva adesão» [sublinhado nosso].

53.º No que respeita à identidade dos regimes subjacentes aos artigos 17.º, n.º 6, da Sexta Diretiva e 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, o Tribunal de Justiça da União Europeia assinala: 18 «Dado que a questão submetida evoca simultaneamente o artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Diretiva e o artigo 176.º da Diretiva 2006/112, importa salientar, a título preliminar, que estas duas disposições são, no essencial, idênticas» [sublinhado e realce nossos] – cfr. Acórdão Oasis East (Processo n.º C-395/09).

54.º Enfatizando, a título adicional, o seguinte: «O artigo 176.º da Diretiva 2006/112 não pode dar lugar a uma interpretação diferente, quanto ao alcance das exclusões consideradas, consoante o Estado-membro em causa tenha aderido à União antes de 1 de janeiro de 1979 ou posteriormente a esta data. Nestas condições, a inclusão deste artigo 176.º não teve incidência na jurisprudência relativa à interpretação do artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Diretiva» [sublinhado nosso] – cfr. Acórdão Oasis East (Processo n.º C-395/09).

55.º Aos preceitos em apreço subjaz uma cláusula de standstill, a qual, procurando salvaguardar situações pretéritas de direito interno – isto é, regimes domésticos anteriores à adesão à União Europeia (anteriores Comunidade Económica Europeia e Comunidade Europeia) - , confere aos Estados-membros a possibilidade de exclusão de certas despesas do direito à dedução do imposto.

56.º Com efeito, não tendo até à presente data o Conselho determinado o elenco «[d]as despesas que não conferem direito à dedução do IVA», os Estados-membros estão autorizados, a coberto da cláusula de standstill, à manutenção de todas as exclusões previstas na sua legislação nacional a 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-membros que aderiram à União Europeia (anteriores e sucessivas Comunidade Económica Europeia e Comunidade Europeia) após essa data, no momento da respetiva adesão – isto é, no momento em que assumiram o compromisso de regência pela bitóla europeia, designadamente pelas normas (quer primárias quer secundárias) de direito europeu.

57.º Na situação sub judice, o Estado português aderiu à então Comunidade Económica Europeia a 1 de janeiro de 1986, tendo assinado o correspondente tratado a 12 de junho de 1985.

58.º A 1 de janeiro de 1986 entrou em vigor o CIVA, mediante a produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro (na redação da Lei n.º 42/85, de 22 de agosto), o qual revogou o anterior Código do Imposto de Transações – regime aplicável ao Imposto de Transações (imposto monofásico, referente à fase grossista, incidindo predominantemente sobre transações de bens).

59.º Ora, o Código do Imposto de Transações não previa, nem expressa nem implicitamente, disposição similar ao artigo 21.º do CIVA («Exclusões do direito à dedução»), designadamente ao seu n.º 1, alínea b), pelo que a exclusão do direito à dedução do imposto plasmada neste último preceito não derivou daquela legislação pretérita, tendo tão-somente surgido a 1 de janeiro de 1986 (aquando da adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia e, concomitantemente, no momento da entrada em vigor do CIVA).

60.º Constata-se assim não estarem as situações de exclusão do direito à dedução do IVA previstas no artigo 21.º do CIVA – mormente, no n.º 1, alínea b) [exclusão do direito à dedução de 50% do IVA subjacente às despesas de gasóleo destinadas a viaturas de turismo] – protegidas pela cláusula de standstill plasmada nos artigos 17.º, n.º 6, da Sexta Diretiva e 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.”

 

23. Com referência a esta vertente da sua argumentação, alega a Requerente, em suma que “a cláusula de standstill prevista nos artigos 17.º, n.º 6, da Sexta Diretiva e 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA não legitima as exclusões do direito à dedução do imposto previstas no artigo 21.º, n.º 1, do CIVA, uma vez que a legislação atinente ao Imposto de Transações não as contemplava. Salvo disposição em sentido contrário plasmada nas referidas diretivas, quaisquer despesas suportadas por sujeito passivo de IVA – in casu, a Requerente – só podem ser excluídas do direito à dedução mediante deliberação unânime do Conselho, sob proposta da Comissão, a qual, até à presente data, ainda não teve lugar.”

 

24. Alega, ainda, a Requerente que a norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, “…impossibilitando a dedução de 50% do imposto suportado com a aquisição de gasóleo destinado ao consumo de viaturas de turismo, presume implicitamente que a aquisição em referência foi afeta a uma atividade de índole particular, não admitindo a demonstração de que tal assim não sucedeu, o que configura uma inadmissível presunção iure et iure.”

 

25. Segundo a Requerente, a liquidação ora impugnada estaria feriada de ilegalidade por se suportar em norma que viola o princípio consagrado no artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT) de que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”

 

26. Citando abundante doutrina e jurisprudência que, unanimemente, consideram inconstitucionais as presunções fiscais inilidíveis, por contrárias aos princípios da igualdade na repartição dos encargos públicos e da capacidade contributiva, a Requerente pretende, através de documentos e testemunhas que arrola, ilidir a presunção que, em seu entender, se encontra implícita na norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA relativa à utilização para fins particulares das viaturas de turismo e, por conseguinte, a afetação de metade do gasóleo adquirido a fins não empresariais, estranhos à sua atividade.

 

27. Com base na argumentação que em síntese acima exposta, a Requerente solicita ao tribunal arbitral que:

i) Determine a anulação parcial da referida liquidação, no montante de EUR 37.945,81, nos termos do artigo 163.º do CPA, com fundamento na preterição do regime ínsito nos artigos  176.º, segundo parágrafo, 177.º e 395.º da Diretiva IVA (correspondente ao disposto nos artigos 17.º, n. 6, segundo parágrafo, e 7, e 27.º da Sexta Diretiva);

 

ii.) A título adicional, determine a anulação parcial da referida liquidação, no montante de EUR 37.945,81, nos termos do artigo 163.º do CPA, com fundamento na preterição dos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade;

 

iii.) A título adicional, determine a anulação parcial da referida liquidação, no montante de EUR 37.945,81, nos termos do 43 artigo 163.º do CPA, com fundamento na preterição do regime ínsito no artigo 73.º da LGT e, concomitantemente, dos princípios da igualdade na repartição dos encargos públicos e da capacidade contributiva (na ótica do consumo);

 

iv.) Na medida da procedência dos pedidos anteriores, condene a Entidade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, sobre o montante de EUR 37.945,81, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e, bem assim, no pagamento das custas do processo, tudo com as demais consequências legais.

 

28. No caso de se considerar o reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do TFUE, requer ainda ao tribunal arbitral que:

i.) Convide a Requerente a pronunciar-se sobre as questões concretas a submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia; e

ii.) Suspenda a presente instância até à prolação de decisão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

29. Em resposta ao alegado pela Requerente quanto à desconformidade do disposto no artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, com o direito comunitário, a Requerida pronuncia-se no sentido de se não verificar a ilegalidade imputada aos atos ora impugnados, sustentando que: “84 … o artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva contém uma cláusula de «standstill» que prevê a manutenção das exclusões nacionais do direito a dedução do IVA que eram aplicáveis antes da entrada em vigor da Sexta Diretiva pelo Estado-Membro em causa.

85. Essa disposição visa permitir aos Estados-Membros, enquanto aguardam que o Conselho estabeleça o regime comunitário das exclusões do direito a dedução do IVA, manter qualquer regra de direito nacional que exclua esse direito a dedução efetivamente aplicado pelas suas autoridades públicas no momento da entrada em vigor da Sexta Diretiva.”

88. Assim, a cláusula “standstill”, a que alude a Requerente, aplica-se aos Estados Membros que ao tempo da entrada em vigor da Sexta Diretiva possuíam um imposto do tipo IVA.

89. Para os demais, como sucedeu com Portugal, deve entender-se que para o Estado Membro aderente, que por via disso se viu obrigado a introduzir na ordem jurídica interna um novo imposto sobre o valor acrescentado, lhe cabe a competência para regulamentar o CIVA, em conformidade com as Diretivas aplicáveis a esta matéria, introduzindo e respeitando os respetivos princípios estruturantes”.

90. De tudo o exposto logo se verifica que o artigo 21º do CIVA se encontra em conformidade com a Diretiva IVA. 91. Na realidade o facto da legislação portuguesa não conter esta limitação ao tempo da entrada em vigor da Sexta Diretiva, da adesão a Portugal à Comunidade Europeia, está justificado pela natureza do imposto anteriormente em vigor, tratava-se do imposto sobre transações, que não era um imposto do tipo IVA.

 

30. Sobre alegada violação dos princípios da neutralidade e da proporcionalidade, a Requerida emite entendimento no sentido de que a norma em causa em nada prejudica esses princípios, “97… já que não é uma norma geral de limitação do direito à dedução, mas sim específica e em virtude e uma concreta situação, em que pode ocorrer o abuso do direito à dedução como é o caso dos combustíveis que podem ser utilizados para fins empresariais e particulares.”

 

31. Com base na fundamentação que, nas suas linhas essenciais, acima se referiu, a Requerida expressa o entendimento de que se não verificam as ilegalidades alegadas pela Requerente, “uma vez que a Administração Fiscal se pautou pelo cumprimento integral das normas legais aplicáveis ao tempo dos factos, sendo a sua interpretação realizada de acordo com a mens legis e a unidade do sistema jurídico-tributário comunitário e português.” Consequentemente, “… por não se verificarem os pressupostos enunciados no artigo 43º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.”

 

32. Equacionadas, em síntese, as posições das Partes, importa, pois, apurar-se se a Requerente tem direito à dedução de 100% do gasóleo adquirido para utilização em viaturas de turismo, ponderando as questões por ela suscitadas:

- a violação do direito comunitário por utilização indevida da clausula “standstill” admitida no artigo 17.º, n.º 6, da Diretiva 77/388/CEE (Sexta Diretiva IVA) e violação dos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade;

- sobre se a limitação do direito à dedução prevista no artigo 21.º, n.º1, alínea b) configura, ou não, uma presunção legal, ainda que meramente implícita.

 

33. A análise da pretensão da Requerente, implica, antes de mais, uma referência, mesmo que sumária, ao regime das deduções no direito comunitário e, tratando-se de um tributo que se encontra harmonizado no âmbito comunitário, na sua transposição para o direito nacional.

 

34. Cabe salientar, desde logo, que o mecanismo das deduções se configura como elemento estruturante do sistema comum do IVA, instituído pelas Diretivas do Conselho 67/227/CEE, de 14/04/1967 e 77/388/CEE, de 17/05/1977, presentemente vertido na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11/2006 que, numa base consolidada e com adaptações de forma reformulou as anteriores diretivas que entretanto revogou.

 

35. Este princípio, desde logo consagrado no artigo 2.º da Diretiva 67/227/CEE mantém-se inalterado na atual Diretiva 2006/112/CE, nos seguintes termos: “O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.

 

36. Dirigido à tributação do consumo final de bens e de serviços, o cálculo do IVA pelos operadores económicos – sujeitos passivos - efetua-se através do designado método indireto subtrativo, conforme estabelece o 2.º parágrafo do n.º 2 do artigo 1.º da atual Diretiva IVA nos seguintes termos: “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”

 

37. O regime das deduções que enforma o sistema comum do IVA visa, assim, desonerar inteiramente o empresário do imposto que suporte no âmbito de todas as suas atividades económicas desde que estejam estas efetivamente sujeitas a imposto. Como reiteradamente tem vindo a declarar o Tribunal de Justiça: “O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA” 

 

38. Segundo jurisprudência constante daquele Tribunal, o direito à dedução “constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União, pelo que o referido direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado”

 

39. O regime comunitário das deduções encontra-se consagrado na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11/2006 (Diretiva IVA), nomeadamente, nos seus artigos 167.º, 168.º e 178.º, correspondentes aos artigos 17.º e 18.º da anterior Diretiva 77/388/CEE (Sexta Diretiva IVA).

 

40. Nos termos do disposto no artigo 167.º da Diretiva IVA – preceito equivalente ao artigo 17.º, n.º1, da Diretiva 77/388/CEE- o direito à dedução constitui-se no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. Este preceito consta, nos seus exatos termos, do artigo 22.º, n.º 1, do Código do IVA.

 

41. Relativamente à aquisição de bens e serviços, estabelece o artigo 168.º, alínea a), da Diretiva IVA, que, na medida em que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas o sujeito passivo tem direito a deduzir o imposto devido ou pago relativo a esses bens ou serviços. Esta norma corresponde, em idênticos termos, à do artigo 17.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 77/388/CEE e foi transposta para o direito nacional constando do artigo 19.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA.

 

42. No plano formal, a dedução do imposto relativo à aquisição de bens e serviços implica, conforme decorre do artigo 178,º, alínea a), da diretiva IVA, correspondente ao artigo 17.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 77/388/CEE, a posse de uma fatura emitida nos termos legais, isto é, contendo todos os elementos previstos na norma da diretiva relativa à faturação. Transposta para o direito nacional, esta disposição ficou a constar do artigo 19.º, n.º 2, do Código do IVA.

 

43. Embora as normas comunitárias transpostas para o direito nacional consagrem o regime das deduções como princípio fundamental do sistema comum do IVA que, segundo declara o TJUE, não pode, em princípio, ser limitado, a Diretiva IVA autoriza, através de uma cláusula denominada de standstill, que os Estados-Membros possam consagrar nas suas legislações nacionais exclusões do direito à dedução, na condição de as mesmas constarem de legislação anterior à adoção do IVA, tal como delineado no âmbito do sistema comum.

 

44. Tal autorização encontra-se expressa no artigo 17.º, n.º 6, da Diretiva 77/388/CEE, em vigor à data de adesão da República Portuguesa à então Comunidade Económica Europeia, com a seguinte redação: “ O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente directiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados-membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva.”

 

45. Esta norma consta do artigo 176.º da atual Diretiva IVA, com a seguinte redação “ O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respectiva legislação nacional em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão.”

 

46. Com base nesta disposição, o legislador nacional consagrou, no artigo 21.º do Código do IVA, exclusões e limitações direito à dedução do imposto contido nas despesas mencionadas no seu número 1, em cuja alínea b) se incluem os combustíveis.

 

47. Na redação em vigor à data dos factos a que se reportam as liquidações impugnadas, dispunha este preceito que o imposto contido nas despesas realizadas com a aquisição de combustíveis se encontrava excluído ou limitado nos seguintes termos:

Artigo 21.º

Exclusões do direito à dedução

1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:

(Redação inicial do DL 394-B/84 de 26 de Dezembro)

...

b) Despesas respeitantes a combustíveis normalmente utilizáveis em viaturas automóveis, com excepção das aquisições de gasóleo, de gases de petróleo liquefeitos (GPL), gás natural e biocombustíveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50%, a menos que se trate dos bens a seguir indicados, caso em que o imposto relativo aos consumos de gasóleo, GPL, gás natural e biocombustíveis é totalmente dedutível:

(Redacção dada pelo DL 102/2008, de 20 de Junho)

I) Veículos pesados de passageiros;

(Redação dada pela L 65/90 de 28 de Dezembro)

II) Veículos licenciados para transportes públicos, exceptuando-se os rent-a-car;

(Redação dada pela L 65/90 de 28 de Dezembro)

III) Máquinas consumidoras de gasóleo, GPL, gás natural ou biocombustíveis, bem como as máquinas que possuam matrícula atribuída pelas autoridades competentes, desde que, em qualquer dos casos, não sejam veículos matriculados;

(Redação dada pela L 66-B/2012, de 31 de Dezembro)

IV) Tractores com emprego exclusivo ou predominante na realização de operações culturais inerentes à actividade agrícola;

(Redação dada pela L 65/90 de 28 de Dezembro)

V) Veículos de transporte de mercadorias com peso superior a 3.500 kg.

(Aditada pelo DL 220/2000, de 9 de Setembro)

 

48. No que respeita ao IVA contido em despesas realizadas com a aquisição de gasóleo, segundo decorre na norma acima transcrita, é o mesmo dedutível na proporção de 50%, salvo se se destinarem ao consumo de veículos pesados de passageiros e de veículos licenciados para transportes públicos, com exceção dos rent-a-car, caso em que o imposto é totalmente dedutível.

 

49. No caso em análise, estão em causa veículos ligeiros de passageiros (viaturas de turismo, na aceção do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA) que não se encontram licenciados para transportes públicos, colmo bem se assinala no RIT.

 

50. Não obstante o disposto no n.º 1 do artigo 21.º, do Código do IVA, estabelece o n.º 2, do mesmo artigo, algumas exceções à regra da não dedução relativamente a algumas despesas elencadas naquele número quando referidas a bens cuja venda ou exploração constitua objeto da atividade do sujeito passivo, mas “sem prejuízo do disposto na alínea b) do mesmo número, relativamente a combustíveis que não sejam adquiridos para revenda”.

 

51. Das normas referidas decorre, com clareza, que na situação em análise a Requerente apenas estaria autorizada a deduzir 50% do imposto contido nas aquisições de gasóleo, ainda que o mesmo se destinasse a utilização em viaturas de turismo afetas ao transporte de passageiros, mas não licenciadas para transportes públicos.

 

52. Porém - salvo no que, a título adicional, alega quanto à eventual presunção contida na norma do artigo 21.º, n.º1, alínea b), do Código do IVA - a Requerente não imputa aos atos impugnados qualquer vício relativo ao enquadramento das despesas com a aquisição de gasóleo, centrando o pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade daquele artigo por considerar o mesmo desconforme ao direito comunitário e por violar os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade.

 

53. Segundo a Requerente, o artigo 17.º, n.º 6, da Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de maio de 1977, em vigor à data da adesão do Estado Português à então Comunidade Económica Europeia, afasta a possibilidade de os Estados-Membros consagrarem nas suas legislações internas limitações ao direito à dedução do IVA contido em determinadas despesas realizadas pelas empresas salvo se tais limitações se encontrassem já anteriormente previstas nos seus ordenamentos jurídicos.

 

54. Com efeito, a referida norma comunitária – a que atualmente corresponde o artigo 176.º da Diretiva 2006/112/CE – opõe-se a que os Estados-Membros que tenham aderido à CEE/União Europeia depois de 1979, possam consagrar na sua legislação nacional limitações ao direito à dedução que não constassem já do seu ordenamento jurídico à data da adesão.

 

55. Sobre a compatibilidade das limitações do direito à dedução constantes do artigo 21.º do Código do IVA com a diretiva comunitária foi, em decisão arbitral proferida no processo 207/2019-T, suscitado reenvio prejudicial e colocadas ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

“1) O artigo 17.º, n.º 6, 2.ª parte, da Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (ao referir que os Estados-Membros «podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva») permitia que um novo Estado Membro, na data da respectiva adesão, introduzisse na sua legislação interna exclusões do direito à dedução de IVA?

2) O artigo 17.º, n.º 6, 2.ª parte, da Sexta Directiva tem alcance idêntico ao artigo 176.º, 2.ª parte, da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006 (ao estabelecer que os Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após 1 de Janeiro de 1979 podem manter todas as exclusões previstas na respectiva legislação nacional na data da respectiva adesão), quanto à data relevante para apurar quais «as exclusões previstas na respectiva legislação nacional» que podem ser mantidas?

3) No pressuposto de que, à face da Sexta Directiva, Portugal podia manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva em 1 de Janeiro de 1989, data da entrada em vigor da Sexta Directiva em Portugal, essa possibilidade foi alterada pela Directiva n.º 2006/112/CE, ao indicar como data relevante a da adesão (1 de Janeiro de 1986)?

4) O artigo 176.º, 2.ª parte, da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006, não se opõe a que, na data da adesão de Portugal às Comunidades Europeias, comecem a vigorar regras (como as constantes no artigo 21.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado) que estabelecem a exclusão do direito à dedução de imposto respeitante a determinadas despesas (inclusivamente de alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens), em situação em que tais regras tinham sido publicadas e inicialmente previstas para entrarem em vigor antes da adesão, mas foi diferida a sua entrada em vigor para a data em que ocorreu a adesão?

5) O artigo 168.°, alínea a) da Diretiva 2006/112 e o princípio da neutralidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que na legislação interna de um Estado Membro sejam consagradas regras de exclusão do direito à dedução (como as constantes do artigo 21.º, n.º 1, do CIVA, relativas a despesas de alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens) aplicáveis mesmo quando se faz prova de que os bens e serviços adquiridos foram utilizados para os fins das operações tributadas do sujeito passivo?

6) O artigo 176.° da Diretiva 2006/112 e o princípio da proporcionalidade opõem-se a que as exclusões do direito a dedução nela não previstas, mas que podem ser mantidas pelos Estados-Membros ao abrigo da sua 2.ª parte, sejam aplicáveis quando se faz prova de que as despesas respectivas têm natureza estritamente profissional e os bens e os serviços foram utilizados para os fins das operações tributadas do sujeito passivo?”

56. Em resposta às questões que lhe foram submetidas, o Tribunal de Justiça, em despacho fundamentado de 17-09-2020, proferido no processo C-837/19, Super Bock Bebidas, declarou “ O artigo 17.°, n.°6, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, bem como o artigo 168.°, alínea a), e o artigo 176.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à legislação de um Estado Membro entrada em vigor na data da adesão deste à União Europeia segundo a qual as exclusões do direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre as despesas respeitantes, designadamente, a alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens se aplicam igualmente no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas”

 

57. A decisão do Tribunal  encontra-se fundamentada nos seguintes termos:

21 - Com as suas questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.°, n.°6, da Sexta Diretiva, bem como o artigo 168.°, alínea a), e o artigo 176.° da Diretiva IVA, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado Membro, entrada em vigor na data da adesão deste à União, segundo a qual as exclusões do direito a dedução do IVA que incide sobre as despesas respeitantes, designadamente, a alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens se aplicam igualmente no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas.

22 - A este respeito, em primeiro lugar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito a dedução previsto no artigo 168.o, alínea a), da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Exerce se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações efetuadas a montante (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°25 e jurisprudência referida).

23 - De facto, o regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°26 e jurisprudência referida).

24 -Daqui resulta que, na medida em que o sujeito passivo, agindo nessa qualidade na data em que adquire um bem ou um serviço, utilize esse bem ou serviço para os fins das suas operações tributadas está autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação ao referido bem ou serviço (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°27 e jurisprudência referida).

25 - Em segundo lugar, resulta igualmente da jurisprudência que só são permitidas derrogações ao direito a dedução do IVA nos casos expressamente previstos pelas disposições das diretivas que regem esse imposto (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°28 e jurisprudência referida).

26 - Entre essas derrogações figura o artigo 176.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, em substância idêntico ao artigo 17.o, n.o6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, e cuja adoção não teve influência na jurisprudência relativa à interpretação desta última disposição (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°29 e jurisprudência referida).

27 - À semelhança do artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva que o precedeu, o artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA contém uma cláusula de standstill.

28 - Por força da primeira dessas disposições, os Estados Membros estavam autorizados a manter a sua legislação existente em matéria de exclusão do direito a dedução na data da entrada em vigor da Sexta Diretiva até que o Conselho aprove as disposições previstas no artigo 17.°, n.°6, primeiro parágrafo, desta. Nenhuma das propostas que foram apresentadas pela Comissão ao Conselho ao abrigo desta disposição foi adotada por este último (v., neste sentido, Acórdão de 15-04-2010, X Holding e Oracle Nederland, C 538/08 e C 33/09, EU:C:2010:192, n.o38 e 39).

29 - Em conformidade com a segunda das referidas disposições, os Estados Membros que tenham aderido à União depois de 1 de janeiro de 1979 podem manter todas as exclusões do direito a dedução do IVA previstas pela sua legislação nacional na data da sua adesão, até que o Conselho adote as disposições previstas no primeiro parágrafo deste artigo 176.° Até à data, o Conselho ainda não adotou tais disposições (v., neste sentido, Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°30).

30 - Em terceiro lugar, a faculdade residual dos Estados Membros em questão de manterem exclusões nacionais do direito a dedução do IVA, em aplicação do artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e do artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, não é, todavia, absoluta. Com efeito, o TJUE declarou que uma regulamentação nacional não constitui uma derrogação permitida pela cláusula de standstill prevista por estas disposições se tiver por efeito alargar, após a entrada em vigor da Sexta Diretiva ou após a adesão do Estado Membro em questão, o âmbito das exclusões existentes, afastando se assim do objetivo destas diretivas (v., neste sentido, Acórdãos de 22-12- 2008, Magoora, C 414/07, EU:C:2008:766, n.°37, e de 18-07-2013, AES 3C Maritza East 1, C 124/12, EU:C:2013:488, n.°45).

31 - Diversamente sucede quando, posteriormente à entrada em vigor da Sexta Diretiva ou à adesão à União, a regulamentação do Estado Membro em questão reduz o âmbito das exclusões previstas pela sua legislação nacional à data da sua adesão e se aproxima do objetivo das referidas diretivas. Nesta situação, o Tribunal de Justiça admitiu que tal regulamentação está coberta pela derrogação prevista no artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.os28, 29 e jurisprudência referida).

32 - Além disso, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar o conteúdo da legislação nacional à data da adesão do Estado Membro em causa e averiguar se essa legislação teve ou não por efeito alargar o âmbito de aplicação das exclusões existentes após essa adesão (Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.°30 e jurisprudência referida).

33 - No caso vertente, importa, em primeiro lugar, precisar, por um lado, que, em conformidade com o artigo 395.° do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, lido em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, a República Portuguesa, que aderiu à União em 1 de janeiro de 1986, pôde diferir até 1 de janeiro de 1989 a plena aplicação das regras que constituem o sistema comum do IVA (Acórdão de 08-03-2012, Comissão/Portugal, C 524/10, EU:C:2012:129, n.°13).

34 - Por outro lado, embora na data da adesão da República Portuguesa à União o artigo 21.° do Código do IVA excluísse totalmente do direito a dedução o imposto pago a montante que incidia sobre as despesas respeitantes a alojamento, alimentação e bebidas, bem como sobre as despesas em transportes e viagens de negócios do sujeito passivo e do seu pessoal, incluindo portagens, uma alteração ao referido artigo efetuada no ano de 2005 teve por efeito, sob certas condições, admitir o direito a dedução do IVA para este tipo de despesas, até ao limite de 50 %. Afigura se, assim, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, na sequência desta alteração, despesas que estavam totalmente excluídas desse direito passaram a conferir, sob certas condições, um direito a dedução parcial deste imposto (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.os32 e 33).

35 - Há, portanto, que constatar, em segundo lugar, que, por um lado, resulta da leitura conjugada do artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e do artigo 395.° do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, lido em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, que as exclusões do direito a dedução previstas no artigo 21.° do Código do IVA na data da adesão da República Portuguesa à União estavam abrangidas pela cláusula de standstill prevista no artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva. Além disso, resulta da jurisprudência recordada nos n.os30 e 31 do presente despacho que, após a alteração do artigo 2.° do Código do IVA efetuada no decurso do ano de 2005, que reduziu o âmbito das despesas excluídas deste direito, essas exclusões continuaram abrangidas por essa cláusula.

36 - Por outro lado, as exclusões previstas no referido artigo 21.° do Código do IVA, conforme assim alterado, continuam abrangidas pela cláusula de standstill referida no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.

37 - Com efeito, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.°26 do presente despacho, sendo o artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, em substância, idêntico ao artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, a jurisprudência relativa à interpretação da segunda disposição é pertinente para a interpretação da primeira disposição. Daqui resulta que esta deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional em matéria de exclusão do direito a dedução do IVA que não era contrária à referida disposição da Sexta Diretiva (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.os 28, 29 e 39).

38 - Além disso, qualquer outra interpretação seria contrária ao artigo 395.° do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, lido em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, por força do qual, conforme foi recordado no n.°33 do presente despacho, este último Estado Membro pôde diferir a plena aplicação das regras que constituem o sistema comum do IVA até 1 de janeiro de 1989. Ora, tanto um ato de adesão como os protocolos e os anexos desse ato de adesão constituem disposições de direito primário que, a menos que o ato de adesão disponha em sentido diferente, só podem ser suspensas, alteradas ou revogadas segundo os procedimentos previstos para a revisão dos Tratados originários (v., neste sentido, Acórdão de 11-09-2003, Áustria/Conselho, C 445/00, EU:C:2003:445, n.°62).

39 - Em terceiro lugar, importa apreciar, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, se uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal prevê de maneira suficientemente precisa a natureza ou o objeto dos bens ou dos serviços para os quais o direito a dedução do IVA é excluído, a fim de garantir que a faculdade concedida aos Estados Membros não seja utilizada para prever exclusões gerais desse regime (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°40 e jurisprudência referida).

40 - A este propósito, no que respeita, por um lado, às despesas relativas a alojamento, alimentação e bebidas, cumpre salientar que, no Acórdão de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland (C 538/08 e C 33/09, EU:C:2010:192, n.os50 e 51), o Tribunal de Justiça considerou, tratando se da lei neerlandesa sobre o IVA, que as categorias de despesas relativas ao fornecimento de refeições e de bebidas assim como à disponibilização de alojamento ao pessoal de um sujeito passivo estavam definidas por esta lei de modo suficientemente preciso, pelo que a exclusão do direito a dedução prevista pela referida lei estava abrangida pelo âmbito de aplicação da cláusula de standstill. Além disso, no Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos (C 225/18, EU:C:2019:349, n.°42), o Tribunal de Justiça considerou que a categoria de despesas relativas aos «serviços de alojamento e de restauração», conforme definida pela legislação polaca, na medida em que se referia à natureza dos referidos serviços, estava definida de forma suficientemente precisa tendo em conta as exigências impostas pela jurisprudência (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.os35 e 36).

41 - Do mesmo modo, no que respeita, por outro lado, às despesas relativas ao aluguer de viaturas, ao combustível e à portagem, o Tribunal de Justiça considerou, no Acórdão de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland (C 538/08 e C 33/09, EU:C:2010:192, n.os46 e 47), que a categoria de despesas relativas à aquisição dos bens ou serviços utilizados pelo empresário com o objetivo de fornecer ao seu pessoal «um meio de transporte individual», na medida em que visava uma categoria particular de operações com características específicas, era, também ela, conforme com as referidas exigências.

42 - Nestas condições, há que considerar que categorias de despesas como as previstas no artigo 21.°, n.°1, alíneas c) e d), do Código do IVA, respeitantes, designadamente, aos transportes e às viagens de negócios, ao alojamento, à alimentação e às bebidas, estão definidas de maneira suficientemente precisa tendo em conta as exigências impostas pela jurisprudência e recordadas no n.°39 do presente despacho (v., por analogia, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.°37).

43 - A circunstância, mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de que essas despesas possam ser efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas do sujeito passivo não afeta o alcance da cláusula de standstill prevista no artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA. Com efeito, atendendo à letra e à génese desta cláusula, esta autoriza os Estados Membros a excluir do direito a dedução do IVA categorias de despesas que têm um caráter estritamente profissional, quando estas últimas estejam definidas de forma suficientemente precisa, na aceção da jurisprudência referida no n.°39 do presente despacho (v., neste sentido, Despacho de 26 -02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.°38 e jurisprudência referida).

44 - Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 17.°, n.°6, da Sexta Diretiva, bem como o artigo 168.°, alínea a), e o artigo 176.° da Diretiva IVA, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à legislação de um Estado Membro entrada em vigor na data da adesão deste à União segundo a qual as exclusões do direito a dedução do IVA que incide sobre as despesas respeitantes, designadamente, a alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens se aplicam igualmente no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas.”

 

58. Face ao declarado pelo Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade das limitações do direito à dedução do IVA previstas no artigo 21.º do respetivo Código com o direito comunitário, julga-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral no segmento em que invoca aquela incompatibilidade e a violação dos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade.

 

59. A título subsidiário, a Requerente suscita ainda a apreciação da legalidade dos atos impugnados com base no entendimento de que a norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, “impossibilitando a dedução de 50% do imposto suportado com a aquisição de gasóleo destinado ao consumo de viaturas de turismo, presume implicitamente que a aquisição em referência foi afeta a uma atividade de índole particular, não admitindo a demonstração de que tal assim não sucedeu, o que configura uma inadmissível presunção iure et iure.”.

 

60. Invocando o disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT) que, em matéria de incidência tributária, afasta a possibilidade de presunções inilidíveis, a Requerente propõe-se ilidir a presunção que, segundo entende, se contém no artigo 21.º, n.º1, alínea b), provando, designadamente através de testemunhas que arrola, que o combustível adquirido se destina exclusivamente à sua atividade empresarial e, como tal, dedutível a 100%.

 

61. Se bem se extrai da fundamentação do pedido formulado pela Requerente, resultaria daquele preceito a presunção de que determinadas despesas seriam alheias à atividade empresarial e, consequentemente, o IVA nelas contido não seria passível de dedução ou, no presente caso, dedutível apenas em 50%-

 

62. Não se acompanha, porém, tal entendimento. Tal como se tem vindo a afirmar na doutrina e na jurisprudência, a norma do artigo 21.º do Código do IVA assume a natureza de norma anti abuso, excluindo do direito à dedução o IVA suportado em despesas que, efetuadas para a realização de operações tributadas, respeitam a bens facilmente desviáveis para utilização privada.

 

63. Neste sentido, pode ler-se, em acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte), de 04-06-2015, proferido no processo 006391/13: “Nos termos do artº.20, nº.1, do C.I.V.A., só é dedutível o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados e que sejam pertinentes aos fins próprios da actividade do sujeito passivo. Não se destinando as aquisições a fins empresariais, não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com o citado preceito. O fundamento da exclusão do direito à dedução previsto no artº.21, do C.I.V.A., encontra-se no facto de muitas das situações ali previstas dizerem respeito a I.V.A. suportado nos "inputs" em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível, controlar da sua bondade, visando-se, pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais. Esta norma é, no fundo, uma norma especial anti-abuso em sede de I.V.A., nos termos em que a doutrina as define. Quer isto dizer que o legislador, mesmo admitindo que os bens ou serviços identificados no artº.21, nº.1, do C.I.V.A., possam destinar-se a fins empresariais, por reconhecer ser particularmente difícil o controlo da utilização dos referidos bens ou serviços e com o intuito de evitar a possibilidade de elevado nível de fraude, procurou evitar as dificuldades que surgiriam na administração do imposto devido ao contencioso que inevitavelmente se iria gerar sobre esta matéria, consagrando na citada norma legal um conjunto de bens e serviços excluídos do direito à dedução, independentemente da sua utilização.” (No mesmo sentido, TCAN, Ac. de 10-07-2014, Proc. 07558/14)

 

64, Acentua-se, ainda, que conforme entendimento do Tribunal de Justiça, a exclusão/limitação do direito à dedução mantém-se “igualmente no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas.” (TJUE, Desp. de 17-09-2020, Proc. C-837/19, n.º 44)

65. Nestes termos, improcede igualmente o pedido no que concerne à qualificação como presunção ilidível da norma do artigo 21.º, n.º1, alínea b), do Código do IVA.

 

66. Considerando que a compatibilidade com o direito comunitário das exclusões e limitações do direito à dedução previstas no artigo 21.º do Código do IVA se encontra devidamente esclarecida pelo Tribunal de Justiça, mormente através do acórdão acima transcrito, fica prejudicado o pedido no sentido do reenvio prejudicial.

 

67. Da mesma forma, prejudicado fica o pedido de declaração do direito a juros indemnizatórios, por em consequência da presente decisão, se não verificarem os respetivos pressupostos.

 

V. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo os atos tributários de IVA identificados nos autos; e, em consequência,

b) Julgar improcedente o pedido de reembolso da quantia paga e de juros indemnizatórios.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 37 945,81, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n,º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 836,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 3 de dezembro de 2020,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira.