Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 124/2019-T
Data da decisão: 2019-09-17  IRC  
Valor do pedido: € 492.212,37
Tema: IRC – Doação; Inventários; Custo de aquisição; Variação patrimonial positiva.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.º Doutor Jónatas Machado e Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-05-2019, acordam no seguinte:

         

          1. Relatório

 

A..., LDA., contribuinte n.º..., com sede na ..., n.º ... –..., ... ..., (doravante designada por ‹‹Requerente››) veio, ao abrigo do disposto no DL 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) e no art. 11º do DL 81/2018, de 15 de Outubro de 2018, apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da liquidação adicional de IRC com o nº 2010... e respetivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 2007, bem como do deferimento parcial da reclamação graciosa que dela foi apresentada.

A Requerente pediu também a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir o imposto com juros indemnizatórios.

A Requerente pediu ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé, mas, por requerimento de 01-07-2019 desistiu deste pedido.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 25-02-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-04-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 08-05-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido. ( [1] )

Por despacho de 23-07-2019, as Partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a eventual redução do objecto do processo em face da limitação imposta pelo artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, de «as pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido».

Concretamente foi aventado neste despacho que

– poderá entender-se que «a causa de pedir invocada no presente processo apenas coincide com as invocadas no processo de impugnação quanto ao vício de violação do artigo 21.º, n.º 2, do CIRC e, por isso, ser este o único vício que pode ser apreciado no presente processo, considerando-se reduzida a causa de pedir em conformidade; e

– «em face daquela exigência de coincidência, com possibilidade de redução de pedidos, poderá vir a entender-se que o pedido a apreciar é apenas o que foi apresentado no processo de impugnação judicial apresentado ao Tribunal Administrativo e Fiscal de ...».

 

As Partes pronunciaram-se sobre esta questão dizendo a Requerente «nada ter a opor à redução do objeto do processo nos termos dele constantes, sem prejuízo de entender que a referência à informação vinculativa não integra a causa de pedir, sendo antes um dos argumentos invocados em abono da sua tese» e que a informação vinculativa foi referida no Relatório da Inspecção Tributária.

A Autoridade Tributária e Aduaneira veio dizer, em suma, que «diante da manifesta inobservância dos requisitos previstos no artigo 11.º do DL n.º 81/2018, de 15 de Junho não deverá haver lugar à apreciação do pedido a menos que, tanto o pedido como a causa de pedir venham a ser reduzidos pelo seu autor».

Por despacho de 11-09-2019 foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente a questão da redução do objecto do processo.

 

            2. Questão da redução do objecto do processo

 

2.1. Questão da redução da causa de pedir

 

O artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, veio permitir a submissão aos tribunais arbitrais tributários, das pretensões formuladas em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016, com dispensa de pagamento de custas processuais.

No n.º 2 do mesmo artigo estabelece-se que «as pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido».

Esta última parte deve interpretar-se como admitindo a redução da causa de pedir, já que em processos anulatórios deve entender-se que a cada vício imputado corresponde um pedido de anulação autónomo (em sintonia com o preceituado na pare final do n.º 4 do artigo 581.º do CPC). Assim, à face desta norma, poderá vir a entender-se que apenas é permitido apreciar nos processos arbitrais pedidos que são comuns ao processo de impugnação judicial e ao processo arbitral, com fundamento apenas nas causas de pedir que em ambos são invocados.

A Requerente A..., LDA., apresentou no TAF de ... uma petição de impugnação judicial em que imputou à liquidação impugnada vários vícios procedimentais e formais, designadamente:

– Preterição de formalidade imposta pelo artigo 40.º, n.º 1, do CPPT por falta de notificação do mandatário constituído;

– Falta de realização de diligências;

– Violação do princípio do inquisitório;

– Falta de fundamentação;

– Violação do princípio da participação;

– Erro quanto ao entendimento de que o valor correspondente à diferença entre o valor nominal da prestação acessória e o valor de mercado dos bens à data releve positivamente para a determinação do lucro tributável;

– Ofensa do princípio da capacidade contributiva.

 

O pedido formulado no processo de impugnação judicial foi apenas o de a impugnação ser julgada procedente e em consequência a liquidação impugnada anulada na dimensão em causa, com todas as legais consequências.

No requerimento que apresentou em 01-07-2019, a Requerente vem desistir do pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé e dizer que «o pedido adicional de restituição do imposto pago acrescido do pagamento de juros indemnizatórios (...) decorre do pedido principal, sem que isso o altere». Diz ainda a Requerente que «caso se entenda que tal pedido altera o inicialmente formulado, do mesmo modo se desiste de tal pedido, a fim de haver coincidência entre os pedidos nos dois processos (impugnação judicial e pedido arbitral)».

No pedido de pronúncia arbitral apresentado, a Requerente não faz referência a qualquer dos vícios procedimentais e formais que invocara na petição de impugnação, nem a violação do princípio da capacidade contributiva.

Por outro lado, no pedido de pronúncia arbitral a Requerente vem fazer referência a uma informação vinculativa e invocar a sua violação, questão que não suscitou na petição inicial do processo de impugnação judicial. A violação de uma informação vinculativa constitui vício de violação de lei, designadamente do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT.

O obstáculo à sua apreciação deriva de este vício de hipotética violação da informação vinculativa não ter sido invocado na petição de impugnação judicial apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., sendo irrelevante que a informação vinculativa tenha sido invocada no Relatório da Inspecção Tributária, pois, por força do preceituado no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, «as pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido».

Nestes termos, constata-se que a causa de pedir invocada no presente processo apenas coincide com as invocadas no processo de impugnação quanto ao vício de violação do artigo 21.º, n.º 2, do CIRC e, por isso, é este o único vício que pode ser apreciado no presente processo, considerando-se reduzida a causa de pedir em conformidade.

 

 

2.2. Questão da redução do pedido

 

Quanto ao pedido, em vez de se limitar a pedir a anulação da liquidação impugnada, a Requerente passou a pedir também (para além do pedido de condenação da Requerida por litigância de má-fé, de que já desistiu):

– a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa;

– a condenação da Requerente na restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

O n.º 2 do artigo 11.º ao dizer que «as pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido», não dá margem para desenvolvimentos de pedidos.

Não há coincidência, obviamente, quando são formulados novos pedidos mesmo que decorram do pedido inicial.

Por outro lado, saber se a Requerente tem direito à restituição de uma quantia e a juros indemnizatórios são questões diferentes e autónomas em relação à questão da apreciação da legalidade da liquidação, pois para decidir aquelas é necessário aplicar normas que nem sequer foram invocadas perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de ... .

Assim, verifica-se a condição de que a Requerente faz depender a desistência do pedido de restituição e juros indemnizatórios.

Por outro lado, no processo de impugnação judicial referido, a Requerente também não apresentou pedido de anulação da decisão da reclamação graciosa, que, aliás, até foi parcialmente favorável à Requerente, pelo que também este pedido não é abrangido no âmbito da coincidência exigida.

            Nestes termos, o pedido a apreciar é apenas o que foi apresentado no processo de impugnação judicial apresentado ao Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., não se tomando conhecimento dos pedidos de restituição de imposto pago e juros indemnizatórios.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. No exercício de 2007, a Requerente, à data com a denominação social "B..., Lda" encontrava-se, inscrita na actividade de promoção imobiliária sob o CAE 41 100.
  2.  Em 02-03-2007, no Cartório Notarial de C..., foi celebrada uma escritura de "Entrega de Prestações Acessórias" na qual  intervieram como 1ª outorgante a "D..., Lda", e como 2ª outorgante a "B..., Lda" (aqui Requerente e designada de A...) (cópia da escritura a fls. 140 a 159 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. De acordo com a referida escritura, e em cumprimento do artigo 5º do contrato de sociedade, a "D..." (sociedade que detém 98% das quotas da Requerente) realizou a prestação acessória em espécie, a título definitivo e gratuito, por não reembolsável nem originadora de qualquer contraprestação no momento da sua realização ou no futuro;
  4. Esta prestação acessória em espécie consistiu na entrada para a Requerente de 27 lotes de terreno, aos quais foi atribuído o valor global de 7.200.500,00 €;
  5. Numa informação vinculativa foi adoptado o entendimento de que, para efeitos de imposto de selo, a referida operação considera-se uma transmissão gratuita não sujeita, nos termos da alínea e) do nº 5 do artigo 1º do Código do Selo, dado que o beneficiário é uma pessoa coletiva, já para efeitos de IRC, o lucro tributável está influenciado pelo incremento patrimonial a título gratuito, nos termos do nº 2 do artigo 21.º do CIRC, por se tratar de uma variação patrimonial positiva não refletida no resultado líquido;
  6. A Requerente creditou a conta "53 - Prestações suplementares" no valor de 7.200.500,00 relativo à prestação acessória, e debitou, pelo mesmo valor, a conta "31 - Compras";
  7. Foi efetuada uma reavaliação dos mesmos lotes de terreno, na quantia de 1.823.750,00 €, a débito da conta "31 - Compras", por contrapartida da conta "56 - Reservas de reavaliação";
  8. À exceção do lote 23, todos os outros lotes foram vendidos no exercício de 2007 pelo valor de 8.756.900,00 €;
  9. O valor de 1.721.370,77 €, respeitante ao valor de reavaliação de todos os lotes, menos o valor de reavaliação do lote 23 (1.823.750,00 € - 102.379,23 €) que não foi vendido em 2007, concorreu para o resultado líquido do exercício, influenciando o custo dos bens vendidos;
  10. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

3 - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

 

3.1-Em sede de IRC

3.1-1 - Descrição dos factos e fundamentos das correcções

O supracitado ofício n.º ... de 2007/07/24 da …, remeteu a informação n.º 580/07 de 30/04/2007, com despacho concordante, de 2007/07/10, do sr. Subdirector-Geral, na qualidade de substituto legal do sr. Director-Geral, respeitante a "Pedido de informação vinculativa sobre "imposto do selo - entrega de prestações acessórias", cuja requerente foi a 2a Conservatória do Registo Predial do Porto (Anexo II).

O referido pedido foi suscitado pela celebração, em dois de Março de 2007, no Cartório Notarial de C..., de uma escritura de "Entrega de prestações acessórias", na qual intervieram como 1º outorgante a firma D... Lda (D...) e como 2º outorgante, o sujeito passivo (B...) (Anexo VI- fls 3 a 27).

De acordo com s referida escritura, dando cumprimento ao artigo 5º do contrato de sociedade, a "D..." realizou a prestação acessória em espécie, a título definitivo e gratuito, por não reembolsável nem originadora de qualquer contraprestação no momento da sua realização ou no futuro;

Essa prestação acessória em espécie consistiu na entrada para a "B..." de 27 (vinte sete) lotes de terreno, aos quais foi atribuído o valor global de € 7.200.500,00.

Na referida informação a operação foi considerada, para efeitos do Imposto do Selo, como uma transmissão gratuita (doação) não sujeita, nos termos da alínea e) do n.º 5 do art.º 1º do Código do Selo, em virtude de o beneficiário, da mesma, ser uma pessoa colectiva, e como tal, sujeita a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas - IRC.

Assim, a determinação do lucro tributável da beneficiária da doação (B...), passa a estar influenciada, ainda de acordo com a mesma informação, pelo incremento patrimonial a título gratuito, nos termos do n.º 2 do art. 21º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas –  CIRC, por se tratar de uma variação patrimonial positiva não reflectida no resultado líquido.

Face à referida informação e após a análise da declaração Mod 22 de IRC, entregue pela empresa (Anexo l - fls 3), verificou-se a omissão da referida variação patrimonial, peio que, através do ofício n.º 3472, já referido, foi a B... notificada para submeter uma declaração de substituição, do exercício de 2007, com inclusão do valor omitido (Anexo III -fls 1).

Em resposta, a 2009/01/30, via FAX, e a 2009/02/02, via CTT, respectivamente, nossas entradas gerais n.ºs ... e ... (Anexo V), veio a sociedade de advogados E..., dizer que, a 1a declaração Mod 22 de IRC entregue, se encontra devidamente preenchida e, ainda, que a mesma reflecte todos os rendimentos auferidos de acordo e nos termos de CIRC e do POC.

Face ao mencionado no parágrafo anterior e, após a análise da declaração anual - IES (Anexo l -3), notificou-se a B..., com conhecimento ao TOC, à data de abertura da ordem de serviço, sr. F..., NIF..., ofícios números ... (RC ... PT) e ...(RC ... PT), ambos de 2009/02/05 (Anexo 111 - fls 2 e 3), nos termos seguintes:

1. Prova de contabilização da referida prestação acessória e da sua sujeição a IRC;

2. Inventário dos referidos lotes à data da doação e em 2007-12-31;

3. Documento(s) comprovativo(s) das vendas de mercadorias, declaradas em 2007, no valor de € 8.756.900,00 e do(s) custo(s) respectivo(s) na quantia de € 8.641.750,00.

Em resposta, E G n.º...de 2009/02/25, foram-nos remetidos os documentos solicitados lendo-se constatado que, através do documento ... (Anexo VI - fls 2). a empresa creditou a conta 53 - "Prestações suplementares" no valor de € 7.200.500,00 relativo à prestação acessória, efectuada pelo sócio majoritário D... e creditou, pelo mesmo valor, a conta 31 - Compras.

Constatou-se, ainda, pelo mesmo documento, que efectuou a reavaliação, dos mesmos lotes, na quantia de € 1.823.750,00, tendo debitado também a conta 31, por contrapartida de "Reserva de reavaliação", conta 56.

Foram, igualmente, pedidos os inventários dos lotes que foram objecto, segundo os outorgantes, de prestações acessórias, à data da mesma e em 2007/12/31, os quais nos foram remetidos (Anexo VI - fls 28 e 29), bem como a fotocópia da escritura de "Entrega de prestações acessórias" (Anexo VI-fls 3 a 27).

Através dos referidos documentos verificamos que foram objecto de transferência de propriedade os lotes 6 e 7, 19 a 21 e 23 a 44, sitos na rua ..., freguesia de ..., concelho do Porto, os quais, à excepção do lote 23, foram vendidos, no exercício de 2007, conforme extracto da conta 71 que se anexa (Anexo VI - fls 31 a 36 e Anexo VII, coluna 8).

 

3.1.2 - Correcções meramente aritméticas à matéria tributável

3.1.2.1- Prestações acessórias

Conforme ficou referido, no ponto anterior, o valor de € 7.200.500,00 relativo à doação dos lotes de terreno efectuada pela D... à B..., não influenciou positivamente o resultado líquido do exercício apurado, uma vez que, de acordo com os documentos que nos foram exibidos, foi contabilizado na conta 31 - Compras, por contrapartida de "Prestações suplementares", conta 53, e não foi acrescido no quadro 07, campo 202, da declaração Mod 22 de IRC como variação patrimonial positiva, nos termos do n.º 2 do art.º 21 º do CIRC, conforme folha do sistema de consultas da referida declaração que se anexa (Anexo I - fls 3).

Assim, nos termos do artº 17º, n.º 1 e do já referido n.º 2 do art.º 21º, ambos do CIRC, referida quantia acrescida para efeitos de apuramento de lucro tributável.

Ainda de acordo com os documentos exibidos, após notificação para o efeito, constatámos que a B... procedeu à reavaliação dos terrenos que contabilizou em existências.

Embora as reavaliações efectuadas, no montante de € 1.823.750,00, não concorram para a formação do lucro tributável, nos termos da alínea b) do art.º 21º do CIRC, no entanto, a quantia de € 1.721.370,77, respeitante ao valor de reavaliação de todos os lotes menos o valor de reavaliação do lote 23 (€ 1.823.750,00 - 102.379,23), concorreu para o resultado líquido do exercício, uma vez que os lotes, à excepção do 23, foram vendidos em 2007, tendo assim influenciado o custo das mercadorias vendidas (€ 8.641.750,00), conforme anexo VI - fls 30, anexo l -fls 3 e anexo VII.

O referido custo não é fiscalmente aceite, nos termos do art.º 26º do CIRC, uma vez que, não resulta de nenhum dos critérios aí elencados, tanto mais que, o referido preceito legal refere que: "os valores das existências a considerar nos proveitos e custos a ter em conta na determinação do resultado do exercício são os que resultarem da aplicação dos critérios que utilizem", que neste caso são os custos efectivos / valores de doação, ou seja os que foram considerados na escritura de "Entrega de prestações acessórias" e contabilizados na conta 31 - Compras, no valor de € 7.200.500,00.

Assim, nos termos do referido preceito legal, n.º 1 do art.º 26 º do CIRC, será acrescida para efeitos de determinação do lucro tributável a quantia de € 1.721.370,77 relativa à reavaliação efectuada e considerada como custo das mercadorias vendidas.

 

3.1.2.3 - Apuramento do lucro tributável

Deste modo o lucro tributável declarado, no exercício de 2007, pelo sujeito passivo na quantia de € 161.297,69 será alterado, em resultado das correcções anteriormente descritas, na quantia de € 8.921.870,77, para o montante de € 9.083.168,46, conforme quadro que se segue:

Uma imagem com texto, captura de ecrã

Descrição gerada automaticamente

 

 

  1. Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2010..., de 11-10-2010, relativa ao exercício de 2007, no montante de €2.577.024,51, incluindo juros compensatórios;
  2. A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida, que foi parcialmente deferida;
  3. Na decisão da reclamação graciosa, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte:

C. Análise da Reclamação

C1. A D..., por escritura (art. 5.º do contrato de sociedade de 13.01.2007), obriga-se a entrar para a sociedade B... (A...), a título de prestação acessória a realizar em espécie, a título definitivo e gratuito, por não reembolsável nem originadora de qualquer espécie de contraprestação no momento da sua realização ou no futuro, com os bens adiante indicados (...).

C2. A sócia D... realizou prestações acessórias em espécie à peticionária, a título definitivo e gratuito, em conformidade com o contrato de sociedade, que consistiu na transmissão de 27 (vinte e sete) lotes de terreno, aos quais foi atribuído o valor global de €7.200.500,00,

C3. A referida operação considera-se, para efeitos do imposto do selo, como uma transmissão gratuita não sujeita (art. 1.º/5-e) do CIS), em virtude de o beneficiário, da mesma, ser uma pessoa colectiva, e como tal, sujeita a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas - IRC.

C4. Durante o procedimento inspectivo notificadas a B..., agora A..., remeteu documento com contabilização, evidenciando relevação a crédito da conta 53 - "Prestações suplementares" no valor de €7.200.500,00 relativo à prestação acessória e a débito, pelo mesmo valor, a conta 31 - "Compras".

C5. Pelo mesmo documento, revelou a efectuação da reavaliação dos mesmos lotes de terreno, na quantia de €1.823.750,00, debitando a conta 31, por contrapartida da conta C6 - "Reservas de reavaliação". Os referidos lotes3 foram vendidos no exercício de 2007, com excepção do lote 23, em conformidade com extracto da conta 71 - Vendas, anexa ao processo de inspecção.

C7. A reavaliação de existências, no montante de €1.823.750,00, embora não concorra para a formação do lucro tributável (art 21.º/b) do CIRC4), a quantia de €1.721.370,77, respeitante ao valor de reavaliação de todos os lotes menos o valor de reavaliação do lote 23 (€1.823.750,00 -€102.379,23), concorreu para o resultado líquido do exercício, uma vez que os lotes, à excepção do lote 23, foram vendidos, em 2007, tendo assim influenciado o custo das mercadorias vendidas €8.641.750.00).

C8. A análise efectuada pela DF de ... a e remetida à DSIRC, conclui, que as prestações acessórias, gratuitas ou onerosas, no conceito definido no CSC, realizadas através de Imóveis:

i) Não concorrem para a formação do lucro tributável do prestador, uma vez que implicam tão só uma reclassificacão de activos, sem qualquer variação patrimonial quantitativa;

ii) Não concorrem para a formação do lucro tributável da beneficiária porque constituem uma entrada de capital abrangida pelo art.21.º/1-a) do CIRC;

iii) Não lhes é aplicável o art. 64.º do CIRC. limitando-se este às transmissões onerosas de imóveis abrangidas por contratos de compra e venda;

iv) Não se aplica o art. 21.º/2 do CIRC quanto à valorização dos activos recebidos gela beneficiaria porque se entende que a realização de prestações acessórias não é determinada por um animus donandi, antes visando o aumento do valor das suas participações por via do reforço do potencial económico da sociedade.

C8. Na sequência do pedido de esclarecimento da DF de ..., foi elaborada informação peia DSIRC, cujo entendimento mereceu Despacho concordante da Subdirectora-Geral (do IR), por subdelegação, datado de 21.11.2011. ao qual estamos vinculados e que fará parte Integrante do presente projecto de decisão (Anexo l, fls.01/06 a 06/06).

C9. Do referido parecer se Infere:

A) - Na óptica do sócio prestador (D..., Lda):

i) «A entrega do imóvel à sociedade - a título de prestação acessória sob o regime das prestações suplementares - não constitui uma liberalidade, devendo, sim, em substância, ser considerada como uma transmissão onerosa, já que o cumprimento da obrigação gera o nascimento de um direito associado à prestação acessória entregue que, no limite, pode ser exercido no acto de partilha do património aos sócios, no contexto da liquidação da sociedade beneficiária.

ii) O "preço de venda" ou o "valor de venda" / "preço efectivamente praticado" seja superior à quantia escriturada do imóvel, é apurado 1) um rédito de vendas, nos casos em que o imóvel constituía um elemento dos inventários, ou 2) um ganho de mais-valias, nos casos em que o imóvel estava qualificado como um activo não corrente (activo fixo tangível ou propriedade de investimento) ou como um activo não corrente detido para venda.

O rédito de vendas ou o ganho de mais-valias é passível de tributação (art.ºs 18.º e 20.º e, no caso do ganho de mais-valias, também o art. 46.º todos do CIRC).

iii) Se for apurada uma perda / menos-valia, a sua dedutibilidade fiscal fica sujeita à verificação dos requisitos exigidos peto n.º 1 do art.º 23º do CIRC.

iv) Dado que a operação implica a transmissão da propriedade do imóvel, aplica-se-lhe, sendo caso disso, o disposto no art.º 64.ºdo CIRC.»

B - Na óptica da sociedade beneficiaria (Reclamante -A..., LDA. /D..., Lda.):

i) «A entrega do imóvel a título de prestação acessória sob o regime das prestações suplementares 7constitui uma variação patrimonial positiva não reflectida no resultado líquido.

Porém, está excluída de tribulação por se enquadrar na alínea a) do n.º1 do artº 21.º do CIRC.

C) Da análise de todas as peças do processo, incluindo do parecer vinculado da Subdirectora-Geral do IR, recolhe-se, o deferimento parcial do pedido:

i) Excluindo a tributação das prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares por constituir uma variação patrimonial positiva não reflectida no resultado líquido;

ii) Considerar tributável a quantia da €1.721.370.77. relativa à reavaliação efectuada e considerada como custo das mercadorias vendidas, sendo, efectivamente de acrescer para efeito de determinação do lucro tributável, não sendo dada razão ao peticionário.

III. AUDIÇÃO PRÉVIA (n/ realce)

O projecto de decisão, (fls. 51-60), foi enviado ao Reclamante através do Ofício N.º..., de 08.02.2012, para querendo, exercer o direito de audição previsto no art. 60.º/1-b) da Lei Geral Tributária.

No decurso do prazo previsto para o exercício do direito de audição (22/02/2012), o peticionário veio manifestar-se, por escrito, perante este Serviço.

 

III.1. Perspectiva do Reclamante

Não concorda com o entendimento de que o valor correspondente é diferença entre o valor nominal da prestação acessória e o valor de mercado dos bens, à data, releve positivamente para a determinação do lucro tributável, pelas seguintes razões:

1. O valor da prestação acessória efectuada corresponde ao custo dos bens, suportado pelo prestador, ou seja, o valor nominal daquela coincide com o exacto valor do custo dos lotes, suportado pelo prestador, o qual é distinto do valor de mercado à data;

2. Que de facto relevou no seu activo os bens recebidos por um valor resultante da soma, do valor nominal da prestação acessória, gratuita e definitiva, evidenciada no capitais próprias, com a valor correspondente à diferença entre o valor nominal da prestação acessória e o valor de mercado, à data dos bens;

3. Discorda da tributação do valor correspondente à diferença entre o valor nominal da prestação e o valor de mercado, à data dos bens, alegando em síntese o seguinte:

i) Reconhece que as valorimetrias assentes no justo valor não relevavam (e continuam genericamente a não relevar) para efeitos tributários, salvo as situações alcançadas pelo n.º 2 do art. 21.º do CIRC

ii) Que os bens não poderiam deixar de estar evidenciados no balanço por um valor que também reflectisse a obrigação assumida de levar a benefício do prestador a diferença para o respectivo valor de mercado, inferindo que o efectivo custo dos bens para efeito de determinação da respectiva venda, não poderia ser outro que o determinado, em conformidade com os critérios de valorimetria da normalização contabilista acolhidos pelo CIRC.

iii) A devida fundamentação das razões do acto praticado pela AT, de modo a não suscitar qualquer dúvida ao Reclamante, e, eventualmente, contra este reagir.

 

III.2. Apreciação do Contraditório

1. A peticionária, conforme exame comparativo com as alegações da petição inicial, no essencial, nada acrescenta à reclamação deduzida, dando especial ênfase quanto ao ónus de prova da AT e sua respectiva fundamentação.

2. O Reclamante pretende a aceitação da mensuração dos bens recebidos ao respectivo valor de mercado, quando efectivamente foram relevados contabilisticamente pelo seu valor nominal.

3. Sendo que €1.721,370,77 (€8.921.870,77, total das correcções da IT - €7.200.500,00, aceites nesta Reclamação Graciosa) respeita ao valor de reavaliação dos lotes de terreno (existências/Inventários) que concorreu para o resultado líquido do exercício, uma vez que foram vendidos em 2007, tendo assim influenciado o custo das mercadorias vendidas e não sendo aceite fiscalmente (art. 26.º do CIRC à contrário), foi acrescida para efeitos de determinação do lucro tributável.

4. Do inventário dos referidos lotes à data da doação e em 31.12.2007 e do documento comprovativo das vendas de mercadorias declaradas em 2007, solicitados pela IT, ao tempo da acção inspectiva, constatou-se que o SP efectuou a reavaliação dos mesmos lotes, na quantia de €1.823.750, debitando a conta 31/POC - "Compras", por contrapartida da conta 56/POC - "Reserva de reavaliação".

4. Foram objecto de transferência de propriedade os lotes 6 e 7, 19 a 21 e 23 a 44 (27 lotes), sitos na Rua ..., em..., freguesia de ..., concelho do Porto, os quais à excepção do lote 23, foram vendidos, no exercício de 2007, conforme extracto da conta 71/POC;

5. Logo, a reavaliação de existências, no montante de €1.823.750,00, embora não concorra para a formação do lucro tributável [art. 21.º/b) do CIRC], a quantia de €1.721.370,77, respeitante ao valor de reavaliação de todos os lotes menos o valor de reavaliação do lote 23 (€1.823.750,00 -€102.379,23), concorreu para o resultado líquido do exercício do exercício, uma vez que os lotes, à excepção do lote 23, foram vendidos em 2007, tendo assim influenciado o custo das mercadorias.

6. Assim, o referido custo não é fiscalmente aceite (art. 26.º/1 do CIRC à contrário), i.e., não resulta de nenhum dos critérios aí elencados, pelo que será, efectivamente, de acrescer €1.721.370,77 para efeitos de determinação do lucro tributável, relativa à reavaliação efectuada e considerada como custo das mercadorias vendidas.

IV. CONCLUSÃO

Em face do exposto, somos de parecer que será de decidir de harmonia com a proposta acima referida, no sentido de manter o DEFERIMENTO PARCIAL, uma vez que, não foram aduzidos em sede de contraditório elementos/argumentos que contrariem o projecto de decisão notificado ao Sujeito Passivo.

 

 

  1. Na sequência da decisão da reclamação graciosa a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou a compensação que consta da folha 85 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido e emitiu uma nota de cobrança no valor de € 497.212,37;
  2. Esta quantia foi paga na sequência de reversão em execução fiscal;
  3. A empresa G... elaborou para «Relatório de avaliação que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  4. A Requerente apresentou impugnação judicial o Tribunal Administrativo e Fiscal de ... contra a liquidação «na dimensão do acréscimo ao lucro tributável da quantia de 1.721.370.77€»;
  5. Em 22-02-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro.

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Requerente e nos que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto relevante para decisão da causa.     

 

4. Matéria de direito

 

4.1. A questão que importa apreciar

 

Pelo que se referiu no ponto 2. deste acórdão, a única questão a apreciar no presente processo é relativa à legalidade ou ilegalidade substantiva da liquidação, à face do preceituado no artigo 21.º, n.º 2, do CIRC, que foi colocada ao Tribunal Administrativo e Fiscal de ... e é mantida no pedido de pronúncia arbitral.

No exercício de 2007, a Requerente (então denominada B...) beneficiou de uma doação de 27 lotes de terreno no valor de € 7.200.500,00, efectuada a título de prestação acessória em espécie, pela D... .

Este valor de € 7.200.500,00 relativo à doação dos lotes de terreno efectuada pela D... à B..., não influenciou positivamente o resultado líquido do exercício apurado, pois foi contabilizado na conta 31 - Compras, por contrapartida de "Prestações suplementares", conta 53, e não foi acrescido no quadro 07, campo 202, da declaração Mod 22 de IRC como variação patrimonial positiva, nos termos do n.º 2 do art.º 21 º do CIRC.

Nesse mesmo exercício, a Requerente efectuou a reavaliação, dos mesmos lotes, na quantia de € 1.823.750,00, tendo debitado também a conta 31, por contrapartida de "Reserva de reavaliação", conta 56.

Nesse exercício de 2007, a Requerente vendeu 26 desses lotes de terreno, pelo valor global de € 8.756.900,00.

O valor de 1.721.370,77 €, respeitante ao valor de reavaliação de todos os lotes, menos o valor de reavaliação do lote 23 (1.823.750,00 € - 102.379,23 €) que não foi vendido em 2007, concorreu para o resultado líquido do exercício, influenciando o custo dos bens vendidos.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no Relatório da Inspecção Tributária que

– embora as reavaliações efectuadas, no montante de € 1.823.750,00, não concorram para a formação do lucro tributável, nos termos da alínea b) do art.º 21º do CIRC, a quantia de € 1.721.370,77, respeitante ao valor de reavaliação de todos os lotes menos o valor de reavaliação do lote 23 (€ 1.823.750,00 - 102.379,23), concorreu para o resultado líquido do exercício, uma vez que os lotes, à excepção do 23, foram vendidos em 2007, tendo assim influenciado o custo das mercadorias vendidas (€ 8.641.750,00);

– o referido custo não é fiscalmente aceite, nos termos do art.º 26º do CIRC, uma vez que, não resulta de nenhum dos critérios aí elencados, tanto mais que, o referido preceito legal refere que: "os valores das existências a considerar nos proveitos e custos a ter em conta na determinação do resultado do exercício são os que resultarem da aplicação dos critérios que utilizem", que neste caso são os custos efectivos / valores de doação, ou seja os que foram considerados na escritura de "Entrega de prestações acessórias" e contabilizados na conta 31 - Compras, no valor de € 7.200.500,00.

 

Os artigos 21.º e 26.º do CIRC, na redacção pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, vigente em 2007, estabeleciam o seguinte:

 

Artigo 21º

Variações patrimoniais positivas

 

1 - Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto:

a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de acções, bem como as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital;

b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reabilitação legalmente autorizadas;

c) As contribuições, incluindo a participação nas perdas, do associado ao associante, no âmbito da associação em participação e da associação à quota.

2 - Para efeitos da determinação do lucro tributável, considera-se como valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito o seu valor de mercado, não podendo ser inferior ao que resultar da aplicação das regras de determinação do valor tributável previstas no Código do Imposto do Selo.

 

Artigo 26.º

Valorimetria das existências

 

 

1 - Os valores das existências a considerar nos proveitos e custos a ter em conta na determinação do resultado do exercício são os que resultarem da aplicação dos critérios que utilizem:

a) Custos efectivos de aquisição ou de produção;

b) Custos padrões apurados de acordo com princípios técnicos e contabilísticos adequados;

c) Preços de venda deduzidos da margem normal de lucro;

d) Valorimetrias especiais para as existências tidas por básicas ou normais.

 

 

No presente processo, a Requerente defende o seguinte, em suma:

 

– a AT não questiona o valor da reavaliação efetuada pela Requerente, mas apenas a sua consideração como custo;

– pelo que, sendo de admitir a determinação do valor de aquisição dos bens pelo seu valor de mercado, nada mais haverá a discutir;

– os valores dos lotes de terreno transmitidos que se fizeram constar da escritura de entrega das prestações acessórias, foram os mesmos pelos quais aqueles estavam registados na sociedade transmitente e que reflectiam o seu valor de aquisição;

– só quando os serviços da contabilidade da Requerente, na posse daquela escritura pública para efeitos de relevação contabilística, questionaram a gerência no sentido de saber se aqueles valores correspondiam ao valor de mercado de cada um dos lotes de terreno, esta tomou consciência que esse deveria ter sido o valor a mencionar na escritura pública;

– e como o não foi, houve necessidade de proceder à aludida reavaliação;

– para o que se socorreu de relatório da sociedade G... (doc. 5), elaborado, aliás, de modo quase paralelo com a escritura de entrega de prestações acessórias, para estudo e implementação de operação imobiliária;

– relatório que para a totalidade dos 27 lotes de terreno atribuiu um valor de 9.024.250,00 € e, excluindo-se o lote não vendido em 2007, o valor de 8.641.750,00 €;

– passando esse valor de 8.641.750,00 € a estar relevado na contabilidade da Requerente como custo de aquisição dos lotes vendidos fruto do registo a débito da conta 31, por contrapartida de “Reserva de Reavaliação”, do correspondente valor de 1.721.370,77 € (doc. 6).

 – tendo-se vindo a constatar que o valor de mercado atribuído foi o correcto, tendo designadamente em conta que os lotes de terreno foram vendidos nesse mesmo ano de 2007 pelo valor global de 8.756.900,00 €;

– a reavaliação efetuada pela Requerente foi a correta e que, traduzindo a realidade, o valor de aquisição constante da contabilidade passou a observar o estabelecido no n.º 2 do art. 21º do CIRC.

 – pelo que, contrariamente ao entendimento da AT, a realização da reavaliação, como forma de determinação do valor de mercado, obedece ao disposto no CIRC e o seu valor acresce ao custo de aquisição nominal (constante da escritura pública), de acordo com a aplicação conjugada do n.º 2 do art. 21º e 26º do CIRC, nas redações à data vigentes, sendo certo que o primeiro dos artigos tem caráter especial relativamente ao segundo.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

 

«atendendo a que a atividade económica da Requerente é a "Compra, Venda e
Promoção Imobiliária", dúvidas parecem não existir de que os lotes de terreno recebidos, assumem a classificação de existências/ mercadorias
»;

«em face do que, quanto à valorização dos ativos (lotes de terreno) recebidos pela
beneficiária na realização de prestações acessórias, não se aplica o nº 2 do artigo 21º do CIRC por si invocado
»;

– «conforme resulta da escritura de entrega de prestações acessórias, as mesmas foram realizadas em bens imóveis, que atendendo à atividade desenvolvida pela sociedade beneficiária, aqui, Requerente, foram classificadas na contabilidade, e bem, como existências»;

– «e, nesta situação, a alínea a) do nº 1 do artigo 26° do CIRC estabelece de uma forma concreta os critérios a utilizar na valorimetria das existências, dada a notória influência no apuramento dos resultados contabilísticos e fiscais das empresas»;

– neste caso, daquela alínea a) decorre que os valores das existências a considerar na determinação do resultado do exercício são os que resultem da aplicação dos critérios que utilizem custos efectivos de aquisição;

– «o referido custo não é fiscalmente dedutível, porquanto a norma invocada pela Requerente, entenda-se o nº 2 do artigo 21° do CIRC, não tem aplicação na situação em apreço, atendendo a que estão em causa bens classificados como existências, cuja reavaliação efetuada afetou o custo das mercadorias vendidas»;

 

A questão essencial que se depara nos autos é a de saber se é aplicável à situação dos autos a norma do n.º 2 do artigo 21.º do CIRC que estabelece que «para efeitos da determinação do lucro tributável, considera-se como valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito o seu valor de mercado», norma esta que a Requerente entendeu ter natureza especial em relação à do artigo 26.º, n.º 1, que foi aplicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

4.2. Apreciação da questão

 

No regime do Código da Contribuição Industrial, a tributação das empresas assentava no rendimento produto, revelado pelo resultado líquido do exercício.

O CIRC alargou a base tributável da tributação das empresas, em relação ao que vigorava na Contribuição Industrial, passando a considerar na determinação da matéria tributável, em regra, as variações patrimoniais positivas que não se tenham reflectido na conta de resultados.

Assim, «as variações patrimoniais a que este artigo se refere que poderão ocorrer com aumentos do activo e/ou diminuição do passivo, desde que não tenham sido reflectidas na conta de resultados, são uma componente positiva do lucro tributável tal como se consigna no artigo 17». ( [2] )

«De harmonia com este artigo e ainda com o disposto no art. 24.° – variações patrimoniais negativas – o código, tributa a diferença dos capitais próprios no fim e no início do exercício, o que corresponde ao aumento da situação líquida em face do balanço apresentado, com exclusão, no entanto, das variações referidas nas alíneas a) a c)». ( [3] )

Constituem variações positivas as que resultam da reavaliação de existências, inclusivamente a reavaliação de terrenos destinados a revenda, pois o valor de reavaliação é um custo da sua venda. ( [4] )

Na redacção do artigo 21.º do CIRC, resultante do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, previam-se várias excepções à regra da relevância das variações patrimoniais para a determinação do lucro tributável, inclusivamente para «os incrementos patrimoniais sujeitos a imposto sobre as sucessões e doações»:

 

Artigo 21.º

            Variações patrimoniais positivas

 

            Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto:

a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de acções, bem como as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital;

b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação legalmente autorizadas;

c) Os incrementos patrimoniais sujeitos a imposto sobre as sucessões e doações;

d) As contribuições, incluindo a participação nas perdas, do associado ao associante, no âmbito da associação em participação e da associação à quota.

 

 

A Lei n.º 26/2003, de 30 de Julho, autorizou o Governo a alterar este regime com o seguinte sentido:

Artigo 71.º

Alterações aos Códigos do IRS e do IRC

Fica o Governo autorizado a alterar os Códigos do IRS e do IRC, nos termos seguintes:

(...)

4) Estabelecer que o IRC passe a incidir sobre os incrementos patrimoniais recebidos a título gratuito pelos respectivos sujeitos passivos, excluindo os que se destinem a financiar a realização dos seus fins estatutários nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do Código do IRC;

(...)

9) Estabelecer que, no caso dos incrementos patrimoniais a título gratuito a que se refere o n.º 4, se aplicam, para efeitos do rendimento tributável do IRC, as regras de determinação do valor tributável previstas no Código do Imposto do Selo e, na fase transitória em relação aos imóveis, o disposto nos artigos 73.º e seguintes da presente lei.

 

Como se vê por estes n.ºs 4 e 9, a autorização legislativa que foi concedida para aplicação das regras de determinação do valor tributável previstas no Código do Imposto do Selo (CIS) tem em vista a alteração «a que se refere o n.º 4», no sentido de que «o IRC passe a incidir sobre os incrementos patrimoniais recebidos a título gratuito pelos respectivos sujeitos passivos».

Foi ao abrigo desta autorização legislativa que o Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 283/2003, de 12 de Novembro, que excluiu da lista de excepções que consta do n.º 1 do artigo 21.º «os incrementos patrimoniais sujeitos a imposto sobre as sucessões e doações» e aditou o n.º 2, em que se indica o valor a atender para determinação do lucro tributável, no caso de incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito.

Assim, este n.º 2 do artigo 21.º não constitui uma norma geral de determinação do lucro tributável, mas, como resulta do n.º 9 do artigo 71.º da autorização legislativa referida, tem aplicação exclusivamente nas situações em que em que o IRC «incidir sobre os incrementos patrimoniais recebidos a título gratuito».

Por isso, o n.º 2 do artigo 21.º é uma norma especial, mas, como tal, é aplicável apenas nas situações especiais para que está prevista, que são aquelas em que se está perante «variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do exercício», como resulta do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC.

Se os incrementos patrimoniais derivados de doações foram reflectidos na conta de resultados do exercício, não são como tal relevantes para determinação do lucro tributável, mas sim através do reflexo que tiveram no resultado líquido do exercício.

No caso em apreço, quanto aos imóveis que foram vendidos em 2007 (relativamente as quais a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou tributável o valor da reavaliação no montante de € 1.721.370,77), os incrementos patrimoniais derivados da doação foram reflectidos no resultado líquido do exercício, influenciando o «ganho obtido», a que se refere a Requerente no artigo 38.º do pedido de pronúncia arbitral.

Isto é, como bem se diz no Relatório da Inspecção Tributária:

– «a quantia de € 1.721.370,77, respeitante ao valor de reavaliação de todos os lotes menos o valor de reavaliação do lote 23 (€ 1.823.750,00 - 102.379,23), concorreu para o resultado líquido do exercício, uma vez que os lotes, à excepção do 23, foram vendidos em 2007, tendo assim influenciado o custo das mercadorias vendidas (€ 8.641.750,00)».;

– «o referido custo não é fiscalmente aceite, nos termos do art.º 26º do CIRC, uma vez que, não resulta de nenhum dos critérios aí elencados, tanto mais que, o referido preceito legal refere que: "os valores das existências a considerar nos proveitos e custos a ter em conta na determinação do resultado do exercício são os que resultarem da aplicação dos critérios que utilizem", que neste caso são os custos efectivos / valores de doação, ou seja os que foram considerados na escritura de "Entrega de prestações acessórias" e contabilizados na conta 31 - Compras, no valor de € 7.200.500,00».

– «assim, nos termos do referido preceito legal, n.º 1 do art.º 26 º do CIRC, será acrescida para efeitos de determinação do lucro tributável a quantia de € 1.721.370,77 relativa à reavaliação efectuada e considerada como custo das mercadorias vendidas».

 

 

Por isso, está-se perante uma situação em que não tem aplicação a regra do n.º 2 do artigo 21.º do CIRC, mas sim o artigo 26.º, n.º 1, do CIRC, nos termos em que foi aplicado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Pelo exposto, a liquidação impugnada não enferma do vício que a Requerente lhe imputa que pode ser apreciado no presente processo arbitral.

Assim, improcede o pedido de pronúncia arbitral.

 

5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Não tomar conhecimento dos pedidos de restituição de imposto pago e juros indemnizatórios;
  2. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
  3. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 497.212,37.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.650,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

    

Lisboa, 17-09-2019

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Jónatas Machado)

 

(Nuno Cunha Rodrigues)



[1] A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou ainda a questão da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a questão da litigância de má-fé, mas a Requerente desistiu desse pedido.

[2] F. PINTO FERNANDES e J. CARDOSO DOS SANTOS, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas Anotado e Comentado, 3.ª edição, página 227.

[3] Obra e local citados.

[4] Obra e local citados.