Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 122/2020-T
Data da decisão: 2020-09-25  IRS  
Valor do pedido: € 4.381,07
Tema: IRS - não residentes; rendimentos prediais; reporte de perdas
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SUMÁRIO:

O reporte do resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F aos seis anos seguintes àquele a que respeita, previsto no artigo 55.º, n.1º, alínea b), do artigo 55.º do CIRC (na redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro), não depende de englobamento, aplicando-se também a não residentes. 

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Professor Doutor Jónatas Machado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para constituir o presente Tribunal Arbitral, profere a seguinte decisão:

 

1             RELATÓRIO

 

1. A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ...-..., Braga, tendo sido notificado do despacho de indeferimento proferido pela Direção de Finanças de Braga, no procedimento de reclamação graciosa n.º ...2019..., que tinha por objeto a liquidação de IRS n.º 2019..., do ano de 2018, com o valor a pagar de € 4.381,07, veio, em 24.02.2020, nos termos do disposto no artigo 2º n.º 1 alínea a), 5º n.º 2 alínea a), 6º n.º 1, 10º n.º 1 alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e do artigo 102º n.º 1, alínea b) do CPPT, requerer a constituição de tribunal arbitral com vista à declaração de ilegalidade daquele ato tributário.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 26.02.2020.

 

3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) nomeou como árbitro singular o Professor Doutor Jónatas Machado, em 06.07.2020.

 

4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Por força do preceituado na alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 05.08.2020.

 

6.A AT (ou “Requerida”), tendo para o efeito sido devidamente notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, apresentou a sua resposta, em 09.09.2020, onde, por impugnação, sustentou a improcedência da pretensão da parte Requerente. 

 

7. Por não ter sido requerida pelas partes e ser considerada desnecessária, o tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações finais, através de despacho proferido em 17.09.2020.

 

1.1          Descrição dos factos

 

8. Nos anos de 2017 e 2018, a Requerente era residente em Angola.

 

9. No ano de 2017, a Requerente fez obras de conservação e remodelação no imóvel que detinha (artigo urbano ...), da freguesia de ..., concelho de Braga, que perfaziam o total de € 31.279,11, tendo usufruído dos serviços descritos nas faturas que anexou, no imóvel que nesse mesmo ano arrendou.

10. A Requerente declarou na modelo 3 de IRS do ano de 2017, no anexo F relativo aos rendimentos prediais, o valor de € 6.500, relativo às rendas recebidas do referido imóvel, declarando ainda as despesas de conservação o valor das despesas incorridas nesse ano de 2017 de € 31.279,11 e o valor do IMI pago de € 201,11.

11. Uma vez que os rendimentos prediais de 2017 eram de apenas € 6.500, e as despesas eram de €31.480,22 (IMI e despesas de conservação e manutenção), o resultado líquido dos rendimentos prediais era negativo de € 24.980,22.

12. A Requerente optou pelo englobamento dos rendimentos prediais, no quadro 7B do  anexo F da modelo 3 de 2017.

13. A Requerente apresentou a declaração modelo 3 de 2018, dentro do prazo, tendo declarado rendimentos prediais no anexo F o valor de € 16.250, optando mais uma vez pelo englobamento dos rendimentos prediais.

14. No ano de 2018, a Requerente tinha o valor de perdas/rendimento líquido negativo da categoria F do ano de 2017, no valor de € 24.980,22, perdas essa que não foram tidas em consideração na liquidação e IRS de 2018 de que a Requerente foi notificada.

 

1.2          Argumentos das partes

15. Os argumentos trazidos aos autos centram-se na questão de saber se o reporte de perdas na categoria F previsto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, se aplica a não residentes que estejam sujeitos a tributação por taxa especial autónoma.

 

16. A Requerente sustenta a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2019..., do ano de 2018, com argumentos cujos traços essenciais a seguir se sintetizam:

a)            O artigo 18º, n.º 1, alínea h), do Código do IRS (CIRS) dispõe que se consideram obtidos em território nacional os rendimentos respeitantes a imóvel nele situado;

b)           O artigo 8º, n.º 1, do CIRS considera rendimentos prediais as rendas de prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares, quando estes não optarem pela sua tributação no âmbito da categoria B;

c)            O artigo 41.º, n.º 1, do CIRS dispõe que aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º se deduzem, relativamente a cada prédio ou parte de prédio, todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir tais rendimentos, com exceção dos gastos de natureza financeira, dos relativos a depreciações e dos relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração, bem como do adicional ao imposto municipal sobre imóveis;

d)           Do princípio da tributação do rendimento acréscimo líquido, que enforma o IRS, decorre que o rendimento efetivamente sujeito a tributação é o que se obtém depois de deduzidas ao rendimento global as despesas e encargos que sejam estreitamente conexos com a fonte produtora dos rendimentos ou, por outras palavras, que tais despesas sejam indispensáveis à formação do rendimento;

e)           O artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS, cuja epígrafe é “Dedução de perdas”, refere que relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus rendimentos líquidos positivos da mesma categoria, acrescentando que o resultado líquido negativo em determinado ano na categoria F só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita;

f)            Não se vislumbra, no texto da lei, a existência de qualquer regime de exceção aplicável aos não residentes que estejam sujeitos a tributação autónoma, quanto ao reporte de perdas na categoria F; 

g)            O reporte de perdas de anos anteriores, na categoria F, não está dependente de englobamento, mesmo quando não admitido o englobamento por se tratar de não residentes, por não haver disposição legal que afaste tal possibilidade, por um lado, e por outro, em obediência ao princípio estruturante da tributação do rendimento líquido auferido pelo sujeito passivo;

h)           Para além da limitação temporal à dedução das perdas apuradas na categoria F, o artigo 55.º do Código do IRS não estabelece qualquer outro requisito para essa dedutibilidade, como seja o englobamento dos mesmos; 

i)             Quando o legislador pretendeu impor essa condição e obrigatoriedade, fê-lo de forma expressa, como sucedeu no caso de perdas relativas a certos rendimentos da categoria G.

 

17. A Requerida sustenta a manutenção do ato de liquidação impugnado com base nos seguintes fundamentos:

a)            A opção de englobamento dos rendimentos prediais prevista no n.º 8 do artigo 72.º do CIRS (redação em vigor à data) está balizada a residentes em território português;

b)           O artigo 55.º do CIRS, sob a epígrafe “Dedução de perdas”, dispõe, no n.º 1, alínea b), que o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria, a ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita, só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, sendo esse o princípio ordenador; 

c)            O artigo 55.º do CIRS tem subjacente a conjugação das operações analítica, de qualificação do rendimento bruto e aplicação da dedução específica, e sintética, de englobamento e determinação do rendimento líquido total tributável;

d)           É em relação ao rendimento líquido total, resultante do englobamento, que acontecerá um primeiro momento de pessoalização da carga tributária, através da dedução do valor de algumas despesas socialmente relevantes, os chamados abatimentos, resultando daí o rendimento coletável, nos termos do art.º 22.º, n.º 1, do CIRS;

e)           A aplicação de taxas especiais, e designadamente com carácter liberatório, constitui, uma situação normal relativamente aos rendimentos de não residentes, baseada em razões de praticabilidade;

f)            A tributação segundo taxas especiais contrapõe-se à noção de unicidade e progressividade, sendo um modelo de tributação excecional;

g)            A tributação dos rendimentos prediais encontra-se sujeita à taxa especial prevista no artigo 72.º do CIRS, de 28%, importando conferir qualquer tipo de correspondência que se possa descortinar, com o procedimento geral de liquidação;

h)           A impossibilidade do exercício da opção pelo englobamento, dado que a Requerente residia nos anos de 2017 e 2018 em Angola, redunda na impossibilidade de dedução, ao rendimento coletável do período de tributação de 2018, das perdas da categoria F calculadas em 2017;

i)             Na presente situação, as obras ocorreram em 2017, e as perdas conforme pretende a Requerente seriam apuradas para efeitos de reporte e abatimentos nos anos seguintes, com início em 2018, nos termos do artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CIRS;

j)             A versão do artigo 72.º do CIRS a 2018-12-31 restringe, através do seu n.º 8, a possibilidade de opção pelo englobamento dos rendimentos da categoria F, aos respetivos titulares residentes em território português, sendo o englobamento, nos termos do n.º 3 do artigo 22.º do CIRS, balizado aos contribuintes residentes em território português, ficando assim condicionados aos residentes o reporte e a dedução das perdas aos ganhos das liquidações posteriores na mesma categoria, porquanto o abatimento previsto no artigo 55.º do CIRS é um processo prévio, anterior e condicionado pela possibilidade de englobamento, não enformando uma dedução especifica da categoria F – artigo 41.º do CIRS;

k)            Relativamente aos não residentes, sujeitos à tributação autónoma, deixam de pertencer ao conjunto de rendimentos a que alude o artigo 55.º, n.º 1, do CIRS, ficando neste caso impedida a dedução das perdas, para a determinação do rendimento coletável nos termos do artigo 22.º, n.º 1 do CIRS, estando vedado o reporte aos seis anos seguintes aos não residentes, sujeitos à taxa autónoma do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, sem prejuízo do disposto no n.º 9 do preceito e no n.º 1 do artigo 17.º-A do CIRS, relativamente aos residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu;

l)             Nada consta nas normas legais que determine aos contribuintes não residentes, como é o caso da Requerente, a possibilidade de reporte e dedução das perdas aos ganhos das liquidações dos anos posteriores, independentemente de poderem ou não exercer a opção pelo englobamento;

m)          O artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT), sob a epígrafe ‘pagamento indevido da prestação tributária’, tem como pressuposto a intenção de compensar o sujeito passivo pela privação da quantia que pagou indevidamente;

n)           Sendo que, o direito a juros indemnizatórios previsto no n. º1 do artigo 43.ºda LGT, derivado de anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

1.3. Saneamento  

 

18. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.  

 

19. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT) e é materialmente competente (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).

 

20. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.

 

21. O processo não padece de nulidades podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.

 

2             FUNDAMENTAÇÃO

2.1          Factos dados como provados

 

22. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:

a)            Nos anos de 2017 e 2018, a Requerente era residente em Angola; (documento 5)

b)           No ano de 2017, a Requerente fez obras de conservação e remodelação no imóvel que detinha (artigo urbano ...), da freguesia de ..., concelho de Braga, abrangendo fachada, interiores, toldo, estores, segurança contra incêndios, aspiração central e motor, que perfaziam o total de € 31.279,1; (documentos 6 a 18)

c)            Em 2017 a Requerente arrendou o imóvel que corresponde ao artigo urbano ... da freguesia de ..., concelho de Braga; 

d)           A Requerente declarou na modelo 3 de IRS do ano de 2017, no anexo F relativo aos rendimentos prediais, o valor de € 6.500, relativo às rendas recebidas do referido imóvel; (documento 19)

e)           A Requerente declarou ainda as despesas de conservação o valor das despesas incorridas nesse ano de 2017 de € 31.279,11 e o valor do IMI pago de € 201,11; (documento 19)

f)            A Requerente optou pelo englobamento dos rendimentos prediais, no quadro 7B do anexo F da modelo 3 de 2017;

g)            A Requerente apresentou a declaração modelo 3 de 2018, dentro do prazo, tendo declarado rendimentos prediais no anexo F o valor de 16.250 €, optando pelo englobamento dos rendimentos prediais; (documento 20)

h)           A Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2019... do ano de 2018, com valor a pagar de € 4.381,07; (documento 3)

i)             A Requerente apresentou reclamação graciosa em 13.08.2019; (documento 4)

 

2.2          Factos não provados

 

23. Com relevo para a decisão sobre o mérito não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados.

 

2.3          Motivação

 

24. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

25. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

26. Assim, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

2.4          Questão decidenda

27. A questão decidenda consiste em saber se a possibilidade de reporte da dedução, aos seis anos subsequentes, do resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F, prevista no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, abrange exclusivamente sujeitos passivos residentes ou também inclui não residentes, sendo que, em caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral, há que decidir, ainda, se a Requerente tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

28. Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do CIRS, a categoria F de IRS integra os rendimentos prediais, entendidos, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do mesmo diploma como “as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares, quando estes não optarem pela sua tributação no âmbito da categoria B”, conceito cuja denotação é determinada pelo n.º 2 do mesmo artigo.

 

29. Dispõe o artigo 13.º, n.º 1, do CIRS, que tanto as pessoas singulares que residam em território português como as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos, ficam sujeitas a IRS. A este propósito, o artigo 15.º, n.º 1, do CIRS, esclarece que, “sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”. Aplica-se, nesses casos, o critério da residência, qualificado pelos princípios do englobamento e do rendimento mundial.  O critério da residência, incluindo a residência não habitual, é esclarecido no artigo 16.º, tendo como ponto de partida a regra, amplamente utilizada, dos 183 dias, embora acompanhada de qualificações. 

 

30. O artigo 22.º, n.º 1, do CIRS, dispõe que “o rendimento coletável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.” O rendimento coletável é o rendimento total líquido, tendo por base a teoria do rendimento acréscimo, apurado depois de efetuadas as deduções e os abatimentos previstos nos artigos 25.º e seguintes do CIRS. Vale neste contexto a obrigação acessória da apresentação de declaração de rendimentos, nos termos do artigo 57.º do CIRC.

 

31. Regra geral, aplicar-se-ão ao rendimento assim apurado as taxas gerais, previstas no artigo 68.º do CIRS, constantes de uma tabela de progressividade por escalões, seguindo-se a liquidação e outras deduções (arts 75.º ss. CIRC). Concretiza-se, desse modo, o princípio da tributação do rendimento pessoal de acordo com a capacidade contributiva objetiva e subjetiva . No entanto, admite-se a aplicação, mesmo a residentes, de taxas liberatórias e especiais a alguns tipos de rendimentos obtidos em Portugal, nos termos dos artigos 71.º e 72.º, prevendo-se assim um afastamento do modelo de tributação unitária, de englobamento puro, em favor de um modelo misto, de englobamento mitigado.

 

32. O n.º 2 do mencionado artigo 15.º do CIRS prescreve que “tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.”   No caso em apreço, demonstra-se que o sujeito passivo é residente em Angola nos anos de 2017 e 2018 – não se verificando os pressupostos de aplicação dos artigos 16.º e 17.º-A do CIRS –, obtendo rendimentos de um imóvel situado em Portugal, sendo por isso, para efeitos de IRS, um não residente que obtém rendimentos em Portugal, nos termos dos artigos 15.º, n.º 2, e 18.º, n.º1, alínea h), do CIRS.

 

33. Nestes casos, aplica-se ao sujeito passivo o critério da fonte. Nos termos do artigo 22.º, n.º 3, do CIRS, o mesmo manifesta-se na insusceptibilidade de englobamento. Aí se dispunha, na redação relevante à data dos factos, que “não são englobados para efeitos da sua tributação os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.os 8 e 9 do artigo 72.º.”

 

34. Uma parte significativa dos rendimentos de não residentes é tributada com base em taxas liberatórias, através de retenção na fonte a título definitivo, nos termos do artigo 71.º do CIRS, havendo dispensa de apresentação de declaração de rendimentos, nos termos do artigo 58.º do CIRS. A retenção a título definitivo é especialmente útil quando o contribuinte não tem ativos no território do Estado da fonte que permitam à respetiva autoridade tributária a execução do imposto devido. Esta solução, frequente nos mais variados ordenamentos jurídicos, supõe geralmente a aplicação de uma taxa tendencialmente mais reduzida ao rendimento bruto, a qual, na prática, pode conduzir a uma tributação mais elevada do que a resultante da sujeição às taxas gerais, na medida em que não admite a dedução de custos. Não existindo a obrigação de apresentação de declaração de rendimentos, essa dedução não seria administrativamente praticável. 

 

35. Outra parte dos rendimentos dos não residentes é tributada com base em taxas especiais autónomas, que não implicam retenção na fonte a título definitivo, nem afastam a obrigação de apresentação da declaração. O artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, sujeita os rendimentos prediais à taxa autónoma de 28%, sem distinguir entre titulares residentes e não residentes, sem prejuízo de aplicação das taxas gerais aos sujeitos e nas condições então previstos no n.º 9 . Saliente-se que, nos termos do artigo 58.º do CIRS, os contribuintes que aufiram rendimentos tributados com taxas especiais não estão dispensados da apresentação da declaração de rendimentos, diferentemente do que sucede com os contribuintes que aufiram rendimentos tributados pelas taxas previstas no artigo 71.º – aplicáveis mediante retenção na fonte – e não optem, quando legalmente permitido, pelo seu englobamento. As taxas especiais, não sendo taxas liberatórias, são suscetíveis de aplicação a rendimentos determinados nos termos gerais, isto é, a rendimentos líquidos, não obstando a que o sujeito passivo faça as deduções específicas previstas na lei, incluindo o direito ao reporte de prejuízos que tenha tido, nesta categoria, em anos anteriores.

 

36. Aos rendimentos prediais brutos, o artigo 41.º, do CIRS, prevê a possibilidade de deduzir relativamente a cada prédio ou parte de prédio, todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir tais rendimentos, excetuando-se os de natureza financeira, os relativos a depreciações, mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração, bem como o adicional ao imposto municipal sobre imóveis, estabelecendo ainda, além do mais, regras sobre a titularidade de uma ou mais frações autónomas de propriedade horizontal e a dedução do imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo. Esta solução é inteiramente razoável do ponto de vista económico, na medida em que os imóveis, pelas suas próprias características, exigem frequente e inevitavelmente, dos seus proprietários, a realização de gastos com a manutenção e reabilitação, sob pena de perderem boa parte da sua utilidade económica.

 

37. Do artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, resulta que relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria. Do mesmo modo, dispõe-se que “o resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita”.  Esta solução reconhece que, sob pena de se comprometer a subsistência da fonte produtora de rendimento, “a determinação dos rendimentos líquidos não se satisfaz apenas com a contemplação de deduções específicas a cada categoria de rendimentos, uma vez que os encargos suportados com a obtenção do rendimento de um dado ano podem ser superiores ao próprio rendimento desse mesmo ano” .

 

38. Importa salientar a ausência, no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, de qualquer referência ao englobamento, diferentemente do que sucede com a alínea d), sobre rendimentos da categoria G, que dispõe que “o saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.” A comparação entre o teor literal das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 55.º do CIRS permite sustentar, em termos hermenêutico-sistemáticos, que o reporte e dedução de perdas previsto a alínea b) não está dependente da opção pelo englobamento, diferentemente do que sucede relativamente às operações mencionadas na alínea d). Nos termos do n.º 8 do mesmo artigo , o direito de reporte o resultado líquido negativo previsto na alínea b) do n.º 1 fica sem efeito apenas no caso de “os prédios a que os gastos digam respeito não gerarem rendimentos da categoria F em pelo menos 36 meses, seguidos ou interpolados, dos cinco anos subsequentes àquele em que os gastos foram incorridos” . De resto, resulta claramente da letra do artigo 55.º, n.º 1, que o legislador não prevê que a dedução de perdas na categoria F seja feita ao rendimento englobado, mas sim ao rendimento líquido apurado na referida categoria . Em face do exposto, o reporte de perdas pode, em abstrato, ser aplicável aos rendimentos prediais obtidos por residentes  e não residentes na hipótese de inexistência de englobamento, sem que haja qualquer fundamento material que justifique uma diferenciação .

39. Neste sentido militam várias ordens de razões, de natureza formal e substancial. Desde logo, o afastamento da retenção na fonte a título definitivo no caso de aplicação da taxa especial autónoma de 28%, do artigo 72.º do CIRS, é acompanhado pela obrigação de apresentação da declaração de rendimentos, o que significa que não há razões de praticabilidade administrativa que impeçam a apresentação e verificação da documentação comprovativa dos gastos efetivamente incorridos e a aplicação da referida taxa ao rendimento líquido da categoria F. O artigo 72.º, n.º 8, do CIRS, na redação à data dos factos, previa a possibilidade de o titular de rendimentos da categoria F optar pelo englobamento, mas não previa que o exercício desta opção pela titular do rendimento fosse condição sine qua non para a dedutibilidade de eventuais perdas apuradas na mesma categoria . Por outro lado, a localização do imóvel no território do Estado da fonte sempre garante o cumprimento da obrigação principal. A isto acresce a realidade, anteriormente apontada, de todos os imóveis, com especial relevo para aqueles que são colocados no mercado do arrendamento, exigirem frequentemente despesas de conservação e reabilitação, sob pena de perderem parte substancial da sua utilidade económica, sendo que os encargos suportados com a obtenção do rendimento de um dado ano podem ser superiores ao próprio rendimento desse mesmo ano.

40. Em face to exposto, o facto de a liquidação de IRS de 2018 não refletir o resultado líquido negativo apurado na categoria F no ano de 2017 no valor de € 24.980,22 constitui uma clara uma violação do artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, devendo a mesma ser declarada ilegal, procedendo, em consequência, o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

41. Relativamente ao pedido da Requerente de condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida, importa atentar que, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, em plena sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

42. Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito. Nos presentes autos, o erro imputável aos Serviços da Administração Tributária traduziu-se na errada aplicação da lei, pelo que se reconhece à Requerente o direito a juros indemnizatórios sobre o montante a reembolsar.

 

43. Há assim lugar ao pagamento de juros indemnizatórios em relação ao ato tributário considerado ilegal, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

3             DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar procedente o presente pedido de pronuncia arbitral e declarar a ilegalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2019 ... e do ato de indeferimento da reclamação graciosa do processo n.º ...2019...;

b)           Determinar o reembolso da quantia paga pela Requerente a título de IRS;

c)            Condenar a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre a quantia paga, desde o dia em que foi paga a liquidação mencionada supra e até o integral reembolso do montante referido;

d)           Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

4             VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 4.381,07, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

5             CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612.00, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

Notifique-se.

Lisboa, 25 de setembro de 2020

 

O Árbitro

Jónatas E. M. Machado