Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 133/2020-T
Data da decisão: 2021-05-31  IRC  
Valor do pedido: € 9.865,97
Tema: IRC – Gastos fiscais.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 28 de Fevereiro de 2020,  a  A…SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º ………, com sede na Rua …, n.º ..e n.º .., ….-… Trofa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a anulação, parcial, da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2019 ………. e respectiva nota de cobrança n.º 2009………, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve o referido acto de liquidação como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

i.             A Requerente é a sociedade dominante de um grupo empresarial que optou pela tributação ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º a 71.º do Código do IRC.

ii.            Na sequência de uma alteração da abordagem estratégica do A… decidiu-se pela suspensão temporária da unidade de galvanização existente na esfera da B…. Por outro lado, a sua actividade de fabrico de construções metálicas passou a servir exclusivamente as empresas do Grupo, deixando de prestar serviços a clientes externos.

iii.           Tais modificações levaram a que, naquele ano, o resultado líquido da B… fosse inferior em comparação com anos anteriores, visto que o mesmo apenas incluiu os resultados dos meses em que ainda operou a unidade de galvanização, bem como o resultado da venda de alguns dos seus activos fixos tangíveis.

iv.           Esta situação manteve-se nos períodos seguintes e até 01/06/2015, altura em que a B… celebrou com a C…, entidade do Grupo A…, um contrato de cessão de exploração, o qual já estava a ser equacionado desde 2013, quando a segunda efectuou um teste às instalações da primeira com o intuito de avaliar a capacidade produtiva e viabilidade da unidade fabril.

v.            Apesar de a B… ter mantido o seu processo produtivo temporariamente suspenso naquele curto período de tempo, incorreu, ainda assim, em gastos, relativos, nomeadamente, a depreciações de equipamentos, eletricidade, telefones, entre outros, próprios de uma entidade que, apesar de ter suspendido temporariamente o seu processo produtivo, está consciente da sua intenção de retomar a actividade, necessitando de incorrer em determinadas despesas por forma a evitar a deterioração dos equipamentos e a garantir que a suspensão temporária da actividade não comprometia irremediavelmente o seu futuro.

vi.           Em sede de inspecção tributária, e tendo-se apercebido que, na primeira metade do exercício de 2015 (momento prévio à entrada em vigor do contrato com a C…), a empresa continuava com a unidade de produção suspensa, a Autoridade Tributária desconsiderou a dedutibilidade de determinados gastos incorridos naquela primeira metade do ano, no âmbito do apuramento do lucro tributável da B…., por considerar que a mesma se encontrava inactiva.

vii.          Ora, a situação de suspensão, traduzida na desactivação temporária da unidade produtiva da B…., não tinha uma intenção de encerramento definitivo, nem poderia ser equiparada a uma situação de cessação ou suspensão definitiva.

viii.         Ao invés do que a Autoridade Tributária parece invocar com o argumento da impossibilidade de se levar a cabo uma actividade económica, quando é mais do que sabido que uma actividade não tem, necessariamente, de trazer gastos e proveitos simultâneos, havendo períodos em que o investimento é maior, por forma a garantir que a fase subsequente traga maior rendimento para a esfera da empresa (e vice-versa).

ix.           No que concerne, em concreto, à alegada não dedutibilidade das depreciações com equipamentos da B… no período entre 01/01/2015 e 31/05/2015, no montante de € 17.953,97, entende a Requerente que os equipamentos subjacentes àqueles gastos de depreciação já tinham entrado em funcionamento, previamente ao exercício de 2015, razão pela qual é impossível negar que, já antes do início do contrato de cessão  de exploração (e até nos três anos anteriores), os equipamentos haviam originado gastos de depreciação, os quais sempre foram corretamente aceites para efeitos fiscais.

x.            Com efeito, o deperecimento dos activos não resulta apenas da sua utilização, mas também do decurso do tempo, pelo que o facto dos mesmos não terem sido utilizados na actividade produtiva, durante um intervalo limitado de tempo, não faz com que não haja depreciações, pois que não se pode ficcionar uma paragem dos gastos de depreciação, por um intervalo de tempo tão curto.

xi.           Alega, ainda, a Autoridade Tributária que a aceitação dos gastos registados com depreciações está condicionada à efectiva utilização dos activos subjacentes e à sua relação com a obtenção de rendimentos decorrentes do exercício de uma qualquer actividade.

xii.          Entende a Requerente ser indubitável que a ligação dos gastos a rendimentos sujeitos a IRC apenas exige que as despesas sejam suportadas no âmbito do objecto societário, com potencial para gerar lucro (ainda que não imediato).

xiii.         Segundo a Requerente, verifica-se que a Autoridade Tributária efectuou uma repartição de um exercício económico sem razoabilidade (meses de 2015 antes do contrato e meses de 2015 após contrato), como se a realidade de uma empresa não fosse dinâmica, mas estática, e como se existisse um limite temporal até ao qual determinado gasto tem que gerar um rendimento sujeito a IRC.

xiv.         No que respeita aos gastos com electricidade, telefone, vigilância e segurança, entre outros, incorridos entre 01/01/2015 e 31/05/2015, no montante de € 8.110,07, a Autoridade Tributária também procedeu à desconsideração daqueles montantes, repetindo que também estes não foram necessários porque a empresa estava inactiva.

xv.          Entende a Requerente que os gastos incorridos deverão ser fiscalmente dedutíveis desde que incluídos no objecto societário da empresa, não se exigindo que gerem imediatamente rendimentos sujeitos a IRC.

xvi.         Com efeito, os gastos em causa permitiram conservar as instalações fabris da B…, por forma a que pudessem ser, meses depois, exploradas pela C….

xvii.        No que respeita ao período pós celebração do contrato de cessão de exploração com a C…, e até ao final do ano de 2015, a Autoridade Tributária desconsiderou os gastos com água, luz, gás e telefone, no montante de € 17.372,69, não por entender que os mesmos não se enquadravam no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, mas sim devido a uma previsão contratual específica constante do contrato de cessão de exploração.

xviii.       A Autoridade Tributária veio ainda desconsiderar, para efeitos fiscais, o montante pago pela B…, a título de IMI de 2015, na parcela correspondente aos meses em que já estava em vigor o contrato de cessão de exploração celebrado com a C…, no valor de € 3.544,08.

xix.         Contrariamente ao sucedido com os gastos com com água, luz, gás e telefone incorridos na vigência do contrato, que vieram a ser efectivamente suportados pela C… mediante débito, o IMI foi sempre suportado pela B… na qualidade de proprietária do imóvel.

 

3.            A Autoridade Tributária, na sua resposta, considera, que:

i.             O acto objecto de impugnação foi reapreciado pela Autoridade Tributária e, na sequência dessa nova leitura, foi parcialmente revogado, pelo que, quanto aos gastos de € 17.953,97, respeitantes a depreciações de activos fixos tangíveis, e de € 8.110,07 de fornecimento de serviços externos, ocorridos nos primeiros cinco meses do ano de 2015, foram atendidos os argumentos da Requerente e a Autoridade Tributária considera tais gastos dedutíveis, anulando a correcção que efectuou nessa parte.

ii.            Também o valor de IMI, de € 3.544,08, foi entendido (na nova leitura da Autoridade Tributária) como passível de ser deduzido, pelo que também aí se anulou a correcção efectuada pelos serviços de inspecção.

iii.           No demais, mantém a correcção no valor de € 17.372,69, respeitante a gastos com energia, gás e telefone, no período compreendido entre 01/06/2015 e 31/12/2015 que, na interpretação da Autoridade Tributária, não são dedutíveis.

iv.           Argumenta a Requerente que conhece tal circunstância, mas entende ter cumprido com o contratado, pois: em 2015 a B… assumiu o pagamento da despesa, pelo simples facto das facturas (água, luz, gás, telefone) virem em seu nome; porém, sabendo que tais despesas eram imputáveis a C… em 2017 debitou aquele gasto à C… e reflectiu o recebimento desse valor no lucro de 2017.

v.            Porém, tal leitura não se afigura consentânea com o artigo 18.º do Código do IRC, estabelece uma especialização de exercícios, na medida em que a imputação de um rendimento ou gasto a determinado exercício obedece a um critério económico, não a um critério financeiro.

vi.           Ou seja, importa o momento de realização da operação económica, independentemente do momento do pagamento ou recebimento do preço.

vii.          Por outras palavras, são relevantes os créditos e os débitos, não os pagamentos e recebimentos.

viii.         O que impede que os sujeitos passivos difiram contabilizações de custos ou proveitos, que possibilitaria uma “gestão fiscal” apenas assente na deslocação dos momentos de pagamento/recebimento.

ix.           Conclui pela improcedência do pedido arbitral relativamente à dedutibilidade dos gastos com energia, gás e telefone, no montante de € 17.372,69.

 

4.            No dia 02-03-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Autoridade Tributária.

 

5.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

6.            Em 06-07-2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

7.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 05-08-2020.

 

8.            No dia 20-09-2020, a Autoridade Tributária, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

9.            Em 13-10-2020, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, tendo sido solicitado à Requerente a junção ao processo dos 14 (catorze) documentos indicados no pedido de pronúncia arbitral e indicada a data para a prolação da decisão arbitral.

 

10.          Em 09-12-2020, não se verificando a junção dos documentos indicados no pedido de pronúncia arbitral, foi determinada a prorrogação por 2 (dois) meses o prazo para a prolação da decisão arbitral.

 

11.          Em 08-04-2021, não se verificando a junção dos documentos indicados no pedido de pronúncia arbitral, foi determinada a prorrogação, até 31-05-2021, do prazo para a prolação da decisão arbitral.

 

12.          Em 12-04-2021, a Requerente juntou ao processo os documentos indicados no pedido de pronúncia arbitral.

 

13.          Não foram apresentadas alegações escritas pelas partes.

 

14.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1.            A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades que optou pela tributação ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) e integra as seguintes sociedades:

a.            A…., SGPS, S.A;

b.            C…, S.A.;

c.            B… –, S.A.;

d.            D… –, S.A.;

e.            E… –, Lda.;

f.             F… –, S.A.;

g.            G…, SGPS, S.A.

2.            A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção de âmbito parcial em sede de IRC, relativa ao exercício de 2015.

 

3.            Da referida acção de inspecção resultaram correcções ao lucro tributável / prejuízo fiscal de algumas das entidades do RETGS, as quais constam do projecto de correcções do relatório de inspecção, conforme se segue:

 

 

 

4.            Para além das correcções em apreço, foram ainda efectuadas outras em sede de tributação autónoma à Requerente (€ 464,78), D… (€ 4.702,63), C… (€ 6.881,21), E… (€ 2.878,49) e F… (€ 2.032,50) e, bem assim, ao montante do crédito por dupla tributação jurídica internacional deduzido pela D…, que foi reduzido em € 3.660,00, tendo as correcções em causa afectado o resultado fiscal e a colecta apurada ao nível do RETGS.

 

5.            A Requerente aceitou as correcções efectuadas na esfera da E…, F… e A…, não concordando com as correcções efectuadas na esfera da C…, D… e B….

 

6.            A Requerente exerceu direito de audição relativamente às correcções efectuadas à C… e à D…, tendo os argumentos sido parcialmente acolhidos.

 

7.            Na sequência do direito de audição, foi emitido o relatório de inspecção, com as seguintes correcções:

 

 

 

8.            Foi emitida uma liquidação adicional de IRC, no montante de € 26.117,91, tendo este montante resultado, na sua maioria, do impacto, em sede de IRC, das correcções no montante de € 24.671,43, acrescido de juros compensatórios no montante de € 1.446,48.

 

9.            A Requerente discorda da liquidação adicional de IRC em causa, em concreto, no que respeita às correçcões efectuadas na esfera da B…, as quais resultaram num impacto de IRC de € 9.865,97, face ao montante global de € 24.671,43, na medida em que, de acordo com a Autoridade Tributária, determinados gastos incorridos por aquela entidade, no montante de € 46.980,80, não deveriam ser considerados fiscalmente dedutíveis.

 

10.          A B… iniciou a sua actividade em 1989, tendo sido adquirida em 1994, altura em que se deu início a uma remodelação completa das suas instalações fabris.

 

11.          Em 2012, na sequência de uma alteração da abordagem estratégica do Grupo A… decidiu-se pela suspensão temporária da unidade de galvanização existente na esfera da B…. Ademais, a sua actividade de fabrico de construções metálicas passou a servir exclusivamente as empresas do Grupo, deixando de prestar serviços a clientes externos, implicando uma redução no resultado líquido.

 

12.          Esta situação manteve-se nos períodos de tributação seguintes e até 01/06/2015, altura em que a B… celebrou com a C…, entidade do Grupo A…, um contrato de cessão de exploração.

 

13.          Apesar de a B… ter mantido o seu processo produtivo temporariamente suspenso naquele período de tempo, incorreu, ainda assim, em gastos, relativos, nomeadamente, a depreciações de equipamentos, eletricidade, telefones, entre outros.

 

14.          Em sede de inspecção tributária, a Autoridade Tributária desconsiderou a dedutibilidade de determinados gastos incorridos na primeira metade de 2015, no âmbito do apuramento do lucro tributável da B…, por considerar que a mesma se encontrava inactiva, a saber:

 

•             No montante de € 17.953,97, respeitante a gastos com depreciação de activos fixos tangíveis ocorridos entre 01/01/2015 e 31/05/2015;

 

•             No montante de € 8.110,07, respeitante a fornecimentos e serviços e externos, nomeadamente, gastos com energia, gás e telefone, no período compreendido entre 01/01/2015 e 31/05/2015.

 

15.          Segundo a Autoridade Tributária, “A B… se manteve inativa no período, não tendo condições para o exercício de qualquer atividade económica já que os recursos humanos e o negócio foram transferidos para a C… S.A.” e “Não foram obtidos rendimentos nesse período, não sendo por isso possível obter qualquer relação entre os gastos incorridos e quaisquer rendimentos”.

 

16.          A Autoridade Tributária desconsiderou, ainda, os seguintes gastos, para efeitos de determinação do lucro tributável da B…:

 

•             No montante de € 17.372,69, respeitante a gastos com energia, gás e telefone, no período compreendido entre 01/06/2015 e 31/12/2015, por entender que ficou estabelecido no contrato de cessão de exploração que, a partir da sua entrada em vigor, a C… seria responsável por aqueles gastos, “pelo que deveria ter sido alterada a titularidade dos respetivos contratos, passando os respetivos encargos a ser da sua responsabilidade”.

 

•             No montante de € 3.544,08, correspondente à parcela do montante de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) desde 01/06/2015 e 31/12/2015, por entender que, no contrato em causa, a C… também se obrigou ao pagamento de qualquer imposto referente ao imóvel, pelo que não deveria ter sido a B… a pagar este imposto e, por essa razão, o gasto não deveria seria aceite.

 

17.          Não concordando com as correcções em apreço, na esfera da B…, a Requerente deduziu, tempestivamente, reclamação graciosa, a qual foi apreciada pela AT.

 

18.          Consequentemente, foi a Requerente notificada, pela AT, para exercer direito de audição em resultado do projeto de indeferimento da reclamação graciosa, tendo a AT, reiterado, novamente, os argumentos anteriormente evidenciados no Relatório de Inspecção.

 

19.          A Requerente optou por não exercer direito de audição, tendo aguardado pela notificação de decisão final de indeferimento da reclamação graciosa e apresentado pedido pronúncia arbitral.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal Arbitral não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

B. DO DIREITO

 

Questões de conhecimento prejudicado

 

Em face da revogação, por parte da AT, das correcções relativas aos gastos de € 17.953,97, respeitantes a depreciações de activos fixos tangíveis, e de € 8.110,07 de fornecimento de serviços externos, ocorridos nos primeiros cinco meses do ano de 2015 e, bem assim, ao valor de IMI, no montante de € 3.544,08, fica prejudicado o conhecimento do mérito.

 

Gastos com água, luz, gás e telefone

 

Conforme resulta do probatório, a Requerente suportou gastos com consumos de água, luz, gás e telefone incorridos entre 01/06/2015 e 31/12/2015, os quais, à luz do contrato celebrado entre a B… e a C… seriam da responsabilidade desta última.

 

Discordando da Requerente, a AT considerou encontrar-se violado o princípio da especialização de exercícios, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC, nos termos do qual, os ganhos ou perdas de determinado exercício, quando eram conhecidos ou previsíveis, devem ser imputados ao exercício a que respeitam, ainda que sob forma de estimativa, sendo irrelevante o exercício em que se materializam.

 

Assim, a questão que é colocada ao Tribunal Arbitral assenta essencialmente em descortinar se os gastos em causa deveriam, ou não, ser reconhecidos no exercício fiscal de 2015.

 

Com efeito, a relevância fiscal do resultado contabilístico implica a projeção para o domínio tributário dos princípios a que obedece a determinação daquele resultado. Tais princípios constituem um ponto de referência indispensável para dirimir os problemas específicos que possam surgir.

 

A doutrina tem entendido que o princípio da especialização dos exercícios – espelhado no artigo 18.º do Código do IRC – deriva da periodização dos resultados que é imposta por necessidades de gestão e de informação, sendo “caracterizado pela cisão da vida da empresa em intervalos temporais e pela imputação dada a um deles das componentes, positivas e negativas, que tornem possível determinar o resultado que lhe corresponde”, impondo essa especialização “a realização de inventário de fim de exercício, dela decorrendo a necessidade de imputar a cada exercício todos os proveitos e custos que lhe são inerentes e só esses”.

 

Como explica Rui Duarte Morais, “a imputação de um proveito ou custo a certo exercício obedece a um critério económico (e não a um critério financeiro), ou seja, as operações nele efectuadas afectam o respectivo resultado, independentemente do recebimento ou pagamento do respectivo preço ou outra contrapartida. Contabilizam-se créditos e débitos e não pagamentos e recebimentos.

 

(…) não releva, para a imputação temporal de um custo, o momento em que a empresa extingue os seus débitos, mas sim o momento em que tais obrigações nascem. Incluem-se, pois, nos proveitos e custos do exercício, os encargos com origem no mesmo, ainda que a receber ou a pagar no futuro”.

 

Por conseguinte, o princípio da especialização dos exercícios assegura, do ponto de vista contabilístico, uma imagem verdadeira e apropriada do património ou da situação financeira, do desempenho e das alterações a ocorrer à posição financeira da empresa.

 

Do ponto de vista fiscal, a obrigatoriedade de considerar os gastos e os rendimentos no exercício em que são gerados/incorridos impede também que os sujeitos passivos difiram os gastos e os rendimentos com finalidades de gestão fiscal diversas daquelas que o legislador fiscal entendeu privilegiar no sistema fiscal português. Assim, não existe qualquer norma no Código do IRC, ou noutra legislação fiscal complementar, que imponha nesta matéria um tratamento fiscal distinto do regime contabilístico, antes ele é confirmado pelo princípio contido no n.º 1 do artigo 18.º do Código IRC.

 

Tal como bem esclarece a Autoridade Tributária, face ao estabelecido no artigo 18.º, n.º 2, do Código IRC, a imputação a um determinado exercício das componentes positivas ou negativas do rédito respeitantes a exercícios anteriores, apenas poderá ser efetuada se as mesmas forem imprevisíveis ou desconhecidas na data do encerramento das contas do exercício anterior a que deveriam ser imputadas.

 

Ora, no caso em apreço, a factualidade provada demostra que a Requerente, na determinação do resultado contabilístico e, consequentemente, do resultado fiscal, não cumpriu as regras contabilísticas e fiscais, nomeadamente violando a regra da especialização resultante do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC, contabilizando um gasto que a mesma assume conhecer não lhe ser imputável, pelo que improcede, nesta parte, o pedido arbitral.

 

*

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado e condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 9.865,97, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Maio de 2021

 

O Árbitro

(Hélder Faustino)