Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 143/2019-T
Data da decisão: 2019-09-30  IRS  
Valor do pedido: € 37.186,96
Tema: IRS - Liquidação e partilha de sociedade. Rendimentos de capital. Caducidade do direito à liquidação.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

                           

I.             RELATÓRIO

A... Lda., sociedade extinta que teve anteriormente sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa,  doravante designada por “Requerente”, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e segs. do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, em conjugação com os artigos 99.º e alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral contra o despacho proferido em 26 de Novembro de 2018 pelo Exmo. Senhor Director de Finanças de Lisboa, que indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2018... que, por sua vez, tinha subjacente a liquidação de Retenções na Fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2017..., relativa ao ano de 2013,  no valor de €.31.486,60 a que acresce o valor de €.5.700,36 a título de juros compensatórios, perfazendo o total de €.37.186,96 (trinta e sete mil, cento e oitenta e seis euros e noventa e seis cêntimos), pretendendo, em suma, que o Tribunal Arbitral anule o despacho de indeferimento do procedimento de Reclamação Graciosa acima referido e, em consequência, a liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Para fundamentar o seu pedido alega, em suma que:

a)            Em 31 de Dezembro de 2012, foi deliberado pela Assembleia Geral da Requerente dissolver e liquidar a sociedade.

b)           Uma vez que a essa data não existiam quaisquer dívidas, foi logo efectuada a partilha dos bens da sociedade.

c)            O registo da dissolução e liquidação simultâneas foi efetuado no dia 28 de Janeiro de 2013, dentro portanto do prazo de 2 meses previsto no n.º 2 do artigo 15.º do Código do Registo Comercial.

d)           Em 17 de Outubro de 2017, na sequência de uma inspecção fiscal efectuada ao exercício de 2013, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção onde se conclui por uma alegada falta de entrega de retenção na fonte de IRS, sobre os valores atribuídos aos sócios em resultado da partilha, no montante de €.31.486,60.

e)           Entende, porém, a Requerente que a conclusão dos Serviços padece de ilegalidade.

f)            Para sustentar esse juízo de ilegalidade alega a Requerente que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 141.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), uma sociedade comercial pode ser dissolvida por deliberação dos sócios.

g)            A dissolução de sociedade por deliberação dos sócios não se encontra sujeita a nenhuma forma especial, carecendo, no entanto, da maioria exigida para as modificações dos estatutos, ou seja, maioria de três quartos.

h)           No caso em apreço e conforme acima referido, a deliberação de dissolução da Requerente foi tomada no dia 31 de Dezembro de 2012 pelos dois únicos sócios existentes à data.

i)             Deste modo, encontra-se cumprida a condição do número de sócios necessário para efectuar tal deliberação, sendo imediatos os efeitos da dissolução.

j)             Ainda no caso específico de a sociedade não apresentar dívidas, o que corresponde à situação em causa, podem os sócios, nos termos do artigo 147.º do CSC, proceder à partilha imediata do ativo da empresa.

k)            À data da dissolução, a Requerente não apresentava quaisquer dívidas a pagar, sendo que os únicos activos de que dispunha referiam-se somente a um depósito bancário e a saldos devedores na conta de sócios.

 

l)             Além do saldo devedor dos sócios, o qual não era um activo partilhável à data da dissolução, o activo remanescente era constituído por depósito bancário no valor de €.10.417,22, o   qual   foi   imediatamente   distribuído   aos   sócios   na   data   da dissolução/partilha, isto é, a 31 de Dezembro de 2012.

m)          Deste modo, e em resultado da partilha imediata, não houve necessidade de entrar em período de liquidação.

n)           No balancete de apuramento de resultados (mês 13) evidenciam-se  os movimentos que permitiram saldar todas as contas e proceder à partilha imediata dos haveres sociais.

o)           Do mesmo modo, da análise do balancete a 31 de Dezembro de 2012, após partilha, decorre que o mesmo já não apresenta quaisquer saldos de contas, encontrando-se portanto “a zeros”.

p)           Todos os movimentos de apuramento e partilha ocorreram de facto somente em 2012.

q)           Antes do apuramento do resultado de liquidação, constava da contabilidade da Requerente um saldo devedor na conta de sócios, no montante de €.107.099,06.

r)            Aquele montante resultava de vários movimentos de levantamento de fundos, que foram sendo efectuados pelos sócios ao longo dos anos.

s)            Não obstante esses levantamentos se presumam feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, a respectiva tributação deveria ter ocorrido na data da colocação à disposição dos rendimento nos termos da alínea 2) do n.º 3 do artigo 7.º do Código do IRS, conjugado com a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do mesmo diploma.

t)            Neste sentido, o facto gerador de imposto foi ocorrendo ao longo dos anos, com o levantamento dos fundos por parte dos sócios, tendo o último movimento ocorrido a 31/12/2012.

 

u)           Assim, à data da dissolução da sociedade, ou seja, a 31 de Dezembro de 2012, nada mais restaria para partilhar aos sócios, com excepção de um depósito bancário de €.10.417,22, que foi efectivamente distribuído nessa data.

v)            A AT pretendeu afastar a aplicação das referidas normas legais sem, no entanto, fundamentar minimamente ao abrigo de que dispositivo legal é que o faz incorrendo, assim, no vício de ilegalidade da decisão por falta de fundamentação acessível (cfr. artigo 77.º da LGT e 37.º do CPPT).

w)          De acordo com o artigo 45.º da LGT, o direito de liquidar impostos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, salvo se a lei fixar outro prazo.

x)            Ainda nos termos daquele artigo, no caso dos impostos periódicos (ex: IRS), o prazo conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

y)            Ora, no caso em apreço, a Liquidação de Retenções na Fonte de IRS n.º 2017 ... foi emitida no dia 30 de Outubro de 2017.

z)            Considerando que o último facto tributário ocorreu em 31 de Dezembro de 2012, com a partilha do valor do depósito bancário, não se compreende como pode a AT, a 31 de Outubro de 2017, imputar-lhe qualquer falta de retenção na fonte de IRS.

aa)         Ainda que aquele valor (€.10.417,22), abatido do capital social realizado (€.5.000), pudesse ser objecto de retenção na fonte, a verdade é que o prazo de caducidade da liquidação também aqui se aplica, não sendo portante presentemente devido qualquer montante.

 

                O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

                O Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro singular do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, nos termos do disposto nos artigos 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 2 do Código Deontológico do CAAD.

As partes, oportunamente notificadas, não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos previstos no Código Deontológico do CAAD, e o Tribunal Arbitral foi constituído em 14 de Maio de 2019, de acordo com a alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT.

A Requerida apresentou Resposta e juntou o processo administrativo. Na Resposta apresentada, a Requerida apresentou defesa por impugnação nos termos que, a seguir, sucintamente, se descrevem.

a)            A Requerente assenta o seu pedido no argumento de que cessou a sua actividade em 31/12/2012 porquanto, nessa data, através da deliberação consignada na acta n.º 36, ocorreu a dissolução e partilha.

b)           Sucede que, nos termos do estipulado na alínea a) do n.º 5 do artigo 8.º do Código do IRC, a cessação da actividade, para as entidades com sede ou direcção efectiva em território português ocorre na data do encerramento da liquidação.

c)            Subjacente ao conceito legal de “cessação”, constante do referido preceito legal, está o princípio da cessação efectiva da obtenção de rendimentos ou da possibilidade da sua obtenção, em virtude da extinção do sujeito passivo.

d)           E essa cessação efectiva ocorre com o registo do encerramento da liquidação, acto registral determinante para a sociedade ser considerada extinta, nos termos do n.º 2 do artigo 160.º do CSC.

e)           No caso em apreço, a Requerente solicitou o pedido de registo do encerramento da liquidação, junto da Conservatória do Registo Comercial, em 28/01/2013, sendo, portanto, este o momento a partir do qual a sociedade se considera extinta.

f)            Em sede de IRC, o lucro tributável das sociedades em liquidação é determinado com referência a todo o período de liquidação, sendo observado o disposto no n.º 2 do artigo 79.º do Código do IRC:

(i)           Encerramento das contas com referência à data da dissolução, correspondente ao período decorrente desde o início do período de tributação em que se verificou a dissolução até à data desta;

(ii)          Durante o período de liquidação e até ao fim do exercício imediatamente anterior ao seu encerramento; e

(iii)         No exercício em que ocorre a dissolução, deve determinar-se separadamente o lucro tributável, tendo em conta o período entre o início do exercício e a data da dissolução e o período que decorre entre a dissolução e o fim do exercício.

g)            A Requerente confunde a dissolução da sociedade com a cessação/extinção da mesma, o que, para efeitos de IRC, é distinto: em sede deste imposto, e no que concerne à Requerente, a cessação só ocorre com a data do encerramento da liquidação, a qual é obrigatoriamente registada na Conservatória do Registo Comercial.

h)           A Requerente encerrou as contas com referência à data da dissolução apurando um resultado líquido do período - desde o início do exercício (01/01/2012) até à data da dissolução (31/12/2012).

i)             É certo que a Requerente não apresentou quaisquer movimentos contabilísticos no exercício de 2013 que pudessem ter gerado um resultado liquido, positivo ou negativo, nesse exercício.

j)             Porém, para feitos de tributação de IRC, e como atrás explanado, o lucro tributável das sociedades em liquidação é determinado com referência a todo o período de liquidação.

k)            À data da dissolução, o Balanço era o seguinte:

 

 

l)             Através da análise dos valores constantes do Capital Próprio (Activo–Passivo), designadamente a conta de resultados transitados, a AT constatou que a Requerente apresentava, no exercício de 2012, um saldo final no montante de €.18.908,31.

m)          Quanto ao resultado líquido apurado no mesmo exercício económico (€.4.766,24), foi deliberado na assembleia geral de accionistas, de 28/03/2013, aplicar os resultados líquidos do exercício em resultados transitados, conforme indicado no quadro 07 do anexo A da IES.

n)           Assim, o saldo inicial da conta 56–Resultados Transitados, para o ano de 2013, passou a registar o montante total de €.23.674,55.

o)           A acta n.º 38, nada refere quanto à distribuição de resultados, pelo que a Requerente deveria ter apresentado no Balanço do período de 2013 um Capital Próprio (Ativo –Passivo) no montante total de €.117.452,15, constituído da seguinte forma:

(i)           Capital social realizado: €.5.000,01;

(ii)          Reservas legais: €.5.909,07;

(iii)         Outras reservas: €.82.868,52;

(iv)         Resultados transitados: €.23.674,55.

p)           A Requerente não cumpriu adequadamente as suas obrigações contabilísticas na medida em que o Anexo A da IES do exercício de 2013 não deveria estar preenchida a zeros.

q)           Deveriam, antes, ter sido inscritos no anexo A da referida declaração os valores que deveriam refletir as operações de liquidação imediatamente anteriores à partilha, ou seja, do último balanço apresentado, devendo constar todos os activos que compõem o mapa de partilha e as contas de capital próprio.

r)            Aliás, o Anexo A da IES referente ao exercício de 2012 apresenta valores finais, o que significa que não foi efectuada a liquidação da sociedade nesse ano, não constando dos “comentários” qualquer referência a ter havido liquidação e partilha da sociedade.

s)            A que acresce o facto, não despiciendo na sustentação da liquidação controvertida, da data da deliberação de aprovação de contas referente ao ano de 2013 ter sido em 15/01/2013, enquanto a aprovação de contas relativas ao exercício de 2012 ter ocorrido posteriormente, em 28/03/2013.

t)            Nos termos do n.º 1 do artigo 81.º do Código do IRC, o resultado da partilha “é englobado para efeitos de tributação dos sócios, no período de tributação em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do custo de aquisição das correspondentes partes sociais”, diferença essa que, no caso de ser positiva, é considerada como rendimento de aplicação de capitais até ao limite da diferença entre o valor atribuído e o que, face à contabilidade da sociedade liquidada corresponda a entradas efectivamente verificadas para a realização de capital, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 81.º do Código do IRC .

u)           No caso concreto da Requerente, dado que o valor atribuído aos sócios em resultado da partilha é superior ao valor de aquisição das correspondentes partes sociais, há lugar a tributação na sua esfera individual dos sócios.

v)            Nos termos da alínea i) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS, a diferença evidenciada, no montante de €.112.452,14, é sujeita a IRS, no momento em que é colocada à disposição, conforme o n.º 2 da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do Código do IRS , cabendo à Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 98.º e 101.º do mesmo diploma, efectuar a respectiva retenção – o que não fez.

w)          Em resultado da partilha, os valores atribuídos aos sócios ficam, então, sujeitos, a retenção na fonte, à taxa de 28%, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS.

x)            A Requerente deveria, portanto, ter entregue a guia de retenção na fonte de IRS, relativamente a estes rendimentos de capitais, com referência a janeiro de 2013, no montante total de imposto de € 31.486,60, conforme cálculo de imposto demonstrado no relatório de inspecção e sustentado na decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa.

y)            Por último, entende que também não assiste razão à Requerente quanto ao alegado em matéria de caducidade do direito à liquidação porquanto, ao contrário do defendido por aquela, a cessação da sociedade apenas ocorreu no exercício de 2013, podendo a liquidação ser validamente notificada até 31/12/2017 – como o foi.

z)            Conclui pugnando pela improcedência do pedido pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, pela manutenção dos actos tributários contestados.

Em 19/06/2019, o Tribunal Arbitral decidiu a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT. No mesmo despacho foi concedido às partes o prazo simultâneo de 20 dias para apresentação de Alegações.

Neste despacho, foram ainda as Partes notificadas da data limite para a prolação da decisão, que se fixou em 30 de Setembro de 2019.

Decorrido o prazo para o efeito, não foram apresentadas Alegações por nenhuma das partes.

 II. SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído, o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

III.   FUNDAMENTAÇÃO

A. DE FACTO

§.1. Factos Provados

a)            A Requerente tinha como objecto social a prestação de serviços médicos de radiologia e de todas as actividades relacionadas com os mesmos, incluindo investigação e meios auxiliares de diagnostico – cfr. Acordo.

b)           O capital social da sociedade encontrava-se repartido por duas quotas de valor nominal de €.2.500 cada, subscrito por B... e por C...– cfr. Acordo.

c)            Em 31 de Dezembro de 2012, foi deliberado pelos accionistas em Assembleia Geral dissolver e liquidar a sociedade com o seguinte fundamento “(...) uma vez que deixou de exercer a sua actividade, não tendo activo nem passivo (...)” – cfr. documento. n.º 4 junto com o pedido de Constituição de Tribunal Arbitral.

d)           Uma vez que a essa data não existiam quaisquer dívidas, foi logo efectuada a liquidação – cfr. Acordo.

e)           A dissolução da sociedade foi registada na Conservatória do Registo Comercial no dia 28 de Janeiro de 2013 – cfr. Acordo.

f)            A Requerente encerrou as contas com referência à data da dissolução (31/12/2012) – cfr. Acordo e documento n.º 4 junto com o pedido de Constituição de Tribunal Arbitral.

g)            À data da dissolução, o activo da Requerente era constituído da seguinte forma:

- Accionistas/sócios: €.107.099,06;

- Estado e outros entes públicos: €.505,81;

- Caixa e depósitos bancários: €.10.417,22

h)           De acordo com os registos contabilísticos da Requerente, a conta #268229100001 foi movimentada, a débito, pela última vez, a 31 de Dezembro de 2012 – cfr. documento n.º 9 junto ao pedido de constituição de Tribunal Arbitral;

i)             A Requerente não apresentou quaisquer movimentos contabilísticos no exercício de 2013 – cfr. Acordo.

j)             Em 17 de Outubro de 2017, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspecção que incidiu sobre o exercício de 2013 e no qual os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) concluíram por uma falta de entrega de retenção na fonte de IRS sobre os valores atribuídos aos sócios em resultado da partilha, no montante de €.31.486,60 - cfr. Documento n.º 5 junto ao pedido de Constituição de Tribunal Arbitral.

k)            De acordo com esse Relatório:

 

l)             E prossegue:

 

m)          E conclui:

 

n)           Em resultado da referida inspecção, a Requerida emitiu, em 30/10/2017, a liquidação de IRS (Retenções na Fonte) e juros compensatórios n.º 2017 ... relativa ao ano de 2013;

o)           Em 10 de Abril de 2018, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa da referida liquidação – cfr. P.A.

p)           Por despacho do Director de Finanças de Lisboa datado de 26 de Novembro de 2018, a mencionada Reclamação Graciosa foi indeferida – cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de Constituição de Tribunal Arbitral.

q)           Para fundamentar o despacho de indeferimento alega-se, em suma, que:

 

r)            Em 1 de Março de 2019, a Requerente submeteu o pedido de Constituição do Tribunal Arbitral – consulta ao sistema de gestão processual do CAAD.

§.2. Factos não provados

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

§.3. Motivação quanto à matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que é alegado pelas partes, cabendo-lhe, outrossim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT]. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o P.A. juntos aos autos, consideraram-se provados os factos acima elencados.

Não se deram como provadas ou não provadas alegações que consistam em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada

 

B. DE DIREITO

§.1. Delimitação das questões a decidir

Em face do exposto nos números anteriores, a principal questão a decidir consiste em saber se a liquidação em apreço enferma, ou não, dos vícios que lhe vêm imputados pela Requerente e, em particular:

(i) Se a decisão impugnada padece, ou não, de vício de forma por falta de fundamentação (§.43.º do pedido de constituição de Tribunal Arbitral);

(ii) Se, quando a liquidação de IRS (Retenções na fonte), que constitui o objecto mediato dos presentes autos, foi notificada à Requerente havia, ou não, decorrido já o prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT.

Na apreciação dos vícios imputados ao acto cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos «vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos» [artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT], já que «a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» (artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

Neste sentido, começar-se-á por apreciar o vício de falta de notificação da liquidação em apreço no prazo de caducidade, cuja procedência impede a renovação do acto de liquidação.

§.2. Apreciação

                Comecemos por analisar a matéria do ponto de vista do Direito Societário. Neste contexto, a dissolução decidida pelos sócios da Requerente pode qualificar-se como uma “dissolução imediata” que corporiza, precisamente, uma manifestação de vontade de colocar em marcha a extinção da sociedade (vontade dissolutiva) .

Nestes casos, a sociedade considera-se dissolvida a partir da data da deliberação como, de resto, refere o n.º 4 do artigo 142.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”).

Por outro lado, nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do CSC, a sociedade dissolvida entre em liquidação imediata sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 147.º, se a sociedade não tiver dívidas, os sócios podem proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais.  Trata-se de abreviar o procedimento conducente à extinção da sociedade sempre que não haja passivo a liquidar. Como refere Raul Ventura, “a lei pensou na hipótese natural de, não havendo dívidas e estando os sócios de acordo quanto à partilha do activo, se sucederem não só lógica mas temporalmente, sem detença, a partilha e a extinção da sociedade” .

Em termos práticos, a liquidação implica o levantamento de todas as situações jurídicas relativas à sociedade em liquidação, a resolução dos problemas pendentes que a possam envolver, a realização pecuniária, se for o caso, dos seus bens, o pagamento de todas as dívidas e o apuramento do saldo final, a distribuir pelos sócios .

Na partilha está, pois, em causa, o acto de cumprimento da obrigação resultante do contrato de sociedade, de atribuir a cada sócio uma parte determinada do saldo de liquidação .

Finalmente, e com relevância para os presentes autos, determina o n.º 2 do artigo 160.º do CSC que, como efeito legal do registo do encerramento da liquidação, se produza a extinção da sociedade. Ou seja, o registo tem aqui uma “eficácia constitutiva”, não significando mera condição de oponibilidade da extinção a terceiros .

Subsumindo o quadro legal citado ao caso em apreço podem, desde já, dar-se como certos os seguintes vectores decisórios:

- A Requerente considera-se dissolvida em 31/12/2012 (data da deliberação);

- A liquidação e partilha ocorreram no mesmo momento;

- A sociedade apenas se extinguiu em 28/01/2013, data do registo da liquidação.

Dir-se-á, no entanto e desde, já que o objecto da partilha não são saldos contabilísticos mas sim, preferencialmente, liquidez. É o que resulta da conjugação do n.º 3 do artigo 152.º com o n.º 2 do artigo 153.º e n.º 1 do artigo 156.º, todos do CSC. De facto, “implicitamente, a lei dá primazia à partilha em dinheiro arvorando-a em regime supletivo – o que parece razoável se atentarmos que o dinheiro é o único bem que coloca todos os interessados em pé de igualdade e que a lei pode forçar a aceitar” .

Diga-se finalmente que o quadro jurídico-societário acima elencado e, que, sublinhe-se, assume natureza imperativa, não é afectado pelo cumprimento, ou não, de obrigações de carácter declarativo impostas pela lei fiscal.

Vejamos agora a situação em apreço sob o prisma do Direito Tributário.

Nos presentes autos, e de acordo com os registos contabilísticos da Requerente que, note-se, beneficiam de presunção de veracidade nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, uma parte muito significativa do activo da empresa existente à data da dissolução da sociedade (em concreto, €.107.099,06) era constituída por um crédito da sociedade perante os respectivos sócios.

O restante activo era constituído por depósitos bancários e por créditos sobre o Estado e outros entes públicos.

Como decorre da prova produzida nos autos, o crédito sobre os sócios foi sendo construído longo dos anos (de acordo com o documento n.º 9 junto com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral, o saldo que transitou de dos exercícios anteriores para o exercício de 2012 era de €.103.000). Na prática, tratam-se de transferências de património da sociedade para os sócios.

Cabe analisar qual o enquadramento jurídico-tributário conferido pela lei a esta realidade à data dos factos, bem como aos valores atribuídos aos sócios em resultado da partilha.

Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS, “consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.”

Por outro lado, nos termos da alínea h) do n.º 2 do mesmo preceito, na versão em vigor à data dos factos:

“2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20 .º;

i) O valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 81.º do Código do IRC, seja considerado rendimento de aplicação de capitais, bem como o valor atribuído aos associados na amortização de partes sociais sem redução de capital.”

Em acréscimo, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do mesmo compêndio legal:

“4 - Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.”

Como vem afirmando a Doutrina, “com esta norma, procede-se a uma qualificação supletiva de quantias, cuja causa não esteja expressa nas contas correntes em causa. (…) O que a lei, com aquela presunção, quis resolver foi a qualificação das quantias escrituradas cuja “causa” jurídica não foi expressamente declarada” .

Aqui chegados, cabe averiguar quando é que ocorreu o facto tributário - aqui entendido como “facto típico previsto a que a lei liga um dever de prestar”  - relativamente a cada uma das situações que se vêm analisando.

A resposta dá-a o legislador no artigo 7.º do Código do IRS nos termos do qual:

“1 - Os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respectivo quantitativo, conforme os casos.

(…)

3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, atende-se:

a) Quanto ao n.º 2 do artigo 5.º:

2) A colocação à disposição, para os rendimentos referidos nas alíneas h), i), j), l) e r), assim como dos certificados de consignação;”

Acresce que estes rendimentos estavam, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 71.º do Código do IRS (na redacção em vigor à data dos factos) sujeitos à taxa liberatória de 28%.

Decorre, assim, com clareza meridiana, do regime legal aplicável, que os factos tributáveis em apreço ocorreram aquando da colocação dos respectivos valores à disposição do sócios. Era, pois, nesse momento que a retenção na fonte deveria ter ocorrido .

Como é sabido, as normas tributárias que contemplam o facto tributário são normas de incidência real, as quais definem, simultaneamente, os seus elementos objectivos. É com a prática do facto tributário e não em qualquer outro momento, que nasce a obrigação de imposto .

Neste sentido, a deslocalização temporal do facto tributável não é aceitável por constituir uma violação do princípio da legalidade constitucionalmente tutelado que assegura, entre outros, “a previsibilidade e calculabilidade da obrigação de imposto e dos seus elementos essenciais (…) e assim também da segurança jurídica”  .

Vejamos agora se ocorreu a caducidade do direito à liquidação do imposto como alega a Requerente. A resposta, adiantamo-la desde já, é positiva.

Para o caso que nos ocupa, relevam os n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT que referiam o seguinte:

Nos termos do primeiro dos citados preceitos:

“1. O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.”

Por outro lado, nos termos do n.º 4:

“4. O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário” - redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.

No caso dos presentes autos, e como ressalta do documento n.º 9 junto aos autos com o pedido de Constituição de Tribunal Arbitral, o último movimento reflectido na conta #268 data de 31/12/2012, sendo que do valor total aí registado, €.103.000 reportam-se a exercícios anteriores.

Ora, por aplicação das regras vertidas no citado n.º 4 do artigo 45.º da LGT resulta que o início do cômputo do prazo de caducidade ocorreu em 01/01/2013, e o último dia a 31/12/2016.

O mesmo se diga quanto aos depósitos bancários. Embora os autos não disponham de elementos que permitam concluir quanto à data exacta da respectiva colocação à disposição dos sócios, os registos contabilísticos da Requerente demonstram que, senão antes, tê-lo-ão sido em 31/12/2012, data em que as contas foram efectivamente saldadas.

Tendo a liquidação em apreço sido emitida a 30/10/2017, dúvidas não restam de que, nessa data, já não poderia a Requerida, validamente, proceder à liquidação do imposto.

S.m.o, a Requerida lavra em erro ao considerar como facto tributário relevante o momento em que ocorreu a cessação da actividade da Requerente. Com efeito, e como se demonstrou, independentemente da data dessa cessação, a verdade é que os rendimentos aqui em causa foram colocados à disposição dos sócios da Requerida em momentos diferentes mas, em qualquer dos casos, até 31/12/2012. É, por isso, esta e não outra, a data relevante para efeitos de caducidade.

Assim, e considerando que a caducidade constitui um vício gerador de ilegalidade do acto, na medida em que consubstancia a prática de acto tributário ferido de vício de violação de lei , ter-se-á de concluir que o acto tributário em apreço não pode permanecer na Ordem Jurídica.

 

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, decide este Tribunal Arbitral:

1.            Julgar procedente o pedido formulado pela Requerente quanto à ilegalidade do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa que correu termos sob o processo n.º ...2018... deduzida contra o acto de liquidação de IRS (Retenções na Fonte) e juros compensatórios n.º 2017..., datado de 30/10/2017;

2.            Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente processo.

 

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de €.37.186,96 (trinta e sete mil, cento e oitenta e seis Euros e noventa e seis cêntimos).

 

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CUSTAS

Custas no montante de €.1.836,00 (mil, oitocentos e trinta e seis cêntimos) em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 30 de Setembro de 2019,

 

O Árbitro,

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º,  n.º 1 alínea e) do RJAT. A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.