Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 121/2020-T
Data da decisão: 2021-04-12  IRS  
Valor do pedido: € 37.599,55
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias obtidas por não residentes; aplicação da redução de 50% prevista no art.43º, nº 2 b) CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

A..., contribuinte nº ..., e B..., contribuinte nº ..., casados entre si, sob o regime de separação de bens, residentes na ..., nº..., ..., Macau (adiante designados por “Demandantes”), apresentaram, no dia 24-02-2020, ao abrigo do disposto no art. 10º, nºs 1 e 2 do DL nº 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pedido de pronúncia arbitral com vista a:

1)            Declaração da ilegalidade e anulação da liquidação de IRS – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº 2019 ... de 02.10.19, da qual resultou o acerto de contas nº 2019 ..., referente ao ano 2018.

2)            A condenação da Demandada Autoridade Tributária e Aduaneira à devolução do imposto indevidamente pago e ao pagamento dos correspetivos juros indemnizatórios.

É demandada a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Demandada”, “Autoridade Tributária” ou simplesmente “AT”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT na mesma data, em 24-02-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 06-07-2020, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 05-08-2020.

Os Demandantes baseiam a sua pretensão nos seguintes factos e argumentos:

             Tendo o Demandante marido, em 19 de junho de 2018, alienado as frações A, B e C do prédio urbano sito na Rua ..., números ... a ..., em Lisboa, e tendo realizado uma mais-valia com essa alienação, na liquidação do imposto incidente sobre essa mais-valia a Autoridade Tributária, não aplicou a redução de 50% prevista no art.  43º, nº 2 do CIR ao valor tributável;

             Os Demandantes entendem que essa não aplicação da redução é ilegal por ser incompatível com o disposto no art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que estabelece a liberdade de circulação de capitais;

             Sendo a operação de liquidação de um investimento imobiliário um movimento de capitais, daí decorre que a alienação de um bem imóvel situado num Estado-membro por pessoas singulares não residentes é abrangida pelo âmbito de aplicação do art. 63º do TFUE.

             Quando o art. 43º, nº 2 do CIRS estabelece que a matéria coletável, relativamente às mais-valias decorrentes da venda de um imóvel por um residente, é apenas considerada em 50% do seu valor, sujeitando um não residente a uma carga fiscal superior, está a restringir os movimentos de capitais, violando a discriminação constante do art. 63º do TFUE;

A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para o efeito, apresentou resposta em que defendeu a improcedência da impugnação, alegando em síntese:

             Relativamente a este assunto refere o nº 1 do artigo 64.º do TFUE que: “O disposto no artigo 63.º não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional ou da União adotada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento direto, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais;”

             Encontra-se estabelecido na al. a) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS um regime especial de tributação das mais-valias imobiliárias aplicável aos não residentes, segundo o qual as mais-valias auferidas em território português por não residentes que não sejam imputáveis a um estabelecimento estável nele situado, são tributadas à taxa autónoma de 28%;

             Em face deste regime, a consideração de apenas metade da matéria coletável correspondente às mais-valias realizadas por não residentes, conforme os Impugnantes pretendem, permite que estes beneficiem em relação a contribuintes residentes.

             No sentido de adaptar a legislação nacional ao direito da União Europeia, foi aditado ao artigo 72.º do CIRS, o n.º 7 (atual n.º 9) cuja redação à data dos factos, era o seguinte: “Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.”

             Por sua vez, n.º 8 (atual n.º 10), do mesmo preceito prescrevia, à data dos factos, que “Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.

             Mais refere o n.º 1 do artigo 15º do CIRS que as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

             Os residentes são obrigados a declarar, não só a venda do imóvel, que é o que está em causa, mas a englobar com os restantes rendimentos, sendo estes rendimentos obtidos em território português ou fora.

             Não é, assim, defensável que o quadro normativo atual, resultante da alteração legislativa ocorrida em 2007 para vigorar a partir de 2008, continua a violar o artigo 63.º do TFUE.

             Pois é jurisprudência assente que “(...) o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas Convenções sobre Dupla Tributação, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus”.

             Pugnar por um entendimento diverso do supra consubstanciaria uma discriminação positiva, violadora do princípio constitucional da igualdade, e totalmente inaceitável à luz do direito nacional e comunitário.

             A norma estabelecida no n.º 2 do artigo 43.º, e cuja aplicação os Requerentes defendem, encontra-se no capítulo II do CIRS que tem como epígrafe "Determinação do rendimento coletável", ou seja, estamos perante a determinação do rendimento.

             Para efeitos de incidência, e no que respeita à matéria das mais-valias que nos ocupa, relevantes são os artigos 9.º e 10.º do CIRS. 39.º.

             Assim, o disposto no n.º 2 do artigo 43° do CIRS não é aplicável ao caso aqui em análise.

Por despacho do Tribunal Arbitral de 18-10-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT por desnecessária, atendendo a que as Partes não requereram a produção de prova adicional para lá da prova documental já incorporada nos autos, a que não existe matéria de exceção sobre a qual as Partes careçam de se pronunciar e tendo ainda em conta que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT.

II. Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é materialmente competente.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não existem exceções a apreciar.

O processo não enferma de nulidades.

III. Questões a apreciar

Constitui questão a apreciar no presente processo a de saber se a norma do art. 43º, nº 2 do CIRS, ao prever a redução em 50%, da matéria coletável correspondente a mais-valias imobiliárias, apenas para as mais-valias realizadas por residentes, constitui violação do art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que consagra o princípio da liberdade de circulação de capitais

IV. Fundamentação

Matéria de facto

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

A)           O Demandante marido alienou, em 19 de junho de 2018, as frações A, B e C do prédio urbano sito na Rua ..., números ... a ..., em Lisboa, pelo preço global de 900.000,00 euros;

B)           Os Demandantes apresentaram uma primeira declaração de rendimento relativa ao ano de 2018, em 27.06.2019, em que declararam, por lapso, serem residentes em Portugal;

C)           Com base nessa liquidação foi apurado imposto a pagara no montante de 62.088,61 euros;

D)           Em 01.10.2019 os Demandantes apresentaram declaração de substituição em que declararam não ser residentes em Portugal;

E)            Sequentemente à declaração de substituição os Demandantes foram notificados da Demonstração de Acerto de Contas nº 2019..., na qual foi liquidado imposto adicional a pagar de 99.308,82 euros, acrescido de juros compensatórios no montante de 379,34 euros;

F)            A diferença entre o montante de imposto liquidado com base na primeira declaração e o montante de imposto liquidado com base na declaração de substituição deveu-se à não aplicação, na segunda liquidação de imposto, efetuada com base na declaração de substituição da redução da matéria coletável correspondente às mais-valias imobiliárias em 50%, nos termos do art. 43º nº 2 do CIRS, pelo facto de os Demandantes não serem residentes em Portugal;

G)           Os Demandantes pagaram, em 18.11.2019, o imposto liquidado adicionalmente e os respetivos juros compensatórios.

 

Não existem factos alegados e não provados com relevância para a decisão do mérito da causa.

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Demandante e no processo administrativo junto pela Demandada.

Discussão da matéria de direito

Atualmente, o art. 43º, nº 2 do CIRS estipula:

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c), d) e i) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é:

(...)

b) Apenas considerado em 50 % do seu valor, nos restantes casos.

Segundo a letra da disposição, apenas os residentes podem beneficiar da redução de 50% prevista na al. b), sendo este o aspeto que opõe os Demandantes, residentes em Macau, e a Autoridade Tributária.

A questão da compatibilidade da norma do art. 43º, nº 2 do CIRS com o direito europeu, nomeadamente com o art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (e anteriormente o art. 56º do TCE) não é recente.

Em 2006, ela remetida, pelo Supremo Tribunal Administrativo, para apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo C-443/06, tendo este tribunal emitido pronúncia no sentido da incompatibilidade da norma com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado, então, no art. 53º do Tratado CE.

Na sequência de tal acórdão, o legislador português aprovou uma alteração ao regime de tributação das mais-valias imobiliárias, passando a prever um regime especial para a tributação de mais-valias imobiliárias quando realizada por não residentes.

Tal regime que assenta essencialmente numa tributação autónoma, consta do artigo 72º, cujo nº 1 dispõe:

1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:

a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

Esta norma é completada por uma possibilidade de opção de englobamento, hoje estabelecida no nº 14 do mesmo preceito, facultada apenas aos residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, que diz:

14 - Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 6, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

Entende a Administração Tributária que os não residentes que façam esta última opção não ficam apenas sujeitos às taxas do art. 68º, nº 1, como também beneficiam da redução de 50% prevista no art. 43º, nº 2, al. b). (Dizemos que se trata de um entendimento da Administração Tributária, pois não encontramos esta norma expressa na lei).

E sendo assim, entende ainda a Autoridade Tributária, os não residentes teriam passado a ter, com a alteração legislativa ocorrida em 2007, a opção de receberem o mesmo tratamento ou um tratamento diferente do que é dado aos residentes, em matéria de mais-valias imobiliárias, com o que o tratamento que é dado hoje aos não residentes já não pode considerar-se incompatível com o direito europeu.

Após esta alteração legislativa, os tribunais dividiram-se quanto à questão da compatibilidade do novo regime com o direito europeu (vg. decisão arbitral CAAD 22.04.2019, proc. nº 539/2018-T; decisão arbitral CAAD 09.06.2020, proc. n.º 846/2019-T).

Recentemente, porém, o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se sobre a matéria num recurso de uniformização de jurisprudência (STA, acórdão de 09.12.2020, processo nº 075/20.6BALSB), tendo confirmado o entendimento de que a norma da al. b) do nº 2 do art. 43º do CIRS continua a ser incompatível com os Tratados Europeus.

Diz nesse aresto o Supremo Tribunal Administrativo:

“Os ganhos obtidos por pessoas singulares com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, quando não constituam rendimentos empresariais e profissionais, são tributados, em sede de IRS, no âmbito da categoria G (incrementos patrimoniais), como mais-valias, nos termos do disposto nos arts. 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS.

Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos [art. 18.º, n.º 1, alínea h), do CIRS], pelo que ficam abrangidos pela incidência de IRS quando auferidos por titulares não residentes (cf. arts.13.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2, do CIRS).

O valor desses rendimentos que seja qualificado como mais-valias, quando obtidos por sujeitos passivos residentes é sujeito a englobamento e a tributação é efectuada às taxas gerais progressivas estabelecidas no art. 68.º do CIRS, mas apenas é considerado em 50%, como resulta do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável.

Quanto aos sujeitos passivos não residentes, a tributação desse valor faz-se à taxa fixa especial de 28%, nos termos do art. 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, ou, se forem residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (EEE), neste caso por opção, às taxas gerais progressivas do art. 68.º o CIRS, considerando-se então todos os seus rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, mas sobre 100% da mais-valia imobiliária realizada (cf. arts. 72.º, n.ºs 9 e 10, na redacção aplicável).

A questão que se coloca é a de saber se, como alega a Recorrente, este regime opcional, que foi introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), então sob os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14 e n.ºs 9 e 10, na redacção aplicável), aditados ao art. 72.º do CIRS, veio pôr termo à discriminação negativa dos não residentes, que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) tinha já considerado verificar-se relativamente ao n.º 2 do art. 43.º do CIRS.

Na verdade, o TJCE – em acórdão (Hollmann) proferido em 11 de Outubro 2007, no processo n.º C-443/06 (...) em resposta ao reenvio prejudicial efectuado pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 493/06 (Vide os acórdãos proferidos nesse processo n.º 439/06, o primeiro fazendo o reenvio prejudicial e, o segundo, já referido na nota 3 supra, decidindo o recurso, após a pronúncia do TJCE de 28 de Setembro de 2006 (...)

julgou «incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE».

É certo que o legislador nacional, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), procurou obviar a esse tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do EEE, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao art. 72.º do CIRS os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14). Ou seja, após a referida alteração legislativa ficaram a vigorar, na área da tributação das mais-valias imobiliárias, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do EEE, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

Mas esse regime específico de opção, não só constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes, como não afastou a referida discriminação negativa. Como bem concluiu a decisão recorrida, «o regime de equiparação actualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o carácter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal».

Como também salientou a decisão recorrida, o acórdão (Gielen) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 18 de Março de 2010, proferido no processo n.º C-440/08 (...) após salientar que «a opção de equiparação [que] permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório» não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais, concluiu que «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório» e que o Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes». Ou seja, o regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, não veio sanar a discriminação negativa resultante da norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS para os não residentes e a violação do art. 63.º do TFUE que dela resulta.

Assim, bem andou a decisão recorrida quando julgou incompatível com o Direito da União Europeia a norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE e, em consequência, quando anulou os actos de liquidação em causa (de IRS e de juros compensatórios) na parte em que desconsideraram aquela limitação.”

Depois de expor assim o seu entendimento, o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo concluiu:

“2.2.3 Em face de tudo quanto deixámos dito, uniformizamos jurisprudência no seguinte sentido: o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.”

A jurisprudência uniformizada, apesar de não ter o valor vinculativo que outrora tinha o “assento” previsto no revogado art. 2º do Cód. Civil, tem um valor reforçado que lhe advém, por um lado, da hierarquia do órgão jurisdicional que a definiu e, por outro lado, da lei processual que prevê (art. 142º, nº 3, al. c) do CPTA) que o não acatamento de jurisprudência uniformizada, por parte de uma decisão proferida em primeiro grau de jurisdição, constitui motivo especial de admissibilidade de recurso (neste sentido, vejam-se os acórdãos TCA-N 1ª Secção -  Contencioso Administrativo de 03-06-2016, proc. nº 329/12.5BEPDL; e TCA-N 1ª Secção -  Contencioso Administrativo de 24-02-2017, proc. nº 8/12.3BEMDL).

Assim sendo, não nos resta mais do que aderir à jurisprudência exposta e a toda a fundamentação em que a mesma assenta, concluindo pela ilegalidade da liquidação aqui impugnada, por se basear em norma legal incompatível com o direito da União Europeia.

Acrescentaremos apenas uma nota, que julgamos poder ajudar a concretizar a noção de que o atual regime de tributação de não residentes por mais-valias imobiliárias não assegura a igualdade de tratamento entre residentes e não residentes. Com efeito, o regime opcional estabelecido no nº 14 (atual) do art. 72º CIRS, para além de não fazer qualquer referência à determinação da matéria coletável, não asseguraria a igualdade de tratamento entre residentes e não residentes, ao não levar em conta os diferenciais de custo de vida e de rendimentos médios entre os vários países. Os escalões de tributação e respetivas taxas previstos no art. 68º, nº 1 têm por base os rendimentos médios e o custo de vida em Portugal. Aplicados esses escalões e essas taxas a rendimentos obtidos noutros países com rendimentos médios e custos de vida diferentes e em certos casos acentuadamente diferenciados dos portugueses, a tributação resultante não assegura a igualdade de tratamento entre residentes e não residentes, podendo resultar num esforço fiscal efetivo muito superior.

V. Juros indemnizatórios

Tendo a Demandante pago a totalidade do imposto adicional liquidado no ato aqui impugnado, pede ao Tribunal que condene a Demandada, em caso de procedência do seu pedido, à devolução do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43º do LGT.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT, que dispõe que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea” ”( CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

O n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).

Na sequência da anulação do ato impugnado, a Demandante terá direito a ser reembolsada do imposto indevidamente pago, o que é efeito da própria anulação, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

Quanto ao direito a juros indemnizatórios, dispõe o art. 43º nº 3 LGT que “são também devidos juros indemnizatórios (...) d) em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.

É o caso dos presentes autos, em que se julga a al. b) do nº 2 do art. 43º do CIRS, incompatível com o art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Pelo que há que concluir que, transitada a presente decisão arbitral em julgado, a Demandada terá direito a ser ressarcida nos termos do art. 43º, nº 3, al. d), através do pagamento de juros indemnizatórios.

VI. Decisão

Assim, nos termos anteriormente expostos, decide-se:

(I)           Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade, por vício de violação de lei, e consequentemente anular o ato de liquidação impugnado, concretamente a liquidação nº 2019 ... de 02.10.19, anulação que se estende ao acerto de contas nº 2019 ..., contido no mesmo ato de liquidação;

(II)          Julgar procedente o pedido e condenar a Demandada à devolução do imposto adicional liquidado e indevidamente pago, no montante de €37.599,55 (trinta e sete mil, quinhentos e noventa e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos);

(III)        Julgar procedente o pedido e condenar a Demandada ao pagamento dos juros indemnizatórios calculados sobre o montante do imposto indevidamente pago, calculados nos temos do art. 43º da Lei Geral Tributária.

 

VII. Valor do processo

Nos termos do art. 97.º-A nº 1, al. a) do CPPT do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em €37.599,55 (trinta e sete mil, quinhentos e noventa e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos).

 

VIII. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1 836.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Demandada.

Notifique-se.

 

Porto, 12 de abril de 2021.

 

O Árbitro

(Nina Aguiar)