Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 123/2019-T
Data da decisão: 2019-11-08   Outros 
Valor do pedido: € 85.778,32
Tema: Contribuição sobre o sector bancário; Natureza; Arbitrabilidade.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), André Festas da Silva e Luís Menezes Leitão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 22 de Fevereiro de 2019, A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, NIPC..., com local de representação na Rua ... ..., ..., ...-... ...,  apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto tributário de autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário, relativa ao ano de 2016, no valor de €85.778,32, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018... que teve o referido acto de liquidação como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

i.             a ilegalidade da liquidação por força da aplicação retroativa da lei fiscal;

ii.            a violação do princípio da equivalência;

iii.           a violação da regra da não consignação de receitas.

 

3.            No dia 25-02-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 16-04-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 08-05-2019.

 

7.            No dia 12-06-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

8.            A Requerida apresentou resposta em que suscitou a excepção de incompetência material do Tribunal para proceder à apreciação da pretensão da Requerente, por estar em causa uma contribuição financeira e não um imposto.

 

9.            Foi facultada à Requerente a possibilidade de exercer, por escrito, o contraditório relativamente à matéria de excepção, o que fez.

 

10.          Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

11.          Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

12.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

13.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é a sucursal em Portugal B... B.V., entidade de direito holandês, com sede e administração efectiva nos Países Baixos.

2-            A B... B.V., da qual a Requerente é sucursal em Portugal, encontra-se sujeita à supervisão da entidade competente do seu país de residência, o C... .

3-            A Requerente exerce a sua actividade em território nacional desde Abril de 2008.

4-            Em 30-06-2016, a Requerente procedeu à submissão da declaração Modelo 26 – Contribuição sobre o Sector Bancário, por referência ao ano de 2016, tendo apurado um montante a pagar de € 85.778,32.

5-            A Contribuição sobre o Sector Bancário incidiu sobre o passivo apurado e aprovado pela Requerente.

6-            A Requerente procedeu ao pagamento do montante apurado.

7-            O passivo só pode ser apurado e aprovado no período seguinte àquele a que diz respeito.

8-            A média anual dos saldos finais de cada mês só pode ser determinada após a aprovação dessas contas.

9-            As instruções de preenchimento da declaração Modelo 26 da CSB, constantes do anexo à Portaria n.º 165-A/2016, referem que “A declaração é enviada anualmente por transmissão electrónica de dados, até ao último dia do mês de junho, do ano seguinte a que se reporta”,

10-         Por considerar que a contribuição sobre o sector bancário apurada não era devida, em 29-06-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objecto a referida autoliquidação.

11-         Através do Ofício n.º..., de 5 de novembro de 2018, a Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa.

12-         Por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 4 de Dezembro de 2018, a referida reclamação graciosa foi indeferida.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

A primeira questão a apreciar, e cuja procedência prejudicará o conhecimento das demas, prende-se com a excepção de incompetência material suscitada pela Requerida nos autos.

A Requerida suscita a referida questão da incompetência material do tribunal arbitral para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação de contribuições por entender que, atento o teor literal do artigo 2.º, n.º 1 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação da AT à jurisdição do CAAD), a vinculação da AT à jurisdição arbitral não inclui a apreciação de pretensões relativas a contribuições, mas apenas a impostos.

Entende a Requerida que a Contribuição sobre o Sector Bancário é uma contribuição e não um imposto, sustentando a sua posição em diversas teses doutrinais e jurisprudenciais.

Em suma, sustenta a Requerida que “a Requerente labora num duplo erro, por um lado, porque a CSB é uma contribuição financeira, como uniformemente os tribunais tributários se têm vindo a pronunciar, como por outro lado, tratando-se de uma contribuição financeira, o tribunal arbitral será materialmente incompetente para a apreciação do dissídio”. Mais refere que “In casu, e porque se está perante uma contribuição está vedado ao CAAD a apreciação do presente pedido arbitral, tal como resulta, desde logo do teor literal da lei, mas também de forma consensual da doutrina”.

A Requerente, por seu lado, quer na petição inicial, quer na resposta à excepção invocada pela Requerida, alegou, em suma, o seguinte:

a)            A referência a “impostos” no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março que trata da extensão da vinculação da AT à jurisdição do CAAD, em contraste com o termo “tributos” que é utilizado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT não pode ser interpretada no sentido de que o tribunal arbitral não tem competência material num litígio que tenha por objecto uma contribuição, sob pena de se estar a reduzir o âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais tributários definido num Decreto-Lei e na respectiva lei de autorização, através de uma Portaria, o que consubstanciaria uma violação do disposto no artigo 112.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa;

b)           O artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, deve ser interpretado no sentido de que o âmbito da jurisdição arbitral abrange a apreciação das pretensões relativas a tributos cuja administração esteja cometida à AT, com excepção dos casos enunciados nas alíneas do referido artigo 2.º, abrangendo, portanto, também as pretensões relativas a “contribuições”, por ela administradas, como sucede com a contribuição em causa nos presentes autos.

c)            A referência a “impostos” no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março não pode ser entendida como uma limitação intencional da vinculação da AT aos tribunais arbitrais tributários em situações respeitantes apenas a impostos, sob pena de violação do princípio da hierarquia das fontes normativas, consagrado no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, bem como do princípio do acesso ao direito e a garantia da tutela jurisdicional efectiva (cf. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP).

d)           Sendo a Contribuição sobre o Sector Bancário um tributo administrado pela AT, cujo procedimento de liquidação e cobrança é estruturalmente idêntico ao dos impostos, o tribunal arbitral é competente para dirimir o litígio, independentemente desde tributo vir a ser qualificado como contribuição ou como imposto.

 

*

O primeiro aspecto a clarificar, na análise da questão em causa, é a da natureza jurídica da Contribuição sobre o Sector Bancário.

Este tributo foi criado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011), e alterada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento de Estado para 2016).

Nos termos do artigo 8.º do regime da Contribuição sobre o Sector Bancário, “[a] base de incidência definida pelo artigo 3.º, as taxas aplicáveis nos termos do artigo 4.º, bem como as regras de liquidação, cobrança e de pagamento da contribuição são objecto de regulamentação por portaria do Ministro das Finanças, ouvido o Banco de Portugal”. Ao abrigo deste preceito, foi aprovada a Portaria n.º 121/2011.

De acordo com o artigo 6.º, n.º 2 da Portaria n.º 121/2011, a base de incidência da Contribuição sobre o Sector Bancário “é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição”.

A Requerente sustenta que a Contribuição sobre o Sector Bancário é “nos moldes em que foi concretamente liquidada e exigida, configura, sem margem para dúvidas, uma imposição pecuniária unilateral com as características de um imposto”.

Sem prejuízo dos méritos que possa ter a argumentação, nesse sentido, expendida pela Requerente, e suportada em algumas decisões arbitrais proferidas por tribunais constituídos no âmbito do CAAD, o certo é que tal questão foi objecto de extensa análise pelo Pleno do STA, no acórdão de 19-06-2019, proferido no processo 02340/13.0BELRS 0683/17 , tendo-se ali concluído que “Trata-se, pois, de um tributo que, interessando um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades financeiras das entidades desse sector, por forma a eliminar os riscos sistémicos dali advenientes. Surgindo assim claramente afirmada a natureza jurídica de contribuição financeira da CSB e não de imposto com finalidade correctiva ou pigouviana.”.

A doutrina do referido aresto, foi, subsequentemente, reafirmado em diversos acórdãos do STA, sobre a mesma matéria, que, pela sua profusão e semelhança, não se justifica aqui individualizar.

Deste modo, em obediência ao dever de aplicação uniforme do direito, invocado pela própria Requerente, e tendo em conta a superioridade hierárquica do STA sobre os tribunais arbitrais em matéria tributária, evidenciada pelo actual regime de recursos das decisões daqueles, conclui-se aqui que a Contribuição sobre o Sector Bancário tem a natureza de contribuição financeira, e não de imposto.

 

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Posto isto, cumpre, então apreciar a questão da arbitrabilidade, por tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, de litígios referentes a tributos, que não tenham a natureza de imposto, e, em especial, a contribuições financeiras.

Esta questão foi já apreciada, para além do mais, na decisão arbitral proferida no processo 115/2018-T , na qual estava em causa a Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, mas cuja fundamentação é transponível para os presentes autos. 

Como ali se disseca, a legislação e regulamentação que delimitou o âmbito da arbitragem tributária, designadamente, a alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei  n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei de autorização legislativa que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária), o Decreto-Lei n.º 10/2011 (Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária), a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação) operou, progressivamente, a restrição do âmbito da arbitragem tributária, nos seguintes termos:

– na alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei de autorização legislativa admitia-se a possibilidade de nela ser incluída a generalidade dos litígios relativos a liquidação de tributos (inclusivamente os praticados pelos contribuintes) e de fixação de valores patrimoniais que pudessem ser apreciados em processo de impugnação judicial e o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária;

– no artigo 2.º do RJAT não se incluiu na arbitragem tributária o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária e estabeleceu-se no artigo 4.º, que a vinculação da Administração Tributária, que se reconduz à definição do âmbito da arbitrabilidade de litígios, deveria ser efectuada por portaria;

– com a Lei n.º 64-B/2011, impôs-se que na portaria se indicassem o tipo e o valor máximo dos litígios, o que tem como corolário que os litígios abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT não são, de per si, arbitráveis;

– a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, limitou a vinculação aos serviços da Administração Tributária estadual e aos litígios «que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida», com várias excepções.

Como se escreveu na supra mencionada decisão arbitral, “A intenção legislativa de restringir o âmbito da arbitragem tributária em relação ao que foi permitido pela autorização legislativa resulta com evidência destes diplomas e é explicada pelas justificadas dúvidas que, no início da arbitragem tributária, se suscitavam sobre o possível inadequado funcionamento de um meio inovador de resolução de litígios em matéria tributária (...)”

Assim, entendeu o referido tribunal arbitral que “a inclusão da palavra «impostos» na expressão «apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja acometida», contrastando com a referência mais abrangente «actos de liquidação de tributos» que foi usada na alínea a) do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 3-B/2010 (autorização legislativa) para definir o âmbito da autorização, tem de ser interpretada expressão precisa da restrição que se pretendeu efectuar”.

De facto, atenta a intenção legislativa de restringir o âmbito material da arbitragem tributária, e não havendo razões que imponham que se conclua que houve alguma deficiência na expressão do pensamento legislativo, tendo sido utilizada uma expressão técnica com alcance restritivo, tem de pressupor-se, presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, que se pretendeu restringir a vinculação da AT, nos precisos termos exarados.

Efectivamente, estando previsto na Constituição e na Lei designações específicas para classificar os diversos tipos de tributos, sempre se terá de presumir que o legislador pretendeu utilizar a terminologia prevista quer na Constituição, quer na Lei, e não aquela que o intérprete poderá considerar mais apropriada, com base em considerações de natureza doutrinal.

Como refere a decisão arbitral que se acompanha, a propósito da CEIF, em termos transponíveis para os presentes autos, “Para além disso, nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil), que fosse atribuída à CEIF a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2 da LGT”.

Pelo que conclui, “Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as contribuições especiais”, que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»)”.

Este entendimento tem sido acolhido por diversa jurisprudência arbitral emanada de tribunais constituídos sob a égide do CAAD, designadamente nos acórdãos proferidos nos processos 347/2017T, 115/2018T, 182/2019T .

Por outro lado, não se pode deixar de notar que o principal suporte doutrinal  para o entendimento que sustenta a arbitrabilidade, pelos tribunais arbitrais constituídos no CAAD, de litígios relativos a contribuições financeiras, estará a ser, ressalvado o respeito devido, mal interpretado.

Com efeito, como refere expressamente uma das autoras do artigo referido, “o âmbito material da arbitragem resume-se à análise de questões relativas a impostos, não sendo portanto susceptíveis de recurso à arbitragem, porquanto fogem aos termos de vinculação da administração tributária, questões relativas a taxas e contribuições” .

De resto, o Tribunal Constitucional detectou já a errónea interpretação formulada, referindo no seu Acórdão n.º 545/2019, que “Em face desta redação, concluem SÉRGIO VASQUES e CARLA CASTELO TRINDADE (O âmbito material da arbitragem tributária, Cadernos de Justiça Tributária, 00, abril-junho, 2013. pp. 24 e 25) que são duas as consequências que podemos assacar: (i) que o âmbito material da arbitragem se resume à análise de questões relativas a impostos, não sendo portanto suscetíveis de recurso a arbitragem, porquanto fogem aos termos de vinculação da administração tributária questões relativas a taxas e contribuições; e (ii) que o âmbito material da arbitragem se resume à análise de questões relativas aos impostos que sejam administrados pela (hoje) Autoridade Tributária e Aduaneira – ficando então de fora os impostos administrados por outras entidades. Assim, de acordo com esta posição, não obstante a ampla designação como arbitragem tributária e a constante referência a tributos no que aos atos arbitráveis respeita, as taxas e as contribuições encontrar-se-ão, prima facie, excluídas do âmbito material de competência dos tribunais arbitrais (CONCEIÇÃO GAMITO e TERESA TEIXEIRA MOTTA, A arbitrabilidade das taxas, Revista de Arbitragem Tributária n.º 2, jan. 2015, p. 21).”.

Este entendimento, de resto, será perfeitamente compreensível, se se perspectivarem as especificidades próprias da arbitragem tributária, que, para além do mais, se configura como uma arbitragem necessária para a AT e voluntária para o contribuinte, na medida em que aquela se sujeita, genericamente, à jurisdição arbitral, e este apenas se sujeita, casuisticamente, quando o entender conveniente.

Ora, esta dimensão necessária da arbitragem tributária, sobretudo num caso, como era o do regime original do RJAT, em que inexistem recursos ordinários, é juridicamente problemática, conforme o Tribunal deu conta nos acórdãos n.º 230/2013 e 781/2013, podendo ler-se, no primeiro daqueles, que “não é aceitável, num primeiro relance, que o Estado delegue poderes de autoridade numa entidade privada, operando por essa via uma privatização orgânica da Administração relativamente ao exercício de uma certa tarefa pública, e simultaneamente renuncie também a qualquer controlo jurisdicional de mérito, através de tribunais estaduais, quanto às decisões administrativas que sejam praticadas no quadro jurídico dessa delegação de competências”.

Daí que o mesmo Tribunal haja já afirmado que:

“É que se de qualquer tribunal arbitral se pode dizer que retira a sua competência (da competência) de um tribunal do Estado, quando esta inclui matéria tributária haverá de reconhecer-se que as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco.

Na verdade, a matéria tributária situa-se no âmago das atribuições do Estado, nela se evidenciando a necessária prossecução de interesses públicos absolutamente essenciais a uma comunidade politicamente organizada, razão que levou a CRP, no n.º 1 do artigo 103.º, a estatuir que “o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado”. Se não for possível sindicar judicialmente a decisão de um tribunal arbitral tributário que, à revelia do quadro regulamentar estabelecido, se considere competente numa certa matéria, então tal significará que não existe nenhuma forma de assegurar que funções tributárias que o Estado deve exercer não lhe serão "confiscadas", sem controlo por um tribunal do Estado.

Decorrente desta circunstância, a arbitrabilidade dos litígios de natureza tributária apresenta particularidades que justificam um tratamento diferenciado relativamente à arbitragem em geral.

Por um lado, a competência dos tribunais arbitrais tributários depende de um ato administrativo, praticado sob forma de portaria, pelos membros do Governo indicados no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT. Quer isto dizer que o legislador se absteve de regular a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, remetendo tal regulamentação para o Governo, que a exercerá dentro do quadro legal, norteado, seguramente, por razões de oportunidade e conveniência.

Por outro lado, acentuando as implicações jurídico-públicas da arbitragem tributária, note-se que a LAT, no seu artigo 29.º, exclui do direito subsidiário aplicável as normas Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro), preferindo-lhes, significativamente, para além do Código de Processo Civil, normas de diplomas claramente ligados à atividade administrativa e tributária” .

                Mais esclarece o mesmo Tribunal que:

“As entidades administrativas delimitadas [na Portaria n.º 112-A/2011] não podem recusar a constituição de tribunais arbitrais, nas matérias aí previstas, se o administrado o solicitar. É, portanto, uma situação algo distinta da que ocorre na arbitragem voluntária, uma vez que as entidades administrativas estão a priori vinculadas à opção que o administrado tomar neste domínio. A lógica subjacente a um pacto arbitral em que ambas as partes do litígio acordam a sua sujeição a um tribunal arbitral, que justifica certas dimensões do regime da arbitragem voluntária, não pode ser inteiramente tida como aplicável na presente situação. Desta forma, parte do enquadramento constitucional aplicável aos tribunais arbitrais necessários deverá ser considerado aplicável neste caso, em especial no que diz respeito às garantias de independência e imparcialidade dos tribunais e de processo arbitral equitativo.” .

A remissão da vinculação da administração tributária para portaria dos membros do governo responsáveis pela área das finanças e da justiça, terá em vista, crê-se, mitigar o carácter necessário da arbitragem tributária para a administração tributária, convocando uma intervenção da tutela da Administração Tributária e dos serviços de justiça do Estado, no sentido de reforçar a expressão da vontade daqueles serviços na disponibilização da arbitragem tributária como meio de resolução dos litígios entre os contribuintes e o fisco.

Por outro lado, as diferenças entre impostos, taxas e contribuições financeiras são suficientes para que a vinculação da AT à jurisidição dos tribunais arbitrais em matéria tributária não abranja, indistintamente, todos.

Como explica o Tribunal Constitucional no citado Acórdão n.º 545/2019, “é possível concluir que existem diferenças substanciais de regime entre impostos e os restantes tributos – quer ao nível do enquadramento constitucional, quer ao nível do tratamento legal aplicável, quer ao nível da atividade da administração tributária. A própria natureza distinta das categorias de tributos em causa e as respetivas condições da sua legalidade podem justificar a adoção de regimes normativos diferenciados. As referidas diferenças podem justificar um tratamento distinto relativamente ao acesso à arbitragem tributária, tendo em conta a complexidade das matérias ou o tipo de questões de validade que podem ser suscitadas, por exemplo, que não poderá, por isso, ser considerado arbitrário ou desrazoável, na medida em que tem por base figuras materialmente distintas.”.

Face ao exposto, conclui-se que está excluído do âmbito da competência material dos tribunais arbitrais tributários que funcionam sobre a égide do CAAD, a apreciação de litígios que tenham por objecto a apreciação das questões relativas à Contribuição sobre o Sector Bancário.

 

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Alega a Requerente que a restrição pelo artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, do âmbito do art.º 2.º do RJAT, constituirá uma violação do princípio da hierarquia das fontes normativas, consagrado no artigo 112.º, n.º 5, da CRP.

Ressalvado o respeito devido, não lhe assistirá qualquer razão nessa matéria.

O art.º 4.º, número 1 do RJAT, dispõe que “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.”.

Conforme se verifica da norma transcrita, a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais em matéria tributária constituídos sob a égide do CAAD, depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.

Daqui decorre, desde logo, que essa vinculação poderá existir ou não, conforme exista, ou não, Portaria.

Ora, se da lei não decorre uma vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais em matéria tributária constituídos sob a égide do CAAD, ficando esta dependente da existência de uma portaria que a consagre, por maioria de razão, tal portaria poderá, dentro dos limites previstos na lei para o âmbito da arbitragem em matéria tributária, determinar as matérias abrangidas pela vinculação.

Por outro lado, o RJAT refere que a portaria estabelece “designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

Daí que, remetendo a Lei para a Portaria o tipo de litígios abrangidos, não haverá qualquer violação do princípio da hierarquia das fontes normativas, quando aquela faz, precisamente, o que a Lei lhe comete fazer.

Como refere o Tribunal Constitucional, no já referido Acórdão n.º 177/2016, “a competência dos tribunais arbitrais tributários depende de um ato administrativo, praticado sob forma de portaria, pelos membros do Governo indicados no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT. Quer isto dizer que o legislador se absteve de regular a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, remetendo tal regulamentação para o Governo, que a exercerá dentro do quadro legal, norteado, seguramente, por razões de oportunidade e conveniência.”.

Deste modo, e face a todo o exposto, conclui-se pela não ocorrência da arguida violação do princípio da hierarquia das fontes normativas, consagrado no artigo 112.º, n.º 5, da CRP.

 

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Sustenta ainda Requerente que a referência a “impostos” no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março não pode ser entendida como uma limitação intencional da vinculação da AT aos tribunais arbitrais tributários em situações respeitantes apenas a impostos, sob pena de violação do princípio do acesso ao direito e a garantia da tutela jurisdicional efectiva (cf. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP).

Sobre a questão da compatibilidade das disposições que restringem o âmbito da jurisdição arbitral às pretensões relativas a impostos com o princípio da tutela jurisdicional efectiva, teve já oportunidade de se pronunciar o tribunal arbitral no âmbito do processo 115/2018-T.

O princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, não institui a obrigatoriedade de existirem tribunais arbitrais. A existência de tribunais arbitrais apenas está prevista como uma possibilidade, no artigo 209.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Dispõe aquele artigo que “Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz”.

Com efeito, não sendo a existência de tribunais arbitrais obrigatória, o princípio da tutela jurisdicional efectiva encontra-se satisfeito com a possibilidade de os contribuintes recorrerem aos tribunais tributários estaduais.

Como refere a decisão do CAAD no processo n.º 115/2018-T, “A existência destes [tribunais tributários estaduais] é constitucionalmente imposta, pelos artigos 209.º, n.º 1, alínea b) e 212.º, n.º 3 da CRP, o que, conjugado com a não obrigatoriedade de tribunais arbitrais, impõe que se conclua que, na perspetiva constitucional, os tribunais tributários são suficientes para assegurar adequadamente a tutela jurisdicional efectiva”.

Também o Tribunal Constitucional, apreciando matéria análoga à que ora nos ocupa, julgou já, no seu referido Acórdão n.º 545/2019, que:

“A possibilidade de institucionalizar formas de composição não jurisdicional de conflitos, nos termos do n.º 4 do artigo 202.º, e de submissão de litígios a uma jurisdição arbitral, como prevê o n.º 2 do artigo 209.º, não significa que a Constituição obrigue o legislador a criar vias arbitrais para a resolução de todos os litígios ou que o recurso a um tribunal estadual não seja ainda a principal via de acesso ao direito. A criação de uma via arbitral no domínio do contencioso administrativo ou tributário não é uma obrigação do legislador, decorrente da Constituição. Aliás, com base em reservas de jurisdição estadual constitucionalmente fundadas, deve reconhecer-se a existência de certos limites à constituição de tribunais arbitrais – alguns deles precisamente no domínio de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas ou tributárias.

Neste contexto, como o Tribunal Constitucional afirmou no Acórdão n.º 230/2013, Plenário, ponto 13, «ainda que os tribunais arbitrais constituam uma categoria de tribunais e exerçam a função jurisdicional, não pode perder-se de vista que essa é uma forma de jurisdição privada, (…). O direito fundamental de acesso aos tribunais constitui tendencialmente uma garantia de acesso a tribunais estaduais em resultado da necessária conexão entre esse direito e a reserva de jurisdição, que apenas poderá caracterizar uma reserva de jurisdição arbitral quando o acesso ao tribunal arbitral seja livre e voluntário». A este propósito PEDRO GONÇALVES observa que a garantia do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, é a do «direito de acesso a tribunais estaduais, não tendo sentido dizer-se que ali se garante o acesso a tribunais a constituir por iniciativa dos interessados. O que a instituição de tribunais arbitrais voluntários representa, ou pode representar, é a voluntária renúncia ao direito de acesso aos tribunais do Estado» (Entidades Privadas com Poderes Públicos, Coimbra, 2005, pág. 565, nota 450).

Por outro lado, existindo a possibilidade de recurso aos tribunais tributários estaduais que, como se viu, constitui a principal via de acesso ao direito, não se pode considerar que o regime adjetivo não proporcione aos cidadãos meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.”

Face ao exposto, improcede a alegada inconstitucionalidade por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, invocada pela Requerente.          

 

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                De harmonia com o exposto, é de julgar procedente a excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral por a pretensão da Requerente versar sobre um tributo não incluído na vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira nos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

                Sendo de julgar procedente a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no processo.

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            julgar procedente a excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral por a pretensão da Requerente versar sobre um tributo não incluído na vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira nos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e, em consequência, absolver a Requerida do pedido;

b)           Condenar a Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 85.778,32, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2 754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 08 de Novembro de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(André Festas da Silva)

 

O Árbitro Vogal

(Luís Menezes Leitão)