Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 117/2021-T
Data da decisão: 2021-10-29  ISV  
Valor do pedido: € 7.881,51
Tema: ISV – liquidação pelo “método alternativo” – Incompetência do tribunal em razão da matéria.
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SUMÁRIO:

 

- Os Tribunais Arbitrais (CAAD) são incompetentes em razão da matéria para apreciar a omissão da Administração Fiscal e Aduaneira em efetuar uma liquidação de ISV por aplicação do «método alternativo», previsto no nº 3 do art. 11º do CISV, em substituição da liquidação efetuada nos termos do nº 1 da mesma norma.

 

- A incompetência em razão da matéria é do conhecimento oficioso.

 

- A não realização da «liquidação definitiva» não constitui vício que afete a legalidade da «liquidação provisória», cuja existência a lei expressamente prevê.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A... UNIPESSOAL, LDA., com o NIPC..., com sede na ..., ..., ...-..., ..., Gondomar, apresentou, nos termos legais, pedido de constituição de tribunal arbitral, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

I – RELATÓRIO

 

A)           O pedido

 

A Requerente pedia, inicialmente, a anulação parcial da liquidação de Imposto Sobre Veículos (ISV), praticada pela Alfândega de Leixões, resultante da apresentação, pela Requerente, de uma Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), identificada com o n.º 2021/....

No seu requerimento inicial, pedia que a AT “deve ser condenada a restituir à Ré a quantia de 7.881, 51 euros, acrescida de juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento até efetiva restituição”.

Posteriormente, a Requerente veio solicitar a ampliação do pedido inicialmente formulado, concluindo pela anulação total da liquidação impugnada.

 

B)           Posição das partes

 

A Requerente entende, em suma, que a liquidação do imposto deveria ter sido feita através do «método alternativo» previsto no n.º 3 do art. 11º do CISV e não por aplicação das taxas previstas no artigo 7.º e no artigo 11.º, n.º 1, do mesmo Código, por tal ter sido por si requerido, o que lhe teria sido recusado pela Requerida, concluindo pela anulação, primeiro parcial e, depois, total da liquidação impugnada.

 

Na sua resposta, a Requerida afirma haver sido constatado um erro na nova redação do n.º 3 do artigo 11.º do CISV, incluída na Lei do Orçamento de Estado para 2021, pelo que foi suspensa a aplicação do método de avaliação alternativo; que, em 24.02.2021, foi publicada no Diário da República a Declaração de Retificação n.º 6/2021 que, entre outras, procedeu à retificação da fórmula de cálculo prevista na referida norma.

A Requerida entende que a Requerente, no seu requerimento inicial, defende que deveria ter sido aplicada a fórmula constante do n.º 3 do artigo 11.º na redação anterior à Declaração de Retificação n.º 6/2021, do que concluiu pela incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria, ou seja que, com a presente ação, a Requerente visa «suspender a eficácia de ato legislativo», o que extravasaria a competência do tribunal arbitral, porque e restrita à apreciação da liquidação de tributos.

No mais, conclui pela legalidade da liquidação impugnada.

 

No Requerimento em que solicitou a ampliação do pedido, conjuntamente com as suas alegações, a Requerente pede a anulação total da liquidação impugnada por entender que ela nunca deveria ter tido lugar, dado que, logo no início do procedimento, solicitou que a liquidação do imposto devido fosse feita pelo «método alternativo».

Nas suas alegações, a Requerente conclui pela improcedência da exceção de incompetência do tribunal, suscitada oficiosamente.

A Requerida contra-alegou, sustentando a procedência das exceções de incompetência do tribunal em razão da matéria, quer a que havia alegado na sua resposta, quer a suscitada oficiosamente. Mais, conclui que a “ampliação do pedido” solicitada pela Requerente nada altera relativamente à procedência de tais exceções.

 

 

C)           Tramitação processual

 

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 25-02-2021.

 A Requerente não procedeu à indicação de árbitro, tendo a sua designação (árbitro singular) competido ao Conselho Deontológico do CAAD, a qual não mereceu oposição.

O árbitro designado aceitou tempestivamente a nomeação.

 O tribunal arbitral ficou constituído em 22-06-2021.

A Requerida apresentou, tempestivamente, resposta.

 Por despacho arbitral de 17-09- 2026 foi decidida a realização da reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT para apreciação de exceções, nomeadamente a invocada pela Requerente.

Nessa reunião, e conforme consta da respetiva ata, foi suscitada oficiosamente uma nova questão, relativa à incompetência do tribunal em razão da matéria, atentas as causas de pedir invocadas pela Requerente; decidido, com acordo desta, não haver lugar a produção de prova testemunhal; que as partes se pronunciariam, em sede de alegações, também sobre a exceção oficiosamente suscitada.

A Requerente aproveitou o articulado em que apresentou as suas alegações para, solicitar, também, a ampliação do pedido inicialmente formulado.

A Requerida contra alegou.

 

II - SANEAMENTO

 

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

A seguir se conhecerá das exceções relativas à competência em razão da matéria.

 

III – PROVA

 

III.1 - Factos provados

 

a)            A Requerente introduziu em Portugal um veículo automóvel de marca ..., com primeira matrícula registada na Alemanha.

 

b)           Ao proceder à declaração aduaneira de tal veículo, em 05.01.2021, a Requerente solicitou a que a liquidação do imposto fosse feita segundo o «método alternativo» previsto no nº 3 do art. 11 do CISV.

 

c)            Em 07-01-2021 a Requerente foi informada pela Alfândega de Leixões estarem suspensas as liquidações pelo método alternativo, informação confirmada por correspondência posterior.

 

d)           A Direção de Serviços dos Impostos Especiais sobre o Consumo deu instruções à Alfândega de Leixões para “ser adotado o do procedimento de cálculo pelo método clássico (tabela D prevista no art. 11º, n.º 1 do CISV) com vista a dar andamento à DAV nº 2021/..., sem prejuízo de a posteriori ser efectuado o acerto de imposto se a ele houver lugar, resultante do método de avaliação» (doc. 5 junto ao requerimento inicial).

 

e)           Tendo sido efetuada a liquidação ora impugnada.

 

f)            A Requerente pagou o valor liquidado.

 

Os factos dados por provados resultam de documentação junta aos autos, não tendo sido questionados pela AT na sua resposta.

 

 

 

III.2 - Factos não provados

 

Não existem factos não provados relevantes para a decisão a causa.

 

 

IV- O DIREITO

 

 

1 – A primeira questão a resolver é saber se deveria ter tido lugar a liquidação impugnada, feita nos termos do n.º 1 do art.º 11º do CISV (taxas – veículos usados), o qual dispõe: O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente (...)

 

A Requerente entende, em suma, que tal liquidação nunca deveria ter tido lugar porquanto, como dado por provado em b), “Ao proceder à declaração aduaneira de tal veículo, em 05.01.2021, a Requerente solicitou a que a liquidação do CISV fosse feita segundo o «método alternativo» previsto no nº 3 do art. 11 do CISV”.

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Porém, o entendimento da Requerente não encontra suporte na lei aplicável.

 

Dispõe o n.º 3 do mesmo artigo: sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto: (…)

 

Dispõe o n.º 4 do mesmo artigo: Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume-se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.

 

2- Das normas transcritas resulta que a lei prevê que, estando em causa veículos usados provenientes de outro país comunitário, a liquidação do CISV seja feita sempre com base nas regras gerais, podendo o interessado, posteriormente, requerer que a mesma seja feita por aplicação do n.º 3 do art. 11º (o chamado «método alternativo»).

 

Poder-se-á discutir a bondade da solução legal, pois que implica a realização de uma liquidação que terá de ser substituída por outra, se tal for requerido pelo interessado. Mas o certo é que a lei é expressa na previsão da existência de duas liquidações, na obrigatoriedade de ser feita uma primeira liquidação segundo as regras previstas no n.º 1 do art.º 11º do CISV. Isto independentemente do momento procedimental em que o interessado requeira a (segunda) liquidação a ser feita pelo método alternativo, momento que, em rigor, deve ser posterior ao da notificação da primeira liquidação.

 

Ora, relativamente à liquidação que impugna (a liquidação «provisória» efetuada tal como previsto no n.º 1 do art. 11º do CISV), a Requerente não invoca qualquer ilegalidade.

 

Resulta assim evidente o que está em causa não é a correção da liquidação impugnada, mas sim a pretensão da Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada.

 

O meio processual próprio que a Requerente deveria utilizar, mantendo-se a inação da AT, a omissão do dever de proceder à liquidação substitutiva requerida, seria a «intimação para um comportamento», tal como prescreve o art. 147º do CPPC, uma vez que não está em causa o «reconhecimento» do seu direito, o qual resulta diretamente da lei.

Os tribunais arbitrais (CAAD) não são competentes em razão da matéria, para julgar ações de “intimação para um comportamento”, uma vez que a sua competência é apenas a de apreciar da legalidade de liquidações de tributos, tal como prescrito pelo n.º 1 do art. 2º do RJAT.

 

Nos termos do nº 1 do art. 16 do CPPT,  A infração das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, sendo que, segundo o seu n.º 2, a incompetência absoluta é de conhecimento oficioso.

 

4- Tendo-se, assim, concluído pela incompetência absoluta do tribunal, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no processo.

 

V- Decisão

 

Absolve-se a Requerida da instância, por incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

 

VALOR: 7.881,51 euros.

CUSTAS pela Requerente, uma vez que foi total o seu decaimento.

 

29 de outubro de 2021

 

O árbitro

Rui Duarte Morais