Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 131/2020-T
Data da decisão: 2021-03-08  IRS  
Valor do pedido: € 47.461,09
Tema: IRS 2017 – Mais-valias-contesta o âmbito ou extensão da revogação do ato tributário e invoca a caducidade da nova liquidação do IRS.
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SUMÁRIO: Mais-Valias - Contesta o âmbito ou extensão da revogação do ato tributário e invoca a caducidade da nova liquidação do IRS. da revogação do ato tributário e invoca a caducidade da nova liquidação do IRS

 

DECISÃO ARBITRAL

RELATÓRIO

 

 

I - DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL

 

A..., com o Número de Identificação Fiscal (NIF)..., integrado no Serviço de Finanças de ..., e B..., com o NIF ..., casados, residentes na Rua ..., nº..., ..., ...-... Oliveira do Bairro, vêm, ao abrigo do disposto no art. 2º-1/a e nos arts. 10º-1/a-2 e ss. do DL nº 10/2011, de 20/01 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em conjugação com o art. 99º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante designado por CPPT), apresentar, PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL da Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2019..., datada de 23/10/2019, da qual resultou um valor a pagar de €48.842,52, bem como da respetiva liquidação de juros compensatórios com o nº 2019..., ambas da autoria da Autoridade Tributária e Aduaneira, o que fazem em coligação, ao abrigo do disposto nos arts. 3º-1 do RJAT, 104º do CPPT e 36º-2 do Código de Processo Civil (CPC).

 

1- Da descrição dos factos invocados

1.º - O pedido de pronúncia arbitral apresentado em teve por objeto a liquidação de IRS nº..., datada de 23/10/2019, relativa ao período de 2015, na qual foi considerado um «Rendimento global» de €44.696,20, um “Imposto relativo a tributações autónomas” de €41.957,64 e “Juros Compensatórios” de €5.503,45, da qual resultou um “VALOR A PAGAR” de €48.842,52, bem como a respetiva liquidação de juros compensatórios nº 2019..., das quais, na sequência dos estornos, acertos e regularizações efetuados resultou um “SALDO APURADO” no montante de €47.461,09, tudo conforme consta nos documentos intitulados «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS», «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS» e «DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS», de que se juntam fotocópias enquanto documentos nºs 1, 2 e 3.

2º Estas liquidações de IRS e de juros compensatórios são da autoria da Autoridade Tributária e Aduaneira – AT (doravante apenas AT) (cfr. documentos nºs 1 a 3).

3º A data limite de pagamento voluntário das importâncias resultantes dessas mesmas liquidações de IRS e de juros compensatórios ocorreu em 04/12/2019 (cfr. documentos nºs 1 a 3).

4º Em 03/12/2019, os Requerentes procederam ao integral pagamento das quantias resultantes de tais liquidações (cfr. documentos nºs 1 a 3), dentro do respetivo prazo de pagamento voluntário, conforme consta no documento de que se - 3 - junta fotocópia enquanto documento nº 4

 

2 - Dos fundamentos do pedido:

 

Está em causa a partilha dos bens do casal supra identificado, casados sob o regime da comunhão geral de bens, em razão da separação de pessoas e bens que correu seus termos na Conservatória do Registo Civil de ... sob o n.º.../2015 (cfr. doc. 10).

 

A escritura de partira dos bens do casal foi outorgada em 13/02/2015 (cfr. doc. 11).

 

Em termos de partes sociais, os bens do casal a partilhar constantes da escritura de partilha eram constituídos pelas seguintes verbas:

 

                NÚMERO UM – Quota do valor nominal de QUATROCENTOS E SESSENTA MIL EUROS, com igual valor atribuído, que resultou da divisão atrás operada e de que o outorgante marido é titular no capital da sociedade comercial por quotas denominada “C... LDA”, atrás identificada.

 

                NÚMERO DOIS – Quota do valor nominal de DUZENTOS E SESSENTA MIL EUROS, com igual valor atribuído, que resultou da divisão atrás operada e de que o outorgante marido é também titular no capital da mesma sociedade comercial por quotas denominada “C... LDA” (cfr. documento nº 11.

 

Segundo o artigo 20.º da PI, o valor total atribuído aos bens que, nos termos daquela escritura de partilha, integravam o património comum do casal, cifrou-se em € 1.025.061,17, dos quais € 820.000,00 correspondiam a quotas em sociedades comerciais, e € 205.061,17 a bens imóveis (cfr. documento nº 11).

 

E do seu artigo 21.º e sgs. consta que:

 

                "Todavia, uma vez que, conforme foi expressamente mencionado naquela escritura de partilha,“embora os outorgantes tenham sido casados entre si segundo o regime da comunhão geral de bens, não podem os mesmos, nos termos do artigo 1790º do Código Civil, receber mais do que receberiam se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos” (cfr. documento nº 11)",

 

                "Apesar de serem bens comuns do casal, os bens identificados na escritura de partilha enquanto verbas nºs 10 e 11, no valor total atribuído de € 68,18, foram adjudicados ao Requerente A..., e os bens identificados na escritura de partilha enquanto verbas nºs 12, 13 e 14, no valor total atribuído de € 16.741,98, foram adjudicados à Requerente B... (cfr. documento nº 11)".

 

                "Assim, os bens considerados comuns para efeitos de cálculo da partilha foram apenas os identificados na escritura enquanto verbas nºs 1 a 9, com o valor total atribuído de € 1.008.251,01, sendo a meação dos cônjuges, ora Requerentes, de € 504.125,50 (cfr. documento nº 11)".

 

E a partilha das participações sociais e dos imóveis que compunham os bens comuns do casal foram partilhados da seguinte forma:

 

                a) “Ao outorgante marido, A..., adjudicam a participação social acima identificada sob o número UM no valor de QUATROCENTOS E SESSENTA MIL EUROS, faltando para pagamento do valor total a que tem direito em participações sociais e bens imóveis – QUARENTA E QUATRO MIL CENTO E VINTE CINCO EUROS E CINQUENTA CÊNTIMOS, valor que declara já ter recebido”;

 

                b) “À outorgante mulher, A..., adjudicam as participações sociais acima identificadas sob os números, DOIS, TRÊS, QUATRO e todos os bens imóveis acima identificados sob as verbas números CINCO, SEIS, SETE, OITO E NOVE, tudo no valor global de QUINHENTOS E QUARENTA E OITO MIL DUZENTOS E CINQUENTA E UM EUROS E UM CÊNTIMO, o que excede o valor total a que tem direito em bens imóveis e participações sociais em QUARENTA E QUATRO MIL CENTO E VINTE E CINCO EUROS E CINQUENTA CÊNTIMOS” (cfr. documento nº 11). 

 

E mais refere que na PI que:

 

                "No que respeita às quotas de que o Requerente A... era titular na sociedade “C..., Lda.”, e que faziam parte dos bens comuns do casal, foi então adjudicada ao Requerente A... a quota com o valor nominal de € 460.000,00, e à Requerente B... a quota com o valor nominal de € 260.000,00 (cfr. documento nº 11)".

 

Na declaração mod. 3 de IRS do ano de 2015, entregue em 04/08/2016, em conjunto, pelo casal entretanto separado de pessoas e bens, consta no respetivo anexo G - Mais-valias e outros instrumentos patrimoniais o seguinte:

 

- Quadro 4 - Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis:

 

Pelo titular B (B...) - Alienação onerosa em 09/2015, de 100% de um imóvel urbano inscrito na matriz da freguesia ..., freguesia ... do concelho de Mira, sob o artigo 2717, pelo valor de € 150.000,00, cuja aquisição em 12/2002 havia sido efetuada pelo valor de € 93.587,43, com despesas e encargos de € 7.111,26.

 

- Quadro 9 - Alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários:

 

Pelo titular A (A...) foram alienadas onerosamente os seguintes:

 

               - Uma quota na sociedade C..., L.da, com o NIPC..., (Cód. G02) em 13/02/2015, pelo valor de € 260.000,00, que havia sido adquirida em 26/10/2010, pelo valor de € 260.000,00, sem registo de despesas e encargos;

 

                - Uma quota na sociedade D..., LDA, com o NIPC..., (Cód. G02) em 13/02/2015, pelo valor de € 80.000,00, que havia sido adquirida em 29/12/2011, pelo valor de € 80.000,00, sem registo de despesas e encargos;

 

  - Valores mobiliários não especialmente previstos (Cód. G03) na sociedade com o NIPC..., em 12/06/2015, pelo valor de € 2.687,86, que haviam sido adquiridos em 23/06/2003, pelo valor de € 5.601,76, com registo de despesas e encargos de € 45,78;

 

3 - Dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas

 

Entretanto, em razão da alegada venda de quotas por valor inferior ao capital social da sociedade, os Requerentes alegam o seguinte:

 

 «1. Cessão de quotas

No âmbito da partilha do património conjugal formalizada por escritura realizada a 13/02/2015 no Cartório Notarial da Dra. E... (Liv. 122-A, Fl. 126-131-A), a quota representativa do capital da sociedade C..., LDA, NIF..., pertencente ao casal foi objeto de divisão em duas:

• Uma, no valor de € 460.000, atribuída ao SP A... e que passou a integrar o seu património individual – Dep. 13/2015-02-13 18:30 na Conservatória do Registo Comercial de ...;

e

• Outra, no valor de € 260.000, que aquele cedeu à SP B... que também passou a integrar o património individual desta última – Dep. 14/2015-02-13 18:30 na mesma Conservatória.

/…/

Para efeitos da partilha foi atribuído a cada quota o preço equivalente ao seu valor nominal.

A partilha de bens e direitos, designadamente participações sociais, configura uma forma de transmissão onerosa sujeita a tributação em sede de IRS.

/…/

3. Enquadramento fiscal em sede de IRS

O Art.º 10.º do CIRS, prevê na al. b) do seu n.º 1 a sujeição a tributação na categoria G dos ganhos resultantes da alienação de partes sociais.

 /…/.

/…/

4. Fiabilidade do valor declarado a título de valor de realização (Art. 52.º do CIRS)

A contraprestação declarada pelas partes a 13/02/2015 para efeitos de partilha corresponde ao valor nominal da quota. Porém, segundo as demonstrações financeiras aprovadas pelos sócios com referência a 31/12/2014 (ano imediatamente anterior à partilha), a situação patrimonial da sociedade reflete um valor superior àquele que o cedente A... aceitou receber como contraprestação.

Vejamos:

 /…/

De acordo com o balanço supra, a 31/12/2014 a sociedade apresentava uma situação patrimonial favorável com um capital próprio muito superior ao nominal. A valorização atinge 38% em virtude das reservas e resultados acumulados, e não distribuídos pelos sócios, ao longo da atividade da empresa (com exclusão dos incorporados no próprio capital nominal por via do aumento de out/10).

O referido balanço reporta-se a escassos 44 dias antes da cessão/partilha das correspondentes quotas, desconhecendo-se qualquer facto relevante posterior passível de inverter a situação favorável refletida nas contas.

 /…/

A quota de € 260.000 cedida por A... a B... representa 28,8889% do capital da sociedade, e assegurava ao cedente, de pleno direito, a partilha do capital acumulado até 31/12/2014 de € 358.833,40 (€ 1.242.115 x 28,8889%). Não se mostra razoável que a tenha cedido a B...– pessoa com quem esteve casado e se separou judicialmente de pessoas e bens – por um valor inferior. Ademais quando aquele continua sócio da sociedade e envolvido na sua gestão.

 /…/

5. Impacto Fiscal

Face ao exposto, não merece crédito o valor de realização declarado pela cessão das quotas da C..., LDA, sendo de considerar o valor que resulta do balanço da sociedade a 31/12/2014, tal como se prevê nos n.ºs 1 e 3 do Art.º 52.º do CIRS. Por seu turno, impõe-se a correção ao valor de aquisição declarado pelos SP, na medida que a declaração entregue considera como valor de aquisição o valor nominal após aumento de capital por incorporação de reservas. Tal procedimento afronta claramente o disposto nos Art.º 48.º, al. b), e 43.º n.º 6, al. a), ambos do CIRS, e conduz à diminuição indevida da mais valia.

Concretizando, temos:

  Valor de realização: € 358.833,43; i.e. o valor do capital próprio expresso no balanço da C..., LDA a 31/12/2014, na mesma proporção do capital que é representado pela quota objeto de cedência por parte do SP A... (28,8889%).

 Valor de Aquisição: € 28.819,44, por ser o valor que o cedente A... despendeu em 1993 para subscrever a parte do capital da sociedade cedida em fev/15. Reafirma-se que as únicas entradas para o capital da C..., LDA por parte daquele sócio foram de € 79.807,67 em 1993, que lhe asseguraram 80% do capital da sociedade e a titularidade da quota de € 720.000 após o aumento de capital por incorporação de reservas efetuado em 2010. No cálculo considerou-se a proporção da quota cedida (após divisão) no valor inicial subscrito.

/…/.

Nestes termos, a mais valia resultante da cedência da quota da C..., LDA realizada pelo SP A... fixa-se em € 155.208,39 após consideração de apenas 50% do seu valor, em virtude da referida sociedade, face ao número de funcionários (15) e do volume de negócios e ativo (ambos inferiores a € 2.000.000), reunir as condições para ser qualificada de PME e aproveitar do benefício previsto no n.º 3 do Art.º 43.º do CIRS.

/…/

Sobre o referido valor incide a taxa especial de IRS de 28% (Art.º 72.º - 14 - n.º 1, al. c), do CIRS), daí que o imposto em falta no ano de 2015 se cifre em € 43.458,35 (€ 155.208,39 x 28%)» (cfr. pp. 3 a 8 do RIT – documento nº 14).

Em resultado das conclusões resultantes da acção inspectiva a que os Requerentes foram submetidos, foram os mesmos notificados da liquidação de imposto e de juros compensatórios objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, ou seja, daquela Liquidação de IRS nº 2019..., datada de 23/10/2019, relativa ao período de 2015, na qual foi considerado, designadamente, um «Rendimento global» de €44.696,20, um “Imposto relativo a tributações autónomas” de €41.957,64 e “Juros Compensatórios” de €5.503,45, da qual resultou um “VALOR A PAGAR” de €48.842,52, bem como a respectiva liquidação de juros compensatórios nº 2019..., das quais, na sequência dos estornos, acertos e regularizações efectuados resultou um “SALDO APURADO” no montante de €47.461,09 (cfr. documentos nºs 1, 2 e 3)".

 

Os Requerentes apresentaram em 17/12/2019 pedido de certidão contendo todos os fundamentos, documentos e demais elementos respeitantes às liquidações objeto da PI, que lhes foi emitida em 07/01/2020.

 

De seguida, na sua PI apresentam na parte relativa às suas…

 

RAZÕES DE DIREITO, os seus argumentos sobre:

 

 

a) A ilegitimidade por vício de falta da fundamentação legalmente exigida.

 

E, para o efeito, invocam o art.º 77.º, nºs 1 e 2 da LGT, que transcrevem, bem como os art.ºs 268.º/3 da CRP e 77.º, n.º1 da LGT, bem como o Acórdão do STA de 03/11/2010 (proc. n.º 784/10), de que transcrevem um excerto, tudo acerca da falta de fundamentação.                                                                                                                                                                                     

E argumentam que, relativamente às correções efetuadas pela AT, esta…

                "não logrou fundamentar os actos de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, tendo impossibilitado o conhecimento, pelos Requerentes, dos factos e das razões de direito que levaram a AT a decidir como decidiu"

 

E que, por isso,

                "Em concreto, desconhecem os Requerentes a motivação subjacente à qualificação, pela AT, do acto de partilha de uma quota que pertencia ao património comum do casal, e, por isso, também propriedade da Requerente B..., como uma transmissão onerosa de quotas sujeita a IRS, ex vi do disposto no art. 10º1/b do CIRS".

 

E transcrevem o que é referido pela AT no RIT:

 

                a) “No âmbito da partilha do património conjugal formalizada por escritura realizada a 13/02/2015 /…/ a quota representativa do capital da sociedade C..., LDA, NIF ..., pertencente ao casal foi objeto de divisão em duas”, e que uma delas “no valor de € 260.000”, o Requerente A... “cedeu à SP B...” (cfr. p. 3 do RIT);

 

                b) “A partilha de bens e direitos, designadamente participações sociais, configura uma forma de transmissão onerosa sujeita a tributação em sede de IRS” (cfr. p. 3 do RIT);

               

                c) “O Art.º 10.º do CIRS, prevê na al. b) do seu n.º 1 a sujeição a tributação na categoria G dos ganhos resultantes da alienação de partes sociais” (cfr. p. 4 do RIT).

 

Donde, conclui o Requerente que:

 

                "A AT limitou-se, pois, a concluir estar perante uma transmissão onerosa de partes sociais, sem indicar quaisquer razões de facto ou de direito que a tenham levado a concluir como concluiu, indicando, designadamente, o itinerário por ela percorrido que lhe terá permitido subsumir o acto de partilha de bens dos Requerentes, na sequência da sua separação de pessoas e bens, à norma contida no art. 10º-1/b do CIRS".

 

E os Requerentes realçam ainda o seguinte:      

 

                "É que, muito embora tenha indicado o art. 10º-1/b do CIRS, a título de alegado “3. Enquadramento fiscal em sede de IRS” (cfr. p. 4 do RIT), a citada disposição legal estatui apenas que “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: /…/ b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários”.

 

Donde concluem que:

 

                "Para que os actos tributários cuja pronúncia arbitral se requer se pudessem considerar devidamente fundamentados com a mera remissão para aquela disposição legal, cumpria à AT, antes de mais, ter exposto os motivos pelos quais entendeu qualificar a adjudicação da quota, que era património de ambos os Requerentes, à Requerente B..., como uma “Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários”, o que manifestamente não sucedeu".

 

Pelo exposto, alegam que:

 

                "não constando do alegado pela AT para efectuar as liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral fundamentos que permitam compreender o itinerário cognoscitivo que ela terá prosseguido para efectivar essas mesmas liquidações, essas liquidações encontram-se enfermas de vício de forma, por falta de fundamentação, que deverá determinar a sua anulação".

 

Partem, ainda, os Requerentes para a

 

b) Ilegalidade decorrente de erro nos pressupostos de facto e de direito

 

Neste âmbito, os Requerentes remetem para o disposto no artigo 10.º do CIRS, citando Paula Rosado Pereira (in Manual de IRS, Almedina, 2018, p. 180) e tecendo considerações sobre os pressupostos da incidência objetiva e para a falta de demonstração das correções efetuadas (tendo em consideração as regras de reparação do ónus da prova constantes do art.º 74.º-1 da LGT).

 

Assim, segundo os Requerentes, a AT deveria ter demonstrado que:

 

                a) O Requerente A... era o único proprietário da quota alegadamente cedida, uma vez que, pelo que se infere do RIT, a AT considerou o Requerente como único transmitente da mesma;

 

                b) A referida quota tinha sido por ele alienada onerosamente;

 

                c) O Requerente A... tinha obtido um ganho efectivo com essa alienação, traduzido num aumento do seu património.

 

E não foi isso que aconteceu, segundo os Requerentes.

 

E em defesa da sua tese, os Requerentes remetem para o que se estatui no art.º 1732.º do Código Civil, sobre o regime de comunhão geral de bens e para a doutrina do Prof. Doutor Pereira Coelho (in Curso do Direito de Família, Coimbra, 1981, p. 466) e Acórdão da Relação de Coimbra, de 20/10/2009, no Proc. 68/04.0TMCBR-B.C1, cuja súmula transcreve, para concluir que:

 

                "embora a Requerente B... não pudesse ser considerada sócia, ex-vi do disposto no art.º 8.º-2 do Código das Sociedades Comerciais",

 

                "…as quotas de que o seu marido (o Requerente A...) era titular na “C..., Lda.” pertenciam a ambos os elementos do casal, da mesma forma que pertenciam todos os restantes bens integrantes da comunhão conjugal".

 

E continua os seus argumentos de defesa no sentido de que:

 

                "contrariamente ao que parece ser o entendimento da AT, a partilha de bens não tem efeito constitutivo ou translativo de direitos, mas apenas o de reconhecer o direito do cônjuge a bens determinados e concretos integrantes daquele que era antes o património comum do casal".

 

                Por outro lado, também não concorda com as correções aos valores das quotas objeto da partilha, de aquisição e realização, com fundamento invocado pela AT, no art.º 52.º do CIRS, que determinou sendo de € 358.833,43 o valor de realização da participação social que alega ter sido alienada pelo Requerente, por corresponder ao…

 

                "“valor do capital próprio expresso no balanço da C..., LDA a 31/12/2014, na mesma proporção do capital que é representado pela quota objeto da cedência por parte do SP A... (28,8889%)” (cfr. p. 7).  

 

E mais referem os Requerentes que:

 

                "Para fundamentar a sua correcção, refere a AT que “segundo as demonstrações financeiras aprovadas pelos sócios com referência a 31/12/2014 (ano imediatamente anterior à partilha), a situação patrimonial da sociedade reflete um valor superior àquele que o cedente A... aceitou receber como contraprestação” (cfr. p. 5 do RIT), que “A quota de € 260.000 cedida por A... a B... representa 28,8889% do capital da sociedade, e assegurava ao cedente, de pleno direito, a partilha do capital acumulado até 31/12/2014 de € 358.833,40 (€ 1.242.115,72 x 28,8889%)”, e, bem assim, que “Não se mostra razoável que a tenha cedido a B...– pessoa com quem esteve casado e se separou judicialmente de pessoas e bens – por um valor inferior” (cfr. p. 7 do RIT).

 

E contrapõem, referindo que:

 

                "Ora, antes de mais, cumpre referir que o Requerente não recebeu qualquer “contraprestação” pela suposta transmissão onerosa que a AT entende ter ocorrido, não resultando provado no RIT qualquer facto demonstrativo da existência da mesma, impugnando-se, por não corresponder à verdade, tudo o que consta no RIT para sustentar essa afirmação".

 

Pelo que impugnam igualmente…

 

                "a afirmação contida no RIT, de que “A quota de € 260.000 cedida por A... a B... representa 28,8889% do capital da sociedade, e assegurava ao cedente, de pleno direito, a partilha do capital acumulado até 31/12/2014 de € 358.833,40 (€ 1.242.115,72 x 28,8889%)”, uma vez que, com fundamento em tudo o anteriormente alegado e que se dá por integralmente reproduzido, mercê do regime de bens adoptado pelos Requerentes, a referida quota pertencia a ambos, em comunhão".

 

E que:

 

                "Por esse motivo, em caso de alienação das participações sociais de que era titular na sociedade “C..., Lda.”, designadamente, daquela quota que alega a AT ter sido transmitida onerosamente, nunca ao Requerente seria assegurada “de pleno direito” a partilha total “do capital acumulado até 31/12/2014 de € 358.833,40”.

 

E a concluir:

 

                "Ao não ter logrado demonstrar que, na situação concreta em causa nos presentes autos, a quota de que o Requerente A... era titular no capital da sociedade “C..., Lda.” não poderia ter sido transmitida pelo seu valor nominal, não se verificam os pressupostos de recurso à norma do art. 52º-1 do CIRS, encontrando-se, também por esse motivo, as liquidações objecto do presente pedido enfermas de erro nos pressupostos, determinantes da sua anulação".

 

Pelo que e em resumo, entendem os Requerentes que

 

                "sempre deverão as liquidações objeto do presente pedido de pronúncia arbitral ser anuladas, com fundamento em erro nos respetivos pressupostos".

 

E, como consequência, peticionam na sua parte relativa ao…

 

 

DO DIREITO À RESTITUIÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS, BEM COMO AO RECEBIMENTO DE JUROS COMPENSATÓRIOS

 

Isto porque em 03/12/2019, os Requerentes procederam ao integral pagamento das quantias resultantes das liquidações objeto do presente pedido (cfr. documentos nºs 1 a 3), num total de €47.461,09, dentro do respetivo prazo de pagamento voluntário (cfr. documento nº 4).

 

E porque o IRS exigido foi pago deve, no seu entender, ser anulado face ao presente pedido de pronúncia arbitral, por força da ilegalidade praticada pela AT, dado que, realça,

 

"impende sobre a mesma AT a obrigação de, para além de restituir aos ora Requerentes aqueles €47.461,09 (cfr. art. 100º da LGT), pagar a estes os juros indemnizatórios legalmente previstos (cfr. arts. 43º e 100º da LGT, e 61º do CPPT)…

 

                "…desde a data em que foi efetuado o pagamento, ou seja, desde 03/12/2019, até à data da emissão da nota de crédito em que esses juros indemnizatórios devem ser incluídos (cfr. art. 61º-5 do CPPT), assim se restabelecendo a situação que existiria se as liquidações objeto do presente pedido de pronúncia arbitral não tivessem sido efetuadas, e, assim, se a ilegalidade não tivesse sido cometida (cfr. art. 100º da LGT)..

 

 

II - DA ANULAÇÃO OFICIOSA E REVOGAÇÃO PARCIAL DA LIQUIDAÇÃO

 

Na sequência da apresentação do pedido de pronúncia arbitral em 02/03/2020, a AT comunicou ao CAAD, ao abrigo do art.º 13.º. n,º 1 do RJAT, em 12/06/2020, que "procedeu à revogação parcial do ato tributário objeto de pronúncia arbitral, conforme despacho da SDG da área da Gestão Tributária do IR, de 01/06/2020.

 

O Presidente do CAAD, na sequência da comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira prevista no artigo 13.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), determina a notificação aos Requerentes, em 16/06/2020, para que, face ao circunstancialismo previsto no artigo 13.º n.º 2 do RJAT, se digne informar o CAAD, querendo, sobre o prosseguimento do procedimento.

 

Esta notificação foi feita de imediato, pelo CAAD, na pessoa do seu mandatário, que veio no seu Requerimento de 29/06/2020, a argumentar nos termos que se seguem, resumidamente:

 

a) Do âmbito ou extensão do acto de revogação

 

Também pelo Ofício n.º..., de 15/06/2020, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (DSIRS), foram os Requerentes notificados, dando-lhe conhecimento "de que, nos termos e para efeitos do n.º 1 do art.º 13.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), por despacho da Subdiretora-Geral da área da Gestão Tributária - Impostos sobre o Rendimento, datado de 01/06/2020, foi parcialmente revogado o ato que constitui o objeto do pedido de constituição do tribunal arbitral" cfr. doc. 1).

 

Na resposta dada pelos Requerentes em 30/06/2020 é citada a Informação anexa ao Ofício n.º..., antes referido, cujo ponto 20 da mesma apresenta a seguinte Conclusão:

 

                "Conclui-se, deste modo, que a liquidação de IRS n.º 2019..., realizada em resultado das correções efetuadas pelos serviços de Inspeção da Direção de Finanças de ..., deve ser reformulada, circunscrevendo-se o valor da mais-valia à percentagem de património que o requerente recebeu a mais a título de tornas, aplicando-se essa percentagem aos valores corrigidos pela referida DF".

 

E que na parte IV da mesma Informação é referido que:

 

                "Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que o pedido deverá ser parcialmente deferido, procedendo-se á revogação parcial do ato, em conformidade com os termos e fundamentos invocados (cfr. doc. n.º 1)".

 

E porque no entender dos Requerentes, face à nova situação criada pela AT, com o conteúdo da Informação acima citada e respetivo Despacho, no n.º 10.º do seu Requerimento é referido o seguinte:

 

                "…Salvo o devido respeito por melhor opinião, o acto que foi praticado pela AT através do despacho de 01/06/2020, não consubstancia uma “revogação parcial” do acto objecto do pedido, mas sim uma revogação total do mesmo acto, acompanhada de uma nova regulação da situação jurídico-tributária dos Requerentes, com base numa alteração do facto tributário invocado como gerador da obrigação de imposto, com as devidas consequências legais".

 

E salientado, desde logo, no Requerimento, que a AT

 

                "não se limitou a uma «revogação parcial» do ato objeto do pedido, tendo antes consubstanciado uma efetiva revogação total do mesmo, acompanhada de uma nova regulação da situação jurídico-tributária dos Requerentes, através da

 

………………alteração do facto tributário invocado como fundamento da obrigação do imposto".

 

E isto porque, realçam os Requerentes no seu n.º 7:

 

                "…se, no RIT, a situação de facto concreta a que a AT atribuiu relevância jurídico-tributária foi a adjudicação à Requerente B..., em resultado da partilha de bens do casal, daquela quota no valor de €260.000,00 na sociedade “C..., Lda.”, já na “Informação” anexa ao Ofício nº..., a situação de facto concreta a que a AT atribuiu relevância jurídico-tributária foi o pagamento de tornas da Requerente B... ao Requerente A..., mais concretamente, a “percentagem de património que o requerente recebeu a mais a título de tornas (cfr. documento nº 1)". 

 

Donde, portanto, segundo os Requerentes, ocorreu a…

 

b) Caducidade do direito a uma nova liquidação

 

Os Requerentes invocam, desde logo, o estatuído no art.º 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), cujo n.º 1 transcrevem:

 

                “1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos”,

 

sendo que:

 

                “4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”.

 

E que, portanto, realçam os Requerentes,

 

                "tendo o alegado facto tributário gerador da obrigação de imposto ocorrido em 2015 (cfr. doc. 1)",

                "verifica-se que, na data em que os Requerentes foram notificados do despacho proferido, em 01/06/2020, pela Exma. Senhora Subdirectora-Geral da Área de Gestão Tributária dos Impostos sobre o Rendimento, já haviam decorrido mais de quatro anos desde o termo do ano em que se verificou o facto tributário aí invocado pela AT (isto é, o pagamento de tornas pela Requerente em sede de partilha dos bens comuns do casal) para fundamentar o seu direito a imposto".

 

Mais reforçando que,

 

                "em consequência, quando os Requerentes foram notificados do acto praticado pela AT, que revogou a anterior liquidação de IRS e procedeu à nova regulação da situação jurídico-tributária dos Requerentes, através da alteração do facto tributário invocado como fundamento da obrigação de imposto, o exercício do direito à liquidação (quer no que respeita ao IRS quer no que respeita aos respectivos juros compensatórios) já havia caducado, por terem decorrido mais de quatro anos contados desde o termo do ano em que se verificou o alegado facto tributário sem que entretanto tivesse ocorrido qualquer causa de interrupção ou de suspensão desse prazo de caducidade, caducidade essa do direito à liquidação que aqui expressamente se invoca".

 

E que, continuam os Requerentes:

 

                "Por esse motivo, o acto praticado pela AT, na parte em que, tendo substituído o facto tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral por outro, quando o direito a praticar um novo acto tributário já tinha caducado, procedeu a uma nova e ilegal regulação da situação jurídico-tributária dos Requerentes, pelo que sempre deverá ser anulado, com as legais consequências".

 

Mas, em todo o caso, sem conceder, os Requerentes trazem à colação os fundamentos da…

 

c) Da ilegalidade da revogação meramente parcial da liquidação, decorrente de erro nos pressupostos de facto e de direito

 

Referem os Requerentes, nos n.ºs 17 e 18, que mesmo que o despacho proferido pela Subdiretora-Geral da Área da Gestão Tributária dos Impostos sobre o Rendimento, de 01/06/20209, consubstancie uma "revogação parcial" da liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral, então,

 

                "Sempre a referida liquidação de IRS objecto do pedido de pronúncia arbitral, alterada pelo       despacho de 01/06/2020 da Exma. Senhora Subdirectora-Geral da Área de Gestão Tributária dos Impostos sobre o Rendimento deveria ser anulada, quer com fundamento nos vícios que lhe são assacados no pedido de pronúncia arbitral (o qual se dá aqui por integralmente reproduzido) e que não foram agora corrigidos, quer com fundamento na ilegalidade decorrente de erro nos pressupostos de facto e de direito em que a AT incorreu na alegada “revogação parcial” da mesma".            

 

 

III - REQUERIMENTO ADICIONAL DOS REQUERENTES

 

A 3 de setembro de 2020 vêm os Requerentes reagir agora contra a liquidação de IRS n.º 2020..., datada de 11/07/2020, efetuada pela AT na sequência da "decisão proferida no processo de Decisão Arbitral com o n.º ...", cujo valor a pagar se cifrou em € 2.912,93, bem como da demonstração da demonstração da respetiva liquidação de juros compensatórios com o n.º 2020..., que juntam (cfr. docs. 1 e 3).

 

Esclarece que esta liquidação resulta da de decisão de revogação "parcial" por despacho da SDGeral da área da Gestão Tributária dos Impostos sobre o Rendimento, de 01/06/2020, ao abrigo do artigo 13.º, n.º do RJAT, do ato de liquidação de IRS objeto do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelos Requerentes em 29/06/2020.

 

E que em requerimento de 29/06/2020 já os Requerentes haviam apresentado, ao abrigo do disposto no mesmo artigo 13.º, n.º 2 do RJAT, informando os autos de que pretendiam prosseguir com o processo relativamente a esse último ato de revogação praticado pela AT, alegando o que já consta do Ponto II - Revisão Oficiosa da Liquidação, na presente decisão arbitral.

 

No entanto, resumidamente, lembra-se que este requerimento tem por fundamento contestar a referida liquidação de IRS n.º 2020..., datada de 11/07/2020, no valor de € 2.912,23, em que se incluem juros compensatórios de € 29,60, conforme demonstração da respetiva liquidação destes juros compensatórios com o n.º 2020... .

 

E aduz como fundamentos vícios e erros da mesma liquidação, aliás, já antes alegados no dito requerimento de 29/06/2020, fundamentalmente alegando que a AT praticou com esta nova liquidação de IRS, "uma nova regulação da situação jurídico-tributária dos Requerentes através da modificação do facto tributário gerador da obrigação de imposto, que deveria ser anulado por ter sido praticado quando já havia caducado o direito à liquidação".

 

Mas que, caso assim não se entendesse, "deveria ser anulado por o mesmo enfermar de ilegalidades decorrentes de erro nos pressupostos de facto e de direito".

 

 

IV - DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

A Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida), responde ao pedido de pronúncia arbitral, em que os Requerentes solicitam a anulação da liquidação de IRS n.º 2019 5005678437, de 23 de outubro de 2019 e a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos que se sintetizam.

 

1. DO PEDIDO

 

Relembra, porém, antes de mais, que…

 

"No decurso do procedimento arbitral prévio à constituição do presente Tribunal Arbitral, a Requerida procedeu, oportunamente, à revogação parcial do acto tributário sub judice".

 

Desde logo é referido que essa revogação parcial teve por base, no cálculo, que:

 

                " no total do valor do património (€ 1.008.251,00), dividido pelos cônjuges (€ 504.125,50), o valor das tornas que o Requerente recebeu representa 8.75% da parte que lhe pertencia na divisão do património comum".

 

E que:

 

                "Aplicando esta percentagem ao valor de realização e ao valor de aquisição, obtiveram-se os seguintes valores:

 

                1. Valor de realização: € 358.833,43 x 8,75% = € 31.397,93

                2. Valor de aquisição: € 28.819,44 x 8,75%= € 2.521.70 7.

 

                Concluiu-se, deste modo, que a liquidação de IRS n.º 2019..., realizada em resultado das correcções efectuadas pelos SIT da DF de..., haveria que ser reformulada, tal como foi (cf. art.º 13.º do RJAT), circunscrevendo-se o valor da mais-valia à percentagem de património que o Requerente recebeu a mais a título de tornas, aplicando-se essa percentagem aos valores corrigidos pela referida DF".

 

E que,

 

                "Consequentemente, aquele valor deverá ser relevado para efeitos de fixação do valor do pedido de pronúncia arbitral".

 

Posto isto, a Requerida passa a descrever …

 

2. OS FACTOS

 

Desde logo, chama atenção de que para a boa decisão dos autos, deverão dar-se como assentes os seguintes factos:   

 

a)            “A liquidação contestada teve origem numa correcção efetuada pela DF de ... ao rendimento declarado pelos requerentes no ano 2015, em concreto, aos valores de aquisição e realização da alienação da quota detida pelo requerente na sociedade C..., Lda, no âmbito de uma acção de inspeção desenvolvida pelos Serviços de Inspeção Tributária – SIT – daquela Direcção.

 

                b) A ação de inspecção foi determinada pela ordem interna n.º 2018..., que, por sua vez, se inseria no projeto “PR...”, destinado a detetar transmissões onerosas de quotas pelo valor nominal quando o valor apurado, de acordo com o balanço da sociedade, for superior”.

 

Remete, pois, a Requerida para o exposto na PI dos Requerentes, nos documentos a ela anexos e no Relatório da Inspeção Tributária (RIT), de cuja análise releva o seguinte:

 

                c) "Os Requerentes, casados desde 29-08-1981, separaram-se de pessoas e bens a 06-02-2015 (Cf. cópia da decisão proferida a 06-02-2015, no processo de separação de pessoas e bens que correu os seus termos na Conservatório do Registo Civil de ..., identificada como Doc 10 em anexo ao ppa e para o qual se remete)". 

 

                d) "A 13-02-2015, os Requerentes procederam à partilha dos bens comuns, tendo declarado, na escritura de “divisão de quota, partilha para a separação de meações, renúncia à gerência e alteração do pacto social”, que o património comum do casal era composto pelas seguintes participações sociais:

 

1)            uma quota detida pelo requerente marido na sociedade comercial, “C..., Lda”, com o valor nominal de € 720.000,00;

 

                               2) uma quota no valor de € 80.000,00, na titularidade do Requerente, na sociedade D..., Lda;

 

                               3) uma quota no valor de € 20.000,00, detida pela requerente, na sociedade D..., Lda".

 

E que:

                e)" No total, o valor das participações sociais era de € 820.000,00".         

               

E ainda que, em termos de partilha dos bens do casal:

 

                               f)  "Estas duas últimas quotas foram atribuídas à Requerente, ficando esta a deter a totalidade do capital social da sociedade D..., Lda".

 

                               g) "A quota detida na sociedade “C..., Lda”, com o valor de € 720.000,00 foi dividida em duas (2) quotas:

 

                                               (1) uma, no valor de € 460.000,00 e

                                               (2) outra, no valor de € 260.000,00 foi atribuída à Requerente".

 

                               h) "No âmbito da partilha realizada, a quota no valor de € 460.000,00 foi atribuída ao Requerente marido e a outra, no valor de € 260.000,00, foi atribuída à Requerente esposa".

 

                E portanto:

 

                               i)"… no total, o Requerente ficou com € 460.000,00 do valor total as participações sociais e a Requerente com € 360.000,00".

 

                Mais esclarece a Requerida que:             

 

                               j) "Não houve lugar ao pagamento de tornas por parte do Requerente em virtude do excesso de quota parte no património composto por participações sociais.

 

                Quanto ao património imobiliário do casal, a situação patrimonial era a seguinte:

               

                               k) " O património imobiliário possuía um valor de € 188.251,01, sendo o valor da meação de cada um dos cônjuges de € 94.125,50.

 

E que a partilha deste património imobiliário foi a seguinte:

 

                l) "A Requerente ficou com a totalidade dos imóveis pertencentes ao património comum dos cônjuges, o que lhe conferiu um excesso de € 94.125,51 22.

 

                m) "A este valor foi deduzido o excedente que o Requerente havia recebido em participações sociais, o que perfez um montante de € 44.125,51 23.

 

E que, em consequência:

 

                n) Este valor foi, então, entregue pela Requerente B... ao Requerente A..., a título de tornas, tendo ficado exarado, na escritura de partilha, que:

 

                                “Para efeitos fiscais, a outorgante mulher, B..., leva a mais em bens imóveis o valor de noventa e quatro mil, cento e vinte e cinco euros e cinquenta e um cêntimos”.

 

                Posto isto, foi entregue por ambos os Requerentes, em 31/05/2016, declaração Mod. 3 de IRS, referente aos rendimentos auferidos no ano anterior (2015), onde declararam a alienação das quotas que o Requerente detinha na sociedade C..., Lda (...) e na sociedade D... (...).

 

                E que nessa declaração:

 

                o) "O Requerente declarou, no quadro 9 da declaração Mod. 3 de IRS, como alienação, a transmissão da quota no valor de € 260.000,00 detida na sociedade “C... LDA” que, em virtude da partilha e divisão de bens realizada no âmbito da separação de bens e pessoas dos Requerentes, foi atribuída à Requerente mulher.

 

Os dados relevados nesse Quadro 9, para efeitos de apuramento das mais ou menos valias foram os seguintes:

 

                p) " Titular: A (requerente)

                               i. Entidade emitente: C...  ....

                               ii. Valor de realização: € 260.000,00

                               iii. Valor de aquisição: € 260.000,00

 

                q) "Titular: A (requerente)

                               i. Entidade emitente: ...– D...

                               ii. Valor de realização: € 80.000,00

                               iii. Valor de aquisição: € 80.000,00

 

Donde se conclui que em ambos os casos, o valor da mais-valia declarada foi de € 0,00, pois tanto numa situação como na outra, o valor de aquisição e o valor de realização eram iguais.

 

A AÇÃO DA INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA

 

Porém,

 

                r) "no âmbito da ação de inspecção desenvolvida, os SIT da DF de ... consideraram que os valores de realização e de aquisição da alienação da quota que o Requerente detinha na sociedade “C...” (NIPC:...), não haviam sido corretamente declarados, tendo procedido à sua correcção do seguinte modo:

 

Quanto ao valor de realização:

 

                s) "O Art.º 44.º n.º 1 define o valor a considerar nas diversas formas de transmissão dos bens e direitos objeto de tributação âmbito da categoria G do IRS, prevendo na sua al. f) a contraprestação recebida pelo alienante".

 

                t) "Todavia, o Art.º 52.º do mesmo Código, prevê a faculdade da AT considerar um valor superior nas situações que considere haver divergência entre o valor declarado (como o de realização) e o de transmissão, estabelecendo no seu n.º 3 o seguinte: “quando se trate de quotas, presume-se que o valor de alienação é o que àquelas corresponda, apurado com base no último balanço”

 

                u) "A contraprestação declarada pelas partes a 13/02/2015 para efeitos de partilha corresponde ao valor nominal da quota.

 

                v) "Porém, segundo as demonstrações financeiras aprovadas pelos sócios com referência a 31/12/2014 (ano imediatamente anterior à partilha), a situação patrimonial da sociedade reflete um valor superior àquele que o cedente A... aceitou receber como contraprestação.

 

                x) "Assim, e considerando que o valor nominal da quota e o valor espelhado no balanço divergiam, consideraram os serviços de inspeção ser de corrigir o valor de realização “na mesma proporção do capital que é representado pela quota objeto da cedência por parte do SP A... (28,8889%)”.

 

Quanto ao valor de aquisição:

 

                z) "Quanto ao valor de aquisição, entenderam também os SIT, ser de proceder à sua correção para € 28.819,44,

                               “por ser o valor que o cedente A... despendeu em 1993 para subscrever a parte do capital da sociedade cedida em fev/15”.

 

E conclui a Requerida, face ao exposto, que a ação de inspeção referida originou duas liquidações, a saber:

 

                "1. A liquidação 2019..., de 09.09.2019, anulada no mês seguinte, e

                  2. a liquidação n.º 2019..., de 23 de outubro de 2019, aqui em dissídio".

 

Os Requerentes, notificados dos resultados da inspeção tributária supra descrita, por não concordarem com os resultados referidos, apresentaram a presente ação arbitral, com os fundamentos aduzidos na sua petição e já anteriormente sumariamente expressos.

 

Refere a Requerida que após notificação da petição arbitral apresentada, foi notificada nos termos e para os efeitos do art.º 13.º do RJAT, de que o ato havia sido revogado parcialmente, tal como foi também transmitido aos Requerentes, através do Ofício n.º..., de 15/06/2020.

 

E que, não obstante, decidiram os Requerentes prosseguir a demanda.

 

E fizeram-no apresentando um requerimento adicional, em que tecem considerações e apresentam uma fundamentação que consta, também sumariamente, da parte II - DA ANULAÇÃO OFICIOSA E REVOGAÇÃO PARCIAL DA LIQUIDAÇÃO.

 

Refere, então, a Requerida que importa proceder à análise do pedido então apresentado, a requerer o prosseguimento da ação e a apresentar os seus fundamentos.

E fazem-no nos seguintes termos, que também se sumariam do seguinte modo:

 

 

- POR IMPUGNAÇÃO

 

Referem, desde logo, que:

 

                "Deverão considerar impugnados os factos alegados pela Requerente que se encontrem em oposição com a presente defesa, considerada no seu conjunto, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 574.º do Código do Processo Civil - CPC, ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do art.º 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - RJAT".

 

E clarificam, desde logo, que:

 

                "Com efeito, em momento algum os Requerentes provam o que caucionam ao longo do seu ppa, 

 

i.e.:

 

                "Os Requerentes não concretizaram nenhuma situação objectiva conducente à sua conclusão de que os valores corrigidos pela AT não fossem consentâneo com a realidade jurídico-económica das empresas em casua– fosse em sede inspectiva, fosse agora nos presentes autos arbitrais…"

 

"… e, apesar de referirem que o valor do capital próprio apurado no balanço não coincide, necessariamente, com o valor de mercado das participações sociais representativas do capital da sociedade, nada provou nesse sentido"

 

E acrescenta a Requerida:

 

"Aliás, essa necessária prova haveria que ser contemporânea.

 

"Que não foi".

 

E a Requerida mais realça que:

 

                "Na verdade, à mingua de prova trazida à colação quer no procedimento tributário, quer nos presente autos, a conclusão não poderia ser diferente".

 

Donde, acrescenta:

 

                "termos em que os elementos apresentados não são probatório suficiente ou idóneo que permita sustentar as alegações proferidas quer em sede de procedimento, quer nestes autos, contrariando a posição da AT".

 

E a Requerida realça a sua tese, afirmando ainda que:

                "O princípio do ónus da prova consubstancia-se no princípio de que quem alega um determinado facto constitutivo de um direito, tem a necessidade de prová-lo. (cf. art.º 342.º do Código Civil – CC e n.º 1 do art.º 74.º da LGT)".

 

E refere ainda Manuel de Andrade a propósito deste princípio geral da prova:

 

"“para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova: ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte)” In Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pág. 184".

 

E termina a Requerida por afirmar que:

 

                "…é à parte que alega determinados factos que compete fornecer a demonstração da realidade dos factos alegados, necessários à procedência do pedido por si deduzido em juízo".

 

- DO DIREITO

 

Quanto à alegada falta de fundamentação

 

A Requerida remete, desde logo, para a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ("STA"), que tem…

 

                "…uniformemente vindo a entender que a fundamentação do ato é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não outra".

 

E transcreve também alguns excertos de acórdãos do STA, designadamente o proferido em 2000-04-13, no âmbito do recurso 31.616 e no proferido a 1998-10-28, em abono do que vem defendendo em termos de fundamentação, que vão no sentido de que "a fundamentação varia consoante e tipo legal de ato administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dada a funcionalidade do instituto e os objetivos essenciais a prosseguir".

 

E reforça ainda a sua tese com o entendimento plasmado no acórdão da secção do contencioso do STA, proferido a 1993-05-25, no âmbito do recurso n.º 27387, de que transcreve também uma síntese.

 

E continuando a sua resposta, a Requerida refere que:

 

                "De facto, não é possível afirmar que determinado acto se encontra infundamentado quando, no caso concreto, a motivação contextual permitiu ao seu destinatário ficar a saber as razões de facto e de direito que levaram a Requerida a tomar a decisão em causa, com aquele sentido e conteúdo".

 

                E cita Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, transcrevendo uma passagem da "Lei Geral Tributária comentada e anotada. 3.ª edição, s.l., Vislis, 2003, págs. 381-382".

 

Bem como, a sólida orientação de que

 

                "…os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam e que as formalidades procedimentais essenciais se degradam em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las (cfr. neste sentido os seguintes acórdãos: de 1989-07-13, no recurso n.º 18.270, in Apêndice ao Diário da República de 1991-04-30; de 1997-12-17, no recurso n.º 36.001, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 472, pág. 246; de 1997-11-20, no recurso n.º 41.719, in Cadernos de Justiça Administrativa n.º 13, pág. 14; de 2001-10-03, no recurso n.º 36.037, in Apêndice ao Diário da República de 2003-10-23).

 

Terminando com a afirmação de que…

 

                "improcedem assim os argumentos que os Requerentes esgrimem no que concerne à falta de fundamentação da decisão sub judice".

 

- Da alegada inexistência de facto tributário e do alegado erro nos pressupostos de facto e de direito

 

Esta alegação dos Requerentes aponta para a inexistência de facto tributário e, por isso, a Requerida, antes de mais, crê que a questão que se coloca "é a de saber se a partilha da quota que o requerente detinha na sociedade «C... », configura uma transmissão onerosa, sujeita a IRS nos termos da alínea b) do art.º 10.º do CIRS".

 

E, para tanto, refere que:

 

                "Nos termos da alínea b), do n.º 1 do art.º 10.º do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários".

 

E reconhece que

 

                "A partilha de uma quota não consta, de forma individualizada, do elenco de operações susceptíveis de gerar uma mais-valia sujeita a IRS.      

 

Mas esclarece que:

 

                "Assim, a suscetibilidade de um acto de partilha de uma quota gerar uma mais-valia enquadrável no art.º 10.º do CIRS depende da verificação cumulativa de duas condições, a saber:

 

                               1. Que da partilha resulte uma transmissão onerosa;

                               2. Que por força dessa transmissão resulte um ganho na esfera do sujeito                           passivo".

 

E reconhece que:

 

                "do ponto de vista conceptual, a partilha e a alienação onerosa de um bem configuram operações opostas, não sendo a partilha, à partida, uma operação que dê origem a uma transmissão onerosa de um bem.

 

E clarifica que:

 

                "Com efeito, enquanto uma transmissão ou alienação onerosa assenta num “sistema de contrapartidas”, em que, por efeito do negócio, ambas as partes ficam obrigadas ao cumprimento de prestações patrimoniais, sendo a prestação de uma parte a contrapartida da outra, a partilha consubstancia um acto de divisão de uma coisa ou de um património comum, em que cada titular recebe, em princípio, a parte do bem que lhe pertence".

 

E conclui a Requerida que:

 

                "Assim, só é possível qualificar uma partilha como uma transmissão onerosa se um dos titulares do bem comum receber um valor superior ao da sua meação, “pagando” à outra parte o valor que recebeu em excesso".

 

E afirma a Requerida que:

 

                " a correcção efetuada pela DF de ... circunscreveu-se fundamentalmente à correcção dos valores de realização e aquisição da operação declarada pelo Requerente como aquisição da quota atribuída à Requerente na sociedade C..., nos termos do n.º 3 do art.º 52.º do CIRS, que se justifica nos seguintes termos: houve lugar a ajustamento, ao abrigo do art.º 52.º do CIRS, do valor declarado (igual ao nominal) da quota de € 260.000,00 adjudicada à Requerente, por o mesmo não expressar convenientemente o capital próprio da sociedade , após aprovação das contas do exercício de 2014".

 

E a Requerida remete para subponto 4 do capítulo III 1 do Relatório da Inspeção Tributária, com destaque para o balanço a 31-12-2014 da sociedade C..., Lda, ser este o balanço que o n.º 3 do artigo 52.º prescreve como referencial.

 

E mais explicita a Requerida que a adequabilidade deste elemento - imposto por lei - como realça, encontra a seguinte justificação:

 

                "a) No facto de o balanço, enquanto peça central ilustrativa da situação patrimonial-financeira, permitir a valorização dos bens, direitos e obrigações da sociedade reportados à data da elaboração das demonstrações financeiras.

                b) De notar que as sociedades estão obrigadas a executar a contabilidade em respeito da normalização contabilística, as quais preveem mecanismos para garantir a periodização do resultado (especialização de gastos e réditos), o ajustamento do valor dos activos (depreciações, ímparidades de inventários ou de dívidas a receber), e o reconhecimento de eventuais responsabilidades futuras (provisões para riscos e encargos). c)Em conformidade, ainda, com o disposto no n.º 1 do art.º 75° da LGT, "presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal ( ... )"donde, não havendo circunstâncias que afastem a referida presunção relativamente às demonstrações financeiras de 2014, são as mesmas um elemento objectivo e fidedigno ao dispor da AT.

                d) Na evidente proximidade temporal entre a data do balanço e a da transmissão em análise.

                e) Na ausência de factos relevantes no período compreendido entre aquela data (31-12- 2014) e a da transmissão (13-02-2015), passiveis de diminuir o património detido pela sociedade, ou incrementar de forma extraordinária responsabilidades futuras.

                f) Com efeito, aquando do depósito de contas, nenhuma ocorrência foi relatada a esse propósito no item reservado para o efeito.               g) Na evolução claramente favorável da sociedade no ano da partilha ao apurar um resultado de € 134.232,12, por comparação ao de € 63.328,39 obtido em 2014.

                h) O desempenho verificado no exercício de 2015, assim como nos seguintes, demonstra que a sociedade dispunha de valor consentâneo com o activo e passivo expresso no balanço utilizado como referencial, e que não ocorreu nenhum facto relevante que tenha afetado esse valor.

                i) De resto, renove-se, os Requerentes não concretizaram nenhuma situação objectiva conducente a essa conclusão – fosse em sede inspectiva, fosse agora nos presentes autos arbitrais – e, apesar de referir que o valor do capital próprio apurado no balanço não coincide, necessariamente, com o valor de mercado das participações sociais representativas do capital da sociedade, nada provou nesse sentido".

 

Mais refere que

 

                "Com referência a 31/12/2004, o capital próprio da sociedade ascendia a € 1.242.115,72, ultrapassando em € 342.115,72 o seu valor nominal (€ 900.000,00), o que representa uma valorização, em termos relativos, de 38% (€ 342.115, 72 / € 900.000,00)".

 

E, em consequência, conclui que:

 

                "Reportando em concreto à quota transmitida, o valor nominal e declarado de € 260.000,00 estava € 98.833,43 abaixo do valor que lhe correspondia face ao capital próprio apurado no balanço da sociedade a 31-12-2014:

 

               

 

 

Capital próprio

a 31.12.2014       Capital social      Val. nominal da quota transmitida           %

no capital            Valor no capital próprio que lhe corresponde   

Valor declarado

Diferencial

(1)          (2)          (3)          (4)=(5)/(1)          (5)=(1)x(4)         (6)          (7)=(5)-(6)

€  1.242.115,72  €  900.000,00      €  260.000,00     28,88889 %        €  358.833,42     €   260.000,00    €  (98.833,43)

 

Donde, conclui a Requerida que:

 

                "A discrepância percentual e absoluta entre a valorização feita no âmbito da transacção, e a que resulta do balanço aprovado e objecto de depósito de contas e comunicação à AT através da declaração IES com referência a data anterior à partilha em apenas 44 dias, expressa materialidade suficiente para, no contexto antes descrito, justificar o recurso, por parte da AT, da faculdade prevista no n.º 1 do art.º 52.º do CIRS".

 

Concluindo a Requerida que há uma inadequação do valor de realização utilizado na partilha, face ao capital próprio que a sociedade detinha na data próxima de 31/12/2014, interpretando os dados à luz do senso comum.

 

E que também não tem qualquer fundamento, segundo ainda a Requerida:

 

                "a alegação de falta de contraprestação para o Requerente que confira à partilha a natureza de transmissão onerosa e, por inerência, a sua integração no campo de incidência da categoria G do IRS".

 

E mais refere o seguinte:

 

                "É que, além do apuramento de tornas de € 44.125.50 que o ora Requerente declarou na escritura de 13-02-2015 'ter já recebido' (Anexo 3, a fls. 6, do RIT), foi-lhe adjudicada quota de valor superior às transmitidas para a Requerente, e que superam a sua meação no património mobiliário do casal".

 

E que:

 

                "A contraprestação não se resume a meios monetários, mas também a quaisquer outros elementos patrimoniais em espécie que revertam a favor do transmitente.

 

E em conclusão:

 

                 "Ora, o Requerente recebeu em tornas o valor de € 44.125,50

E…

                "Assim, e seguindo o entendimento acima plasmado, de que a uma partilha na qual haja lugar a tornas configura uma alienação onerosa, forçoso é concluir que o valor recebido pelo Requerente a título de tornas configura um ganho resultante da partilha da participação social que o Requerente detinha na sociedade “C...”

 

E conclui a Requerida que:

 

                "Deste modo, o valor de realização e de aquisição a ter em consideração para efeitos do cálculo da mais-valia deverá ser limitado ao valor que as tornas representam na totalidade do valor da operação".

 

E releva que foi com base neste entendimento que foi revogado parcialmente o acto (nos termos previstos do art.º 13.º do RJAT), tal como foi transmitido ao Requerente através do ofício ..., de 15-06-2020.

 

E explicita ainda que:

 

                "Calculou-se, assim, que no total do valor do património (€ 1.008.251,00), dividido pelos cônjuges (€ 504.125,50), o valor das tornas que o Requerente recebeu representa 8.75% da parte que lhe pertencia na divisão do património comum".

 

E que…

 

                "Aplicando esta percentagem ao valor de realização e ao valor de aquisição, obtiveram-se os seguintes valores:

 

                3. Valor de realização: € 358.833,43 x 8,75% = € 31.397,93

                4. Valor de aquisição: € 28.819,44 x 8,75%= € 2.521.70 96".

 

E…

 

                "Concluiu-se, deste modo, que a liquidação de IRS n.º 2019..., realizada em resultado das correcções efectuadas pelos SIT da DF de ..., haveria que ser reformulada, tal como foi (cf. art.º 13.º do RJAT), circunscrevendo-se o valor da mais-valia à percentagem de património que o Requerente recebeu a mais a título de tornas, aplicando-se essa percentagem aos valores corrigidos pela referida DF.

 

E por não haver mais relevante para os autos, depois de ultrapassada pelo Tribunal a questão da prova testemunhal e do depoimento da parte, termina apreciando a questão dos…

 

 

V - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Respondendo ao pedido de juros indemnizatórios por parte dos Requerentes, nas Conclusões da sua PI, sem invocação de qualquer legislação que os legitime, 

 

A Requerida começa por transcrever o disposto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, que refere:

 

                 «[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.»

 

E refere que, no caso em apreço,

 

                " a correção dos valores de realização e aquisição foi despoletado por um erro do Requerente ao declarar de forma errada os referidos valores, não se verificando, assim, um erro imputável à AT que fundamente o pagamento de juros indemnizatórios".

 

Terminando por concluir que deve:

 

                " a) Ser reduzido o valor da acção em conformidade com a revogação parcial     efectuada pela Requerida,

 

                b) ser recusada a prova testemunhal e depoimento de parte por inútil e proibida

 

                c) o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e, consequentemente,     absolvida a Requerida de todos os pedidos com as legais consequências.

 

 

VI - DAS ALEGAÇÕES

 

                 

 Foi requerida pelos Requerentes a dispensa de alegações e aceite pelo Tribunal, após notificação à Requerida, que também não apresentou alegações.

 

 

VII - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

O Tribunal encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

 

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

Tendo em conta a prova documental junta aos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão.

 

 

VIII - Fundamentação

 

1. Matéria de facto

 

Os Requerentes, casados desde 29/08/1981       sob o regime de comunhão geral de bens, procederam à separação de pessoas e bens por mútuo consentimento em 13/02/2015, conforme respetiva escritura notarial, em que também se procedeu à "Divisão de quota, partilha e separação de meações, renúncia à gerência e alteração do pacto social, cfr. doc. 11 anexo à PI.

 

Em 04/08/2016, os Requerentes, residentes em território português, já então separados de pessoas e bens, por mútuo consentimento, apresentaram, conjuntamente e na condição declarada de casados com um dependente, a declaração de rendimentos mod. 3 do IRS, Ref.ª ..., composta pelo Rosto da declaração e pelos anexos A, G e H, relativamente ao ano de 2015, de que resultou a liquidação n.º 2016..., de 10/08/2016, com apuramento do rendimento bruto tributável do agregado familiar no valor de € 44.696,20 e coleta líquida de € 5.885,58.

 

•             No anexo A que integra a referida declaração constam rendimentos do trabalho dependente de ambos os Requerentes, respetivas retenções e contribuições obrigatórias.

 

•             No anexo G foram declarados os seguintes factos sujeitos a mais-valias:

 

Quadro 4 - Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis

Realização: Pelo titular B - Mês 9/2015, no valor de € 150.000,00

Aquisição: Mês 12/2002, pelo valor de € 93.587,43

Despesas e encargos de € 7.111,26

 

Esta alienação onerosa respeita a um imóvel urbano inscrito na matriz predial da freguesia..., sob o artigo ..., que lhe pertencia a 100%.  

               

Quadro 9 - Alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários                       

 

Todas estas alienações onerosas foram feitas pelo titular A        

                              

QUOTAS: - CÓDIGO G02

 

Entidade emitente NIPC ...- C... Lda.,

Realização: 13/02/2015, no valor de € 260.000,00

Aquisição: 26/10/2010, pelo valor de € 260.000,00

Despesas e encargos: e € 00,00

 

Entidade emitente NIPC...- D... Lda

Realização: 13/02/2015, no valor de € 80.000,00

Aquisição: 29/12/2011, pelo valor de € 80.000,00

Despesas e encargos: e € 00,00

               

OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS N/ESPECIFICAMENTE PREVISTOS-CÓD.03         

Entidade emitente NIPC ...- Não identificado

Realização: 12/06/2015, no valor de € 2.687,86

Aquisição: 23/06/2003, pelo valor de € 5.601,75

Despesas e encargos: € 45,78

 

Antes de mais, importa referir que, conforme escritura de divisão de quota, partilha para separação de meações, renúncia à gerência e alteração do pacto social, lavrada no Cartório da Notária F..., em ..., aos 13/02/2015, foi declarado, no que aos autos releva, o seguinte:

 

- Pelo outorgante marido A...:

 

•             Que no capital de € 900.000,00 da sociedade comercial C... LDA, com sede na freguesia de ..., concelho de Oliveira do Bairro, o outorgante marido A... é titular de uma quota do valor nominal de € 720.000,00;

•             Que, após autorização da Assembleia Geral da Sociedade, realizada em 08/01/2015, divide aquela quota em duas novas quotas, sendo uma do valor nominal de € 460.000,00 (verba n.º 1) e outra do valor nominal de € 260.000,00 (verba n.º 2).

•             Que essas quotas passam a constituir, respetivamente, as verbas n.ºs 1 e 2 dos bens a partilhar.

 

- Que existindo duas quotas do casal a partilhar na sociedade D..., Lda, foram identificadas com as verbas:

•             N.º 3 – Quota com o valor nominal de € 80.000,00, de que o outorgante marido é titular;

•             N.º 4 - Quota com o valor nominal de € 20.000,00, de que a outorgante mulher é titular;

 

- Que existindo bens imóveis a partilhar, situados na freguesia de ..., concelho de Anadia, foram identificados com as seguintes verbas:

•             N.º 5 – Prédio urbano inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia e concelho, sob o artigo ..., com o Valor Patrimonial de € 8.783,79, cuja propriedade se encontra registada na respetiva Conservatória a favor da outorgante mulher B...;

•             N.º 6 – Prédio rústico inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia e concelho, sob o artigo ..., com o Valor Patrimonial de € 260,40, cuja propriedade se encontra registada na respetiva Conservatória a favor da outorgante mulher;

•             N.º 7 – Prédio rústico inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia e concelho, sob o artigo ..., com o Valor Patrimonial de € 96,82, cuja propriedade se encontra registada na respetiva Conservatória a favor da outorgante mulher;

•             N.º 8 – Fração autónoma designada pela letra C, destinada à habitação, inscrita na matriz predial urbana da freguesia e concelho de ..., sob o artigo..., com o Valor Patrimonial de € 73.110,00, cuja propriedade se encontra registada na respetiva Conservatória a favor do outorgante marido A...;

•             N.º 9 – Prédio urbano destinado à habitação, sito em ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de ..., sob o artigo..., com o Valor Patrimonial de € 73.110,00, cuja propriedade se encontra registada na respetiva Conservatória a favor do outorgante marido A...;

•             N.º 10 – Prédio rústico sito em ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... do concelho de Águeda, sob o artigo ..., com o Valor Patrimonial de € 10,43, cuja propriedade se encontra registada na respetiva Conservatória a favor do outorgante marido A...;

•             N.º 11 – Prédio rústico sito em ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... e concelho de Águeda, sob o artigo..., com o Valor Patrimonial de € 57,75, cuja propriedade se encontra registada na respetiva Conservatória a favor do casal, marido A... e cônjuge B...;

•             N.º 12 – Prédio rústico sito em ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... e concelho de Anadia, sob o artigo ..., com o Valor Patrimonial de € 639,92, cuja propriedade se encontra registada na respetiva Conservatória a favor do cônjuge B...;

•             N.º 13 – Prédio rústico sito em ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... e concelho de Anadia, sob o artigo ..., com o Valor Patrimonial de € 282,06, cuja propriedade se encontra registada na respetiva Conservatória a favor do cônjuge B...;

•             N.º 14 – Prédio urbano destinado à habitação, sito em ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... e concelho de Anadia, sob o artigo ..., com o Valor Patrimonial de € 15.820,00, cuja propriedade se encontra registada na respetiva Conservatória a favor da outorgante mulher B...;

 

- Que o valor total dos bens imóveis descritos é de 205.061,17;

 

- Que a soma dos valores atribuídos aos restantes bens (participações sociais) é de € 820.000,00;

 

Em termos de partilha, foram adjudicados a cada um dos membros do casal, ora Requerentes A... e B..., as seguintes verbas:

 

- Ao marido A..., foi adjudicada a participação social identificada com o n.º 1 (UM), no valor de €460.000,00, faltando para pagamento do valor total a que tem direito em participações sociais e bens imóveis €44.125,50, valor que declara já ter recebido.

 

- Ao cônjuge B..., foram adjudicadas as participações sociais identificadas com os n.ºs 2, 3 e 4 (DOIS, TRÊS e QUATRO) e todos os bens imóveis identificados com as verbas nºs 5, 6, 7, 8 e 9 (CINCO, SEIS, SETE, OITO E NOVE), tudo no valor global de € 548.251,01, que excede o valor total a que tem direito em bens imóveis e participações sociais em €44.125,01.

 

- Na partilha é referido que “Para efeitos fiscais, B... leva a mais em bens imóveis o valor de €94.125,51”.

 

De relevar que no Quadro 4 do Anexo G, respeitante a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, a Requerente titular B tenha declarado:

 

- Que o titular B, B..., tenha alienado, em 09/2015, o valor de € 150.000,00 de bens imóveis, adquiridos em 12/2002 por € 93.587,43, com declaração de despesas e encargos de € 7.111,26, relativamente ao prédio urbano inscrito na matriz da freguesia ..., sob o artigo ... (freguesia e concelho de ...), que detinha a 100%;

 

- Que no Quadro 9 do mesmo Anexo G, respeitante a alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, o titular A e Requerente A..., tenha declarado o seguinte, conforme antes referido:

 

 - Uma quota na sociedade C..., L.da, com o NIPC ..., (Cód. G02) em 13/02/2015, pelo valor de € 260.000,00, que havia sido adquirida em 26/10/2010, pelo valor de € 260.000,00, sem registo de despesas e encargos;

 

                - Uma quota na sociedade D..., LDA, com o NIPC..., (Cód. G02) em 13/02/2015, pelo valor de € 80.000,00, que havia sido adquirida em 29/12/2011, pelo valor de € 80.000,00, sem registo de despesas e encargos;

 

  - Valores mobiliários não especialmente previstos (Cód. G03) na sociedade com o NIPC..., em 12/06/2015, pelo valor de € 2.687,86, que haviam sido adquiridos em 23/06/2003, pelo valor de € 5.601,76, com registo de despesas e encargos de € 45,78;

 

Como poderá constatar-se, dos valores declarados no Anexo G por ambos os Requerentes, não se verificava a existência de mais-valias, antes de menos-valias.

 

Por outro lado, não existe aqui nenhuma alienação donde decorra, em si mesmo, qualquer facto que determine a sujeição a mais-valias, como adiante se verá.

 

E o preenchimento do Anexo G à declaração mod. 3, relativa ao ano de 2015, da forma em que o foi, induz em erro os Serviços da AT, pois que, havendo assumidamente tornas, nada dali se retira. Antes pelo contrário, resulta uma menos-valia.

 

De qualquer forma, a AT, conhecidos os bens a partilha e a forma como foram e face aos dados da declaração que referiam a alienação de partes sociais, decidiu abrir procedimento de inspeção, que foi determinado pela ordem interna n.º 2018..., que, por sua vez, se inseria no projeto “PR...”, destinado a detetar transmissões onerosas de quotas pelo valor nominal quando o valor apurado, de acordo com o balanço da sociedade, for superior.

 

E desse procedimento resultou, face ao balanço reportado ao ano anterior ao da partilha dos bens, 31/12/2014, ou seja, 44 dias antes da partilha das quotas, que na Sociedade C..., LDA, uma valorização do capital próprio superior ao nominal de € 900.000,00, em 38%, em virtude das reservas e resultados acumulados não distribuídos pelos sócios ao longo da atividade da sociedade (com exclusão dos incorporados no próprio capital nominal por via do aumento de capital ocorrido em outubro de 2010.

 

Ou seja, que o capital próprio da sociedade C... LDA, com o NIPC..., face à avaliação levada a efeito, era de €1.242.115,72, verificava-se um aumento de €342.115,72 em relação ao anteriormente referido valor nominal de €900.000, representando os já referidos 38% (€342.115,72/€900.000,00).

 

Ora, tendo sido declarada, no aludido Anexo G, a alienação, por parte do Requerente A..., de uma quota na C..., Lda, no valor nominal de €260.000,00, adjudicada na partilha ao cônjuge B..., esta quota, face à avaliação anteriormente referida, corresponde-lhe o valor de €358.833,43 (€260.000,00 x 38%). 

 

Esta mesma quota, segundo dados da respetiva declaração, havia sido adquirida em 26/10/2010, pelo valor de €260.000,00, sem registo de despesas e encargos.

 

Que da ação de inspeção referida resultaram duas liquidações, a saber:

 

1.            A liquidação 2019..., de 09.09.2019, anulada no mês seguinte, por não consideração do benefício relativo às micro-empresas e

 

                2. A liquidação n.º 2019..., de 23 de outubro de 2019, no valor de IRS a pagar de € 48.842,52, bem como a respetiva liquidação de juros compensatórios com o número 2019..., contra a qual se insurgiram os Requerentes com a apresentação de pedido de pronúncia arbitral.

 

Sucede que, face à apresentação da petição arbitral e aos seus fundamentos, a AT decidiu proceder à reanálise da situação e concluiu pela revogação parcial da liquidação de IRS antes referida, com o n.º 2019..., de 23 de outubro de 2019, no valor de IRS a pagar de € 48.842,52, bem como da respetiva liquidação de juros compensatórios com o número 2019..., por não se mostrar correta.

 

Reponderando, então, a situação, e com base no facto de nas partilhas apenas ficar sujeito a tributação em mais-valias, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS o valor da contraprestação recebido, ou seja, as tornas recebidas em função de os bens atribuídos à Requerente B... terem excedido a sua quota ideal na partilha, foi efetuadas liquidação de IRS n.º 2020..., de 11/07/2020, no valor a pagar de € 2.912,93, que teve por base a seguinte metodologia.

 

Considerando o anteriormente referido e que o valor total do património a partilhar é de €1.008.251,00, a meação de cada um dos Requerentes é de €504.125,50.

 

E considerando também que o valor das tornas que o Requerente A... diz ter recebido da parte de seu ex-cônjuge B... foi de €44.125,51, por excesso do valor total a que tem direito em bens imóveis e participações sociais, que representa 8,75% da parte que lhe pertencia na divisão dos bens comuns (€504.125,50 x 8,75%),

 

Tem-se que, aplicando esta percentagem de 8,75% ao valor do capital próprio que lhe corresponde, após valorização da quota na Sociedade C..., que passou para €358.833,43, como anteriormente referido, obtém-se o valor de realização de € 31.397,93, correspondente à quota declarada pelo Requerente A... no Quadro 9, a linha 9001 e o valor de aquisição de € 2.521,70.

 

Por sua vez, seguindo a mesma metodologia, no mesmo quadro 9, linha 9002, mantém-se o valor declarado pelo sujeito Requerente, ou seja, valor de realização e de aquisição € 80.000,000, por não ter incidido a inspeção sobre estas quotas da D... .

 

Também no que se refere aos valores declarados no mesmo Quadro 9, linha 9003, respeitante a outros valores mobiliários, mantêm-se os valores declarados, de € 2.687,87 de realização, €5.601,76 de aquisição e € 45,78 de encargos suportados. 

 

Esclarece-se que o valor de aquisição inscrito na linha 9001 foi corrigido para € 4.236,46 pelo respetivo c.d.m. (coeficiente de desvalorização da moeda), de 1.68 respeitante ao ano de 2010, tendo resultado uma mais-valia de €27.161,47, que beneficiou da redução de 50% por se tratar de micro-empresa, passando, portanto a mais-valia para €13.580,74.

O resultado apurado nas linhas 9002 e 9003 não sofreu alteração, pelo que se mantiveram as menos-valias, respetivamente, de (-) €2400,00 e (-) €2.959,68.

 

Daqui resulta que o total da mais-valia a tributar autonomamente, à taxa de 28% prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 78.º do CIRS, é de €8.221,06 (€13.580,74-€2.400,00-€2.959,68), o que leva ao IRS a pagar, nestes termos, de €2.301,90 (€8.221,06 x 28%), conforme consta da linha 17 da liquidação de IRS n.º 2020..., de 11/07/2020, no total a pagar de € 2.912,93, com a qual os Requerentes não concordam.   

 

 

2. Matéria de facto dada como provada

 

Toda a matéria dos autos se mostra devidamente comprovada.

               

3. Dos factos não totalmente provados

 

Todos os factos referidos se encontram totalmente documentados e provados.

 

4. Matéria de direito

 

Está em causa nos autos, alegados vícios ou erros na liquidação que o Tribunal acabou de demonstrar, designadamente por os Requerentes entenderem que o ato substantivo praticado pela AT através do despacho de 01/06/2020, na parte em que procedeu a uma nova regulação da situação jurídico-tributária, através da modificação do facto tributário gerador da obrigação de imposto, pelo que entendem que esta nova liquidação deveria ser anulada por alegadamente o ato tributário ter sido praticado quando já havias caducado o imposto.

 

Por outro lado, entendem também que, a não ser assim considerado, o mesmo enfermar de ilegalidades decorrentes de erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

Quanto à caducidade do novo e último ato tributário praticado, não vê este Tribunal qualquer fundamento juridicamente válido para se afirmar que houve uma modificação substancial do facto tributário gerador do imposto, porquanto o facto tributário existiu e a escritura de partilha confirma-o, bem como o recebimento de tornas que o Requerente A... diz ter recebido.

 

Por um lado, o despacho da Subdiretora-Geral da área dos impostos sobre o rendimento, determina a revogação parcial do ato contestado, pelo que mantém em aberto o litígio, mas não cria nada de substancialmente de novo. Ou seja, manda corrigir o erro cometido pelos serviços, pelo que não tem fundamento o alegado pelos Requerentes.

 

Por outro lado, embora a partilha da quota não conste expressamente da norma do art.º 10.º do CIRS, como um dos factos tributários sujeitos a tributação em mais-valias, a verdade é que, quer as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, tributam alienações onerosas de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a alienação onerosa de partes sociais, e que o sub-número 3 da alínea b) do mesmo artigo refere expressamente o seguinte:

        

“O valor atribuído em resultado da partilha (…)

 

Ora, daqui resulta que o ato de partilha em causa, reúne os requisitos para o reconhecimento de uma transmissão onerosa, na mediada em que, por força dessa transmissão de bens em excesso, resultou uma contrapartida (ganho) para o Requerente A... .

 

Não há, portanto, dúvidas quanto à natureza da partilha como facto gerador de mais-valias, desde que dela resulta uma transmissão onerosa – e foi o caso, pois foram adjudicados bens ao cônjuge B... para além da sua meação, nem dúvidas quanto ao ganho que daí resultou na esfera do Requerente A... .

 

Donde não existem quaisquer fundamentos juridicamente válidos que confiram ao Requerente qualquer razão quanto ao que invoca, da inexistência de facto tributário ou de alegado erro nos pressupostos, nem mesmo quanto à invocada caducidade da liquidação.

 

E isto, por um lado, porque não foi praticado nenhum ato tributário, substancialmente novo, mas apenas uma revogação parcial do ato tributário de liquidação anteriormente existente, para corrigir um erro praticado pelos serviços.

 

Por outro lado, não se pode esquecer que existe um litígio pendente, pelo que, nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 46.º da LGT, ocorre uma suspensão do prazo de caducidade, até à decisão do pleito.

 

Relativamente à alegada manutenção de erros nos pressupostos de facto e de direito, este Tribunal, tal como foi já referido, também não reconhece a sua existência, porquanto a correção dos valores da quota transmitida relativamente à Sociedade C..., Lda, tudo foi feito dentro do quadro legal pelos Serviços de Inspeção Tributária, face aos valores constantes do último balanço da sociedade, relativo a 31/12/2014, relativo, portanto a dois meses antes da partilha dos bens, tal como permite o art.º 52.º do CIRS e cuja atuação dos serviços de inspeção não foi questionada.

 

Também neste caso não se reconhece que tenha havido qualquer erro de pressupostos, quer de facto, quer de direito. 

 

IX - DO DIREITO: Fundamentação da decisão de mérito

 

Por todo o exposto, mostra-se devidamente fundamentada a liquidação corretiva efetuada pelos serviços, com valores de mais-valias exaustivamente demonstrados, pelo que não enferma de quaisquer vícios, nem erro nos pressupostos, nem se mostra ferida pela caducidade.

 

X – JUROS COMPENSATÓRIOS

 

Os Requerentes pedem a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios sobre a importância da liquidação de IRS indevidamente paga, à taxa legal, desde a data em que foi efetuado o respetivo pagamento até ao reembolso do imposto a mais pago.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está, aliás, em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do art.º 24.º do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que reme te para o disposto no art.º 43.º, n.º 1 e art.º 61.º, n.º 5, respetivamente, de um e de outro diploma, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Há, assim, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios em relação à liquidação considerada ilegal, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.º 5 do CPPT, calculados sobre as quantias que os Requerentes pagaram indevidamente, à taxa dos juros legais (art.º 35.º, n.º 10, 43.º, n.º 4 da LGT).

 

 

XI – DECISÃO

 

Termos em que este se decide:

 

Manter na ordem jurídica a última liquidação de IRS n.º 2020..., de 11/07/2020, no total a pagar de € 2.912,93, em que se incluem juros compensatórios no valor de € 29,60.

 

Determinar a devolução parcial aos Requerentes do IRS a mais liquidado e pago, bem como os respetivos juros compensatórios, relativamente à diferença de IRS entre o valor da liquidação de IRS n.º 2019..., de 23 de outubro de 2019, de € 48.842,52, pago oportunamente, bem como da respetiva liquidação de juros compensatórios com o número 2019..., e o valor da liquidação de IRS n.º 2020..., de 11/07/2020, no valor a pagar de € 2.912,93, respeitante à liquidação resultante da revogação oficiosa e parcial da liquidação objeto da impugnação arbitral, caso ainda não tenha havido qualquer devolução.

 

Condenar a Requerida, nos termos do disposto nos n.ºs 1 do artigo 43.º da LGT e 24.º, n.º 5 do RJAT, ao pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a quantia paga em excesso, à taxa legal, dado que, muito embora tenham sido os Requerentes, face aos elementos constantes da sua declaração mod. 3 de IRS, a induzir em erro a AT na liquidação n.º 2019..., de 23 de outubro de 2019, que veio a ser parcialmente revogada, a verdade é que a AT tinha obrigação de saber interpretar a lei e não cometer o mesmo erro.

 

 

Valor da causa

 

Nestes termos, o Tribunal fixa o valor da causa inicial em € 47.461,09, tendo em atenção o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, a) do CPPT, aplicável por força do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Custas

 

Fixa-se também o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem, a pagar pelos Requerentes, na proporção de 6,13% e a Requerida, na proporção de 93,87%, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT e artigo 4.º, n.º 4 do citado Regulamento, uma vez que aos Requerentes assiste razão relativamente à primeira liquidação efetuada após ação da inspeção tributária, mas já não assiste relativamente à última liquidação, por não desistirem totalmente do pedido, após notificação da revogação parcial da liquidação inicial, e notificação da respetiva liquidação resultante daquela revogação, liquidação última que ficou em vigor e em causa, e que este Tribunal decide mostrar-se juridicamente correta.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de março de 2021.

 

Árbitro Singular,

José Rodrigo de Castro