Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 119/2019-T
Data da decisão: 2019-10-14  IRC  
Valor do pedido: € 169.032,67
Tema: IRC – encargos com a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE); não dedutibilidade; artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC; inconstitucionalidade.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr. José Ramos Alexandre e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

1. No dia 21 de fevereiro de 2019, a sociedade comercial A..., SGPS, S. A., NIPC..., com sede na ..., ..., Lisboa, (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), e do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:

- Declaração de ilegalidade e anulação parcial da liquidação adicional de IRC n.º 2018..., referente ao ano de 2014;

- Restituição do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento até à data do seu integral reembolso.

 

A Requerente juntou 13 (treze) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente faz assentar a impugnação do ato tributário controvertido, sumariamente, no seguinte:

                A Requerente é a sociedade dominante do Grupo B..., o qual tem como atividade a gestão indireta de participações, organizadas em três áreas de negócio de cariz industrial: fabrico de pasta de papel, produção de cimentos e outros materiais de construção e ambiente.

No que se refere à atividade principal do Grupo – a produção de pasta de papel –, esta exige o recurso a grandes quantidades de energia elétrica e térmica (especialmente sob a forma de vapor), sendo que esta última é fundamental na indústria da celulose e do papel, uma vez que o recurso a este tipo de energia é ainda mais significativo do que o recurso à energia elétrica.

Paralelamente, na própria produção de pasta e papel, a utilização da respetiva matéria-prima (madeira) despoleta a existência de desperdícios com valor energético suficiente para a produção da energia necessária ao respetivo funcionamento, a “biomassa” ou “biomassa residual florestal” onde se inclui, neste caso, a casca de eucalipto que, há já alguns anos, a indústria da celulose (onde o Grupo B... exerce a sua atividade principal) tem destinado à queima para produção de energia.

Assim, a produção de energia por parte das entidades do Grupo B... resultou da necessidade de gerar incrementos de eficiência internos, essenciais ao segmento de fabrico de pasta e papel, tendo-se projetado no contributo que o Grupo B... vem consecutivamente oferecendo em prol do cumprimento dos desígnios energéticos nacionais. Por essa razão, a génese dos investimentos em equipamentos de energia efetuados pelo Grupo B... deve ser entendida no quadro da sua integração na atividade principal de produção de pasta e papel. Com efeito, como característica definidora da política energética das diversas entidades do Grupo B..., encontra-se a definição de um processo integrado de aproveitamento das matérias-primas derivadas do processo de produção principal de pasta e papel, com impactos energéticos e ambientais inequivocamente demonstráveis. 

A fim de clarificar os termos da atividade relevante de cada uma das entidades do Grupo B... envolvidas e que relevam para os presentes autos, a Requerente opta pela respetiva segregação do seguinte modo: a sociedade “C...”, cogeração renovável de apoio ao fabrico de pasta e papel; a sociedade “D...”, cogeração renovável de apoio ao fabrico de pasta e papel; e a sociedade “E...”, cogeração (ciclo combinado a gás natural) de apoio à fábrica de papel. A cogeração consiste na produção simultânea de energia elétrica e de energia térmica, com a finalidade de aumentar a eficiência global da produção energética.

A AT efetuou correções à matéria tributável de três entidades abrangidas pelo RETGS do Grupo B..., aplicando a alínea q) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, que estabelece uma irrestrita não dedutibilidade dos encargos com a CESE.

                A Requerente não concorda com estas correções, nem com a liquidação de IRC que delas decorre, uma vez que tal norma do Código do IRC padece de manifesta inconstitucionalidade, a qual já se manifesta quando aplicada a qualquer produtor de eletricidade, sendo duplamente evidente no caso concreto, porquanto está aqui em causa uma atividade secundária levada a cabo pelas três entidades visadas, que aproveitam matéria primas derivadas da sua atividade principal (v.g. casca de eucalipto) para a produção de energia, podendo esta destinar-se a satisfazer as suas próprias necessidades de consumo.

                A lógica de aproveitamento de recursos endógenos, que presidiu aos investimentos em equipamentos de energia nas diversas entidades do Grupo B..., é necessariamente muito anterior à entrada em vigor da CESE e, por maioria de razão, anterior à consagração do respetivo regime de não-dedutibilidade em sede de IRC. Tal é bem demonstrativo de que forma, sem discutir os pressupostos de sujeição ao respetivo tributo, o gasto suportado com o respetivo pagamento é uma oneração específica sobre o processo de aproveitamento de matéria-prima derivada efetuada pelas entidades do Grupo B... .

                O regime que decorre atualmente do artigo 23.º do CIRC pauta a dedutibilidade de gastos por dois critérios: um critério de natureza formal, nos termos do qual os gastos ou perdas deverão ter um suporte documental adequado, à luz do disposto no respetivo n.º 3; e um critério de natureza material, nos termos do qual os mesmos gastos ou perdas deverão ter sido incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (vulgarmente designado “business purpose test”).   

                Quanto ao primeiro critério, uma vez que tal não foi sequer suscitado pela AT no Relatório de Inspeção, a Requerente limita-se a afirmar que toda a documentação apresentada sempre comprovaria, cabalmente, a documentação dos gastos realizados com a CESE. Relativamente ao segundo critério, importa mencionar que o entendimento doutrinário é relativamente unânime: serão dedutíveis todos os gastos e perdas que verifiquem uma relação objetiva face ao interesse da empresa, entendendo-se como tal o próprio objeto da sua atividade.

                O presente processo repousa sobre uma circunstância de ordem estrutural ligada ao respetivo modelo de organização produtiva: o facto de, paralelamente à respetiva atividade principal de produção de pasta e papel, desta última resultar uma matéria-prima derivada (a casca de eucalipto) que é utilizada, como biomassa, para a produção de energia elétrica. Esta opção, que requereu os necessários investimentos em equipamentos de energia por parte do Grupo B... e que, por seu turno, remontam a um período anterior à própria existência da CESE, fazem com que o pagamento deste tributo se insira claramente no respetivo “business purpose”.

                É que os gastos referentes à CESE não representam apenas um gasto fiscal associado a um qualquer tributo que lhes foi exigido; pelo contrário, nas circunstâncias em que se encontram as três entidades do Grupo B... aqui em causa, os gastos com a CESE representam verdadeiras necessidades operacionais, no sentido em que decorrem de um procedimento específico de aproveitamento de recursos endógenos, provenientes da atividade principal de produção de pasta e papel, a qual requer a utilização de uma quantidade muito significativa de energia elétrica e térmica (especialmente, sob a forma de vapor). Por outras palavras, as entidades aqui em causa têm necessariamente de pagar a CESE para poder aproveitar as matérias-primas derivadas de uma atividade principal.  

                Fica, assim, demonstrado que os gastos suportados com o pagamento da CESE cumprem o requisito do “business purpose” previsto no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, motivo pelo qual constituiriam gastos dedutíveis aos respetivos lucros tributáveis, não fosse pela limitação prevista na alínea q) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC e também no artigo 12.º do Regime da CESE.

                Em geral, a doutrina tem consensualizado que, para que a não dedutibilidade dos gastos, que será sempre excecional, se verifique, têm que estar preenchidos dois requisitos: em primeiro lugar, a existência de uma expressa previsão legal; e, em segundo lugar, a existência de uma motivação intrínseca que justifique que gastos ou perdas, admissíveis contabilisticamente, não tenham a mesma tradução fiscal.   

                No tocante ao primeiro requisito, é inequívoco que tanto o regime da CESE (no respetivo artigo 12.º), como o próprio artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC, estabelecem um regime de não –dedutibilidade para os gastos com a CESE.

                Relativamente ao segundo requisito, verifica-se ser impossível discernir qualquer motivação intrínseca inerente à não-dedutibilidade da CESE no caso em análise e, bem assim, de estabelecer uma relação entre a não-dedutibilidade da CESE e qualquer um dos objetivos previsto no Regime da CESE, pelo que restam apenas razões creditícias gerais – relacionadas com a receita associada ao IRC – para justificar a impossibilidade de dedução daquele primeiro tributo; ou seja, o fundamento para justificar esta limitação é o de manter a receita de IRC tal como se este gasto, legalmente imposto, não tivesse sido incorrido.

Para além disso, é ainda possível vislumbrar que a solução consagrada no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC encerra um carácter sancionatório, quando aplicado sobre o mecanismo de aproveitamento de matérias-primas derivadas de uma das atividades principais do Grupo B..., no caso a produção de pasta e papel, para a produção de energia.

Ademais, cabe igualmente aludir a uma inequívoca desconformidade constitucional do disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC face ao princípio do rendimento líquido, decorrente do facto de a solução legal consagrada no citado preceito legal comportar, sem mais, uma barreira à consideração de gastos que foram incorridos em prol do rendimento das empresas envolvidas; ou seja, a tributação, em sede de IRC, das três entidades do Grupo B... em causa degenera numa tributação pelo rendimento bruto e, nessa medida, padece de uma desconformidade com o princípio do rendimento líquido, um dos mais relevantes corolários do princípio da tributação do lucro real, no que ao perímetro da tributação das empresas se refere.

  Nesta conformidade, a solução consagrada no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC, na interpretação segundo a qual uma entidade que aproveite matérias-primas derivadas da sua atividade principal para a produção de energia, podendo esta destinar-se a satisfazer as suas próprias necessidades de consumo, que não possa deduzir o gasto com a CESE, padece de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real, consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP.

  Por outro lado, ao importar para o perímetro do IRC um novo gasto não-dedutível – quando os gastos com a CESE têm, na perspetiva e sistemática do IRC, a mesma natureza operacional que assiste aos outros “gastos fiscais”, claramente dedutíveis – o legislador mais não faz do que valorar negativamente a própria condição de sujeito passivo da CESE; com tal valoração o legislador acaba por consentir na consagração de um regime puramente sancionatório, cujo único propósito é o de onerar duplamente os sujeitos passivos da CESE, quer com o tributo pago quer, ao mesmo tempo, com a não-dedutibilidade do correspondente gasto, no perímetro do IRC. O interesse ou especial propósito desta dupla oneração só pode ser o de sancionar, pela via fiscal, os sujeitos passivos da CESE.

O próprio legislador não se manifestou alheio aos impactos predominantemente sancionatórios que decorrem do estabelecimento de um regime de irrestrita não dedutibilidade dos gastos suportados com a CESE, no CIRC; com efeito, nos termos do artigo 67.º, n.º 13, alínea f), do CIRC, o legislador consagrou a expressa exclusão da CESE do cômputo do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, relevante para o cálculo do limite percentual à dedutibilidade com gastos de financiamento, cujo regime se encontra previsto no artigo 67.º do CIRC.

Acresce que, no que se reporta à sua interpretação e consequente aplicação ao caso concreto, a solução consagrada no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC comporta também uma desconformidade constitucional face ao princípio da igualdade, desde logo, porque os factos inerentes aos presentes autos denunciam um tratamento desigual, por parte do legislador, quanto ao universo dos gastos devidamente contabilizados, porque incorridos no interesse da empresa. Por outro lado, não existe qualquer critério de justificação objetiva suscetível de determinar porquê e com que fundamentos a generalidade dos gastos fiscais será dedutível e a CESE não o pode ser.

Nesta conformidade, a solução consagrada no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC, na interpretação segundo a qual uma entidade que aproveite matérias-primas derivadas da sua atividade principal para a produção de energia, podendo esta destinar-se a satisfazer as suas próprias necessidades de consumo, que não possa deduzir o gasto com a CESE, padece de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.

 Por último, a solução consagrada no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC padece de desconformidade constitucional face ao princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.

 Neste conspecto, a Requerente entende ser inequívoco que o estabelecimento de um regime de incondicional não dedutibilidade para um gasto concreto – neste caso, o gasto realizado com a CESE – configura uma medida restritiva de direitos ou princípios constitucionais estabelecidos (existe, desde logo, uma restrição ao princípio da tributação pelo lucro real).  

Por outro lado, existem direitos restringidos, desde logo quando, para qualquer uma das violações já identificadas não existe ou sequer surge como identificável uma qualquer justificação objetiva. É nesse sentido que (colocando o enfoque no princípio da proporcionalidade) está em causa a vertente da exigibilidade, uma vez que a não dedutibilidade da CESE no caso concreto jamais poderia ser exigida para alcançar quaisquer fins em vista, designadamente os visados pelo próprio regime da CESE.

Assim, a solução consagrada no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC, na interpretação segundo a qual uma entidade que aproveite matérias-primas derivadas da sua atividade principal para a produção de energia, podendo esta destinar-se a satisfazer as suas próprias necessidades de consumo, que não possa deduzir o gasto com a CESE, padece de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.

  Por último, a Requerente afirma que todas as inconstitucionalidades apontadas à norma do 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC, são igualmente assacadas ao artigo 12.º do Regime da CESE, uma vez que o comando normativo ínsito nestas disposições é o mesmo.

A finalizar, a Requerente entende que, concluindo-se que lhe assiste razão no concernente à inconstitucionalidade da norma em que se funda a liquidação do imposto, devem os montantes indevidamente pagos ser reembolsados, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos legais.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 25 de fevereiro de 2019.

               

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 09 de abril de 2019, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 02 de maio de 2019.

 

6. No dia 05 de junho de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual arguiu a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral e impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela procedência daquela exceção, com a sua consequente absolvição da instância e, caso assim não se entenda, pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

 

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

 

7. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, nos seguintes argumentos:

                A Requerida invocou a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral, estribando-se em dois fundamentos distintos: por um lado, por estar em causa a inconstitucionalidade de norma atinente ao regime jurídico da CESE e, por outro lado, por a CESE se tratar de uma contribuição financeira e não de um imposto. A estas questões voltaremos adiante e, então, daremos conta mais pormenorizada da argumentação expendida pela Requerida a este propósito.

                Noutra ordem de considerações, afirma a Requerida que a regra geral da dedutibilidade dos gastos e perdas comporta diversas exceções ditadas por uma multiplicidade de razões que o legislador dentro da sua margem de liberdade de conformação normativa considerou atendíveis e não violadoras do princípio da tributação pelo lucro real; entre estas exceções conta-se a prevista na alínea q) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC que mais não é do que a transposição para este Código do disposto no artigo 12.º do Regime da CESE.                   

                O sentido teleológico deste artigo 12.º só se apreende no quadro do Regime da CESE mediante a conjugação do objeto definido no n.º 2 do artigo 1.º, da proibição de repercussão (artigo 5.º) e da consignação da receita cobrada ao FSSS (artigo 11.º), donde resulta bem claro o propósito do legislador em estabelecer um “anel de separação” desta contribuição financeira, ao circunscrever ao setor energético tanto o ónus tributário como os potenciais benefícios da afetação da receita, isolando-o do resto da economia.

                Nesta conformidade, seria incoerente que fosse admitida a aceitação como gasto dedutível para a determinação do lucro tributável das importâncias suportadas pelos sujeitos passivos a título da CESE, porquanto a dedução equivaleria a uma repercussão indireta da CESE sobre o Estado (e Autarquias, relativamente à derrama municipal), na exata medida em que a consequente diminuição ao lucro tributável redundaria em redução do IRC (e derramas) liquidado e pago. 

                Por esta via, operar-se-ia o financiamento por parte do Estado (e das Autarquias) – na medida da redução da receita do IRC e derramas – aos operadores sujeitos ao pagamento da CESE, resultado que, de todo, o legislador quis deixar salvaguardado nos artigos 5.º e 12.º do Regime da CESE. Resulta daqui que os motivos que subjazem à exclusão da dedutibilidade dos gatos suportados com a CESE devem ser encontrados no desenho e objetivos da regulamentação desta contribuição financeira e não na regra geral de dedutibilidade dos gastos e perdas enunciada no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

                Assim, o afastamento da dedução da CESE ao lucro tributável é uma decorrência natural e lógica da opção de política legislativa sobre o financiamento do setor energético através desta contribuição. 

                Trata-se de uma opção de política fiscal que exigiu ao legislador a elaboração de normas cuja aplicação e execução seja eficaz, isto é, que conduzam a resultados consonantes com os objetivos pretendidos sendo que, no caso, o propósito do legislador foi claramente o de afastar a imposição do encargo com a CESE à generalidade dos contribuintes, desiderato que só poderia ser efetivamente alcançado completando a proibição da repercussão com a não dedutibilidade do correspondente gasto ao lucro tributável do IRC. 

                A Requerida acrescenta que pode extrair-se da jurisprudência do Tribunal Constitucional que o princípio da tributação pelo lucro real é compaginável com uma certa margem de liberdade do legislador que introduza alguns desvios à regra geral de dedutibilidade dos gastos suportados no âmbito da atividade empresarial, desde que as limitações ou exclusões tenham um fundamento racional e que não colida com o princípio da igualdade.

                Acresce que o regime da CESE é unitário, no sentido de que os sujeitos passivos abrangidos pelo artigo 2.º estão vinculados ao cumprimento do mesmo quadro normativo, pelo que não se vislumbra por que razão a alínea q) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC e o artigo 12.º daquele Regime deveriam ser interpretados de modo diferentes para as entidades que aproveitam matérias-primas derivadas da sua atividade principal para a produção de energia, mesmo quando esta pode destinar-se a satisfazer as suas próprias necessidades de consumo.

                Por outro lado, relativamente ao princípio da igualdade, a Requerida afirma que o que o artigo 13.º da CRP exige é que se estabeleça uma comparação entre as categorias de operadores abrangidos pela norma de incidência constante do artigo 2.º do Regime da CESE e não entre o universo de sujeitos passivos de IRC, pois aquele princípio exige apenas o tratamento igual de situações iguais entre si e um tratamento desigual de situações desiguais.

                Relativamente ao invocado princípio da proporcionalidade previsto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, a Requerida alega que tal comando constitucional se aplica aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, designadamente aos “Direitos e deveres fundamentais” que integram a Parte I da CRP e onde não se inclui o princípio da tributação pelo lucro real previsto no n.º 2 do artigo 104.º, norma inserida na Parte II da CRP, onde se regula a matéria atinente à “Organização económica”.

                A Requerida termina propugnando que é materialmente inconstitucional a interpretação normativa proposta pela Requerente, no sentido de se permitir a dedução de gastos que suportou enquanto sujeito passivo da CESE, em absoluta contradição com a previsão legal de não-dedutibilidade de tais gastos expressamente determinada pelo legislador no artigo 12.º do Regime da CESE e no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC, por violação do princípio da legalidade tributária. Porquanto tal interpretação normativa contraria a regra de não dedutibilidade de tais gastos expressamente determinada pelo legislador sendo, pois, materialmente inconstitucional, por violação do princípio do Estado de direito democrático, da reserva da lei fiscal e da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto nos artigos 2.º, 103.º, 165.º e 202.º da CRP.

                A Requerida reputa tal interpretação normativa materialmente inconstitucional também por violação do princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstração da lei fiscal, decorrentes do princípio da legalidade e enquanto instrumentos da igualdade fiscal e, portanto, igualmente por violação do princípio da igualdade tributária, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto nos artigos 13.º e 103.º da CRP.

                A Requerida reputa ainda materialmente inconstitucional a interpretação normativa no sentido de que a alínea q) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC e o artigo 12.º do Regime da CESE deveriam ser interpretados de modo diferente para as entidades que aproveitam matérias-primas derivadas da sua atividade principal para a produção de energia, mesmo quando esta pode destinar-se a satisfazer as suas próprias necessidades de consumo, porquanto um tratamento desigual dos sujeitos passivos da CESE representaria o desrespeito do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, sem qualquer justificação aceitável, uma vez que a comparação a estabelecer será entre as categorias de operadores abrangidos pela norma de incidência (artigo 2.º do Regime da CESE) e não entre o universo de sujeitos passivos do IRC.

Por último, a Requerida entende que os atos de liquidação impugnados não enfermam de qualquer vício que deva ditar a sua anulação, não havendo, portanto, lugar à condenação em juros indemnizatórios a favor da Requerente. 

                                 

8. Notificada para o efeito, a Requerente pronunciou-se quanto à matéria de exceção invocada pela Requerida, nos termos constantes do seu requerimento apresentado em 21 de junho de 2019 que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

 

9. O Tribunal dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, concedeu prazo para a apresentação de alegações escritas facultativas e sucessivas, tendo fixado o dia 02 de novembro de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

 

10. As partes apresentaram alegações, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.

***

II. SANEAMENTO

11. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

12. A AT, como foi dito, invoca a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral com fundamento, por um lado, por estar em causa a inconstitucionalidade de norma atinente ao regime jurídico da CESE e, por outro lado, por estar em causa uma contribuição financeira e não um imposto.

 

Mais precisamente:

 

Nos artigos 7.º a 46.º da sua resposta, a AT invoca a incompetência do Tribunal Arbitral (i) para conhecer da questão da inconstitucionalidade (artigos 7.º a 34.º) e (ii) para conhecer do regime da Contribuição Especial sobre o Setor Energético (CESE), por esta ser uma contribuição financeira e não um imposto (artigos 35.º a 46.º) e a competência dos tribunais arbitrais constituídos no CAAD estar circunscrita a estes.

 

Como ficou dito, foi ouvida a Requerente, que se insurgiu contra ambas as alegadas exceções.

 

Ambas as exceções de incompetência são de conhecimento prioritário, como resulta do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

Vejamos a primeira: a alegada incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer da questão da inconstitucionalidade.

 

O facto de a própria Requerida reconhecer que está em causa “a apreciação da legalidade e inconstitucionalidade e consequente desaplicação de normas subjacentes ao acto de liquidação” basta para concluir que ela própria reconhece que as questões de inconstitucionalidade suscitadas são questões de inconstitucionalidade concreta (que implicam desaplicação da norma num caso concreto) e não de inconstitucionalidade abstrata (que implicam a remoção da norma do ordenamento jurídico). Ora, qualquer tribunal – incluindo os arbitrais – está obrigado a não aplicar normas desconformes com a Constituição (artigo 204.º), e na medida em que tais normas tenham potenciais reflexos na liquidação impugnada, o presente Tribunal é competente para – e está obrigado a – conhecer dessas desconformidades.

Aliás, nem haveria outra forma de o próprio Tribunal Constitucional poder sindicar a invocada inconstitucionalidade se o presente Tribunal a não pudesse apreciar: as competências do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade exercem-se exclusivamente em recurso de decisões anteriores proferidas pelos demais tribunais.

 

Reconhecendo implicitamente isso mesmo, a Autoridade Tributária e Aduaneira, no artigo 33.º da sua resposta, invoca o princípio da separação e interdependência dos poderes como obstáculo aos poderes de cognição deste Tribunal Arbitral, entendendo que a interpretação que levasse o presente Tribunal a entender-se competente seria ela própria inconstitucional “por violação dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da AT.” Ou seja: invoca uma questão de inconstitucionalidade perante o mesmo Tribunal que, ao mesmo tempo, considera incompetente para conhecer de tais questões.

 

Relativamente a idêntica argumentação, acompanhamos a decisão arbitral de 04-05-2018, proferida no Processo n.º 675/2017-T, do CAAD, na parte em que refere:

“Haverá, decerto, algum equívoco, pois, num Estado de Direito, é aos Tribunais e não a quaisquer outros órgãos, designadamente os que têm funções legislativas e executivas, que compete administrar a justiça, «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados» (artigos 202.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), para o que têm de interpretar e aplicar as leis para dirimir os litígios entre os cidadãos e a Administração.

E é também aos Tribunais que a CRP atribui o poder de controlar a constitucionalidade das leis, emitidas pelos órgãos com poder legislativo (artigo 204.º da CRP).

A presente decisão é proferida por um Tribunal, pelo que tem carácter jurisdicional, e no exercício do seu poder jurisdicional cabe-lhe aplicar a lei, segundo a sua interpretação, estando apenas sujeito à lei, tal como a interpreta, não estando obrigado a adoptar a interpretação adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou a que hipoteticamente adoptariam os órgãos com poder legislativo se lhes fosse atribuída a competência para a aplicação da lei aos litígios pendentes nos Tribunais.”

 

Improcede, portanto, o primeiro fundamento da invocada incompetência do presente Tribunal Arbitral.

 

Vejamos então a segunda invocada exceção: a incompetência para conhecer do regime da Contribuição Especial sobre o Setor Energético.

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

 

Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, cujo artigo 2.º estabelece o seguinte:

“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) ….………………………………………………………………………………...….;

c) ………………………………………………………………………………………..;

d) ……………………………………………………………………………………….;”

 

Discutindo-se no presente pedido arbitral a questão de saber se os montantes pagos pela Requerente a título de CESE são fiscalmente dedutíveis nos montantes pagos a título de IRC, parece não ser possível outro entendimento se não o de que a pretensão da Requerente se encontra coberta pela jurisdição arbitral (alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT), não sendo excluída por qualquer das normas da referida Portaria. E isto mesmo perante a dupla sede da norma impeditiva da dedução (o artigo 23.º, n.º 1, alínea q), do CIRC, e o artigo 12.º da CESE).

 

As normas cuja inconstitucionalidade vem questionada são o artigo 23.º-A do CIRC que, sob a epígrafe “Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais”, determina que os encargos suportados com a CESE não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável. Norma esta cujo conteúdo é replicado no artigo 12.º da CESE.

 

O referido artigo 23.º-A do CIRC insere-se nas disposições gerais relativas à determinação do lucro tributável das pessoas coletivas, concretizando especificamente quais os encargos que não são dedutíveis para efeitos fiscais. Entre eles consta, no que ao caso importa, a Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético (CESE).

 

Ora, no caso em apreço, a Requerente peticiona a anulação da liquidação de IRC n.º 2018... invocando como causa de pedir a ilegalidade da correção à matéria tributável relativa à não dedutibilidade da CESE.

 

Ilegalidade essa que assenta na alegada inconstitucionalidade das normas em causa quando interpretadas no sentido de não ser fiscalmente dedutível a CESE por violação designadamente dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade.      

 

A Requerente não ataca a constitucionalidade da CESE enquanto tributo especial, mas tão só a constitucionalidade do artigo 23.º- A do CIRC, que regula o apuramento do lucro tributável das pessoas coletivas. E o mesmo se diga quanto ao artigo 12.º da CESE que se limita a reproduzir o teor daquela norma.

 

Outra poderia ser a resposta se o pedido arbitral se dirigisse contra a exigência legal do pagamento da CESE, mas manifestamente não é o caso.

Repete-se, o pedido arbitral dirige-se contra um ato de liquidação de IRC, na parte em que se reporta à ilegalidade /inconstitucionalidade de uma correção à matéria tributável por recusa da dedutibilidade da CESE.      

 

Em síntese, ainda que a competência dos tribunais arbitrais não inclua a avaliação dos atos de liquidação das contribuições especiais – questão que não cabe apreciar nos presentes autos –, o que está em causa não é o regime jurídico da CESE, mas sim a liquidação adicional de IRC a três sociedades do grupo da Requerente, irrelevando a sede das normas que a conformam.

 

Improcede, portanto, o segundo fundamento da invocada incompetência do presente Tribunal Arbitral.

 

Não foram invocadas quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.  

***

                III. FUNDAMENTAÇÃO

                III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS               

13. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

                a) A Requerente é a sociedade dominante do Grupo B..., o qual, no ano de 2014, integrava no respetivo perímetro, além de outras, as seguintes sociedade comerciais [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA e PA]:

                - C..., S. A. (doravante, C...), NIPC..., tendo por objeto as seguintes atividades: fabricação de pasta (CAE Principal – 17110), fabricação de papel e de cartão (exceto canelado) (CAE Secundário 1 – 017120) e produção de eletricidade de origem térmica (CAE Secundário 2 – 035112);

                - D..., S. A. (doravante, D...), NIPC ..., tendo por objeto a atividade de fabricação de pasta (CAE Principal – 17110);

                - E..., Lda. (doravante, E...), NIPC ..., tendo por objeto as seguintes atividades: produção de eletricidade de origem térmica (CAE Principal – 35112) e produção e distribuição de vapor, água quente e fria e ar frio por conduta (CAE Secundário – 035301). 

                b) As três sociedades comerciais referidas no facto provado anterior são titulares das licenças necessárias à prossecução das suas respetivas atividades. [cf. documentos n.ºs 4 a 10 anexos ao PPA]

c) A atividade de produção de pasta e papel exige o recurso a grandes quantidades de energia elétrica e térmica, em especial sob a forma de vapor. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]

d) Na produção de pasta e papel, a utilização da respetiva matéria-prima principal (madeira) despoleta a existência de desperdícios com valor energético suficiente para a produção da energia necessária ao respetivo funcionamento, a designada biomassa ou biomassa residual florestal (onde se inclui a casca de eucalipto). [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]   

e) Por estar em causa o aproveitamento de recursos endógenos e estritamente dependentes da atividade principal – a produção de pasta e papel –, a biomassa é fonte primária de energia para a C..., sendo que uma parte muito significativa da energia gerada nos respetivos complexos industriais é produzida nas centrais de cogeração a biomassa (produção simultânea de energia elétrica e de energia térmica).

f) A biomassa utilizada na produção de energia elétrica nos complexos industriais da C... resulta de subprodutos e resíduos da matéria-prima utilizada no processo produtivo, a saber: matéria-prima derivada, resultante das operações de descasque da matéria-prima e florestais; serradura e crivagem das aparas de madeira; e licor negro, um subproduto resultante do cozimento da madeira.

g) Além desta biomassa, a C... adquire no mercado biomassa florestal residual, de forma a complementar a totalidade das respetivas necessidades de biomassa.     

h) A situação da D... é totalmente análoga à da C..., tendo por referência a cogeração renovável existente ao nível desta última sociedade e a que aludem os factos provados e), f) e g).

i) No caso da E..., está em causa uma realidade com contornos bastante semelhantes aos da C... e da D..., sendo apenas necessário acrescentar o recurso ao gás natural de modo a oferecer cobertura às necessidades de consumo de uma máquina de produção de papel com uma largura útil de 10,4m, capaz de produzir mais de 500 mil toneladas de papel por ano, a um ritmo de 30 metros por segundo.

j) A C... efetuou, em 13.11.2014, a liquidação e pagamento da Contribuição Especial sobre o Setor Energético (doravante, CESE), referente ao ano de 2014, ascendendo tal contribuição ao montante de € 112.865,24. [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA e PA] 

k) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2016..., de 14.04.2016, a C... foi sujeita a um procedimento inspetivo externo de âmbito geral, efetuado com o objetivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais referentes ao ano de 2014, tendo por base de análise a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente a 2014, a que foi atribuído o n.º..., submetida pela empresa em 25.10.2016. [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA e PA] 

l) Na sequência dessa ação inspetiva, foram efetuadas correções meramente aritméticas ao lucro tributável de 2014, em virtude de a C... não ter acrescido “ao lucro tributável o montante de 112.865,24 Euros, correspondente à CESE liquidada no período de 2014, registado como gasto (conta 812300000 – Imp. CESE), valor esse que, nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q) do CIRC, não constitui gasto fiscalmente dedutível”, com os fundamentos constantes do respetivo Relatório de Inspeção Tributária que se dá por inteiramente reproduzido e de que importa aqui respigar o seguinte segmento [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA e PA]:

“III.1 – CORREÇÕES LUCRO TRIBUTÁVEL – IRC

III.1.1 – NÃO ACRÉSCIMO DA CESE (CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL SOBRE O SETOR ENERGÉTICO) AO LUCRO TRIBUTÁVEL: 112.865,24 EUROS

A empresa efetuou em 13-11-2014 a liquidação da Contribuição Especial sobre o Setor Energético conforme anexo retirado do nosso sistema informático (VER ANEXO 1), ascendendo tal contribuição ao montante de 112.865,24 Euros.

Da análise da Declaração de Rendimentos Modelo 22 n.º ... submetida pela empresa em 25-10-2016, constata-se que não existe qualquer valor inscrito no campo 785 do Quadro 07, que tem por título "Contribuição extraordinária sobre o setor energético [art. 23.º-A, n.º 1, al. q)]. Saliente-se que esta posição é a mesma já assumida na anterior declaração n.º ... de 23-06-2015.

Enquadramento Legal:

Refere o artigo 23.º-A, n.º 1, al. q) do CIRC que "Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

...q) A contribuição extraordinária sobre o setor energético;"

No mesmo sentido refere o artigo 12.º da CESE (Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético):

"A contribuição extraordinária sobre o setor energético não é considerada um gasto dedutível para efeitos de aplicação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas."

Da análise:

Tendo a Portucel registado esta contribuição na conta "812300000 — Imp. Cese", deveria a empresa ter acrescido este valor ao campo 724 (IRC e outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros [art. 45.º, n.º 1, alínea a)]) do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 ou então no campo 785 (Contribuição extraordinária sobre o setor energético [art. 23.º-A, n.º 1, al. q)]) do mesmo quadro.

Verificando-se a divergência de valores no já citado campo (724) da Declaração de Rendimentos Modelo 22, foi a empresa questionada acerca de tal facto, vindo a mesma responder conforme documento em anexo (VER ANEXO 2):

“…, o entendimento do Grupo é de que a não dedutibilidade da CESE viola os princípios constitucionais da tributação pelo lucro real e da igualdade, pelo que o grupo observou a constituição (que sobreleva face à lei) na auto-liquidação do imposto, razão pela qual não foi este montante acrescido no campo 785 da Modelo 22.

O facto de termos contabilizado o custo numa conta # 81 de imposto em nada muda a nossa opinião nem justifica, por si só, o não acréscimo deste montante. Continuamos e defender que se trata de um custo dedutível para efeitos fiscais."

Está assim demonstrado, que a empresa não efetuou o acréscimo ao lucro tributável do montante referente à Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, o qual ascendeu em 2014 ao montante de 112.865,24 Euros e que a empresa refletiu como gasto contabilístico do período, incumprindo assim com o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q) do CIRC.

Conclusão:

Assim, corrige-se o resultado tributável da sociedade em 112.865,24 Euros, correspondente ao gasto reconhecido contabilisticamente com a liquidação da CESE e que não constitui gasto fiscal nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q) do CIRC.”

m) A D... efetuou a liquidação e pagamento da CESE, atinente ao ano de 2014, ascendendo tal contribuição ao montante de € 284.837,18. [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA e PA] 

n) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2016..., de 16.08.2016, a D... foi sujeita a um procedimento inspetivo interno de âmbito parcial, incidindo sobre o período de 2014, em sede de IVA e de IRC, efetuado com o objetivo de verificar a regularidade das operações praticadas. [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA e PA] 

o) Na sequência dessa ação inspetiva, foram efetuadas correções meramente aritméticas ao lucro tributável de 2014, em virtude de a D... não ter acrescido “ao lucro tributável o montante de 284.837,18 Euros, correspondente ao gasto com o pagamento da CESE (Contribuição Extraordinária para o Setor Energético) com referência ao período de 2014, que contabilizou por débito da conta 8123 – Imposto CESE, sendo que esse valor, nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, al. q) do CIRC, não constitui gasto fiscalmente dedutível”, com os fundamentos constantes do respetivo Relatório de Inspeção Tributária que se dá por inteiramente reproduzido e de que importa aqui respigar o seguinte segmento [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA e PA]:

“III.1 – CORREÇÓES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1.1 – GASTO COM CESE INDEVIDAMENTE CONSIDERADO PELO CONTRIBUINTE COMO FISCALMENTE ACEITE: 284.837,18 EURO

Da análise da Declaração Modelo 22 de IRC com n.º 0744-C0875-2, submetida pela empresa em 201610-25.

Com referência ao período de tributação de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2014, por comparação com a Informação Empresarial Simplificada (IES) do mesmo período verificou-se que parte do valor registado como imposto do período estava a influenciar o resultado tributável do período como componente negativa (…)

Questionada a empresa a justificar o facto de estar a considerar como gasto fiscal o valor de 284.837, 18 Euro que contabilizou como gasto com impostos sobre o rendimento do período veio a mesma indicar que o valor em causa corresponde ao valor pago a título de CESE.

Enquadramento Legal:

Refere o artigo 23.º-A, n.º 1, al. q) do CIRC, que "Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros;

(…)

q) A contribuição extraordinária sobre o setor energético;"

No mesmo sentido refere o art. 12.º da CESE (Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético):

“A contribuição extraordinária sobre o setor energético não é considerada um gasto dedutível para efeitos de aplicação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.”

Da análise:

Conforme veio a empresa indicar, o montante de 284.837,18 Euro corresponde aos gastos com CESE – Contribuição Extraordinária para o Setor Energético que registou a débito da conta "812300000 – Imp. CESE".

O entendimento do Grupo é de que a não dedutibilidade da CESE viola os princípios constitucionais da tributação pelo lucro real e da igualdade, pelo que o grupo entende que à luz da Constituição da República Portuguesa (que sobreleva face à lei) na autoliquidação do imposto o gasto com a CESE é dedutível, razão pela qual não foi este montante acrescido no campo 785 da Declaração Modelo 22 de IRC.

Quanto à dedutibilidade fiscal do gasto com a CESE, dispõe o próprio diploma da CESE no seu art. 12.º que "A contribuição extraordinária sobre o setor energético não é considerada um gasto dedutível para efeitos de aplicação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.”

No mesmo sentido, vem o Código do IRC, na al. q) do n.º 1 do art. 23.º-A estabelecer que “Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: (…) q) A contribuição extraordinária sobre o setor energético;".

Está assim demonstrado, que a empresa não efetuou o acréscimo ao lucro tributável do montante referente à Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, no montante de 284.837, 18 Euro e que a empresa refletiu como gasto contabilístico do período, incumprindo assim com o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q) do CIRC.

Conclusão:

Assim, corrige-se o resultado tributável da sociedade em 284.837,18 Euro, correspondente ao gasto reconhecido contabilisticamente com o encargo da CESE do período e não ajustado para efeitos de determinação do resultado tributável nos termos no n.º 1 do art. 17.º do CIRC e que não constitui gasto fiscal nos termos do art. 23.º-A, n.º 1, alínea q) do CIRC.”

p) A E... efetuou, em 13.11.2014, a liquidação e pagamento da CESE, atinente ao ano de 2014, ascendendo tal contribuição ao montante de € 407.215,05. [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA e PA] 

q) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2016..., de 08.04.2016, a E... foi sujeita a um procedimento inspetivo interno de âmbito parcial, efetuado com o objetivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais referentes ao período de 2014, em sede de IRC. [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA e PA]  

r) Na sequência dessa ação inspetiva, foram efetuadas correções meramente aritméticas ao lucro tributável de 2014, em virtude de a E... não ter acrescido “ao lucro tributável o montante de 407.215,05 Euros, correspondente à CESE liquidada no período de 2014, registado como gasto (conta 812300000 – Imp. CESE), valor esse que, nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, al. q) do CIRC, não constitui gasto fiscalmente dedutível”, com os fundamentos constantes do respetivo Relatório de Inspeção Tributária que se dá por inteiramente reproduzido e de que importa aqui respigar o seguinte segmento [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA e PA]:

“III.1 – CORREÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL – IRC

III.1.1 – NÃO ACRÉSCIMO DA CESE (CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL SOBRE O SETOR ENERGÉTICO) AO LUCRO TRIBUTÁVEL: 407.215,05 EUROS

A empresa efetuou em 13-11-2014 a liquidação (e pagamento) da Contribuição Especial sobre o Setor Energético conforme anexo retirado do nosso sistema informático (ver anexo 1), ascendendo tal contribuição ao montante de 407.215,05 Euros.

Da análise da Declaração de Rendimentos Modelo 22 n.º ... submetida pela empresa em 25-05-2015, constata-se que não existe qualquer valor inscrito no campo 785 do Quadro 07, que tem por título "Contribuição extraordinária sobre o setor energético [art. 23.º-A, n.º 1, al. q)]”.

Enquadramento Legal:

Refere o artigo 23.º-A, n.º 1, al. q) do CIRE, que "Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros;

(…)

q) A contribuição extraordinária sobre o setor energético;"

No mesmo sentido refere o art. 12.º da CESE (Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético): “A contribuição extraordinária sobre o setor energético não é considerada um gasto dedutível para efeitos de aplicação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.”

Da análise:

Tendo a E... registado esta contribuição na conta "812300000 — Imp. Cese”, conforme documento em anexo (ver anexo 2), deveria a empresa ter acrescido este valor ao campo 724 (IRC e outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros [art. 45.º, n.º 1, alínea a)]) do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 ou então no campo 785 (Contribuição extraordinária sobre o setor energético [art. 23.º-A, n.º 1, al. q)]) do mesmo quadro.

Verificando-se a divergência de valores no já citado campo (724) da Declaração de Rendimentos Modelo 22, foi a empresa questionada acerca de tal facto, vindo a mesma responder (nosso sublinhado e negrito) conforme documento em anexo (ver anexo 3):

"O valor acrescido no campo 724 da Modelo 22 inclui os saldos das seguintes contas do balancete: # 812100000 — Impostos s/ rendimento — estimativa: € 313.093, 07 (a dif.ª entre este valor e o constante do ABDR, € 720.308, corresponde ao valor da CESE registado na conta # 812300000 - € 407.215); # 812169000 — Imposto s/ rendimento — excesso / insuficiência estimativa: € 34.815.14".

Não tendo a empresa acrescido este valor no campo 724, deveria ter incluído no campo 785 (Contribuição extraordinária sobre o setor energético [art. 23.º-A, n.º 1, al. q)]) do já citado Quadro 07. Contudo, a E... não efetuou tal acréscimo, justificando-se da seguinte forma (ver anexo 3):

"O entendimento do Grupo é de que a não dedutibilidade da CESE viola os princípios constitucionais da tributação pelo lucro real e da igualdade, pelo que o grupo observou a constituição (que sobreleva face à lei) na auto-liquidação do imposto, razão pela qual não foi este montante acrescido no campo 785 da Modelo 22."

Está assim demonstrado, que a empresa não efetuou o acréscimo ao lucro tributável do montante referente à Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, o qual ascendeu em 2014 ao montante de 407.215,05 Euros e que a empresa refletiu como gasto contabilístico do período, incumprindo assim com o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q) do CIRC.

Conclusão:

Assim, corrige-se o resultado tributável da sociedade em 407.215,05 Euros (no campo 785

(Contribuição extraordinária sobre o setor energético [art. 23.º-A, n.º 1, al. q)]) da Declaração de Rendimentos Modelo 22), correspondente ao gasto reconhecido contabilisticamente com a liquidação da CESE e que não constitui gasto fiscal, nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q) do CIRC.”

s) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2017..., a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo de análise à Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC do Grupo B... (apresentada pela Requerente), de âmbito parcial, efetuado com o objetivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais em sede IRC inerentes à aplicação do RETGS, referentes ao período de 2014. [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA e PA]

t) No âmbito desse procedimento inspetivo, foi elaborado o respetivo Projeto de Relatório de Inspeção Tributária que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual foram propostas as seguintes correções à matéria tributável do Grupo B..., fundamentadas nos termos que a seguir também são citados [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA e PA]:

“I.4 – Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção

(…)

I.4.1. Correções à Matéria Tributável do Grupo

(…)

I.4.1.2 – Aumento do resultado tributável resultante de correções realizadas no âmbito individual da sociedade “C..., S. A.”: 112.865,24 Euros

No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016..., realizou-se um procedimento de inspeção externo de âmbito geral, relativo ao período de 2014, da sociedade C..., S.A. — NIF..., do qual resultaram correções ao lucro tributável individual declarado no valor total de 112.865,24 Euros.

Assim sendo, e tendo em conta que de acordo com o disposto no artigo 70.º, n.º 1 do Código do IRC, o resultado tributável do grupo é o constituído pelo somatório dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais de cada uma das sociedades que o compõem, as correções efetuadas ao resultado individual da sociedade acima referida irão ser refletidas no resultado declarado pelo grupo, de acordo com o estipulado naquele normativo (…).

I.4.1.3 – Aumento do resultado tributável resultante de correções realizadas no âmbito individual da sociedade “E..., Lda.”: 407.215,05 Euros

No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016..., realizou-se um procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao período de 2014, da sociedade E..., Lda., NIF..., do qual resultaram correções ao lucro tributável individual declarado no valor total de 407.215,05 Euros.

Assim sendo, e tendo em conta que de acordo com o disposto no artigo 70.º,  n.º 1 do Código do IRC, o resultado tributável do grupo é o constituído pelo somatório dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais de cada uma das sociedades que o compõem, as correções efetuadas ao resultado individual da sociedade acima referida irão ser refletidas no resultado declarado pelo grupo, de acordo com o estipulado naquele normativo (…).

I.4.1.4 – Aumento do resultado tributável resultante de correções realizadas no âmbito individual da sociedade “D..., S. A.”: 284.837,18 Euros

No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016..., realizou-se um procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao período de 2014, da sociedade D..., S.A. – NIF..., do qual resultaram correções ao lucro tributável individual declarado no valor total de 284.837,18 Euros.

Assim sendo, e tendo em conta que de acordo com o disposto no artigo 70.º,  n.º 1 do Código do IRC, o resultado tributável do grupo é o constituído pelo somatório dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais de cada uma das sociedades que o compõem, as correções efetuadas ao resultado individual da sociedade acima referida irão ser refletidas no resultado declarado pelo grupo, de acordo com o estipulado naquele normativo (…).

(…)

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL 

III.1 – Correções à Matéria Tributável do Grupo

(…)

III.1.2 – Aumento do resultado tributável resultante de correções realizadas no âmbito individual da sociedade “C..., S. A.”: 112.865,24 Euros

No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016... realizou-se um procedimento de inspeção externo de âmbito geral, relativo ao período de 2014, da sociedade C..., S.A., com o NIF... .

As conclusões da ação inspetiva foram comunicadas à sociedade, nos termos do n.º 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária e constam do relatório de inspeção tributária elaborado pela UGC em 2016-12-06, do qual se junta cópia e que constitui o Anexo B, o qual foi comunicado ao sujeito passivo conforme n/ ofício n.º ... de 2016-12-22.

Em consequência, corrigiu-se o resultado tributável da sociedade em 112.865,24 Euros, correspondente ao gasto reconhecido contabilisticamente com a liquidação da CESE e que não constituiu gasto fiscal nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q) do Código do IRC (…).

O Relatório de Inspeção emitido para conclusão do procedimento de inspeção ao abrigo da OI2016..., é parte integrante do presente Relatório da Inspeção Tributária (Anexo B).

III.1.3 – Aumento do resultado tributável resultante de correções realizadas no âmbito individual da sociedade “E..., Lda.”: 407.215,05 Euros

No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016..., realizou-se um procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao período de 2014, da sociedade E..., Lda., com o NIF... .

As conclusões da ação inspetiva foram comunicadas à sociedade, nos termos do n.º 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária e constam do relatório de inspeção tributária elaborado pela UGC em 2016-11-09, do qual se junta cópia e que constitui o Anexo C, o qual foi comunicado ao sujeito passivo conforme n/ ofício n.º ... de 2016-11-18.

Em consequência, corrigiu-se o resultado tributável da sociedade em 407.215,05 Euros (no campo 785 -Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético [artigo 23.º-A, n.º 1, al. q)] da Declaração de Rendimentos Modelo 22) correspondente ao gasto reconhecido contabilisticamente com a liquidação da CESE e que não constituiu gasto fiscal nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q) do Código do IRC (…).

O Relatório de Inspeção emitido para conclusão do procedimento de inspeção ao abrigo da OI2016..., é parte integrante do presente Relatório da Inspeção Tributária (Anexo C).

III.1.4 – Aumento do resultado tributável resultante de correções realizadas no âmbito individual da sociedade “D..., S. A.”: 284.837,18 Euros  

No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016... realizou-se um procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao período de 2014, da sociedade D..., S.A, com o NIF... .

As conclusões da ação inspetiva toram comunicadas à sociedade, nos termos do n.º 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária e constam do relatório de inspeção tributária elaborado pela UGC em 2017-12-21, do qual se junta cópia e que constitui o Anexo D, o qual foi comunicado ao sujeito passivo conforme n/ ofício n.º ... de 2018-01-11.

Em consequência, corrigiu-se o resultado tributável da sociedade em 284.837,18 Euro, correspondente ao gasto reconhecido contabilisticamente com o encargo da CESE do período e não ajustado para efeitos de determinação do resultado tributável, nos termos no n.º 1 do artigo 17.º do Código do IRC e que não constituiu gasto fiscal nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, al. q) do Código do IRC (…).

O Relatório de Inspeção emitido para conclusão do procedimento de inspeção ao abrigo da OI2016..., é parte integrante do presente Relatório da Inspeção Tributária (Anexo D).”

u) A Requerente foi notificada em 30.10.2018, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, daquele Projeto de Relatório de Inspeção Tributária e para, querendo, exercer o respetivo direito de audição, o que a Requerente fez nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. [cf. PA] 

v) Posteriormente, foi elaborado o respetivo Relatório de Inspeção Tributária que aqui se dá por inteiramente reproduzido, tendo sido mantidas as correções à matéria tributável do Grupo B... referenciadas no facto provado t), com a mesma fundamentação ali descrita, o qual foi notificado à Requerente em 23.11.2018. [cf. documento n.º 11 anexo ao PPA e PA]

w) Sequentemente, foi emitida e notificada à Requerente a liquidação de IRC n.º 2018..., datada de 12.12.2018, na qual foi apurado o valor a reembolsar de € 3.425.314,01. [cf. documento n.º 12]

x) Em 21 de fevereiro de 2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

14. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

15. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e na análise crítica da prova documental carreada para os autos, incluindo o processo administrativo.

 

III.2. DE DIREITO

§1. DO MÉRITO

16. Depois de apresentar uma “Breve resenha da CESE” (artigos 82.º a 92.º do PPA) o primeiro dos eixos da argumentação da Requerente, explanado nos artigos 93.º a 122.º do PPA, assenta na ideia de que a CESE é um custo económico da sua atividade e que, como tal, deve ser dedutível como o são os demais custos incorridos com, como diz, um “business purpose”.

 

Cabe notar, porém, que o “business purpose” que a Requerente pretende ligar à CESE nunca poderia ser o seu pagamento, mas sim o conjunto de opções que a Requerente assumiu muito antes da introdução da CESE no nosso ordenamento jurídico e que levaram a que ficasse supervenientemente abrangida pela sua incidência. O que releva, portanto, não é saber se o pagamento da CESE é, como alega a Requerente, um custo inevitável e legítimo, mas sim saber se o pagamento de um encargo fiscal superveniente se deve traduzir numa compensação em sede de IRC que anule esse acréscimo tributário.

 

Ora quanto a isso a intenção do legislador foi clara e inequivocamente assumida, quer no artigo 12.º do regime da CESE (“A contribuição extraordinária sobre o setor energético não é considerada um gasto dedutível para efeitos de aplicação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.”), quer no artigo 23.º-A do Código do IRC (“A contribuição extraordinária sobre o setor energético não é considerada um gasto dedutível para efeitos de aplicação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.”). Quer dizer que a primeira via argumentativa da Requerente é inadequada ao fim tido em vista na medida em que desloca a discussão para o que sejam custos legítimos para “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, quando o que está em causa são as implicações fiscais decorrentes da introdução de uma contribuição especial. Uma vez que os problemas são diferentes, a resposta que haja de ser dada ao primeiro não tem necessariamente de coincidir com a solução a dar ao segundo.

 

17. Questão diferente, e que constitui o segundo eixo da argumentação da Requerente – artigos 123.º a 157.º e 184.º a 194.º do PPA –, é a de saber se, ao excluir a possibilidade de os sujeitos passivos da CESE deduzirem essa contribuição na sua fatura fiscal (ou de a repercutirem nos seus clientes, como também proibido pelo artigo 5.º do Regime da CESE, introduzido pelo artigo 228.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014 – Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), o legislador não incorreu em violação dos princípios constitucionais.

 

A primeira via argumentativa que desenvolve para fundamentar essa alegada violação dos princípios constitucionais é a da “ausência de uma especial motivação intrínseca” para excluir a dedutibilidade dos gastos com a CESE (n.º 1, e al. f) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC) – ao contrário do que acontece com outros gastos fiscais. Entende a Requerente, invocando doutrina e jurisprudência várias, que a existência de uma norma legal (ou mesmo duas, como no caso) não chega para criar uma exceção ao princípio da tributação pelo rendimento real, sendo necessária uma fundamentação teleológica constitucionalmente conforme para essa opção. A Requerente alega ainda – artigos 158.º a 183.º do PPA – que é isso que acontece com as situações previstas nas demais alíneas do artigo 23.º-A do CIRC.

 

A isso responde a AT com “o propósito do legislador em estabelecer um “anel” de separação (ring fencing) desta contribuição financeira, ao circunscrever ao sector energético tanto o ónus tributário como os potenciais benefícios da afectação da receita, isolando-o do resto da economia.” (a AT referia-se não apenas à não-repercussão da CESE – imposta no artigo 5.º do seu regime – e à não-dedutibilidade – imposta no artigo 12.º do seu regime –, mas também à consignação da receita cobrada ao Fundo de Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético  – prevista no artigo 11.º do seu regime). Ou seja, a especial motivação intrínseca que animava as referidas opções do legislador estaria na ligação entre custos e benefícios para os operadores do mercado energético sujeitos à CESE. Nessa lógica, a possibilidade de alguns desses operadores poderem custear uma tal contribuição com a redução dos impostos que, de outro modo, teriam a pagar, frustraria a teleologia da dita contribuição financeira e criaria, aí sim, um problema de desigualdade entre os a ela sujeitos. Mesmo não tomando posição sobre o regime da CESE, o Tribunal tem de reconhecer que a sua natureza de contribuição financeira – a sua caraterística distintiva dos impostos – implica uma certa correspondência entre o círculo dos onerados com o seu pagamento e a dos seus beneficiários, mais que não seja por custos acrescidos que transferem para a sociedade ou para a entidade para quem revertem as suas receitas. Nessa medida, pode dizer-se que a lógica de segregação da CESE dos demais impostos não só tem uma justificação intrínseca, como é até indispensável à sua natureza.

 

Quanto à enumeração e ensaio de explicação teleológica das demais situações de indedutibilidade previstas no n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC que a Requerente ensaia – qualquer que seja a sua adequação às reais intenções do legislador – acaba por destacar a situação prevista na sua alínea p): a contribuição sobre o setor bancário. É que, ainda que tenha percorrido todas as demais alíneas da norma do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC nos artigos 158.º a 183.º do PPA, a Requerente omitiu referência à contribuição que, nessa lista, antecede a previsão da indedutibilidade da CESE. Admite-se que, nalguma medida, porque a lógica da indedutibilidade das duas contribuições pareça diversa das demais – e porque, justamente, não seria do interesse da Requerente chamar a atenção para essa convergência.

               

É possível, portanto, como alegou a AT, identificar uma lógica não meramente reditícia na arquitetura da CESE, e encontrar para ela uma fundamentação que, tendo também em linha de conta os demais agravamentos de impostos a que os contribuintes foram, em geral, contemporaneamente sujeitos, não a sujeite a um juízo de desconformidade constitucional.

 

A questão de constitucionalidade não está, portanto, em o pagamento da CESE esgotar a teleologia normativa, como refere a Requerente (artigo 186.º do PPA: “a dedutibilidade da CESE por parte das entidades do GRUPO B... não acarreta ou pode acarretar qualquer prejuízo para os objetivos do respetivo regime, desde logo no plano creditício , até porque qualquer uma das entidades envolvidas efetuou o pronto e pontual pagamento do referido tributo.”), mas justamente no que tal pagamento implica em termos fiscais (ou seja: em sede de IRC): um desconto equivalente no IRC evitaria o claro propósito de aumentar a tributação sobre o setor energético – e só sobre esse setor –, porque, como o bancário, acumulava vulnerabilidades e praticava margens que, na ótica soberana do legislador, permitiam custear contribuições financeiras visando o seu reforço futuro.

 

                18. Resta o terceiro eixo argumentativo da Requerente: a da alegada “natureza sancionatória do artigo 23.º-A, alínea q) do CIRC, na sua aplicação ao caso concreto” – artigos 195.º a 202.º do PPA. Isto porque, como escreve no artigo 197.º do PPA, “a atividade de produção de energia não é uma simples e qualquer opção pré-determinada pela intenção do Grupo em obter proveitos: pelo contrário, correspondeu, no histórico de vida do Grupo, a uma necessidade que, em primeiro lugar, decorreu da necessidade de otimizar potenciais resíduos da sua atividade principal e, ao mesmo tempo, assegurar a satisfação das respetivas necessidades energéticas.”

               

Embora a Requerente reconheça que a sua produção energética não se destina apenas a auto-consumo (vg. artigos 39.º  e 40.º  do PPA), entende que a específica natureza da sua atividade e as razões pelas quais se tornou produtora – perfeitamente alinhadas com os objetivos de sustentabilidade do sistema energético nacional e de aumento da produção de energias renováveis – acabam por a penalizar, ao ser colocada, para efeitos de aplicação da CESE, a par das demais entidades produtoras de energia. Tais considerações são certamente de ponderar de jure condendo –como seriam as que poderiam ser mobilizadas, por exemplo, pelas entidades exploradoras de barragens – mas não podem ser valoradas pelo aplicador, sob pena de a generalidade e abstração das normas se perder num processo casuístico e ad hoc que convocaria juízos inevitavelmente pessoais e subjetivos, e impediria, na verdade, a sua aplicação uniforme, com lesão do princípio da igualdade. 

               

19. Finalmente, nos artigos 203.º a 274.º do PPA, a Requerente imputa quatro vícios à interpretação adotada pela AT:

                - violação do princípio da tributação pelo lucro real decorrente da necessidade de uma tributação pelo rendimento líquido;

                - violação do princípio da tributação pelo lucro real quanto à proibição de sanções punitivas atípicas;

                - violação do princípio da igualdade face a outros gastos fiscais;

                - violação do princípio da proporcionalidade, na vertente de exigibilidade.

 

                20. Quanto ao primeiro vício – a invocada violação do princípio da tributação pelo lucro real, decorrente da necessidade de uma tributação pelo rendimento líquido – a própria Requerente reconhece implicitamente que tal argumento vale “perante a ausência de uma especial motivação intrínseca suscetível de justificar a referida não dedutibilidade” (artigo 211.º do PPA), quando já se viu que havia, no caso, razões intrínsecas e não puramente reditícias para a não dedutibilidade consagrada na lei. De resto, a doutrina invocada nesse sentido não parece ter tido suficientemente em conta a limitação estrutural que uma tal dedutibilidade introduziria na possibilidade de cobrar contribuições financeiras: em todo e qualquer caso de imposição superveniente destas (por razões de custo ou de benefício gerados pelos sujeitos ao seu pagamento, como é da sua natureza) a sua dedutibilidade em sede de impostos sobre o rendimento transferiria uma parte do seu pagamento para o Estado (e, quando tal tivesse impacto nas derramas também para os municípios). Ou seja, seria a fiscalidade do Estado a custear, ainda que parcialmente, as contribuições financeiras que deviam ser da responsabilidade das entidades que dão causa às despesas custeadas com essas contribuições.

               

Assim, considera este Tribunal que a concordância prática entre contribuições financeiras e impostos sobre o rendimento tem precedência sobre as razões de coerência intrínseca dos critérios de dedutibilidade que podem ser invocados no caso e, portanto, o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC não enferma da invocada inconstitucionalidade face ao artigo 104.º, n.º 2, da CRP. Aliás, a redação da invocada norma constitucional (“A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.”) acomoda justamente situações como as que resultam da necessária compatibilização de impostos com contribuições financeiras (e, poderia acrescentar-se, com taxas), em que, além dos custos (internos) que a Requerente pretende deduzir, há também que considerar os benefícios resultantes, ou os custos externos provocados.

 

                21. Quanto ao segundo alegado vício – violação do princípio da tributação pelo lucro real quanto à proibição de sanções punitivas atípicas – está manifestamente ausente no caso: não há qualquer intenção punitiva ou repressiva na indedutibilidade da CESE em sede de IRC. Nesta parte, a argumentação da Requerente invoca (artigo 229.º do PPA) como indícios de que tal indedutibilidade teria uma motivação ou fundamento sancionatório duas razões:

(i)           a “manifesta ausência de uma expressa motivação intrínseca capaz de fundamentar a respetiva não-dedutibilidade” – que já acima se considerou não ter fundamento; e

(ii)          a “ausência de qualquer conexão entre os perímetros creditícios  da CESE e do IRC suscetível de fundamentar qualquer especial interesse do legislador, digno de tutela constitucional, em vedar a dedutibilidade do correspondente gasto, ao lucro tributável em sede de IRC.” – que igualmente se referiu ser infundado, atendendo à necessidade de compatibilizar na prática a incidência de impostos sobre o rendimento e a das contribuições financeiras.

 

Sendo assim, a conclusão subsequente de que tal indedutibilidade implicaria “valorar negativamente a própria condição de sujeito passivo da CESE” (artigo 232.º do PPA) não tem qualquer fundamento: tal indedutibilidade é – ou, pelo menos, pode ser, quando essa for a opção do legislador – uma condicionante estrutural da articulação dos diferentes tributos do sistema fiscal, de modo algum um regime sancionatório, muito menos dos onerados pela CESE – que serão também, a valer a sua natureza de contribuição especial (ponto que não cabe a este Tribunal aferir), os beneficiados (ou geradores de custos) da entidade para a qual revertem as receitas obtidas.

 

Tanto mais que a incoerência que a Requerente apontava ao legislador – artigos 241.º a 245.º do PPA – por permitir que o pagamento da CESE fosse excluído do limite percentual à dedutibilidade com gastos de financiamento, cujo regime se encontrava previsto no artigo 67.º do CIRC, assim majorando o montante sobre o qual se computavam os 30% de limitação à dedutibilidade desses gastos de financiamento, foi sanada pela modificação do n.º 13 do referido artigo 67.º, operada pela Lei n.º 32/2019, de 3 de maio, reforçando o isolamento entre os dois tributos que era invocado pela AT.

 

Assim, considera este Tribunal que não há qualquer intenção de “sancionar, pela via fiscal, os sujeitos passivos da CESE” e, portanto, a indedutibilidade em sede de IRS prevista no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC não enferma da invocada inconstitucionalidade face ao artigo 104.º, n.º 2, da CRP.

               

                22. Quanto ao terceiro alegado vício – violação do princípio da igualdade face a outros gastos fiscais – começa por assentar na conversão do princípio constitucional de igualdade de tratamento entre sujeitos (“Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”) numa supostamente equivalente, mas constitucionalmente infundada, igualdade entre gastos – rectius: entre gastos para efeitos de dedutibilidade fiscal. Manifestamente, portanto, não há qualquer inconstitucionalidade no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC “por violação do PRINCÍPIO DA IGUALDADE, consagrado NO ARTIGO 13.º DA CRP”, nem sequer por violação do princípio da proporcionalidade, que é acessoriamente invocado.

               

23. Quanto ao quarto alegado vício – violação do princípio da proporcionalidade, na vertente de exigibilidade – também começa por identificar como direito (que seria subsequentemente lesado) a tributação pelo lucro real (“direito subjetivo à TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO REAL”, diz a Requerente no artigo 270.º do PPA). Que a exigência de que a tributação das empresas incida fundamentalmente sobre o lucro real seja um princípio estruturante do sistema fiscal, não há dúvida. Que isso seja um direito sujeito ao regime das restrições dos direitos, liberdades e garantias é coisa completamente diversa. Que tal suposto direito se eximisse à própria restrição constante da norma constitucional que o teria criado (o citado artigo 104.º, n.º 2, da CRP: “A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.”) em termos de se poder apresentar como incomprimível salvo nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP não faz sentido algum.

 

Contra esta pretensão da Requerente, a AT invocou, corretamente, que tal comando constitucional se aplica aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, designadamente aos “Direitos e deveres fundamentais” que integram a Parte I da CRP, mas não à matéria atinente à “Organização económica” prevista na Parte II da CRP, onde se inclui o princípio da tributação pelo lucro real previsto no n.º 2 do artigo 104.º.

 

De resto, a argumentação subsequente da Requerente tanto invoca a inexistência de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que justificassem a restrição, nos termos desse normativo, como a falta de proporcionalidade da indedutibilidade, nunca se percebendo o que justificaria uma e outra dessas alegações, nem como é que, por qualquer delas, ou ambas, isso implicaria que “a solução consagrada no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC, na interpretação segundo a qual uma entidade que aproveite matérias primas derivadas da sua atividade principal para a produção de energia, podendo esta destinar-se a satisfazer as suas próprias necessidades de consumo, que não possa deduzir o gasto com a CESE, padece de uma INCONSTITUCIONALIDADES, por violação do PRINCÍPIO DA IGUALDADE, consagrado NO ARTIGO 18.º, N.º 2, DA CRP.”

 

Naturalmente, na medida em que as inconstitucionalidades apontadas ao artigo 12.º do Regime da CESE são exatamente as mesmas que foram apontadas ao artigo 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC, “visto que o comando normativo ínsito nestas duas disposições é o mesmo”, o juízo de não inconstitucionalidade é também o mesmo.

 

24. Finalmente, sublinha-se que esta é a orientação sufragada em recente Acórdão arbitral proferido no processo n.º 706/2018-T, o qual não obstante se reportar à contribuição sobre o Setor Bancário acaba por se pronunciar sobre a mesma questão que se encontra a ser dirimida na presente ação arbitral, isto é, sobre as alegadas inconstitucionalidades de que enferma a norma da alínea q) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, dele constando, aliás, algumas observações sobre a própria CESE.

 

A dado passo pode ler-se no mencionado Acórdão:  

«7. Paralelamente, a contribuição para o sector energético, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), também incluída entre os encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, é igualmente tida como uma contribuição extraordinária que tem "por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais ambientais do setor energético", incidindo sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2015, se encontrassem nalguma das situações elencadas do artigo 2.º do regime que cria a contribuição.

A receita obtida é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (artigo 11.º).   

Por outro lado, é o próprio artigo 12.º do regime da contribuição para o sector enérgico que declara a não dedutibilidade da contribuição para efeitos fiscais, no âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, regra que foi transposta para alínea q) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.»

 

Estabelece, ainda, o douto Acórdão arbitral:

«A Lei do Orçamento do Estado para 2015 (Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro) criou entretanto a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica, que incide sobre o volume de vendas e tem por objetivo garantir sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde na vertente dos gastos com medicamentos, sendo sujeitos passivos as entidades que procedam à primeira alienação a título oneroso, em território nacional, de medicamentos de uso humano. Essa contribuição veio igualmente a ser incluída entre os encargos não dedutíveis para efeitos fiscais pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, mediante o aditamento da alínea s) ao n.º 1 do artigo 23.-ºA do CIRC.

O que têm de comum estas contribuições, por confronto com a contribuição sobre o sector bancário, é que se trata de contribuições financeiras, com finalidades específicas, e que não são dedutíveis para efeitos fiscais.». (negrito nosso)

 

E, mais adiante, pode ler-se:

«Como se deixou entrever, a limitação à dedução de encargos, como excepção à regra geral da dedutibilidade dos gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo, assenta em diversos critérios legislativos que vão desde a mera técnica de quantificação do imposto, como sucede quando se exclui da dedução a colecta de IRC, a medidas de carácter sancionatório, quando se visa evitar a imputação ao resultado do exercício dos gastos decorrentes da prática de infracções, ou a medidas de combate à fraude e evasão fiscais, quando se desconsideram despesas não documentadas ou gastos que podem corresponder a uma forma encapotada de pagamento de remunerações. Relativamente à contribuição sobre o sector bancário nada permite concluir que o legislador não tivesse pretendido seguir o primeiro dos critérios legislativos indicados, já aplicável à colecta de IRC, tendo em vista evitar que o gasto efectivo com o pagamento da contribuição pudesse ser repercutido em desfavor do Estado através da dedução para efeitos do apuramento do lucro tributável. De facto, como se deixou exposto, a contribuição sobre o sector bancário tem uma finalidade extrafiscal assumindo não apenas uma função compensatória relativamente às medidas que a entidade reguladora possa ser forçada a adaptar no âmbito da actividade bancária, como também uma função moderadora dos comportamentos das instituições bancárias, além de que também para assegurar a aproximação em termos de carga fiscal a outros sectores da actividade económica.

Em todo este contexto, não pode deixar de reconhecer-se que subsiste uma justificação plausível para a não dedutibilidade do encargo como meio de evitar a redução do impacto financeiro que a medida legislativa pretende alcançar. E não pode ignorar-se que o legislador adoptou idêntico tratamento legislativo em relação à contribuição para o sector energético, que igualmente em vista financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, e à contribuição sobre a indústria farmacêutica, que tem por objetivo garantir sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde na vertente dos gastos com medicamentos. Não há, por isso motivo para considerar verificada a inconstitucionalidade da norma da alínea p) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, por violação do princípio da tributação segundo o rendimento real e do princípio da capacidade contributiva.»

 

Mais propriamente quanto à violação do princípio da igualdade, é vertido o seguinte entendimento no Acórdão arbitral: «Na dimensão agora enunciada, a violação do princípio da igualdade reconduz-se à desigualdade de tratamento de um grupo de destinatários da norma em relação a outro grupo de destinatários, não obstante a inexistência de qualquer diferença justificativa do tratamento desigual. O problema central traduz-se na escolha e justificação do critério distintivo que há-de servir de base à comparação das situações a tratar pela lei. E, nesta específica vertente, o princípio da igualdade identifica-se com a proibição do arbítrio, ou seja, ao legislador está vedado introduzir discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional ou para a qual se não se encontre um fundamento objectivo evidente ou onde se não detecte um mínimo de coerência entre os objectivos prosseguidos e os resultados previsíveis (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014, e, na doutrina, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, págs. 290-291; REIS NOVAIS, Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, pág. 111).

A diferenciação arbitrária é, em suma, a que não possa ser fundamentada à luz de um critério inteligível ou racionalmente apreensível, congruente com valores constitucionalmente relevantes (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 166/2010). Ora, no caso em análise, o legislador fez incidir a contribuição para o sector bancário sobre um grupo definido de destinatários e com objectivos claramente definidos que só poderiam reflectir-se no âmbito da actividade bancária (cfr. supra 6.).

A não dedutibilidade do encargo suportado com a contribuição corresponde, por outro lado, a uma opção legislativa que se encontra justificada pela própria natureza jurídica e finalidade extrafiscal do tributo (cfr. supra 8.).

Não pode estabelecer-se, por isso, um qualquer termo de comparação entre a generalidade das entidades empresariais e as instituições de crédito que integram o âmbito específico de incidência subjectiva da contribuição sobre o sector bancário. E o que está em causa não é o princípio da dedutibilidade dos gastos incorridos pelo sujeito passivo a que se refere o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, que é igualmente aplicável à Requerente, mas a não dedução de certos encargos, como os que se encontram descritos no artigo 23.º-A, n.º 1, e que no caso da contribuição sobre o sector bancário tem por base um fundamento material bastante. Não ocorre, por isso, a invocada violação do princípio da igualdade.» (negrito nosso).

 

A jurisprudência acabada de transcrever que emana do douto Acórdão tem total aplicação in casu, devendo ser proferida na presente ação arbitral igual decisão de improcedência do pedido, com a consequente manutenção na ordem jurídica da liquidação aqui sindicada.

 

§2. REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO PAGO ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

25. Uma vez que é de manter o ato de liquidação de IRC controvertido, pelos motivos acima expendidos, os pedidos de reembolso do montante de imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios, sobre esse mesmo valor, têm necessariamente de improceder, por carecerem de qualquer fundamento quer de facto, quer de direito. 

*

26. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

***

IV. DECISÃO

                Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar totalmente improcedente a invocada exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral;

b)           Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos;

c)            Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

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V. VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 169.032,67 (cento e sessenta e nove mil e trinta e dois euros e sessenta e sete cêntimos).

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VI. CUSTAS

Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 3.672,00 (três mil seiscentos e setenta e dois euros), a cargo da Requerente.

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Notifique.

 

Lisboa, 14 de outubro de 2019.

 

Os Árbitros,

 

(Fernanda Maçãs)

(José Ramos Alexandre)

(Ricardo Rodrigues Pereira)