Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 113/2021-T
Data da decisão: 2021-11-02  IRS  
Valor do pedido: € 298.354,50
Tema: IRS - Retenções na fonte. Lei Geral Tributária (artigo 45.º, n.º5). Caducidade.
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SUMÁRIO:

A contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art.º 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o ato tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos, isto é, o prazo de caducidade só é alargado concretamente para as liquidações cujos factos estão a ser investigados como crime e que deram origem à instauração do inquérito.

 

DECISÃO ARBITRAL

            Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Ofélia Maria Machado Pinto e Sérgio Santos Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-05-2021, acordam no seguinte:

I.             Relatório

1.            A..., Lda., doravante designada “Requerente”, NIPC..., com sede na ..., ... ..., .... ..., na sequência do pagamento das liquidações de Retenção na fonte de IRS e juros compensatórios, efetuado em 09-12-2020, relativo às Demonstrações de Liquidação de IRS – Retenções na fonte e juros compensatórios n.º 2020... de 20-10-2020, n.º 2020 ... de 20-10-2020, e n.º 2020... de 20-10-2020, respetivamente referentes a cada um dos exercícios de 2014, 2015 e 2016, e que junta como Documento n.º 4, veio, ao abrigo do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação do IRS por retenção na fonte no montante total de € 298.354,50 (duzentos e noventa e oito mil trezentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), incluindo a liquidação dos juros compensatórios, efetuadas pela AT com referência aos exercícios de 2014, 2015 e 2016 e consequentemente a sua anulação.

2.            A requerente pede que seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação do IRS por retenção na fonte e dos juros compensatórios, acima identificados, com referência aos exercícios de 2014, 2015 e 2016, e a sua anulação com todas as consequências legais, designadamente a condenação da AT na restituição das quantias indevidamente pagas pela Requerente e a condenação ao pagamento de juros indemnizatórios, com os seguintes fundamentos: caducidade do direito à liquidação, preterição de formalidades essenciais – fundamentação material, erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e inexistência de facto tributário.

3.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 23-02-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.° 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo a Senhora Juiz Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, a Profª Doutora Ofélia Maria Machado Pinto e o Dr. Sérgio Santos Pereira, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 04-05-2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 24-05-2021.

4.            Em suporte das suas pretensões alega a Requerente, em síntese:

a)            A Requerente entende que a liquidação de IRS por retenção na fonte com referência aos anos de 2014, 2015 e 2016, no montante global de € 298.354,50 (duzentos e noventa e oito mil trezentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) é ilegal com base nos seguintes fundamentos: caducidade do direito à liquidação, preterição de formalidades essenciais – fundamentação material, erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e inexistência de facto tributário.

b)           Relativamente à exceção da caducidade, invoca a Requerente que “Em 20.05.2019, cfr. supra referido, já no decurso do procedimento inspetivo (iniciado em 23-04-2019), a AT notificou a Requerente de que “(…) os prazos para a conclusão dos procedimentos se encontram suspensos atendendo a que se encontra instaurado o Processo de Inquérito n.º .../16...T9FLG (…) E que (…) por se encontrar instaurado o Processo de Inquérito n.º .../16...T9FLG por indícios de fraude fiscal, o direito à liquidação é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano”.

c)            Acrescenta a Requerente que do aludido inquérito criminal instaurado “(…) resulta que o mesmo foi instaurado para averiguação do crime de fraude fiscal, praticado em 05-01-2016, em que é denunciada a sociedade B... Unipessoal, Lda”, concluindo que, “a contraio sensu resulta que aquele processo de inquérito não visa investigar factos relativos à Requerente”.

d)           Além disso, alega a Requerente que “da prova produzida resulta que naquele processo de inquérito não há quaisquer factos concretos a investigar com referência à Requerente e consequentemente não há qualquer relação objetiva dos factos a investigar com os factos que estão na origem das liquidações impugnadas”.

e)           Concluindo que “o facto de a AT alegar que foi instaurado um qualquer inquérito criminal não é fundamento nem adequado nem suficiente para fazer operar a suspensão do prazo da caducidade a que se refere o n.º 5 do art. 45.º da LGT”.

f)            Nesse sentido, refere a Requerente que “a suspensão do prazo de caducidade por prévia instauração de inquérito criminal pressupõe, exige, uma identidade objetiva entre os factos objeto do inquérito e os factos tributários”.

g)            Acrescentando que “A propósito daquela identidade objetiva, a jurisprudência do STA tem reiteradamente afirmado que, “Na sua construção literal, a norma prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LGT é clara, referindo-se expressamente a uma necessária identidade de factos (i.e., identidade entre o facto tributário e o facto criminal), sem mais”.

h)           A Requerente alude ainda à jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte, mormente ao acórdão proferido a 11-01-2018 no Processo n.º 00657/16: “Assim, e atendendo ao disposto no art.º 45.º, n.º 5, da LGT, e à jurisprudência do STA a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art.º 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos, isto é, o prazo de caducidade só é alargado concretamente para as liquidações cujos factos estão a ser investigados como crime e que deram origem à instauração do inquérito”.

i)             Concluindo que “em resumo o inquérito criminal invocado pela AT instaurado sob o n.º .../16...T9FLG não se destinava a investigar factos atinentes à Requerente”, assim como “mesmo que tivesse por objetivo investigar factos atinentes à Requerente, à data do início do procedimento já tinha ocorrido a prescrição do procedimento criminal por força do disposto no art.º 276.º do CPP”, pelo que “(…) não há fundamento para a suspensão do prazo de caducidade do direito a liquidação nos termos do n.º 5 do art.º 45.º da LGT”.

j)             De tal modo, conclui ainda a Requerente que “(…) em 20-10-2020, data da liquidação do IRS do ano de 2014, estava caducado o direito à liquidação (…) Aliás, caducidade que já tinha ocorrido na data do início do procedimento inspetivo (25-03-2019)”, na medida em que entende que o direito à liquidação do IRS por retenção na fonte, relativo ao ano de 2014, caducou no dia 31-12-2018.

k)            A Requerente alcança a mesma conclusão relativamente à liquidação do IRS por retenção na fonte relativa ao ano de 2015, concluindo assim que os atos tributários de liquidação do IRS por retenção na fonte relativos aos anos de 2014 e 2015 são ilegais por se verificar em relação a eles a exceção perentória da caducidade.

l)             Ademais, os atos tributários controvertidos são ilegais por violação do dever legal de fundamentação substantiva.

m)          Para além disso, considera a Requerente que os atos tributários são ilegais por erro sobre os pressupostos de facto e de direito porquanto a AT não logrou fazer prova de que os movimentos efetuados a débito da conta 27821-Outros devedores e credores, nos anos de 2014, 2015 e 2016 respeitam à distribuição de lucros.

n)           A AT qualificou esses movimentos como “adiantamentos por conta de lucros” mas não provou o facto base, o facto índice ou pressuposto da presunção a que se refere o n.º 4 do art.º 6.º do CIRS porquanto não só não alegou a “presunção” como também não logrou provar que: a) a conta onde os movimentos foram efetuados era dos sócios e b) que esses movimentos não resultem (não tem origem em mútuos da sociedade aos sócios) de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.

o)           A presunção de adiantamentos de lucros só poderia atuar se existisse lançamento em conta-corrente dos sócios escriturada na sociedade. (Cfr. Acs. Do TCAS 8216/11 de 05-02-2015, 4357/10 de 11-01-2011, 3221/09 de 13-10-2009 e 8216/14 de 05-02-2015)

5.            A AT apresentou e juntou processo instrutor, invocando em síntese:

a)            O entendimento da AT está devidamente justificado e fundamentado no Relatório de inspeção da DF do Porto (OI2016.../.../... de 2016-12-06) que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

b)           Foram ainda efetuadas todas as diligências e cruzamento de informações/dados, com observância dos princípios de inquisitório, do contraditório/participação e da verdade material (art.º 58.º e 60.º da LGT, art.ºs 6º e 7º e 60º da RCPITA) e recolhidos todos os meios de prova tendo em vista o apuramento dos factos tributários que sustentaram as liquidações adicionais de retenção na fonte de IRS 2014, 2015 e 2016, nos termos do disposto nos artigos 5.º n.º 1 e 2 alínea h) e art.º 6.º n.º 4, todos do CIRS vigentes à data dos factos.

c)            Quanto à alegada “Caducidade do direito a liquidação” (C.1 nºs 55 a 113) em que a Requerente sustenta que “Os atos tributários de liquidação do IRS por Retenção na Fonte relativos aos anos de 2014 e 2015 são ilegais por se verificar em relação a eles a exceção peremptória da caducidade”, a AT não partilha o mesmo entendimento na medida em que relativamente aos anos em causa o prazo de caducidade teve início a 01-01-2015 e 01-01-2016 e terminariam em 02-01-2019 e 02-01-2020 respetivamente (artº 45º, nºs 1 e 4 da LGT).

d)           No entanto, em 05-01-2016 (antes dos anos de caducidade) foi instaurado o Processo de Inquérito por Crime de fraude fiscal n.º .../16...T9FLG (que integra o sujeito passivo requerente).

e)           O Procedimento inspetivo foi aberto com base nas ordens de serviço nºs OI2016.../... de 06-12-2016, que originou o procedimento inspetivo de que resultaram os atos tributários de 2014 e 2015 (retenções na fonte) ora controvertidos.

f)            E por via disso, o prazo de caducidade foi alargado até ao arquivamento do inquérito acrescido de um (1) ano (nº 5 do artigo 45º da LGT). Tendo sido notificado ao sujeito passivo da suspensão do prazo a 20-05-2019.

g)            O procedimento inspetivo teve início a 25-03-2019 e foi concluído a 21-09-2020. E a Liquidação de retenção na fonte de IRS 2014 nº 2020... no valor de 289.120,38€ e Liquidação de retenção na fonte de IRS 2015 nº 2020... no valor de 2.369,39€ datam de 20-10-2020.

h)           Do cotejo das datas atrás referidas, conclui-se que os atos tributários foram validamente notificados ao sujeito passivo dentro do prazo de caducidade aplicáveis ao caso em apreço.

i)             Contrariamente ao alegado no nº 79 da petição de que “(…) o inquérito criminal invocado pela AT instaurado sob o n.º .../16...T9FLG não se destinava a invocar factos atinentes à Requerente(…)”, foi este processo de inquérito que esteve na origem destes procedimentos inspetivos, tanto é assim que os factos denunciados referiam a omissão de faturação pelas vendas efetuadas (entre outras irregularidades), tendo resultado na instauração de procedimentos às sociedades “B...– Unipessoal Lda”, NIF..., em cumprimentos das Ordens de Serviço nº OI2016.../.../... (2014 a 2016), “C... Lda”, NIF ..., em cumprimento das Ordens de Serviço nº OI2016.../.../... (2013 a 2015) e a “A... Lda”, NIF ..., em cumprimento das Ordens de Serviço nº OI2016.../.../... (2014 a 2016).

j)             Improcedem, assim, as alegações da recorrente quanto à caducidade do direito a liquidações de retenção na fonte de IRS 2014 e 2015.

k)            Relativamente à questão da preterição de formalidades essenciais – vício de fundamentação formal e material ou substantiva (ponto C.2, nºs 114 a 147), importa sublinhar que a AT fundamentou de facto e de direito os atos tributários em causa, conforme disposto nos artºs 268º, nº 3 da CRP, 62º do RCPITA, 77º da LGT e 153º do CPA, tendo-se dado ao sujeito passivo o conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT para a sua determinação, ou seja, as razões pelas quais decidiu num sentido e não noutro, conforme defende a jurisprudência do STA no Acórdão nº 068/17 de 21-06-2017.

l)             Ora, no caso em análise, foram cumpridos esses pressupostos durante os procedimentos inspetivos, conforme consta no respetivo relatório de inspeção e que resultou na aplicação da presunção prevista no nº 4 do art.º 6º do CIRS aos factos apurados.

m)          Quanto à não verificação dos pressupostos constantes da presunção legal prevista no n.º4 do artigo 6.º do CIRS, a Requerente  não tem razão porque dispõe a al. h) do n.º 2 do art.º 5.º do CIRS, vigente em 2015 e 2016 (na redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, que se considera rendimentos de capitais (cat. E), “Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros (…). Acrescentado o n.º 4 do art.º 6.º do mesmo código que “Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”, sendo que para o ano de 2014 a redação em vigor para o n.º 4 do art.º 6.º do CIRS é a que foi dada pelo DL 18/2001, de 03/07, dispondo que “Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.”

n)           Nos termos da legislação atrás citada, incumbia à Requerente fazer prova de que as referidas operações resultaram de mútuos, prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais. O facto é que o SP não o fez durante o processo inspetivo e muito menos carreou aos presentes autos documentos de prova dos factos alegados, quando interpelado pelos serviços de inspeção tributária durante o procedimento inspetivo.

o)           Quanto à alegada inexistência de facto tribuário (ponto D nºs 195 a 197), em que se sustenta que “(…) Da matéria de facto provada, resulta que a “situação de facto concreta” não é suscetível de preencher os pressupostos previstos das regras da incidência do Código do IRS. Considerando, como refere Alberto Xavier, que o ato tributário pressupõe sempre a existência de um facto que a lei tipifica como tributário, inexistindo este, os atos controvertidos são ilegal por inexistência de facto tributário”, remete-se ao que consta nos pontos anteriores e que se reafirma que a AT sustentou as correções efetuadas nos termos do art.º 74º, nº 1 da LGT. Normativo este que a ora recorrente não cumpre, limitando-se a invocar a alegada inexistência de facto tributário e pondo em causa a presunção da AT mas sem apresentar justificativos relevantes para tal.

p)           Conclui assim que deve o pedido arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida, nos termos peticionados, tudo com as devidas e legais consequências.

6.            Por despacho de 30-06-2021, a Requente foi notificada da junção do processo administrativo, e ambas as partes foram notificadas para produzirem alegações escritas, tendo sido concedida à Requerida a faculdade de, assim o entendendo, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pela Requerente. Ainda por despacho de 30-06-2021, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT).

7.            Em 07-09-2021 a Requerente apresentou alegações reiterando os argumentos do Pedido Arbitral.

 

II.            Saneamento

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

                As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

Foi suscitada a caducidade do direto à liquidação que será apreciada depois da fixação da matéria de facto.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

III.          Do Mérito

 

III.1 Matéria de Facto Provada

 

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

1.            A Requerente é uma sociedade por quotas, constituída em 1988, que se dedica à indústria e comércio de calçado;

2.            Nos exercícios de 2014, 2015 e 2016, o capital próprio da Requerente decompunha-se nos seguintes termos:

 

                2016      2015       2014

Capital social     950 000.00          950 000.00          950 000.00

Outros instrumentos de capital próprio 377 572.05          377 572.05          377 572.05

Reservas legais 190 000.00          87 777.18            19 627.29

Outras reservas 20 345.27             20 345.27            20 345.27

Resultados transitados  185 467.56          162 420.90          158 834.06

Outras variações nos capitais próprios   4 562.78               -              -

Resultado líquido do exercício   63 928.10            125 269.48          71 736.73

Total do capital próprio 1 791 875.76      1 723 384.88      1 598 115.40

 

3.            A 01-01-2014, a Requerente tinha inscrito na conta “2781 – Outros Devedores e Credores” um saldo credor de € 1.707.398,94 e a 31-12-2014 apresentava na mesma conta um saldo credor de € 870.945,38;

4.            A 01-01-2015, a mesma conta “2781 – Outros Devedores e Credores” apresentava um saldo credor de € 870.945,38 e a 31-12-2021 apresentava um saldo credor de € 902.948,80;

5.            A 01-01-2016, a Requerente tinha inscrito naquela conta um saldo credor de € 902.948,80 e a 31-12-2016 apresentava um saldo credor de € 878.897,48;

6.            Dos movimentos ocorridos na conta “2781 – Outros Devedores e Credores” no exercício de 2014, o montante de € 832.600,00 respeita a transferências bancárias ocorridas naquele período;

7.            Dos movimentos ocorridos na conta “2781 – Outros Devedores e Credores” no exercício de 2015, o montante de € 7.000,00 respeita a transferências bancárias ocorridas naquele período;

8.            Dos movimentos ocorridos na conta “2781 – Outros Devedores e Credores” no exercício de 2016, o montante de € 20.850,00 respeita a cheques emitidos naquele período;

9.            Com base nas Ordens de Serviço n.ºs OI2016.../.../... de 06-12-2016, a Requerente foi objeto de uma ação inspetiva externa de âmbito parcial IVA/IRC, relativamente aos anos de 2014, 2015 e 2016, motivada pelo Processo de Inquérito n.º .../...0T9FLG, remetido pelo DIAP de Paredes para investigação de eventual crime de fraude fiscal;

10.          Os atos inspetivos tiveram início a 25-03-2019, através da assinatura das respetivas ordens de serviços;

11.          A 20 de maio de 2019, a Requerente foi notificada pessoalmente, na pessoa do seu gerente, Sr. D..., de que o prazo para a conclusão dos procedimentos de inspeção se encontrava suspenso, atendendo ao facto de ter sido instaurado o Processo de Inquérito aludido; 

12.          Por despacho de 25-11-2019, o âmbito da referida ação inspetiva foi alargado para âmbito geral, com a finalidade de verificação da situação tributária global da Requerente;

13.          As respetivas ordens de serviço a dar conta daquele alargamento foram assinadas a 28-11-2019 pelo Sr. D..., na qualidade de gerente da Requerente;

14.          No âmbito da ação inspetiva em questão, a Requerente foi notificada, a 28-10-2019, para justificar o saldo inicial credor de € 1.707.398,94 inscrito na conta “2781 – Outros Devedores e Credores”, bem como (i) apresentar cópia de todos os documentos justificativos desse saldo e explicação para esses movimentos, (ii) apresentar extratos de conta corrente de anos anteriores e (iii) apresentar balancetes com entidades, dos anos que esses movimentos tiveram início;

15.          A 08-11-2019, em resposta a tal notificação, a Requerente veio referir que aquele montante respeitava a empréstimos dos sócios realizados ao longo dos vários anos, quer sob a forma de entrega de valores que depositou nas suas contas bancárias, quer pela via de pagamentos a fornecedores, pessoal e outros credores, por conta da sociedade;

16.          A 03-12-2019, a Requerente foi novamente notificada para apresentação de comprovativos que justificassem o aludido saldo credor na conta “2781 – Outros Devedores e Credores”, tendo reiterado, por resposta apresentada a 20-12-2019, que aquele saldo resultava de empréstimos efetuados no passado e que não possuía documentos comprovativos;

17.          Através de ofício datado de 14-08-2020, a Requerente foi notificada do teor do projeto de relatório de inspeção tributária, não tendo exercido o seu direito de audição prévia relativamente ao mesmo;

18.          A ação inspetiva findou a 21-09-2020, tendo-se concluído no relatório de inspeção respetivo, relativamente ao saldo de € 1.707.398,94 inscrito na conta “2781 – Outros Devedores e Credores”:

“Conforme exposto nos pontos anteriores, concluiu-se que o valor registado como saldo inicial da conta “2781 – Outros devedores e credores” no ano de 2014, não corresponde a empréstimos de sócios, pelo que os valores registados a débito referentes a transferências e cheques emitidos à ordem dos sócios não são considerados devoluções de empréstimos, mas sim adiantamento por conta de lucros, nos seguintes totais anuais:

                - Ano de 2014: € 832.600,00

                - Ano de 2015: € 7.000,00

                - Ano de 2016: € 20.850,00

Nos termos da alínea h), do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS (CIRS), esses valores são considerados rendimento de Capitais (Categoria E), pelo que estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo à taxa de 28%, à luz do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS, cabendo ao sujeito passivo a obrigação de proceder à sua retenção e entrega nos Cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 101.º do CIRS e do n.º 3 do artigo 98.º do CIRS”.

19.          Na sequência das conclusões do procedimento inspetivo, a AT, ora Requerida, emitiu a liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2020... no valor de € 289.120,38, referente ao ano de 2014, a liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2020 ... no valor de € 2.369,39, referente ao ano de 2015, e a liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2020... no valor de € 6.864,71, referente ao ano de 2016;

20.          A Requerente procedeu ao pagamento das aludidas liquidações no dia 09-12-2020, cfr. doc. n.º 4 junto com o Pedido Arbitral, cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, o que foi também confirmado pela própria AT na resposta apresentada;

21.          Relativamente ao Processo de Inquérito n.º .../...T9FLG, a Requerente solicitou certidão judicial com o conteúdo da denúncia que esteve na origem dos autos, cfr doc n.º 6 junto com o Pedido Arbitral, cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

22.          A 02-02-2021, foi emitida a correspondente certidão judicial de onde consta que os aludidos autos de inquérito se encontram registados no DIAP de Paredes pelo crime de fraude fiscal praticado a 05-01-2016, sendo o denunciante anónimo e denunciada a sociedade B... Unipessoal, Lda., cfr. certidão emitida pelos serviços do DIPA, 1.º Secção de Paredes.

 

 

III.2 Matéria de facto não provada

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

III.3 Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos junto à petição da Requerente, no processo administrativo junto pela Requerida com a Resposta, e, na posição das partes apreciada pelo Tribunal segundo a sua livre convicção.

 

 

III.4.  Do Direito

 

III. 4-1- Questão prévia – a exceção da caducidade

 

                Como ficou dito, veio a Requerente invocar a questão prévia da exceção de caducidade porquanto, entre o mais, em 20.05.2019, no decurso do procedimento inspetivo (iniciado em 23-04-2019), foi notificada de que o prazo para a conclusão dos procedimentos de inspeção se encontrava suspenso, atendendo a que se encontra instaurado o Processo de Inquérito n.º .../...T9FLG, com objetivo de apuramento de existência de fraude fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 36.º do RCPITA, pelo que o direito à liquidação seria alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da LGT.

                Defende a Requerente que, segundo jurisprudência reiterada, incluindo do STA, a suspensão do prazo de caducidade por prévia instauração de inquérito criminal exige uma identidade entre os factos objeto do inquérito e os factos tributários, pelo que a mera alegação pela Requerida de que foi instaurado um qualquer inquérito criminal não é fundamento nem adequado nem suficiente para fazer operar a suspensão do prazo da caducidade a que se refere o n.º 5 do artigo 45.º da LGT.

                Acrescenta a Requerente que do aludido inquérito criminal instaurado “(…) resulta que o mesmo foi instaurado para averiguação do crime de fraude fiscal, praticado em 05-01-2016, em que é denunciada a sociedade B... Unipessoal, Lda”, concluindo que, “a contraio sensu resulta que aquele processo de inquérito não visa investigar factos relativos à Requerente”, concluindo-se que “da prova produzida resulta que naquele processo de inquérito não há quaisquer factos concretos a investigar com referência à Requerente e consequentemente não há qualquer relação objetiva dos factos a investigar com os factos que estão na origem das liquidações impugnadas”

 

Vejamos.

                O artigo 45.º da LGT dispõe que :

“1-O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

“(…)”

“5- Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.”

 

                No Acórdão do STA de 5 de setembro de 2018, proferido no processo n.º 0777/18, reproduzindo jurisprudência anterior, nomeadamente em 06/12/2017, proc. 073/16, pode ler-se, a propósito do sentido e alcance do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, que “não resulta, nem da letra, nem da teleologia da norma, que, para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, seja exigível, a par de uma “identidade objectiva”, entre facto tributário e facto objecto de inquérito criminal, uma identidade subjectiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto”. Refere, ainda, este acórdão que a norma prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LGT resulta da necessidade de garantir uma boa decisão da causa em matéria fiscal, aguardando-se assim o desfecho dos inquéritos ou dos processos-crime em que o facto tributário se encontra em discussão. Já nos acórdãos de 11/11/2015, proc. 0190/14 e de 01/10/2014, proc. 0178/14, havia afirmado o STA que “a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos”. No mesmo sentido podem consultar-se os acórdãos do STA 11/05/2016, proc. 01071/14 e de 02-07-2008, proc. 0343/08.”

                Também na jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte, mormente ao acórdão proferido a 11-01-2018 no Processo n.º 00657/16, pode ler-se o seguinte : “Assim, e atendendo ao disposto no art.º 45.º, n.º 5, da LGT, e à jurisprudência do STA a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art.º 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos, isto é, o prazo de caducidade só é alargado concretamente para as liquidações cujos factos estão a ser investigados como crime e que deram origem à instauração do inquérito”.

 

Aplicando esta jurisprudência ao caso em apreço, verifica-se que da matéria de facto dada como provada resulta que a Requerente, tendo por base as Ordens de Serviço n.ºs OI2016.../.../... de 06-12-2016, foi objeto de uma ação inspetiva externa de âmbito parcial IVA/IRC, relativamente aos anos de 2014, 2015 e 2016, alegadamente motivada pelo Processo de Inquérito n.º .../...T9FLG, remetido pelo DIAP de Paredes para investigação de eventual crime de fraude fiscal.

Os atos inspetivos tiveram início a 25-03-2019, através da assinatura das respetivas ordens de serviços, tendo, a 20 de maio de 2019, a Requerente sido notificada pessoalmente, na pessoa do seu gerente, de que o prazo para a conclusão dos procedimentos de inspeção se encontrava suspenso, atendendo ao facto de ter sido instaurado o Processo de Inquérito aludido. 

Por despacho de 25-11-2019, o âmbito da referida ação inspetiva foi alargado para âmbito geral, com a finalidade de verificação da situação tributária global da Requerente.

No âmbito da ação inspetiva em questão, a Requerente foi notificada, a 28-10-2019, para justificar o saldo inicial credor de € 1.707.398,94 inscrito na conta “2781 – Outros Devedores e Credores”, bem como (i) apresentar cópia de todos os documentos justificativos desse saldo e explicação para esses movimentos, (ii) apresentar extratos de conta corrente de anos anteriores e (iii) apresentar balancetes com entidades, dos anos que esses movimentos tiveram início.

A 08-11-2019, em resposta a tal notificação, a Requerente veio referir que aquele montante respeitava a empréstimos dos sócios realizados ao longo dos vários anos, quer sob a forma de entrega de valores que depositou nas suas contas bancárias, quer pela via de pagamentos a fornecedores, pessoal e outros credores, por conta da sociedade;

A 03-12-2019, a Requerente foi novamente notificada para apresentação de comprovativos que justificassem o aludido saldo credor na conta “2781 – Outros Devedores e Credores”, tendo reiterado, por resposta apresentada a 20-12-2019, que aquele saldo resultava de empréstimos efetuados no passado e que não possuía documentos comprovativos;

A ação inspetiva findou a 21-09-2020, tendo-se concluído no relatório de inspeção respetivo, relativamente ao saldo de € 1.707.398,94 inscrito na conta “2781 – Outros Devedores e Credores”:

“Conforme exposto nos pontos anteriores, concluiu-se que o valor registado como saldo inicial da conta “2781 – Outros devedores e credores” no ano de 2014, não corresponde a empréstimos de sócios, pelo que os valores registados a débito referentes a transferências e cheques emitidos à ordem dos sócios não são considerados devoluções de empréstimos, mas sim adiantamento por conta de lucros, nos seguintes totais anuais:

                - Ano de 2014: € 832.600,00

                - Ano de 2015: € 7.000,00

                - Ano de 2016: € 20.850,00

Nos termos da alínea h), do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS (CIRS), esses valores são considerados rendimento de Capitais (Categoria E), pelo que estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo à taxa de 28%, à luz do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS, cabendo ao sujeito passivo a obrigação de proceder à sua retenção e entrega nos Cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 101.º do CIRS e do n.º 3 do artigo 98.º do CIRS”.

 

                Ao analisar-se a argumentação de facto e de direito que serviu de fundamento à liquidação dos atos impugnados resulta que os mesmos se referem à qualificação jurídica do “valor registado como saldo inicial da conta “27821 - Outros devedores e credores” no ano de 2014,  não corresponde a empréstimos de sócios, pelo que os valores registados a débito referentes a transferências e cheques emitidos à ordem dos sócios não são considerados devoluções de empréstimos, mas sim adiantamento por conta de lucros, (…),” concluindo-se pela aplicação da presunção prevista no n.º 4 do art.º 6º do CIRS (como feitos a título de lucros ou de adiantamento dos lucros) porquanto não resultaram de mútuos, de prestação de trabalhos ou do exercício de cargos sociais (Ponto III.2, páginas 20 a 26 do Relatório de inspeção).

Ora, da certidão junta aos autos pela Requerente, a denúncia anónima que terá estado na base da abertura do inquérito criminal tem por base a omissão de faturação, dizendo-se, entre o mais, que há várias empresas do calçado que, com base em esquemas contabilísticos e informáticos conseguem não faturar grande parte da sua produção.

                Isto posto, resulta claro que, na situação em apreço, não vem demonstrada a existência de identidade objetiva dos factos – os apurados em sede de inquérito criminal e os que determinaram os procedimentos de inspeção que estão na origem das liquidações ora impugnadas.

Para beneficiar da regra do disposto no artigo 45.º, n.º5, da LGT impendia sobre a Requerida o ónus de fazer prova de que nos autos de inquérito em questão foram investigados factos idênticos aos que justificaram os atos impugnados, o que não acontece.

Na verdade, e como resulta do previsto no artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, pelo que era sobre a Requerida que impenderia o dever de fazer prova do facto constitutivo do direito a emitir a liquidação adicional do IRS controvertida.

Termos em que, o incumprimento desse ónus não pode deixar de refletir-se negativamente sobre a Requerida, tornando ilegal a liquidação adicional ora impugnada, incluindo a relativa aos juros compensatórios, por violação dos artigos 45.º, nº5, e 74.º, da LGT e do artigo 74.º, n.º1, da LGT.

 

III-4-2- Questões prejudicadas

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício que assegura estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil o conhecimento das restantes questões colocadas, de harmonia com o disposto nos artigos 130.º e 680.º, n.º2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º1, alínea e) do RJAT.

 

 

III-4-3- Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso das quantias indevidamente pagas, com juros indemnizatórios.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que determina que “São devidos juros quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Como resulta da matéria de facto fixada, ficou provado que a Requerente efetuou o pagamento da quanta liquidada.

Para além do mais, os erros que afetam as liquidações são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as efetuou por sua iniciativa.

Ora, tendo ocorrido o pagamento, a Requerente, como consequência da anulação das liquidações, terá direito a reembolso das quantias pagas, na parte em as liquidações de imposto e juros compensatórios têm como pressuposto a ilegalidade das liquidações ora impugnadas, tendo também direito a juros indemnizatórios calculados sobre essa quantia, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, já que a anulação da liquidações se baseia em erro imputável aos serviços, pois as liquidações foram exclusivamente geradas pelo entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira. 

Assim, tendo ficado provado o pagamento do imposto, deverão aqueles pedidos ser julgados procedentes, devendo ser calculados juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, contados desde a data do pagamento indevido até ao integral reembolso, nos termos dos artigos 43.º, nº. 1, 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4 do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

 

IV. Decisão

 

Termos em que se decide neste Tribunal coletivo:

 

a)            Jugar procedente o pedido arbitral relativo à liquidação de IRS e respetivos juros compensatórios referentes aos anos de 2014, 2015 e 2016, com a consequente anulação;

b)           Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal supletiva desde a data do pagamento indevido do imposto até ao seu integral reembolso.

 

V. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 298.354,50.

 

VI. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, no valor de € 5.202,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 2 de Novembro de 2021

                                                                                                                                               

Os Árbitros

 

 Fernanda Maçãs

(Presidente)

 

Ofélia Maria Machado Pinto

Sérgio Santos Pereira