Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 112/2020-T
Data da decisão: 2021-01-20  IRS  
Valor do pedido: € 17.227,94
Tema: IRS – Incompetência Material.
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Sumário: A competência dos tribunais arbitrais está prevista no art. 2º, n.º1, al. a) e al. b) do RJAT e nela não se inclui a apreciação da ilegalidade de atos de segundo e terceiro grau que não apreciam a ilegalidade dos atos objeto de impugnação administrativa.

 

Decisão Arbitral

I. RELATÓRIO

I.1

1.            Em 20 de fevereiro de 2020 o contribuinte A... (doravante designada por Contribuinte ou “Requerente”), NIF ..., residente em ..., ..., ..., na Suíça, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 21 de fevereiro de 2020.

3.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 05.08.2020.

5.            A AT apresentou a sua resposta em  27 de setembro de 2020.

6.            O Requerido respondeu às exceções (tempestividade da reclamação graciosa e incompetência material do Tribunal) em 19.10.2020.

7.            Por despacho de 05.11.2020, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.

8.            O Requerente apresentou as suas alegações em 10.10.2020.

9.            A AT apresentou as suas alegações em 12.10.2020.

10.          Pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico subsequente e a consequente, anulação do ato de liquidação de IRS, com o n.º 2017..., referente ao ano fiscal de 2016, com o valor de € 17.227,94.

 

II.A. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

1.            O Requerente é residente na Alemanha desde 15 de Agosto do ano de 2015 – primeiro em Estugarda e depois em Colónia, e aí exerceu a sua actividade profissional durante todo o ano de 2016.

2.            O Requerente procedeu à apresentação de declaração modelo 3 de IRS, declarando rendimentos na categoria A no valor de € 68.911,79 (sessenta e oito mil novecentos e onze euros e setenta e nove cêntimos) e contribuições no valor de € 7.542,62 (sete mil quinhentos e quarenta e dois euros e sessenta e dois cêntimos).

3.            A Autoridade Tributária, não obstante o notório erro em que o contribuinte incorreu, uma vez que não deveria ter apresentado em Portugal declaração de rendimentos e assumindo como devida a retenção na fonte de 25%, nos termos previstos no artigo 71.º, n.º 4 do CIRS, emitiu a liquidação em crise neste processo, reclamando o pagamento de € 17.227,94.

4.            Sucede que, relativamente a esse mesmo exercício fiscal, o aqui Requerente foi sujeito a tributação sobre os rendimentos de trabalho dependente na Alemanha, país onde residia e exerceu actividade, conforme certificação das autoridades fiscais do estado de residência plasmada na modelo 21-RF1.

5.            Depois de actualizada a sua morada no cartão de cidadão, o que só logrou efectivar no decurso do ano de 2017, o Requerente formalizou junto do Serviço de Finanças de ... a sua condição de não residente em território nacional, tendo constituído, inclusive, representante fiscal.

6.            No que respeita à invocada extemporaneidade da reclamação graciosa e tendo o contribuinte defendido que a apresentação da declaração de rendimentos referente ao ano de 2016 em Portugal decorreu de um erróneo entendimento das obrigações declarativas e de pagamento de imposto que tinha que observar, tendo agido de forma impulsiva e seguindo um hábito, na sequência da entrega pela sua entidade patronal de um documento no qual se referenciavam os valores que lhe haviam sido pagos no ano em causa, é notório que se verifica o erro a que alude o n.º 2 do artigo 140.º do CIRS, sendo por conseguinte tempestiva a reclamação deduzida.

7.            No que respeita àquela que se entende ser a questão essencial a dirimir no processo “sub iudice”, assente que em causa está uma situação em que duas jurisdições consideram ser aptas a tributar os rendimentos de trabalho dependente auferidos pelo Requerente no exercício fiscal de 2016, importa definir qual é o Estado competente para essa tributação, o que deverá ser determinado de acordo com os critérios estabelecidos na CDT Alemanha.

8.            Dispõe o n.º 1 do seu artigo 15.º que "…os salários, ordenados e remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado,"

9.            sendo o conceito de residente definido nos termos do artigo 4.º dessa mesma convenção da seguinte forma:"…qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção ou a qualquer outro critério de natureza similar. Todavia, esta expressão não inclui qualquer pessoa que está sujeita a imposto nesse Estado apenas relativamente ao rendimento de fontes localizadas nesse Estado ou a capital aí situado".

10.          Assim, atendendo a que o emprego foi exercido na Alemanha, país onde o trabalhador residia, os rendimentos do trabalho dependente pagos ao referido trabalhador em 2016 estão sujeitos a tributação na Alemanha e não em Portugal, sendo aquele o estado com competência exclusiva para a tributação.

 

II.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

1.            Ao contrário do alegado pelo Requerente, o objeto da reclamação graciosa (anulação da liquidação de IRS referente ao ano de 2016) não foi analisado uma vez que o pedido foi rejeitado liminarmente por se estar perante a sua intempestividade.

2.            Nesse sentido, o pedido foi considerado intempestivo quer nos termos do prazo geral previsto no n.º 1 do artigo 70.º, conjugado com a alínea a), do n.º 1, do artigo 102.º, ambos do CPPT, quer no prazo de dois anos previsto no n.º 2, do artigo 140.º do Código do IRS.

3.            Mais, na audição prévia do recurso hierárquico veio o Requerente discutir o fundamento de erro na declaração, previsto no n.º 2 do artigo 140.º do Código do IRS, situação essa refutada na decisão do recurso em questão.

4.            Recordamos que o STA tem sido unânime no entendimento do que é um “erro evidenciado na declaração do contribuinte” é aquele erro “que é detetável mediante simples análise dessa declaração.

5.            Mas a considerar-se que existe um erro na declaração apresentada pelo Requerente e que apenas ali está por pura ignorância do mesmo (o que não nos parece), então esse erro existente na declaração seria impossível de detetar pela AT sem haver cruzamento de dados.

6.            Na realidade a liquidação de IRS contestada, foi efetuada de acordo com os elementos declarados pelo Requerente, não se vislumbrando qualquer erro na declaração.

7.            A liquidação contestada não só não viola a lei como foi de acordo com as normas estipuladas no Código do IRS e dos artigos 4.º e 15.º n.º 1 da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha.

8.            No que diz respeito às normas do Código do IRS, a liquidação em causa foi efetuada de acordo com os elementos declarados pelo Requerente observando as normas do Código do IRS, nomeadamente o disposto nos artigos 15º, 18º e 71º.

9.            Quanto à violação do disposto nos artigos 4.º e 15.º, n.º 1 da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha, mais uma vez ao sujeito passivo não lhe assiste razão.

10.          Sendo certo que o artigo 4º da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha diz respeito à residência fiscal, já o disposto no artigo 15º n.º 1 da referida CDT diz respeito ao trabalho dependente.

11.          Nos termos do n.º 1 do artigo 15.º daquela CDT, com ressalva do disposto nos artigos 16.º, 18.º, 19.º, 20.º e 21.º, os salários, ordenados e remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante, caso em que se o emprego aí for exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado.

12.          De onde se infere que, situando-se o domicílio fiscal na Alemanha, e o exercício do emprego em Portugal, a competência tributária é cumulativa.

13.          Cabendo a eliminação da dupla tributação assim gerada ao Estado da residência (Alemanha), através de concessão de um crédito de imposto, nos termos constantes do artigo 24.º da CDT.

14.          Deste modo, fica demonstrado que ao contrário do invocado pelo Requerente, Portugal tem competência para tributar os rendimentos em causa, cf. estipula o n.º 1 do artigo 15.º da CDT celebrada entre Portugal e Alemanha.

15.          Face ao exposto, verifica-se que a declaração de IRS contestada respeitou as normas do Código do IRS e da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha, pelo que não estamos perante qualquer erro da declaração que permita que se aprecie o pedido nos termos do n.º 2 do artigo 140.º do Código do IRS, confirmando-se a extemporaneidade do pedido.

 

II.C O Requerente convidado a responder sobre a tempestividade da reclamação graciosa e da incompetência material do Tribunal respondeu da seguinte forma:

 

1.            Atento o preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, que expressamente consagra a competência dos tribunais arbitrais para apreciar “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, dúvidas não podem, pois, suscitar-se quanto à competência material deste Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade do acto de liquidação submetido à sua análise pelo Requerente.

2.            Mais se dirá que contrariamente ao sugerido na sua Resposta, as decisões proferidas pela Autoridade Tributária no decurso do procedimento administrativo em momento algum se limitaram a pronunciar-se sobre a tempestividade ou a intempestividade do meio procedimental utilizado pelo Requerente.

3.            Com efeito, se é certo que quer na decisão proferida quanto à reclamação graciosa, quer, posteriormente, na decisão que emitiu pronúncia quanto ao recurso hierárquico, a Autoridade Tributária não deixou de tecer considerações quanto à tempestividade da sua apresentação,

4.            é igualmente incontestável que não deixou de analisar e ponderar as questões atinentes à competência para a tributação (a questão central no pedido sujeito a este Tribunal Arbitral), afirmando, contra os argumentos apresentados pelo contribuinte, que Portugal era competente para a tributação dos referidos rendimentos e que inexistiu qualquer erro na declaração.

5.            Não estão em causa decisões de segundo e terceiro grau que apenas se pronunciam sobre intempestividade do meio processual utilizado, estando antes em causa decisões que expressamente apreciam a própria legalidade do acto de liquidação,

6.            ainda que alegadamente o façam apenas de forma instrumental.

7.            Termos em que, sendo o objecto do processo arbitral o acto de liquidação de IRS, deverá a excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral ser julgada improcedente, com todas as legais consequências.

8.            Considera-se que, atenta a data em que operou a notificação da decisão de indeferimento da decisão do recurso hierárquico, que chegou ao conhecimento do representante fiscal do contribuinte em 2019/11/22, e tendo o prazo para o pedido constituição de tribunal arbitral sido apresentado a 20/02/2020, se cumpriu o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).

9.            E, salvo o devido respeito por opinião diversa, essa conclusão não deve ser outra, ainda que se pondere a questão da eventual extemporaneidade da reclamação graciosa, que não se aceita,

10.          uma vez que se entende que deve ser chamado à colação o preceituado no n.º 2 do artigo 140.º do CIRS, não estando vedado ao contribuinte apresentar reclamação graciosa no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração (sendo que esse prazo foi cumprido, conforme foi inclusive assumido pela AT, nas decisões proferidas em sede administrativa).

11.          Ora, a verdade é que esta norma convoca duas diferentes vertentes que não podem deixar de ser devidamente ponderadas:

-em primeiro lugar, o objectivo do legislador fiscal foi o de, antes de se sujeitar a questão a um tribunal, se permitir a pronúncia da Autoridade Tributária sobre uma questão ou matéria que não tinha merecido uma particular análise a quando do simples tratamento da declaração, com vista à emissão de uma nota de liquidação;

- por outro lado, o conceito de “erro” a que a norma faz apelo em nada contende com a definição de “erro evidenciado na declaração” contida no n.º 2 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária.

12.          Com efeito, o erro na declaração que o n.º 2 do artigo 140.º do CIRS refere aproxima-se mais do conceito previsto no artigo 131.º do CPPT, do que do entendimento de que em causa está apenas uma mera irregularidade ou omissão no preenchimento de um modelo declarativo legalmente aprovado e em que o declarante não preencheu todos os campos idóneos para revelar adequadamente a sua situação tributária perante a autoridade competente,

13.          podendo mesmo defender-se que em causa está o conceito de erro no sentido civilista de uma divergência entre a vontade real do declarante e aquilo que foi evidenciado na declaração apresentada à autoridade tributária.

14.          Donde se deverá concluir que o contribuinte procedeu, em tempo, à apresentação da reclamação graciosa, pelo que se encontrava em condições para proceder à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral, devendo considerar-se improcedente a excepção de intempestividade invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

III. SANEAMENTO

 

A exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, será apreciada prioritariamente no ponto V infra.

O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

1.O Requerente no dia 02.05.2017 entregou de declaração modelo 3 de IRS, declarando rendimentos na categoria A no valor de € 68.911,79 (sessenta e oito mil novecentos e onze euros e setenta e nove cêntimos), contribuições no valor de € 7.542,62 (sete mil quinhentos e quarenta e dois euros e sessenta e dois cêntimos) e sem qualquer retenção na fonte.

2.O Contribuinte declarou ser não residente.

3.A referida declaração deu origem à liquidação n.º 2017...., com um valor a pagar de €17.227,94.

4.O contribuinte entregou no dia 04/04/2018 uma reclamação graciosa onde solicitou a anulação da liquidação de IRS/2016 e a devolução da quantia entretanto penhorada no âmbito do processo execução fiscal.

5.O Diretor de Finanças de ..., por despacho de 17.10.2018 proferiu a seguinte decisão: “Presente os fundamentos e argumentação invocada na informação antecedente, REJEITO LIMINARMENTE a petição por extemporaneidade.”

6. Em 14.11.2018 o contribuinte apresentou um recurso hierárquico.

7.Em 18.11.2019, por despacho do Diretor de Serviços da DSRI, por delegação, o recurso hierárquico foi decidido da seguinte forma: “Face ao exposto, e não se vislumbrando qualquer ilegalidade na decisão objeto de recurso, nem no acto de liquidação de IRS que lhe está subjacente, afigura-se que deverá ser mantida a decisão de rejeição liminar proferida na RG n.º ...2018..., termos em que a presente petição não merece provimento, propondo-se o indeferimento integral do presente recurso hierárquico.”

8.O contribuinte apresentou o pedido de pronuncia arbitral junto do CAAD no dia 20.02.2020

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 8 são dados como assentes pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 9 do pedido de constituição do Tribunal), pela posição assumida pelas partes e pelo processo administrativo junto aos autos.

 

V. O Direito

 

A primeira questão a apreciar, e cuja procedência prejudicará o conhecimento das demais, prende-se com a exceção de incompetência material do Tribunal.

A incompetência material é de conhecimento oficioso (art. 16º, n.º1 e n.º2 do CPPT aplicável ex vi do art. 29º, al. c) do RJAT).

Este Tribunal verifica que o pedido de pronúncia arbitral é apresentado na sequência de uma reclamação graciosa, cuja decisão foi a sua rejeição liminar por ter sido apresentada de forma extemporânea.

De seguida, o Requerente apresentou um recurso hierárquico, o qual confirmou a decisão proferida na reclamação graciosa, considerando a sua rejeição liminar legal e legítima.

Quid Juris quanto à competência material deste Tribunal Arbitral?

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, que estabelece o seguinte:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”

O âmbito da jurisdição arbitral tributária, como refere a decisão arbitral proferida no processo n.º 669/2015-T de 28.03.2016, «ficou, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (alínea a)).»

Significa isto que, o tribunal arbitral – sem fazer alusão à questão da vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos do RJAT e à Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, por não ter manifesto interesse para a matéria em causa nos presentes autos – apenas tem competência, ao abrigo do RJAT, para apreciar a declaração de ilegalidade de:

a)            Liquidação de tributos;

b)           Autoliquidação;

c)            Retenção na fonte;

d)           Pagamento por conta;

e)           De atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à

liquidação de qualquer tributo;

f)            De atos de determinação da matéria coletável e

g)            de atos de fixação de valores patrimoniais;

 

Na verdade, a competência dos tribunais arbitrais prevista no RJAT é taxativa.

No caso em apreço, na reclamação graciosa, a legalidade da liquidação não chega verdadeiramente a ser analisada pela AT. Esta limitou-se a verificar se existia, ou não, erro na declaração, ao abrigo do art. 140º do CIRS, para aferir se a reclamação graciosa tinha sido, ou não, apresentada tempestivamente. Aliás a decisão da reclamação identifica expressamente o objeto em apreciação com a seguinte epígrafe – Apreciação de eventual erro na declaração.

Independentemente da correção, ou não, da conclusão sobre a correta interpretação do conceito de erro na declaração, a verdade é que a reclamação graciosa foi rejeitada liminarmente por extemporaneidade.

A decisão proferida no recurso hierárquico volta a confirmar decisão proferida antes em sede de reclamação graciosa e mantém a rejeição limiar por extemporaneidade. No recurso hierárquico é expressamente referido que o seu âmbito está delimitado à análise dos fundamentos da rejeição liminar (Cf. IV, al. A, n.º3).

A competência dos tribunais arbitrais está prevista no art. 2º, n.º1, al. a) e al. b) do RJAT e nela não se inclui a apreciação da ilegalidade de atos de segundo (RG) e terceiro grau (RH) que não apreciam a ilegalidade dos atos objeto de impugnação administrativa que apenas se pronunciam sobre a intempestividade do meio procedimental utilizado (Neste sentido Cf. Comentário ao RJAT de Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, 3ª Ed., Almedina, pág. 111 a 114.)

No mesmo sentido Cfr. Carla Castelo Trindade, RJAT anotado, 2016, pág. 71:

“(…) os vícios próprios dos actos de indeferimento expresso de reclamações graciosas, recursos hierárquicos e pedidos de revisão de ato tributário, não são arbitráveis.”

A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, a apreciação da legalidade de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da directriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a), do n.º 4, do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objectos possíveis do processo arbitral tributário «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objectos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos actos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação.

Ou seja, caso a AT haja recusado a apreciação da reclamação graciosa com fundamento em qualquer questão prévia que obste ao conhecimento da legalidade do acto tributário de primeiro grau, verifica-se uma situação em que tal acto terá de ser impugnado por via da acção administrativa e, consequentemente não cabe na esfera de competência do tribunal arbitral.

Estamos, assim, perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através da impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97º do CPPT e do artigo 2º do RJAT (vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-04-2010 proferido no processo n.º 0120/09 ), o que vale a dizer que não cabe no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais. Neste sentido cf. a seguintes decisões arbitrais: proc. n.º 707/2019-T de 09.03.2020 e proc. n.º131/2019-T de 23.10.2019.

Face ao exposto, nos termos do art. 2º, n.º1, al. a) do D.L. n.º10/2011 de 20 de Janeiro, o Tribunal conclui que é materialmente incompetente, o que implica a absolvição da Requerida da instância (art.º 99º, nº 1 do CPC, ex vi, art.º. 29º, nº 1 alínea e) do RJAT), ficando assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no processo (art.º 608º, nº 2 do CPC, ex vi, art.º. 29º, nº 1 alínea e) do RJAT).

 

VI.          DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) Julgar procedente a exceção de incompetência material deste Tribunal Arbitral por a pretensão da Requerente versar sobre a apreciação da legalidade de atos administrativos que não comportam a apreciação da legalidade do ato de liquidação do tributo, não incluído na vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e, em consequência, absolver a Requerida da instância;

b) Condenar o Requerente no pagamento das custas do processo, nos termos infra.

 

Fixa-se o valor do processo em €17.227,94 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pelo Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de janeiro de 2021  

 

O Árbitro

(André Festas da Silva)